Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:49/18.7BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I. Só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º, nº 2, do CPC).
II. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO


S...................... veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral 404/2017-T que, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade do Despacho do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Leiria, por delegação, datado de 2017/05/08, que indeferiu a Reclamação da Autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) de 2013, finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. A Requerente, na Reclamação Graciosa da Autoliquidação do exercício de 2013, solicita a anulação do acto de autoliquidação de IRC, por entender que o disposto no artigo 69º do CIRC (à data em vigor), e com base no qual o imposto foi apurado, ao excluir da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) as sociedades dominantes não residentes, e as sociedades que sejam indirectamente detidas pela sociedade dominante por intermédio de sociedades não residentes, está de forma clara a violar o Direito Comunitário, mais precisamente a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43º do Tratado da Comunidade Europeia.

2. Nos termos melhor constantes no Despacho de Indeferimento a Autoridade Tribuária indeferiu a Reclamação Graciosa alegando que o que a Requerente pretendia era a aplicação retroactiva do disposto no artigo 69º-A do CIRC (introduzido pela Lei nº 82-C/2014, de 31/12/2014), contudo tal não e possível pois o referido preceito legal apenas é aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01 de Janeiro de 2015 (pontos 20 a 23 do Despacho de Indeferimento).

3. No pedido de pronúncia arbitral, como causa de pedir a Impugnante reafirma a ilegalidade da autoliquidação, com fundamento na ilegalidade abstracta do disposto no artigo 69° do CIRC, face ao direito comunitário, alegando ainda que ao contrário do referido pela AT no Despacho de Indeferimento o que a Requerente pretende não é aplicação retroactiva do disposto no artigo 69°-A do CIRC, mas sim que se reconheça que o IRC do exercício de 2013 é ilegal, porquanto foi apurado com fundamento numa norma - artigo 69º do CIRC - que é abstractamente ilegal.

4. Ou seja, o Despacho de Indeferimento é também ilegal porque atento o primado do Direito Comunitário, e estando a Autoridade Tributária obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, a mesma deveria ter considerado o acto tributário como ilegal, procedendo, em consequência à sua correcção.

5. Nos termos melhor constantes no Acórdão Arbitral, o Tribunal Arbitral considerou o pedido da Impugnante improcedente alegando que:

"(....) se a Requerente pretendia , com o perímetro indicado, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69° do CIRC, interpretado de acordo segundo a Jurisprudência do TJUE, ao exercício de 2013, deveria ter começado por reformula r, em tempo oportuno, o pedido de opção por aquele regime à AT. Não constitui argumento válido a alegação da Requerente de que o artigo 69º do CIRC não o permita. Com efeito, no seguimento da resposta da AT, se fosse negativa, abrir-se-ia então para a Requerente o direito de enveredar pela interposição de acção de reconhecimento de direitos ou acção de condenação à prática de acto devido nos tribunais tributários estaduais".

6. O Acórdão Arbitral é nulo por excesso de pronúncia porque o Tribunal Arbitral decidiu com base numa questão que não foi suscitada pela Autoridade Tributária na fundamentação do Despacho de Indeferimento.

7. Com efeito, em momento algum da fundamentação a Autoridade Tributária alega (ainda que de forma tácita ou implícita) que a pretensão da Impugnante não pode proceder porque a mesma não formulou em tempo oportuno o pedido de opção por aquele regime.

8. No entender da Autoridade Tributária a questão aqui em causa não é o eventual incumprimento de um formalismo por parte da Impugnante, mas sim o facto da mesma entender que o artigo 69º do CIRC não é abstractamente ilegal, e que o disposto no artigo 69º-A do CIRC só se aplica aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01 de Janeiro de 2015.

9. Aliás, não reconhecendo a Autoridade Tributária qualquer ilegalidade ao disposto no artigo 69º do CIRC, a mesma nunca poderia ter indeferido a pretensão da Impugnante com base no incumprimento desse formalismo, pois tal pressupõe, pelo menos de forma implícita, aceitar a ilegalidade do disposto no supra referido preceito legal. O que claramente não resulta da fundamentação.

10. O que resulta da fundamentação é que no entender da Autoridade Tributária, não era legalmente possível que em 2013 a sociedade Abrasivos pudesse integrar o RETGS, porque era detida por uma sociedade não residente, e a alteração legislativa só aplicável aos factos tributários ocorridos após 2015.

11. Ora, se a sociedade Abrasivos não pode (no entender da Autoridade Tributária), integrar o RETGS, por razões de ordem substancial e material, não faria sentido que a Autoridade Tributária indeferisse a pretensão da Requerente por incumprimento de uma questão formal.

12. O que só demonstra que de facto esta questão nunca foi alegada pela Autoridade Tributária, nem muito menos constitui o fundamento para a decisão de Indeferimento.

13. Assim, o Tribunal Arbitral ao decidir pela improcedência do pedido da Impugnante com base numa questão de direito que não foi suscitada ou sequer alegada pela Autoridade em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa, incorreu no vício de excesso de pronúncia.

14. Como é demais sabido, a fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori, é a partir da fundamentação que o tribunal pode e deve aferir da legalidade do acto sindicado. A fundamentação constitui o ponto de partida e o limite para aferir da legalidade do acto sindicado.

15. Deste modo, e considerando que a questão do alegado incumprimento do formalismo não foi suscitada pela Autoridade Tributária, nem a mesma constitui o fundamento para o indeferimento, não pode o Tribunal Arbitral decidir com base nessa mesma questão.

16. O artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC estabelece que a Sentença é nula quando o juiz conheça de questões que não podia tomar conhecimento.

17. Sendo que, as questões a que se reporta o supra referido preceito legal, são os pontos de facto e/ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, em que as parte centram o objecto de litígio (cfr. Ac. STJ, 05/02/2004:03638/ ITIJ / NET).

18. Nos termos do disposto no artigo 498º, nº 4 do CPC nas acções de anulação, como sucede no caso em apreço, a causa de pedir é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido.

19. Ora, a AT nunca apresentou como causa de pedir do seu pedido o incumprimento do alegado formalismo referido no Acórdão Arbitral, muito pelo contrário.

20. Deste modo, e na medida em a questão supra referida, não constituiu causa de pedir deduzida pela AT (fundamentação), o Acórdão Arbitral ao fundamentar a improcedência da impugnação com base nessa questão, não poderá deixar de ser considerada nulo por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1 , alínea d) do CPC.

21. O Acórdão Arbitral é ainda nulo por omissão de pronúncia porque o Tribunal Arbitral não apreciou, nem decidiu a questão colocada pela Impugnante, que é a de saber se o disposto no artigo 69º do CIRC, em vigor à data dos factos é, ou não, legal face ao disposto no Direito Comunitário, mais precisamente à Liberdade de Estabelecimento prevista no artigo 43º do Tratado da Comunidade Europeia.

22. E ainda, se a Autoridade Tributária pode impor o apuramento e a liquidação de um imposto, com fundamento numa norma que seja violadora do direito comunitário.

23. Como já vimos estas são as causas de pedir, isto é, estas são as questões colocadas pelas partes e sobre as quais o Tribunal Arbitral se deveria ter pronunciado.

24. Contudo, e como se como conclui a partir do conteúdo do mesmo, em momento algum do Acórdão o Tribunal Arbitral dá a conhecer qual o sentido da sua decisão relativamente a estas questões.

25. O Tribunal Arbitral limita-se alegar que o pedido da Impugnante não pode proceder porque não foi cumprido um formalismo legal, sendo certo que o mesmo não indica qual o preceito legal que impunha, ou previa, o formalismo alegadamente não cumprido pela Impugnante.

26. O que saliente-se também é razão para se concluir pela sua nulidade, nos termos previstos no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

27. Ou seja, o Acórdão Arbitral não refere qual o preceito legal que permitia, ou impunha, o exercício da opção pela inclusão da sociedade residente, detida pela sociedade não residente.

28. E não refere, porque de facto tal preceito não existia à data, e a questão a decidir (e que não foi decidida) é precisamente a de saber se o artigo 69º do CIRC ao não prever essa possibilidade viola, ou não, o disposto no Direito Comunitário.

29. Veja-se a este propósito o decidido no Acórdão Arbitral nº 279/2014 "Primeiro, no enquadramento legal vigente à data dos factos objecto de apreciação nos presentes autos a comunicação por parte da Requerente era destituída de sentido, porque a norma constante da alínea f) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC excluía do RETGS as sociedades residentes em ... detidas através de sociedades não residentes. Assim, a Requerente não comunicou a integração das sociedades detidas através de sociedades não residentes, porque tal não lhe era permitido pelas normas legais nacionais. Não se ignora que a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de autoliquidação de IRC e depois recurso hierárquico do indeferimento tácito, que também foi tacitamente indeferido. Segundo, o facto de o legislador nacional não adequar atempadamente o ordenamento jurídico ao direito comunitário não pode impedir que o contribuinte veja a sua a situação corrigida e a legalidade resposta. Assim, o contribuinte pode invocar junto dos tribunais nacionais qualquer norma comunitária com vista a obter uma interpretação das normas internas conforme ou compatível com o direito comunitário. Importa referir que o legislador nacional só com a recentemente aprovada Lei n.º 82-C/ 2014, de 31 de Dezembro que alterou o CIRC, transpondo a Directiva n.º 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de Julho, que altera a Directiva n.º 2011 /96/ UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes adequou o regime especial de tributação de grupos de sociedades à jurisprudência recente do TJUE".

30. No Acórdão Arbitral é referido que "não constitui fundamento válido a alegação da Requerente de que o artigo 69º do C IRC não o permitia".

31. Ora, ao contrário do referido no Acórdão Arbitral, a impossibilidade legal pelo exercício da opção não só um "argumento válido", como inclusive (e sobretudo) integra a questão decidenda.

32. Na realidade, o artigo 69º do CIRC ao não permitir a integração de sociedades residente detidas por sociedades não residentes impedia, de forma consequente, que aquelas pudessem exercer a opção pelo RETGS e a questão a decidir no caso em apreço é precisamente a de saber se essa impossibilidade material, substancial e naturalmente também formal, está, ou não, em conformidade com o direito comunitário.

33. Sucede que, o Acórdão Arbitral é relativamente a esta questão absolutamente omisso e como tal nulo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente Impugnação do Acórdão Arbitral nº 404/2017-T ser considerada procedente, determinando-se a sua nulidade, com as legais consequência


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A Impugnada apresentou a sua resposta, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1ª) Quanto ao invocado excesso de pronúncia, é bem claro que a decisão só apreciou a questão que lhe foi colocada pela então requerente e que delimitou o thema decidendum de acordo com essa questão não indo para além dela.

2ª) Referindo expressamente que a decisão da AT seria legal e conforme ao disposto no art. 69º do CIRC uma vez que nem a requerente nem a sociedade dominante do grupo apresentaram, em 2013, opção pelo RETGS e que não podia a AT ficcionar que tinha sido feita essa opção no mesmo ano de 2013. Isto não significa, como o pretende a ora impugnante, com um certo malabarismo, que o Acórdão Arbitral tenha conhecido de uma suposta questão de “incumprimento do formalismo” que não fundamentou o acto impugnado, mas sim, que a decisão da AT é legal e conforme ao art. 69º do CIRC porquanto o regime de extensão do RETGS às sociedades residentes que sejam detidas, directa ou indirectamente, por sociedades não residentes, só é possível em, ou após 1/1/15.

3ª) Ou seja, a fundamentação do Acórdão Arbitral ora impugnado não foi para além de esgrimir argumentos tendentes ao conhecimento da questão colocada pela então requerente e que cumpria ao Tribunal conhecer e decidir, isto é, no fundo, saber se era ou não possível a aplicação retroactiva do novo regime a períodos de tributação anteriores a 2015.

4ª) Pelo que, carece de qualquer sustentação a arguição da referida nulidade por não ter sido cometido qualquer excesso de pronúncia pelo Acórdão Arbitral ora impugnado.

5ª) Por outro lado quanto à invocada omissão de pronúncia e falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, é evidente que o Acórdão arbitral ora impugnado também conheceu e decidiu sobre a questão de uma hipotética violação do direito comunitário sendo certo que não tinha de conhecer, quanto a esta questão, de todas as razões ou argumentos apresentados pela então requerente.

6ª) De facto, o que quanto a esta questão entendeu o Acórdão Arbitral impugnado, e se isso corresponde a um bom ou mau julgamento da mesma é já uma outra questão que não pode ser sindicada em sede de impugnação de uma decisão arbitral, era que essa eventual violação de direito comunitário só se podia colocar se tivesse sido feita uma opção pelo RETGS, não tendo essa opção sido feita não se poderia falar em desigualdade ou discriminação na aplicação do direito europeu.

7ª) Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

8ª) Pelo que, não enferma o acórdão arbitral impugnado de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

9ª) Finalmente não se entende em que é que a requerente equaciona uma falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

10ª) Designadamente, quanto a um tão apregoado incumprimento de formalismo legal. É que, resulta clara e suficiente do Acórdão impugnado a fundamentação de direito que sustenta a decisão de manter válido o acto administrativo, designadamente, quanto à não possibilidade de aplicação retroactiva de aplicação do novo RETGS e quanto a uma eventual violação do direito comunitário.

11ª) E nem se diga que o Acórdão arbitral não refere o preceito legal que permitia ou impunha o exercício da opção pela inclusão da sociedade residente detida pela não residente, uma vez que essa é uma argumentação que a impugnante utiliza como tendo supostamente fundamentado a decisão de não lhe dar razão quanto a uma eventual violação do direito comunitário, que nem sequer decorre ou se pode extrair do que foi deliberado pelo Tribunal Arbitral.

12ª) O que se refere no mesmo, mais uma vez se diga, não é que a impugnante não tem razão porque se lhe impunha o cumprimento de um qualquer formalismo legal, mas sim, que a questão da violação do direito comunitário só teria razão de ser se tivesse havido opção pelo RETGS, e que não tendo essa opção sido feita a questão da violação do princípio da desigualdade da não discriminação não sequer se coloca porquanto não se está perante sociedades que se encontram na mesma situação.

13ª) Donde, também por esta via improcede a argumentação da impugnante.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente Impugnação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser mantida a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse.
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Com dispensa de Vistos, dos actuais Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO
Face às conclusões extraídas pela Impugnante da respectiva motivação, as questões a decidir são as seguintes:
- nulidade por excesso de pronúncia;
- nulidade por omissão de pronúncia;
- nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS

No Acórdão impugnado fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«Factos dados como provados

«I.A Requerente é uma sociedade de direito português que, no período de tributação de 2013 em referencia, era a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado conforme o RETGS, composto apenas por si e pela sociedade sua subsidiária S......................, S.A, NlPC ..............., com sede em Santa Iria da Azóia, cujo capital social detinha a 100% (Declaração de Rendimentos Modelo 22 junta como doc. 1 à PI e Relatório e Contas de 2013 da Requerente, ponto 1.3.4. e respetivo Anexo às Demonstrações Financeiras, pontos 3.11.8.1. 9. junto como documento 4 à PI, e factos alegados nos nºs 6 e 7 da PI, não refutados pela Requerida).

II.A Requerente, no ano de 2013, era diretamente detida em cerca de 99,99% do seu capital social pela S..............., SAS (a seguir Produits), sociedade comercial residente para efeitos fiscais em França (conforme informação no Relatório e Contas de 2013 da Requerente, p. 12 e respetivo Anexo às Demonstrações Financeiras, ponto 30, junto como documento 4 à PI), sociedade esta que nunca foi e nem é neste momento detida, direta ou indiretamente, por sociedade residente para efeitos fiscais em Portugal (Anexo às Demonstrações Financeiras do Relatório e Contas de 2013 da Requerente, ponto 30, junto como documento 4 à PI e facto alegado no n.º 9 da PI, não questionado pela Requerida).

III.A Produits era por referência a 2013 - e ainda o é - detida indiretamente pela C............... SA, (a seguir C...............), com sede em França (Anexo às Demonstrações Financeiras do Relatório e Contes de 2013 da Requerente, ponto 30, junto como documento 4 à PI e facto alegado no n.º 10 da PI, não refutado pela Requerida).

IV.A C............... detinha indiretamente durante o período de tributação de 2013 - e ainda detém - a sociedade S................ Lda (a seguir Abrasivos), NIPC ............., residente para efeitos fiscais em Portugal, por intermédio, designadamente, da sociedade S............., SA, com sede em França, a qual detém na sua totalidade o capital social da S..............., SA, com sede em Espanha, por seu turno detentora das duas quotas de € 190.790 e € 183.308 representativas da totalidade do capital social da Abrasivos (Anexo às Demonstrações Financeiras do Relatório e Contas de 2013 da S............., Lda. pontos 1, 12 e 26 junto como documento 5 à PI, e factos alegados no n.ºs 11 e 12 da PI, não refutados pela Requerida).

V.A C............. não formalizou em 2013 como sociedade dominante um perímetro de RETGS com a Requerente e as sociedades S............. S.A e S..............., Lda (facto reconhecido no nº 26 da Reclamação Graciosa junta coma doc, 2 à PI; cfr. Igualmente factualidade alegada nos arts. 68, 87 e 94 da resposta da Requerida e reconhecida nos n.ºs 13 e 14 quer da resposta às exceções quer das alegações apresentadas pela Requerente).

VI.Em 05/06/2014, a Requerente apresentou declaração de rendimentos Modelo 22 (de substituição), relativa ao exercício de 2013, onde declarou como soma algébrica dos resultados fiscais do grupo o montante de prejuízos fiscais de €1.245.658,19, apurando um imposto a pagar de €225.623,27 referente a tributação autónoma, que foi tempestivamente pago (documento 1 junto à PI e facto alegado no nº 1 da PI, não questionado pela Requerida).

VII.A Requerente apresentou em 11/05/2016 a Reclamação Graciosa da Autoliquidação de IRC relativa a 2013, que se mostra junta como documento 2 junto à PI e de fls. 1 e segs. do PA, a qual foi instaurada sob o nº ............., na qual solicitou que:

"declare a ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC relativo ao período de tributação de 2013:

i) Considere o apuramento do lucro tributável da ora Reclamante como sociedade do grupo designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante por inclusão no RETGS, de todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas indiretamente pela sociedade dominante C..............., a saber:

- S......................, S.A. NIPC ..............., e

- S..............., Lda., NIPC ............. e em consequência,

ii) Seja reembolsado à ora Reclamante o montante total dc € 94.780,11 (noventa e quatro mil, setecentos e oitenta euros e onze cêntimos), a titulo de IRC por efeito dos ajustamentos acima referidos”.

VIII. A referida Reclamação Graciosa foi indeferida por Despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Leiria, por delegação, datado de 08/05/2017 (documento 3 junto à Pl), o qual se sustentou nos seguintes fundamentos essenciais:

“1-1. O regime que possibilita que uma sociedade dominante com sede ou direção efetiva noutro estado membro da UE possa optar pelo RETGS foi introduzido no CIRC, através do aditamento do artigo 69.º-A, pela Lei nº 82-C/2014, de 31.12.2014.

12.Essa alteração permitiu adequar o RETGS à jurisprudência do TJUE citada pela reclamante na sua petição, jurisprudência que fundamenta as suas decisões no cumprimento do princípio da liberdade de estabelecimento vertido nos artigos 49º e segs. do TFUE (Tratada de Funcionamento da União Europeia).

13.No entanto, essa jurisprudência esbarra na soberania dos vários Estados Membros em meteria de impostos diretos, sua competência exclusiva.

14.A Lei nº 82-C/2014, de 31.12.2014, prevê, no artigo 5° (produção de efeitos) a sua aplicação apenas para períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2015.

15.Exclui-se a aplicação retroativa da norma, de acordo com a citada disposição legal.

16. A AT está vinculada ao princípio da legalidade, logo, terá que aplicar a lei fiscal vigente à data do facto tributário, a qual não permite o alargamento do RETGS a sociedades residentes em Portugal, mas participadas por empresas não residentes.

17.No caso em análise, a lei em vigor em 2013 não permite o alargamento do RETGS à sociedade Abrasivos por a mesma ser detida pela dominante C............... sediada em França.

18.Essa possibilidade está limitada aos exercícios 2015 e seguintes”.

12.Não foi alegada qualquer outra factualidade relevante para a decisão do litígio em apreciação.

13.A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos juntos aos autos pela Requerente e constantes do procedimento de reclamação graciosa junto pela Requerida, bem como do reconhecimento de factos efetuado pelas partes, tudo conforme se específica em cada um dos pontos do probatório acima enunciado.»


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B. DO DIREITO
O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2.º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr. artigo 2.º, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16.º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artigo 28.º, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, do diploma.
Por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC (cfr. artigo 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT).
Feito este breve enquadramento do regime legal ínsito no Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro, retornemos ao caso concreto.
Invoca a Impugnante a nulidade do Acórdão à luz do previsto na alínea d) do artigo 615.º, nº 1 do CPC, porquanto «(…) o Tribunal Arbitral decidiu com base numa questão que não foi suscitada pela Autoridade Tributária na fundamentação do Despacho de Indeferimento.». Na concretização de tal alegação sustenta que «(…) em momento algum da fundamentação a Autoridade Tributária alega (ainda que de forma tácita ou implícita) que a pretensão da Impugnante não pode proceder porque a mesma não formulou em tempo oportuno o pedido de opção por aquele regime.».
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença é nula «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Questões para o efeito do referido normativo legal são « (...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes (…)» (cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 1129) e não podem confundir-se « (...) as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão (…)” (cfr. J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143).


Pois que, como é consabido, o excesso de pronúncia refere-se a questões e não a argumentos, pois quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas (nesse sentido, vide, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.09.2014, proferido no processo n.º 0936/14, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, pág. 366).
E, ocorre excesso de pronúncia « (…) se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado» (ob. cit. vol. II, anotação 5 ao artigo 123º, pp. 318 e 319; e anotação 12 ao artigo 125º, pág.).
Segundo CARLA CASTELO TRINDADE a “pronúncia indevida” « (…) poderá ocorrer em dois casos distintos. Um primeiro, o tradicional, sempre que o tribunal arbitral conheça de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do pedido- excesso de pronúncia. Um segundo, em todas as situações em que tribunal arbitral nem sequer podia decidir, por haver um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências.» (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Anotado), Almedina, 2016, pág. 544).
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. A resposta « (…) tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2005, proferido no processo n.º 5S2137, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Perante o quadro que deixamos traçado, é fácil concluir-se que o Acórdão em crise não enferma da nulidade que lhe é imputada pela Impugnante.
Senão vejamos.
No caso vertente, as questões a decidir foram enunciadas pelo Tribunal Arbitral do seguinte modo:
«- incompetência material do tribunal arbitral;
- ilegitimidade da Requerente por falta de litisconsórcio necessário;
-ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à autoliquidação de IRC de 2013 em causa nos autos por violação pelo disposto no art. 69.º, n.º 4, al. f) do CIRC, na redação aplicável à data dos factos, da liberdade de estabelecimento prevista nos arts. 49.º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) ao excluir do RETGS as sociedades residentes em Portugal cuja detenção é feita através de sociedades não residentes em território português residentes na União Europeia;
-consideração da inclusão no RETGS liderado pela A…, relativamente ao período de tributação de 2013, da B… como sociedade dominante e de todas as participações detidas direta e indiretamente pelo menos em 90% há mais de um ano pela sociedade dominante B… nas sociedades residentes em Portugal, a saber, a sociedade D…, Lda, NIPC …;
- correção da liquidação do IRC de 2013 do RETGS em causa no processo, donde resulta, pela inclusão de D…, Lda., NIPC…, um valor consolidado a ser reembolsado de 104.196,72€;
-direito ao reembolso da quantia indevidamente paga acrescido de juros indemnizatórios.».
E, após identificar que «A questão essencial que a Requerente coloca é a de saber se a autoliquidação, bem como a decisão da reclamação graciosa que a manteve devem ser declaradas ilegais, por não terem aplicado e interpretado o artigo 69.º do CIRC, às situações tributárias relativas ao exercício de 2013 em conformidade com o Direito europeu e a jurisprudência do TJUE .» escreveu-se no Acórdão impugnado, o seguinte:
« Alega a Requerente que, à face da jurisprudência citada do TJUE, já reunia, em 2013, os requisitos para ser tributada segundo o RETGS de acordo com um perímetro de grupo que compreendesse a Abrasivos considerando como sociedade dominante a C................ A questão essencial que a Requerente coloca é a de saber se a autoliquidação, bem como a decisão da reclamação graciosa que a manteve devem ser declaradas ilegais, por não terem aplicado e interpretado o artigo 69.º do CIRC, às situações tributárias relativas ao exercício de 2013 em conformidade com o Direito europeu e a jurisprudência do TJUE.
Esta questão já foi decidida na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 101/2017-T, cujos pressupostos factuais e jurídicos são idênticos ao caso em apreço.
Por concordarmos com a jurisprudência aí consignada, passamos a seguir a segui-la de perto, reproduzindo-a, como se segue:
“(…) a aplicação do RETGS ao exercício de 2013 não depende apenas da verificação dos requisitos legais a sua aplicação, pois é um regime facultativo, só aplicável na sequência de uma opção da sociedade dominante, formulada com antecedência em relação ao termo do primeiro exercício em que se pretende a sua aplicação.
“A admissibilidade de opção dos sujeitos passivos de IRC pela aplicação do RETGS, com a possibilidade de obtenção de vantagens fiscais por estes e consequente perda de receitas tributárias, justifica-se por fins extrafiscais, designadamente facilitar «a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência», não sendo justificável para obtenção de «finalidades exclusivamente fiscais» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-12-2012, processo n.º 021/12).
“A esta luz, a imposição da obrigação de optar pela aplicação deste regime antes de serem conhecidos os resultados da sua aplicação, harmoniza-se com este desígnio legislativo de dificultar a utilização do regime para finalidades exclusivamente fiscais, que seria viável com a possibilidade de aplicação retroactiva, com apuramento primeiro dos resultados fiscais e só posterior escolha do regime fiscal mais vantajoso.
“Por isso, a imposição daquele prazo para formulação da opção tem fundamento que não se compagina com o entendimento da Requerente de que «o não exercício do direito, até ao final do 3.º mês no período de tributação a que se pretende iniciar a aplicação, não invalida o reconhecimento posterior do referido direito e a, consequente, aplicação retroativa».
“Na verdade, essa opção no prazo previsto tem de ser manifestada pela sociedade dominante (e não por alguma ou algumas ou todas as sociedades dominadas), sendo essa manifestação imprescindível por, além do mais, implicar para aquela a assunção de responsabilidades fiscais (artigo 115.º do CIRC), para além de obrigações declarativas.”
No caso em apreço, como resulta da factualidade provada (vd. acima n.º V do probatório) não foi apresentado, em 2013, requerimento de opção pela tributação segundo o RETGS com o perímetro pretendido nem pela Requerente nem pela sociedade dominante do grupo.
Não sendo a aplicação do RETGS automática e não tendo sido efetuada opção no sentido da sua aplicação nos termos em causa nestes autos, a autoliquidação individual efetuada pela Requerente não enferma de ilegalidade, por não ter feito aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades nos termos de um RETGS com a C............... como sociedade dominante e com inclusão da Abrasivos, pois não estavam reunidos os pressupostos para sua aplicação, designadamente uma opção tempestivamente apresentada.
Por outro lado, como também consignado na Decisão Arbitral atrás referenciada, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência dos pedidos de reclamação do ato tributário, como também não pode este Tribunal Arbitral, ficcionar que tinha sido feita pela sociedade dominante, no prazo legalmente previsto, opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades relativamente ao exercício de 2013.(…)»
Finalmente, sempre se acrescentará que se a Requerente pretendia, com o perímetro indicado, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69.º do CIRC, interpretado segundo a Jurisprudência do TJUE, ao exercício de IRC de 2013, deveria ter começado por formular, em tempo oportuno, o pedido de opção por aquele regime à AT. Não constitui argumento válido a alegação da Requerente de que o artigo 69.º do CIRC o não permitia. Com efeito, no seguimento da resposta da AT, se fosse negativa, abrir-se-ia então para a Requerente o direito a enveredar pela interposição de ação de reconhecimento de direitos ou de ação especial de condenação à prática de ato devido nos tribunais tributários estaduais. Acresce salientar que a questão da eventual discriminação entre sociedades residentes e não residentes apenas se pode colocar quando as mesmas se encontram na mesma situação, isto é, depois de feita a opção declarativa pelo regime e verificados os pressupostos formais prévios. Antes disso não se pode falar, sem mais, em desigualdade ou de qualquer discriminação na aplicação do direito europeu, porquanto as situações são materialmente diferentes.
Pelo exposto, conclui-se que a autoliquidação, seguida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ............., não enfermam de ilegalidade por não terem feito aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades com a inclusão da sociedade S............... Lda.».
Resulta evidente da leitura do Acórdão impugnado em toda a sua extensão e com especial relevo a parte sua transcrita, que contrariamente ao que parece transparecer da argumentação da Impugnante o Tribunal Arbitral limitou-se a apreciação da questão que lhe foi colocada a de saber se era ou não possível a aplicação retroactiva do novo regime a períodos de tributação anteriores a 2015, e acabou por concluir, que o regime de extensão do RETGS às sociedades não residentes, só é possível após 1 de Janeiro de 2015.
Quando muito, poderia haver um erro de julgamento, mas este não é fundamento de impugnação de decisões arbitrais, como decorre do artigo 28.°, n°1 do RJAT, porque este Tribunal Central, no âmbito das Impugnações Judiciais regidas pelo Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, só tem competência para apreciar e decidir de eventuais nulidades que hajam sido cometidas na elaboração da sentença arbitral ou da violação dos princípios do contraditório e de igualdade de armas antes da prolação daquelas (nos termos plasmados nos artigos 16.º, 26.º e 27.º).
Não padecendo o Acórdão impugnado do apontado excesso de pronúncia, a arguição da sua nulidade é manifestamente improcedente.
De acordo com a Impugnante, o Acórdão em crise padece ainda de nulidade, decorrente de omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou quanto à questão por si suscitada em torno de saber se o disposto no artigo 69.º do CIRC, (em vigor à data dos factos) é ou não legal face ao disposto no Direito Comunitário, mais precisamente à Liberdade de Estabelecimento prevista no artigo 43.º do Tratado da Comunidade Europeia.
Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº.1, al.d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº.1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas.
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr. artigo 608.º, nº.2, do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr. artigos 577.º e 578.º, do CPC), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artigo 133º, nº.2, do C.P. Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
No caso, Acórdão impugnado não deixou de apreciar as questões alegadamente omitidas pela Impugnante, conforme ilustra a seguinte passagem (transcrição): « (…) sempre se acrescentará que se a Requerente pretendia, com o perímetro indicado, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69.º do CIRC, interpretado segundo a Jurisprudência do TJUE, ao exercício de IRC de 2013, deveria ter começado por formular, em tempo oportuno, o pedido de opção por aquele regime à AT. Não constitui argumento válido a alegação da Requerente de que o artigo 69.º do CIRC o não permitia. Com efeito, no seguimento da resposta da AT, se fosse negativa, abrir-se-ia então para a Requerente o direito a enveredar pela interposição de ação de reconhecimento de direitos ou de ação especial de condenação à prática de ato devido nos tribunais tributários estaduais. Acresce salientar que a questão da eventual discriminação entre sociedades residentes e não residentes apenas se pode colocar quando as mesmas se encontram na mesma situação, isto é, depois de feita a opção declarativa pelo regime e verificados os pressupostos formais prévios. Antes disso não se pode falar, sem mais, em desigualdade ou de qualquer discriminação na aplicação do direito europeu, porquanto as situações são materialmente diferentes.».
Assim, não vislumbramos onde falta a pronúncia invocada nos presentes autos.
Invoca ainda a Impugnante, mais uma vez, a nulidade do Acórdão, desta feita, com o fundamento na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito porquanto não refere qual o preceito legal que permitia, ou impunha, o exercício da opção pela inclusão da sociedade residente, detida pela sociedade não residente.
Nos termos do já mencionado artigo 28.º, n.º 1, al. a), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
De harmonia com o preceituado no citado artigo 615.º, nº.1, al.b), do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Ora o Acórdão impugnado contém, como dele se constata, a fundamentação de facto exigível, autonomizando e especificando concretamente os factos que julgou provados, discriminando a matéria provada da não provada. No que respeita à fundamentação de direito, em regra, é por indicação da norma ou normas legais (e podendo também ser constituída por indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica). No caso, o Acordão sub judice louvando-se na fundamentação de direito remetendo para um Acórdão do Tribunal Arbitral (processo nº 101/2017-T) que transcreveu na parte que considerou relevante, veio a considerar que o RETGS é de aplicação opcional, e deve a opção ser comunicada, através da declaração de alterações até ao final do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação.
Essa prática não só não está vedada pelo n.º 2 do artigo 154.º do CPC, como também não compromete nenhuma das duas razões por que a lei impõe a fundamentação das decisões judiciais: por um lado, ficaram bem expressas na sentença as razões que se julgaram relevantes no sentido de se julgar incompetente o Tribunal Tributário; por outro lado, a remissão para a citada jurisprudência em nada comprometeu a impugnação do Acórdão, como bem o demonstra o teor das alegações de impugnação. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 050/15 de 20-05-2015, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Improcede, pois, com os fundamentos expostos, a presente impugnação judicial.


IV.CONCLUSÕES

I. Só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigo 608.º, nº 2, do CPC).
II. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.


V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas pela Impugnante.

Lisboa, 17 de Setembro de 2020.


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Benjamim Barbosa]