Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 291/20.0BEALM |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/14/2021 |
Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
Descritores: | PENHORA PROTEÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA VENDA DE IMÓVEL SEDE DA SOCIEDADE DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO COMUNICAÇÃO SUBSEQUENTE AO REGISTO |
Sumário: | |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | I - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim.
II – A comunicação subsequente ao registo, da dissolução e liquidação da devedora principal à administração tributária prevista no artigo 14.º, alínea b) Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, tem apenas por finalidade de simplificação, dispensando a necessidade de apresentação, pelo requerente da dissolução, das competentes declarações de alteração de situação jurídica fiscal. III – Dissolvida e liquidada a devedora principal, e publicado o respectivo registo, tal facto no portal do Ministério das Finanças, em data anterior à notificação da penhora e da citação do revertido, ainda que não comunicada à Administração Tributária, não se pode afirmar, para excluir a protecção conferida à casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, que a sede da sociedade continua a ser localizada no imóvel penhorado, para assim considerar não verificado o requisito do imóvel se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do executado e estar efectivamente afecto a tal fim. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou procedente a reclamação apresentada por J....., com os demais sinais nos autos, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 2, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, que determinou a venda de ½ do imóvel inscrito na matriz predial urbana da ....., sob o artigo n.º ....., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º ....., dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «1- Citado da venda do imóvel correspondente a ½ do artigo ....., da ....., vem o Executado, e ora Reclamante, alegar, e em síntese, que a dívida exequenda, em causa, deveu-se a dificuldades financeiras de mercado de uma empresa de que o requerente foi sócio gerente, tendo a reversão, por dívidas, recaído sobre si. 2- Mais alegando que sempre tentou e ainda tenta desesperadamente conseguir um acordo com a Administração Fiscal que lhe permita o pagamento dos valores em causa, nunca tendo tido por parte desta qualquer abertura para o efeito e, ainda que as faltas de pagamento à Administração Fiscal sucederam por conta de valores facturados que nunca foram pagos ao executado pelos seus clientes. 3- E, por último que nos termos dos artigos 219.º e 244.º, do CPPT, “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”. 4- Pedindo, a final, a suspenção da venda por considerar que este regime, introduzido pela lei 13/2016, de 23 de Maio, visa proteger a casa de morada de família do Executado. 5- Contudo, sempre se dirá que a protecção conferida por esta lei, não se estende às situações em que haja concurso de credores. 6- Sendo também certo que, nas execuções instauradas por credor hipotecário, muito dificilmente o Estado será ressarcido no valor do seu crédito, porquanto apenas as dívidas de IMI e de IMT se sobrepõem, por via dos privilégios creditórios, às dívidas dos credores garantidos por hipoteca. 7- Seja como for, a verdade é que, no caso que ora nos ocupa, o objecto do despacho, ora reclamado, não é a casa de morada de família, tout court, mas a venda de ½ do art.º ....., da ....., sede da devedora originária, “I....., Lda – NIF .....”, cujo valor se destina ao pagamento de dívidas de IRS e IVA de 2009, no total de € 24.492,22, da executada. 8- Ou seja, a venda de ½ indeviso do art.º ....., da ....., sede da devedora originária, “I....., Lda – NIF .....”, afecto a outras actividades, dado ter sido penhorado por constituir a sede da sociedade executada originária, I....., Lda. 9- Por sua vez, na douta Sentença, ora posta em crise, o Tribunal conclui que a decisão reclamada enferma de erro sobre os seus pressupostos de facto, violando o preceituado no n.º 5 do artigo 219.º e no n.º 2 do artigo 244.º, ambos do CPPT, porque, e passamos a citar, “…o domicílio fiscal do Reclamante corresponde, precisamente, à morada correspondente ao imóvel em causa nos autos. (…) O que a Administração Tributária afirma, para sustentar a decisão reclamada, é que o referido imóvel não é afecto exclusivamente à habitação do Reclamante, uma vez que está afecto a outras actividades, dado que tal imóvel constitui a sede da sociedade executada originária, I....., Lda. (…) Todavia, se esta era a realidade (…) o mesmo já não se poderá entender à data em que foi proferida a decisão reclamada.” 10- Mais conclui, conforme último parágrafo, página 9, da douta Sentença, que “…pelo menos a partir desta data (18 de Janeiro de 2016) a sociedade já não tinha qualquer actividade.” 10- Decisão com a qual, e salvo o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública não se pode conformar, desde logo porque, sempre com o devido respeito, este entendimento vai contra o processado. 11- Com efeito, tal como decorre dos autos, o que impulsionou a presente Reclamação, do Executado, e ora Reclamante, foi tão-somente o propósito da suspenção da venda de uma parte do imóvel, correspondente a ½ do artigo ....., da ....., não obstante referir no pedido, feito a final, que a presente Reclamação deverá ser julgada procedente e em consequência, suspender-se a venda do imóvel em análise. 12- Sendo certo que, com excepção da cessação em IVA, não consta dos autos qualquer comunicação no tocante à extinção da sociedade. E se motivos houvesse, a Administração Tributária teria deitado mão do disposto no artigo 83.º, do CPPT, promovendo a dissolução e liquidação, a qual constaria dos autos. 13- Mas a verdade é que, o documento, junto pelo douto Tribunal “a quo”, relativo à dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “I....., Lda., devedora originária, na sequência da AP. ....., não consta dos autos. 14- Acresce que o regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, a que se refere a alínea h), do n.º 3 do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, vem regulado no anexo III deste Diploma, estatuindo o artigo 4.º “Início voluntário do procedimento”, que as entidades comerciais, os membros de entidades comerciais, os respectivos sucessores, os credores das entidades comerciais e os credores de sócios e cooperadores de responsabilidade ilimitada podem iniciar o procedimento administrativo de dissolução mediante a apresentação de requerimento no serviço de registo competente. 15- Mas mais, estatuindo o artigo 14.º “Comunicações subsequentes ao registo da dissolução” que efectuado o registo da dissolução, o serviço de registo competente procede de imediato à comunicação do facto, por via electrónica, às seguintes entidades: a) Ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, para efeitos da inscrição do facto no ficheiro central de pessoas colectivas; b) À administração tributária e à segurança social, para efeitos de dispensa de apresentação das competentes declarações de alteração de situação jurídica. 16- Por outro lado, também é verdade, quando uma determinada empresa deixa de exercer a sua actividade por um determinado período, ser frequente os seus responsáveis e o TOC equacionarem a cessação para efeitos de IVA, porque com esta medida, além de deixarem de ter a obrigação declarativa referente a cada período de imposto, podem ainda ter vantagens a nível de IRC, na medida em que, existindo inactividade e sendo entregue declaração de cessação em IVA, é dispensado o Pagamento Especial por Conta -PEC. 17- E se é certo que o artigo 34º do Código do IVA, permite a cessação de IVA quando “deixem de praticar-se atos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º, os bens a essa data existentes no ativo da empresa;”. 18- Porém, um erro bastante frequente é desconsiderar-se a parte final do sobredito preceito. Em termos muito simples, significa que, se o sujeito passivo pretender cessar atividade por não ter praticado atos tributáveis (incluindo operações isentas) durante dois anos, por estar em rigorosa inatividade, se possuir património que esteja desonerado de IVA por se ter exercido o direito à dedução, então haverá que liquidar IVA sobre tal património existente. 19- Pode então existir, em consequência da cessação, um valor de imposto a entregar ao Estado. E o facto de a Administração Tributária, eventualmente, nem sempre detectar as situações em que era devida liquidação de IVA, pelo património remanescente, tem contribuído para perpetuar a convicção de que se pode usar de uma mera suspensão do registo em IVA, sem consequências neste imposto e até com vantagem de dispensa do PEC. 20- Concluindo-se, assim, que este procedimento é potenciado pela cessação da obrigação declarativa em IVA, referente a cada período de imposto, bem como pela possibilidade de, existindo inactividade e sendo entregue declaração de cessação em IVA, os contribuintes beneficiarem da dispensa do pagamento especial por conta. 21- Isto para dizer que nem tudo é o que parece, salientando-se ainda que, o Executado, e ora Reclamante, citado em reversão, em 15-07-2015, nada fez. Isto é, citado pessoalmente das dívidas da devedora originário “I..... LDA.”, NIPC: ....., em 15-07-2015 (citação em reversão) não contestou, nem graciosa nem judicialmente, essa citação. 22- Na verdade, nos termos do artigo 24.º n.º 1, da Lei Geral Tributária, os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. 23- O mesmo se diga, “mutatis mutandis”, quando foi notificado da penhora que incidiu sobre ½ indiviso do bem imóvel inscrito na matriz predial urbana da .....sob o artigo ....., do Concelho de Setúbal. 24- Por conseguinte, salvo o devido respeito, carece de fundamento o alegado logo no artigo 2.º da douta PI, quando refere, e passamos a transcrever, que “O executado (…) sempre tentou e ainda tenta desesperadamente conseguir um acordo com a Administração Fiscal que lhe permita o pagamento dos valores em causa, nunca tendo tido por parte desta qualquer abertura para o efeito.” 25- Porque o que consta dos autos, é tão-somente um Requerimento, com data de 22 de Janeiro de 2019, mas cujo processo executivo respeitava ao Instituto da Segurança Social, tendo disso sido notificado em 25 de Fevereiro de 2019. 26- Podendo ainda ler-se no alegado atinente à venda (PI – art.º 5.º) “ipsis vervis”, como se transcreve: - “… 5.º O que revela a venda (entenda-se, sempre, de ½ indiviso) da sua casa de morada de família motivada por uma dívida a que o próprio requerente não deu origem, uma manifesta e insustentável injustiça.” 27- Porém a verdade é que poderia (em sede própria) ter-se oposto à reversão das dívidas, e, quem sabe, ser declarado não culpado. Isto é, ficcionando, que não foi por culpa sua que o património da pessoa colectiva, em questão, se terá tornado insuficiente para a satisfação das dívidas; e/ou provar que a falta de pagamento jamais lhe poderia ser imputável. 28- E desta forma ilidir a presunção de culpa que, à data, sobre si recaiu. Porém, não o tendo feito, atento todo o processado, o despacho da decisão de venda, ora reclamado, de nenhum vício padece. 29- Na verdade, salvo o devido respeito, ao invés do aludido no segundo parágrafo, a pág.10, da douta Sentença, - “Tendo a decisão reclamada sido proferida em 23.01.2020, já há muito tempo aquela sociedade se encontrava dissolvida e com a liquidação encerrada, pelo que, à data, nenhuma actividade poderia ter, designadamente no imóvel em causa nos autos. Não se podendo, assim, afirmar que o imóvel se encontra afecto à referida sociedade, à sua actividade. Estando o imóvel afecto exclusivamente à habitação permanente do Reclamante.” – a decisão ora reclamada não pode ser vista, assim, de forma isolada, ou como um acto isolado, mas antes como o corolário (final) de todo o processado. 30- Acresce, ainda, que (Ficcionando de novo) mesmo que o aludido ½ indiviso, respeitasse à casa de morada de família, que, salvo o devido respeito, não é o caso, durante o período de impedimento legal o prazo de prescrição legal não só se suspende, como o Executado desconhece por quanto tempo se conservará a suspensão. 31- E caso a dívida não seja liquidada voluntariamente ou, eventualmente, através da venda de um outro bem do Executado, a verdade é que continuar-se-ão a vencer juros “ad nutum”. 32- Concluindo-se, assim, que - atento todo o exposto, e ao invés do decidido na Sentença, do douto Tribunal “a quo” - a decisão, reclamada, do Órgão de Execução Fiscal, não enferma do vício que lhe é imputado e, em consequência, deve a mesma ser substituída por douto Acórdão que declare a Reclamação improcedente. 33 - Assim, salvo o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal “a quo”, ao assim decidir, fez errónea interpretação e aplicação do Direito, violando, designadamente, o preceituado no n.º 5, do artigo 219.º do CPPT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a Sentença, do douto Tribunal “a quo”, ora sob Recurso, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente Reclamação, tudo com as devidas e legais consequências.» * O Recorrido não apresentou contra-alegações. * Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, porquanto, nos seus termos, «analisada a douta sentença em causa, depara-se-nos aquela como devidamente fundamentada, tanto no que concerne à matéria de facto quanto à de direito, pelo que não vislumbramos que de alguma forma com a argumentação ora aduzida se coloquem em causa os fundamentos da douta decisão, fundamentos aqueles aos quais aderimos, dando-os aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais». * Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir: - se a decisão recorrida fez errado julgamento de facto relativamente aos elementos de prova constantes dos autos, ao decidir que o acto reclamado é ilegal por erro nos seus pressupostos de facto, por considerar que em face das circunstâncias do caso, o imóvel penhorado constitui exclusivamente a habitação própria permanente do devedor ou do seu agregado familiar, não estando afecta, também, a outros fins; * III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «A) Correm termos no Serviço de Finanças de Setúbal 2 os processos de execução fiscal n.ºs .....e apensos (n.ºs ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., ....., .....e .....), instaurados contra a sociedade I....., Lda, por dívida de IVA e IRS dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor total de 66.338,20 EUR (cfr. processo de execução apenso aos autos); * Consta ainda da mesma sentença que «não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão» e que «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.». * III. 2 – Fundamentação de direito
Comecemos por analisar o enquadramento jurídico da questão. Está assim em causa, saber se foi feita errada valoração da prova, ou seja, se dos autos resultam factos que permitam concluir que o imóvel penhorado era também a sede da devedora como defende a recorrente. Na sentença recorrida considerou-se que, pelo menos a partir de 18/01/2016, data em que foi registada a dissolução e encerramento da liquidação, a sociedade já não tinha qualquer actividade, concluindo que o imóvel estava afecto exclusividade à habitação permanente do Reclamante, ora recorrido, enfermando a decisão reclamada de erro nos pressupostos de facto em violação do preceituado no n.º 5 do artigo 219.º e no n.º 2 do artigo 244.º, ambos do CPPT. * O recorrido alegou na petição inicial que o imóvel penhorado é a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, e que nos termos do disposto nos artigos 219.º e 244.º do CPPT não podia ser objecto de venda por estar afecto a esse fim. Para o efeito juntou prova documental consubstanciada em facturas relativas a consumo de água e serviços conexos e serviços de internet, televisão e equipamentos conexos, ambas em seu nome e relativas ao imóvel penhorado. Mais invocou que a Administração Tributária tinha conhecimento de ser aquela mesma morada o seu domicílio fiscal. Como vimos, a recorrente não questiona que o imóvel em causa esteja afecto a habitação própria permanente do executado, ora recorrido, daí que na sentença se tenha dado por assente o teor do ponto L). Na sentença concluiu-se pela finalidade habitacional do próprio recorrido a título permanente e em exclusividade decorrente do facto de «…pelo menos a partir desta data (18 de Janeiro de 2016) a sociedade já não tinha qualquer actividade.» A recorrente não se conforma com o assim decidido na medida em que «este entendimento vai contra o processado.» No entanto, nada refere quanto ao que considera ser o «processado», donde emerge a conclusão que considera ser a correcta. Direcciona a sua argumentação alegando um conjunto de formalidades que considera incumpridas, invocando que a cessação do IVA nem sempre corresponde ao pretendido, cuja relevância se apreciará de seguida. Analisemos se do «processado» constante da matéria de facto provada resulta conclusão diversa da que chegou o juiz a quo, ao concluir que o acto reclamado padece de erro sobre os seus pressupostos, que sustente o erro de julgamento, como defende a recorrente. Quanto à questão ao destino e efectiva afectação do imóvel a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, também resulta dos elementos constantes dos autos, como se concluiu na sentença, que, pelo menos desde a data do registo da dissolução que se impõe dar por adquirido que o imóvel em causa era exclusivamente destinada e, efectivamente afecto a habitação própria e permanente do recorrido. Na verdade, atenta a dissolução e registo da liquidação, dúvidas não existem de que a sociedade, depois de extinta, não podia ter sede em qualquer parte por impossibilidade lógica e legal. E foi a esta conclusão a que chegou o juiz a quo na fundamentação da sentença como se deixou transcrito supra. Quanto ao assim decidido, alicerça a recorrente as suas alegações de recurso nos seguintes argumentos: «com excepção da cessação em sede de IVA, não consta dos autos qualquer comunicação no tocante à extinção da sociedade, e que se motivos houvesse, a Administração Tributária teria deitado mão do disposto no artigo 83.º, do CPPT, promovendo a dissolução e liquidação, a qual constaria dos autos» (conclusão 12) e que «o documento relativo à dissolução e encerramento da liquidação da sociedade devedora principal não constam dos autos», subentendendo-se que a recorrente se refere ao processo de execução fiscal. Cremos que a recorrente se refere aos autos de execução fiscal, e não aos autos de reclamação do acto do órgão da execução fiscal, na medida em que refere na conclusão 13 o seguinte: «a verdade é que, o documento, junto pelo douto Tribunal “a quo”, relativo à dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “I....., Lda., devedora originária, na sequência da AP. ....., não consta dos autos» prosseguindo a sua alegação com a referência à omissão, praticada pelo serviço de registo competente, da obrigação de comunicação subsequente ao registo da dissolução à administração tributária em violação do regime jurídico aplicável (cf. conclusões 12 a 15). Alega assim, a recorrente, que não foi comunicado à administração tributária o registo da dissolução da sociedade conforme obriga o regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais, a que se refere a alínea h) do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março (conclusões 14 e 15). O que se retira da alegação de recurso é que os serviços de registo competentes omitiram a comunicação do registo da dissolução da sociedade e que, assim sendo, a administração tributária não tinha conhecimento desse facto. Contudo, a recorrente não extrai nenhuma consequência desse facto. Parecendo subentender que pretende invocar a inoponibilidade do registo relativamente à administração tributária. O Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março procedeu à actualização e flexibilização dos modelos de governo das sociedades anónimas e à adopção de medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais e à aprovação do De acordo com o regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, a dissolução é oficiosamente registada e, nos casos a que se refere o n.º 4 do artigo 11.º (inexistência de activo ou passivo), o conservador lavra simultaneamente o registo do encerramento da liquidação. Nos termos do disposto no artigo 14.º do referido regime, «efectuado o registo da dissolução, o serviço de registo competente procede de imediato à comunicação do facto, por via electrónica, às seguintes entidades: a) Ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, para efeitos da inscrição do facto no ficheiro central de pessoas colectivas; b) À administração tributária e à segurança social, para efeitos de dispensa de apresentação das competentes declarações de alteração de situação jurídica.» Da citada norma resulta claro que as comunicações subsequentes ao registo da dissolução destinam-se a simplificar procedimentos da competência de outras entidades que intervêm na prática de actos que resultam da extinção das sociedades, de modo a que os actos sejam praticados oficiosamente, sem necessidade de iniciativa dos requerentes da dissolução, como se infere da expressa menção «para efeitos de dispensa de apresentação das competentes declarações de alteração de situação jurídica». Dito de outro modo, sendo efectuada a comunicação oficiosa do registo de dissolução e da liquidação, a administração tributária promoverá a alteração da situação jurídica fiscal da sociedade, também oficiosamente, em conformidade, dispensando-se a apresentação das competentes declarações de alteração da situação jurídica da entidade dissolvida. Nada resulta do referido regime que a falta de comunicação do registo da dissolução opere outros efeitos, como a sua inoponibilidade. Nem da omissão praticada pode resultar prejuízo para o recorrido relativamente à verificação dos pressupostos da decisão de venda em causa nos autos por parte do órgão da execução fiscal. Em consequência improcede o recurso nesta parte. Alega a recorrente que a cessação para efeitos de IVA nem sempre significa o que parece, já que frequentemente é equacionado como meio de «deixarem de ter a obrigação declarativa referente a cada período de imposto» e «existindo inactividade e sendo entregue declaração de cessação em IVA, é dispensado o Pagamento Especial por Conta – PEC.» quando ao fim de dois anos consecutivos haverá que liquidar IVA sobre o património existente» sobre o qual tenha sido exercido o direito à dedução, mais salientando que o recorrido, «citado em reversão, em 15-07-2015, nada fez (…) não contestou, nem graciosa nem judicialmente, essa citação.» (conclusões 16 e 21). Também aqui se conclui que do processado não se retira a conclusão pretendida pela recorrente que sustente a verificação do apontado erro de julgamento. Mais uma vez, não é apontada a consequência para a situação dos autos que decorra do facto de, existindo inactividade, frequentemente os contribuintes «declararam a cessação em IVA» pela vantagem da dispensa do PEC. O que resulta da prova e que o recorrido já não era sócio, nem gerente da sociedade desde, pelo menos, 03/04/2009, data em que transmitiu a sociedade e renunciou à gerência. O que se pode inferir destes factos é que o recorrido deixou de ter legitimidade para proceder à alteração da sede da sociedade e que é verosímil que desconhecesse o destino dado à sociedade por, pelo menos do ponto de vista jurídico, se ter dissociado da titularidade do capital e da gerência e direito da sociedade reforçando assim a convicção de que o imóvel terá deixado de ser a sede material da sociedade. Mais cautelosa, a sentença recorrida considerou que, pelo menos desde a data da dissolução e liquidação da sociedade, o local já não podia ser, por impossibilidade jurídica, a sede da sociedade por inexistência de actividade, naquele, ou em qualquer local. Assim sendo, não se alcança como é que a actuação dos contribuintes descrita nas conclusões 16 a 21 corresponde a prova de que o imóvel em causa nos autos não era destinado exclusivamente a habitação própria permanente, ou seja, que o imóvel penhorado era destinado a outros fins, como o funcionamento da sede da sociedade, pelo que, resta julgar as referidas conclusões improcedentes. Por fim, nas conclusões constantes dos n.ºs 22 a 32 a recorrente invoca que o recorrido nada fez após a citação e a notificação da penhora, procedendo ainda à contestação de argumentos invocados pelo recorrido na petição inicial relativos à culpa, enquanto gerente e ao pedido de pagamento em prestações que, nesta sede, não são relevantes por não integrarem a fundamentação da sentença recorrida, pelo que também as referidas conclusões de recurso apreciadas improcedem. Ora, dissolvida e liquidada a devedora principal, e publicado o registo no portal do Ministério das Finanças, em data anterior à notificação da penhora e da citação do revertido, ainda que não comunicada à Administração Tributária, não se pode afirmar, para excluir a protecção conferida à casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, que a sede da sociedade continua a ser localizada no imóvel penhorado, para assim considerar não verificado o requisito de se destinar o imóvel exclusivamente a habitação própria e permanente do executado e estar efectivamete afecto a tal fim, razão pela qual improcedem as referidas conclusões. Em face de tudo o que vem dito impõe-se negar provimento ao recurso. * Vigorando o princípio da causalidade na determinação da responsabilidade pelas custas, conforme resulta do disposto no artigo 527.º do CPC, recai sobre quem lhes tiver dado causa. Vencida na causa, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente, por lhes ter dado causa. * IV – CONCLUSÕES
I - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim.
II – A comunicação subsequente ao registo, da dissolução e liquidação da devedora principal à administração tributária prevista no artigo 14.º, alínea b) Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, tem apenas por finalidade de simplificação, dispensando a necessidade de apresentação, pelo requerente da dissolução, das competentes declarações de alteração de situação jurídica fiscal.
III – Dissolvida e liquidada a devedora principal, e publicado o respectivo registo, tal facto no portal do Ministério das Finanças, em data anterior à notificação da penhora e da citação do revertido, ainda que não comunicada à Administração Tributária, não se pode afirmar, para excluir a protecção conferida à casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, que a sede da sociedade continua a ser localizada no imóvel penhorado, para assim considerar não verificado o requisito do imóvel se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do executado e estar efectivamente afecto a tal fim.
V - DECISÃO Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença na ordem jurídica. Custas pela recorrente. Lisboa, 14 de Janeiro de 2021. _________________________________ (Ana Cristina Carvalho) _________________________________ (Ana Pinhol) ________________________________ (Isabel Fernandes) |