Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:223/17.3BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
PERES
Sumário:
I. Tendo a arguida reconhecido a sua responsabilidade e tendo pago voluntariamente o valor de imposto em falta, em momento anterior ao da decisão do PCO, reúnem-se os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT.

II. Não é aplicável a redução de coimas, prevista no âmbito do PERES, em situações de não adesão ao regime e em que o pagamento do imposto foi feito antes da entrada em vigor do diploma que aprovou tal regime excecional.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

F....., RL (doravante Recorrente) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 25.09.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, no qual foi julgado improcedente o recurso por si apresentado, da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Portimão, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º ......

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Na sentença recorrida decidiu-se indevidamente a questão da atenuação especial da coima e a questão da aplicabilidade do DL 67/2016 (PERES) à situação em apreço.

b) A interposição do recurso da decisão do Serviço de Finanças de Portimão que aplicou a coima e os termos do recurso não podem servir para fundamentar que a recorrente não reconhece responsabilidade pelos factos que levaram à correção fiscal.

c) O pagamento voluntário da todas as quantias liquidadas pelo Serviço de Finanças de Portimão para regularização da situação tributária é anterior à aplicação da coima e deve ser considerado como uma manifestação da assunção da responsabilidade prevista no n.º 2 do artigo 32 do RGIT.

d) O DL 67/2016 (PERES) entrou em vigor antes da aplicação da coima e introduz um regime mais favorável do que o previsto no RGIT para os contribuintes que, regularizando a situação fiscal, incorram também em penalizações.

e) Ao abrigo do regime do DL 67/2016 os contribuintes que pagassem integralmente o valor das dividas fiscais beneficiariam duma redução da coima para 10% do valor.

f) O Serviço de Finanças e o Meritíssimo Juiz “a quo” deviam ter tido em consideração que a lei penal que se usa aquando da aplicação da pena é sempre a que mais favorece o arguido.

g) A coima aplicada pelo Serviço de Finanças de Portimão deve ser especialmente atenuada com fundamento na norma do n.º 2 do artigo 32.º do REGIT, ou, se assim não se entender, reduzida para 10% do seu valor, nos termos o DL 67/2016, de 3 d novembro.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação da doutra sentença recorrida e sua substituição por Acórdão, que atenue especialmente a coima ou a reduza para 478,68€”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Fazenda Pública e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.ºs 5 e 6, e 413.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), foi apresentada resposta pelo segundo, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

“I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 25/09/2020 nos autos de Recurso de Contra-Ordenação acima identificados que julgou improcedente o recurso mantendo na ordem jurídica a decisão de aplicação de coima recorrida.

II- Tal decisão considerou que não se verificam os requisitos cumulativos do art. 32º RGIT e afastou ainda a aplicação do regime previsto no DL 67/2016, 03/11, por considerar que se está fora do seu âmbito de aplicação.

III- Quanto à dispensa da coima, sendo os pressupostos de aplicação do nº 1 do art. 32º RGIT de verificação cumulativa, dos factos dados como provados desde logo ressalta que a al. a) não está preenchida (as infracções em causa não terem ocasionado prejuízo efectivo à receita tributária) já que o credor do imposto se viu privado dos respectivos montantes desde as datas-limite para o pagamento, 15/02/2013 e 15/05/2013, até 27/07/2016, não obstando a tal o facto de terem sido pagos juros posteriormente.

IV- Naquilo que respeita à atenuação especial da coima, exige o legislador a verificação cumulativa de duas condições: o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e a regularização da situação tributária até à decisão do processo (art. 32º nº 2 RGIT).

V- Ora, é a própria Arguida quem, no requerimento de interposição de recurso que iniciou os presentes autos, afirma que está isenta de IRC “por o rendimento ser imputado e pago pelos respectivos sócios e por esta razão quem tem que pagar o imposto sobre o rendimento são os respectivos sócios (que já resolveram a situação fiscal relativamente aos factos que originaram estas coimas)”.

VI- Donde decorre, salvo melhor opinião, que não reconhece a responsabilidade pela prática das omissões e inexactidões na declaração anual de rendimentos mod. 22 que integram a contra-ordenação p. e p. pelos arts. . 119º nº 1 e 26º nº 4 RGIT, por refª aos arts. 17º e 120º nº 9 CIRC.

VII- Relativamente à aplicação da redução da coima prevista no DL 67/2016, 03/11, o caso dos autos encontra-se fora do seu âmbito de aplicação,

VIII- Já que a Recorrente nem aderiu ao regime introduzido por este diploma, nem existia dívida por regularizar aquando da sua entrada em vigor, em 04/11/2016”.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, por se reunirem os pressupostos para atenuação especial da coima?

b) Verifica-se erro de julgamento, por se reunirem os pressupostos constantes do DL n.º 67/2016, de 3 de novembro?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1.

Em 4 de Janeiro de 2017, no Serviço de Finanças de Portimão, foi autuado contra a Arguida F....., RL, o processo de contra-ordenação n.º 1112- 2017/06000000541 – cfr. fls. 3 dos autos.


2.

O processo de contra-ordenação referido no ponto anterior teve por base o Auto de Notícia n.º ....., de 4 de Janeiro de 2017, no qual consta, designadamente, o seguinte:

- cfr. fls. 4 dos autos;


3.
No dia 7 de Fevereiro de 2017, a Chefe do Serviço de Finanças de Portimão proferiu decisão de aplicação de coima à Arguida, – a qual se dá aqui por integralmente reproduzida -, e na qual consta, designadamente, o seguinte:


- cfr. fls. 12 dos autos;


4.

A Arguida procedeu ao pagamento do imposto em falta em 27 de Julho de 2016 – facto que extrai da informação a fls. 32 dos autos.

II.B. Refere-se ainda no despacho decisório recorrido:

“Inexistem quaisquer factos, com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal considera provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade”.

II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é aditada a seguinte matéria de facto provada:

5. O PCO mencionado em 1. teve como origem o processo de redução de coimas n.º ....., apresentado em sede de procedimento inspetivo (cfr. fls. 32).

6. No âmbito do processo de redução de coimas referido em 5., a Recorrente foi notificada para proceder ao pagamento de coima reduzida, não o tendo feito (cfr. fls. 32).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à reunião dos requisitos para a atenuação especial

Considera a Recorrente que a decisão em crise padece de erro de julgamento, reunindo-se os pressupostos da atenuação especial da coima.

Vejamos.

Nos termos do art.º 32.º do RGIT:

“1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:

a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;

b) Estar regularizada a falta cometida;

c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.

2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo”.

Consagra esta disposição duas situações, perfeitamente discerníveis: no n.º 1, a situação de dispensa de aplicação de coima e, no n.º 2, a situação de atenuação especial de coima.

Os respetivos pressupostos são distintos.

Assim, para efeitos de dispensa de aplicação de coima, a mesma pode ocorrer quando (a) a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária, (b) estando regularizada a falta cometida e (c) a falta revelar um diminuto grau de culpa.

Já no caso da atenuação especial, são tão-só dois os pressupostos, para que mesma possa ocorrer: (a) o infrator reconhecer a sua responsabilidade e (b) o infrator regularizar a situação tributária até à decisão do processo. Ou seja, neste caso, ao contrário do que sucede com o regime da dispensa, não há que aferir o grau de culpa.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como resulta da decisão sob escrutínio e não é controvertido, a Recorrente incorreu na prática de contraordenações subsumíveis ao n.º 2 do art.º 114.º e ao n.º 1 do art.º 119.º, ambos do RGIT.

Quanto ao primeiro dos requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT, ou seja, o infrator reconhecer a sua responsabilidade, desde já adiantemos que consideramos que o mesmo se encontra verificado.

Concretizando, e atentando na petição de recurso apresentada junto do Tribunal a quo, na mesma a Recorrente reconhece a sua responsabilidade. Com efeito, veja-se que na mencionada petição a Recorrente nunca põe em causa que praticou as infrações, não pede a sua absolvição da prática das contraordenações em causa, centrando-se, sim, na reunião de requisitos para dispensa ou atenuação da coima (sendo nesse contexto que refere que não houve prejuízo para o Estado). Por outro lado, e quanto às infrações relativas a IVA, reflete igualmente essa assunção de responsabilidade a circunstância de ter procedido ao pagamento dos valores de imposto liquidados. É certo que o fez em 2016, mas não deixou de assumir a sua responsabilidade e em momento anterior sequer ao da instauração do PCO.

Cumpre, então, aferir se se encontra reunido o segundo dos requisitos, ou seja, ter o infrator regularizado a situação tributária até à decisão do processo.

Em relação às situações subsumíveis no n.º 1 do art.º 119.º do RGIT, in casu, a situação foi detetada em sede de ação de ação inspetiva, o que implica que não seja de aplicar este requisito, uma vez que a correção da situação decorreu da própria atuação inspetiva da AT(1). Aliás, a própria AT assim o entendeu, em sede de procedimento de redução de coima, onde é também exigida a regularização da situação tributária, procedimento esse em que foi deferido o pedido de redução.

Por outro lado, e quanto às situações subsumíveis ao n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, as quais tinham inerente falta de pagamento de imposto, a decisão proferida pela autoridade administrativa foi-o a 07.02.2017 (cfr. facto 3.), sendo que o pagamento do valor relativo ao IVA em causa ocorreu voluntariamente a 27.07.2016 (cfr. facto 4.), antes mesmo da instauração do PCO (cfr. facto 1.).

Ora, tendo sido feito pagamento voluntário por parte da ora Recorrente e tendo tal pagamento ocorrido em momento anterior ao da decisão proferida em sede de contraordenação, reúne-se o segundo dos requisitos previstos no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT, ou seja, o infrator ter regularizado a falta.

A aplicação do referido n.º 2 do art.º 32.º do RGIT tem como efeito que os limites máximo e mínimo da moldura abstrata sejam reduzidos a metade, como decorre do art.º 18.º, n.º 3, do RGCO.

Por outro lado, há que ter em conta que, sendo a Recorrente pessoa coletiva, o art.º 26.º, n.º 4, do RGIT, implica que a moldura abstrata seja elevada ao dobro, não podendo a moldura máxima ultrapassar os 45.000,00 Eur., em casos de negligência [cfr. art.º 26.º, n.º 1, al. b), do RGIT].

Assim, vejamos, separadamente, cada uma das infrações:

a) Infrações punidas pelo art.º 119.º, n.º 1, do RGIT:

a.1. Os limites máximo e mínimo da moldura da coima situam-se nos 375 Eur. e nos 22.500 Eur. Sendo a Recorrente pessoa coletiva, os mesmos elevam-se, respetivamente para 750,00 Eur. e 45.000,00 Eur.

Logo, para efeitos de atenuação especial, os mesmos são reduzidos a metade (375,00 Eur. e 22.500,00 Eur. respetivamente);

b) Infrações punidas pelo art.º 114.º, n.º 2, do RGIT:

b.1. Nos termos do art.º 114.º, n.º 2, do RGIT, o limite mínimo da moldura abstrata seria correspondente ao dobro de 15% do imposto em falta (uma vez que a recorrente é uma pessoa coletiva);

b.2. Na situação atinente ao período 201212T, sendo imposto em falta no valor de 4.913,63 Eur., tal limite mínimo situa-se nos 1.474,08 Eur.

Logo, para efeitos de atenuação especial, o mesmo situa-se nos 737,04 Eur.

Já o limite máximo (dobro da metade do imposto) passa a coincidir com o valor do imposto em falta.

b.3. Na situação atinente ao período 201303T, sendo imposto em falta no valor de 5.787,40 Eur., tal limite mínimo situa-se nos 1.736,22 Eur.

Logo, para efeitos de atenuação especial, o mesmo situa-se nos 868,11 Eur.

Já o limite máximo (dobro da metade do imposto) passa a coincidir com o valor do imposto em falta.

Considerando esta moldura e atentando nos elementos constantes da decisão de aplicação de coima, no sentido de se estar perante uma situação de negligência simples, de a situação económica e financeira da Recorrida ser baixa, de o benefício económico ter sido de 0,00 Eur., de a conduta da ora Recorrida ter sido acidental e de que houve regularização, através de pagamento voluntário, considera-se que a coima deve ser fixada no mínimo da moldura.

Assim, e uma vez que estamos perante quatro infrações, cumpre fixar separadamente a coima de cada uma delas. Logo:

a) Infrações punidas pelo art.º 119.º, n.º 1, do RGIT:

a.1. No tocante à relativa a 2012, deve ser fixada a coima em 375,00 Eur.;

a.2. No que respeita à relativa a 2013, deve ser fixada a coima em 375,00 Eur.;

b) Para as infrações punidas pelo art.º 114.º, n.º 2, do RGIT:

b.1. Na situação atinente ao período 201212T, deve ser fixada a coima em 737,04 Eur.;

b.2. Na situação atinente ao período 201303T, deve ser fixada a coima em 868,11 Eur.

Nos casos de concurso de contraordenações, como o presente, considerando as coimas correspondentes a cada uma das contraordenações, há que somá-las, sendo o somatório o montante da coima única a aplicar, tendo em conta a regra do cúmulo material, prevista no art.º 25.º do RGIT.

Assim, o valor da coima especialmente atenuada, por aplicação do art.º 32.º do RGIT, situa-se nos 2.355,15 Eur.

Sucede, porém, que a Recorrente considera ser de aplicar uma coima de 478,68 Eur., o que implica que deva ser conhecida a segunda das questões suscitadas.

III.B. Do erro de julgamento, por ser aplicável o regime do PERES

Assim, considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por, in casu, ser aplicável o regime decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro.

Vejamos então.

O DL n.º 67/2016, de 3 de novembro, aprovou um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e de dívidas de natureza contributiva à segurança social (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado, doravante PERES), através de pagamento integral ou pagamento em prestações.

Como resulta do seu preâmbulo, “é criado um regime especial de redução do endividamento ao Estado que visa apoiar as famílias e criar condições para a viabilização económica das empresas que se encontrem em situação de incumprimento, prevenindo situações evitáveis de insolvência de empresas com a inerente perda de valor para a economia, designadamente com a destruição de postos de trabalho”.

O regime foi criado para regularização de, entre outras, dívidas de natureza fiscal, ou seja, para situações em que houvesse dívidas ao Estado por pagar, previamente liquidadas à data da entrada em vigor do diploma (04.11.2016) e desde que o respetivo prazo legal de cobrança tivesse terminado até 31.05.2016. Ou seja, foi criado para fazer face a situações de incumprimento à data da sua entrada em vigor.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.10.2018 (Processo: 0291/18.0BECBR 0785/18):

“Examinado o aludido diploma, apura-se que o PERES se aplica a empresas e particulares que se encontrem em situação de incumprimento perante a Administração fiscal (AT) e a Segurança Social (SS), permitindo o pagamento de forma integral ou, ainda, através de um plano prestacional, das dívidas já conhecidas da AT e da SS, com dispensa ou redução do pagamento de juros e outros encargos associados à dívida, possibilitando, outrossim, a dispensa total de garantias, no caso de opção por planos de pagamentos em prestações”.

Nos termos do seu art.º 4.º:

“1 — O pagamento integral de dívidas abrangidas pelo artigo anterior, por iniciativa do contribuinte, até 20 de dezembro de 2016, determina a dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal correspondentes.

2 — O pagamento previsto no número anterior, quando inclua a totalidade das dívidas fiscais do contribuinte, determina ainda a atenuação do pagamento das coimas associadas ao incumprimento do dever de pagamento dos impostos dos quais resultam as dívidas abrangidas pelo presente regime, nos seguintes termos:

a) Redução da coima para 10 % do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a € 10,00, caso em que será este o montante a pagar;

b) Redução da coima para 10 % do montante da coima aplicada, no caso de coimas pagas no processo de execução fiscal, não podendo resultar um valor inferior a € 10,00, caso em que será este o montante a pagar;

c) Dispensa do pagamento dos encargos do processo de contraordenação ou de execução fiscal associados às coimas pagas com as reduções previstas nas alíneas anteriores”.

A adesão ao PERES era feita nos termos do art.º 2.º do diploma legal em causa.

Como referido no já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.10.2018 (Processo: 0291/18.0BECBR 0785/18), “o diploma que aprovou o PERES constitui um corpo de normas coeso e integral, com um âmbito subjetivo, objetivo e temporal bem definido, por se mostrar direcionado a facilitar e agilizar o processo de regularização de dívidas dos contribuintes ao Estado”.

Ora, no caso dos autos, o pagamento do IVA efetuado não foi feito no âmbito do PERES, tendo, aliás, sido feito em momento anterior ao da sua entrada em vigor.

A redução de coimas prevista no PERES tem de implicar a adesão a este regime excecional, desde logo porque apenas dessa forma é aferida a reunião dos respetivos pressupostos, designadamente aferir que foram incluídas todas as dívidas do contribuinte (situação, aliás, em relação à qual, in casu, a Recorrente nada disse).

Assim, não tendo o IVA sido pago no âmbito do PERES, não é igualmente aplicável o regime excecional de redução de coimas ali previsto, que tem como pressuposto a adesão a tal regime. Daí que não seja aqui de apelar à aplicação do regime mais favorável, uma vez que o regime geral se manteve e estamos, sim, perante um regime excecional, como inequivocamente decorre do art.º 1.º do DL n.º 67/2016, de 3 de novembro, paralelo, cuja aplicação tem pressupostos que, in casu, não se verificaram, a começar pela própria adesão a esse regime (como a própria Recorrente assume, na medida em que efetuou o pagamento antes sequer de o regime existir).

Veja-se que noutros casos de outros regimes excecionais a situação de pagamento do imposto antes da entrada em vigor do regime e sua consequência em termos de redução de coimas foi expressamente salvaguardada. Ilustrativamente, veja-se o caso do DL n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, que aprovou um regime excecional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social, e cujo art.º 4.º, n.º 2, previa que “[a]s coimas não aplicadas ou não pagas, associadas ao incumprimento do dever de pagamento de imposto cuja regularização ocorreu antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, são reduzidas”. Ora, tal não é o caso do diploma que aprovou o PERES.

Assim, não é possível aplicar um regime excecional em termos de redução de coimas quando o pagamento do imposto correspondente ou associado não foi feito no seu âmbito.

Como tal, não assiste, nesta parte, razão à Recorrente.

Em suma: assiste em parte razão à Recorrente, devendo ser-lhe aplicada uma coima especialmente atenuada, nos termos do art.º 32.º, n.º 2, do RGIT, no valor total de 2.355,15 Eur.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, em revogar a decisão recorrida na parte em que não considerou a atenuação especial da coima e, atenuando especialmente a coima aplicada, condenar a Recorrente na coima de 2.355,15 Eur. (dois mil trezentos e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos).

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha
_____________________
(1) No sentido de este pressuposto não ser aplicável quando, pelas caraterísticas concretas, não seja possível a sua realização, v. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 315 e 316.