Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02846/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/15/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
INIDONEIDADE DA FORMA PROCESSUAL.
CONVOLAÇÃO.
IRC E IVA.
CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO
Sumário:1.Pretendendo a recorrente obter, além do mais, a anulação dos tributos liquidados, o meio processual próprio para o efeito é a impugnação judicial, na qual se conhecerá dos vícios anteriores ocorridos no procedimento de inspecção donde resultou a liquidação em causa, pelo que ocorreu um erro na forma de processo ao ser utilizado a acção administrativa especial;
2. Não se deve proceder à convolação para a forma de processo adequada quando nesta se não possa vir a obter a tutela pretendida, como quando existe um obstáculo processual, como seja a caducidade do direito à acção na forma de processo adequada;
3. Em sede de direito tributário, rege a norma do art.º 104.º do CPPT, a qual apenas permite a cumulação de pedidos na mesma impugnação quando se tratem de tributos com identidade de natureza, o que não acontece entre o IVA e o IRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. S……………..– C………………. Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria Tributário, que julgou verificada a questão prévia da inidoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado pela A., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1) Vem o presente recurso da douta sentença que julgou verificada a excepção da inidoneidade ou impropriedade do meio processual.
2) Conforme resulta do probatório: "Do teor do relatório foi dado conhecimento ao sujeito passivo, aqui Autora, por carta registada com aviso de recepção que foi assinado em 18.04.2007 por C…………………….., seu gerente - cfr. fls. 104 a 129 dos autos.
3) Dessa notificação consta formal e materialmente que "A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva (...)".
4)Existindo um erro manifesto dos serviços da administração, que prestaram formalmente uma informação que não correspondia à verdade, dizendo taxativamente para o contribuinte aguardar a liquidação que decorreria a posteriori, sucessivamente (in rerum natura...) num momento logicamente posterior.
5) Ora, esse erro, na informação nele consubstanciada, é susceptível, como foi, de induzir o administrado-contribuinte em erro, enganando-o descaradamente quanto ao momento de “chegada" da liquidação pertinente, com efeitos ao nível da mobilização dos meios impugnatórios.
6) A notificação do relatório de inspecção nos termos em que a mesma foi realizada - "Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do respectivo relatório. A breve prazo os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar IRC e IVA de 2002 a 2005 conforme ponto III do relatório" - ­faz crer ao contribuinte que será de facto realizada nova liquidação em conformidade com o teor do relatório que até esse momento desconhecia.
7) Nestes termos, se o acto preparatório apenas for, como foi, ad absurdum notificado depois de já realizada a liquidação, mas constando do conteúdo da notificação que a AF enviará em seguida as liquidações a que o relatório concerne, não pode o contribuinte ser prejudicado no exercício dos seus meios impugnatórios por ter feito fé na informação prestada para depois lhe ser dito que as liquidações que se diziam sucessivas, serem, afinal, as que precederam o envio do relatório.
8) Por esse motivo, a informação prestada na notificação do relatório, sendo contrária à realidade dos factos, importa uma clara violação do princípio da tutela da confiança e do dever administrativo de proceder legalmente e de boa fé, não podendo recair sob o particular as consequências do incumprimento administrativo dos referidos ónus legais e constitucionais.
9) Por esse motivo e a improcederem os argumentos que ditarão in ­casu “o melhor direito", invoca-se cautelarmente, evitando solução de “não direito" a inconstitucionalidade da norma do artigo l02.º, n.º1, alínea a), do CPPT, interpretada no sentido de determinar o início do prazo de impugnação a partir do prazo para pagamento voluntário de uma prestação tributária notificada quando a administração fiscal, em momento posterior ao da liquidação que está no sua base, notifica o contribuinte de que as liquidações pertinentes serão sucessivamente notificadas, por violação do princípio da boa fé e da protecção da, confiança, ínsitos nos parâmetros constitucionais tipificados no artigo 2.º e 266.º da norma normarum.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente
recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as legais consequências.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


Também o recorrido veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A. Apesar de, atempadamente, a ora Recorrente Jurisdicional poder ter reagido através de Reclamação graciosa ou com base em Impugnação, não utilizou qualquer deste meios idóneos para contrariar o entendimento e a actuação subsequente da Administração Tributária (determinação da matéria colectável).
B. Em contrapartida, a ora Recorrente Jurisdicional preferiu "atacar" um momento posterior àquela fase da dinâmica fiscal ou seja, a subsequente liquidação efectuada, quando a mesma se mostra matematicamente correcta.
C. A ora Recorrente Jurisdicional omitiu injustificadamente o facto de não ter havido recurso a métodos indiciários e de as liquidações efectuadas pela Administração Tributária serem consequência directa das declarações voluntariamente apresentadas por aquela.
D. As execuções fiscais foram instauradas com base no facto de os Impostos devidos não terem sido pagos atempada e voluntariamente. No entanto, as mesmas poderiam ser suspensas pela recurso aos mecanismos legais resultantes da interpretação conjugada do n° 2 do art. 52° da LGT, numa das modalidades consagradas no art. 199º do CPPT, tal como impõe o art. 169° deste último diploma legal. Ora, nada disto foi feito pela ora Recorrente Jurisdicional.
E - A Douta Sentença recorrida considerou, em síntese, que:
- Nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação o meio adequado é o processo de impugnação.
- Assim, o pedido enquadra-se no âmbito da (i)legalidade da liquidação, o que faz com que o meio processual adequado seja a impugnação judicial ... Verifica-se, nestes termos, a questão prévia da inidoneidade ou impropriedade do meio processual de que se socorreu a Autora.
- E, mesmo que se lançasse mão da convolação do meio utilizado pela ora Recorrente Jurisdicional, em impugnação judicial, ainda assim isso não seria possível, uma vez que a acção foi apresentada muito para lá do prazo de 90 dias a que se refere a al. a) do n° 1 do art. 102° do CPPT:
F. Disse a ora Recorrente Jurisdicional não aceitar a inadmissibilidade de convolação dos autos originários em impugnação judicial porquanto e na sua óptica, "foi enganada" pelos Serviços da Administração Tributária, uma vez que, da notificação da matéria colectável, constava que o contribuinte deveria aguardar pela liquidação a ocorrer em momento posterior.".
G. Não obstante, a ora Recorrente Jurisdicional limitou-se a "atacar" a liquidação efectuada, quando a mesma se mostra matematicamente correcta, em vez de, com anterioridade, "atacar" o montante de matéria colectável em sede de IRC e de valor tributável em sede de IVA. Por outras palavras e utilizando a terminologia usada na Douta Sentença recorrida, invocando José Casalta Nabais:
- Trata-se aqui duma liquidação administrativa ... que lato sensu compreende todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, nomeadamente: o lançamento subjectivo destinado a identificar o sujeito passivo da relação jurídico-fiscal; o lançamento objectivo, através do qual se determina a matéria colectável do imposto e a respectiva taxa; a liquidação stricto sensu, traduzida na aplicação da taxa à matéria colectável e por fim as eventuais deduções à colecta.
H. Assim, só pode concluir-se secundando o M.mo Juiz a quo, quando o mesmo refere: trata-se de um acto do próprio procedimento de liquidação e consequentemente apreciável em sede de impugnação. Impugnação essa que já não poderá ser utilizada, tendo em atenção o decurso do prazo decorrido para tal.
Em face do exposto, deverá:
Manter-se integralmente a Douta Sentença recorrida, com as legais consequências.


O Exmo RMP junto deste Tribunal não emitiu qualquer parecer apesar de notificado para o efeito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


Por ao Relator se afigurar que a pretendida convolação do processo para impugnação judicial também se não poderia operar por ilegal cumulação de pedidos, foram as partes notificadas do despacho do Relator de fls 196 verso, tendo a recorrente vindo a pronunciar-se a fls 199/201 dos autos, e a escolher apenas um dos pedidos formulados na acção, o relativo ao IRC em causa, desta forma entendendo que no caso de convolação se deve fazer apelo às mesmas regras que para uma petição inicial em que sejam igualmente formulados pedidos incompatíveis.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se ocorre erro na forma de processo utilizada pela ora recorrente; E ocorrendo, se pode ter lugar a convolação para a forma de processo adequada quando nesta também não seja possível conhecer da pretensão da recorrente por existir um vício que a tal obsta, como seja a caducidade do direito à acção.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A Autora dedica-se à actividade de "Construções e Engenharia Civil", tem o NIF …………………….. e encontra-se registada para efeitos de IVA e IRC no Serviço de Finanças de P……….. 2 - cfr. fls. 14 dos autos.
2. Como gerentes da Autora encontram-se identificados C………………………………. e E……………………………….. - cfr. fls. 14 dos autos.
3. Na sequência da ordem de serviço externa n.º 01200601140 com o PNAIT 22139 datada de 02/05/2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria procederam a uma acção inspectiva externa à escrita de impugnante - cfr. pag. 4 do respectivo relatório junto aos autos e fls. 18 dos autos.
4. Da acção supra referida resultaram correcções à matéria colectável em sede de IVA e de IRC dos anos de 2002 e 2005 - cfr. pag. 2 do respectivo relatório junto aos autos e fls. 16 dos autos.
5. Do teor do relatório foi dado conhecimento ao sujeito passivo, aqui Autora, por carta registada com aviso de recepção que foi assinado em 18/04/2007 por C…………………………., seu gerente. - cfr. fls. 104 a 129 dos autos.
6. A carta precatória n.º 0……………….., identificada na petição, foi extraída do processo executivo n.º ………………………., do Serviço de Finanças de P……………. 2 e dirigida ao Serviço de Finanças de C…………….. 1 - conforme consta do PA junto aos autos.
7. O processo executivo supra identificado foi instaurado em 12/02/2007, em nome da sociedade "S……………………. Construções Lda." por dívidas de IVA do ano de 2005, no montante de € 36.207,27, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu em 22/01/2007- conforme consta do PA junto aos autos.
8. A presente acção foi apresentada neste Tribunal em 09/07/2007 - conforme consta no canto superior direito da pi.

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.

Não se verificaram outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. A dissenção nos autos é eminentemente de direito.


4. Para julgar verificada a questão prévia de inidoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a acção administrativa especial é um meio processual previsto na norma do art.º 97.º, n.º2, p) do CPPT que apenas tem lugar para reagir contra actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, sendo que no caso o que a ora recorrente pretende ver apreciada é a legalidade de um acto de liquidação, ou a tal conducente, de ocorrência anterior a esta e que a influencia, como sejam as invocadas ilegalidades ocorridas no procedimento de inspecção, pelo que o meio processual próprio antes será a impugnação judicial, não tendo por outro lado ordenado a convolação na forma de processo julgada correcta por há muito ter decorrido o respectivo prazo para o efeito.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, sem vir colocar em causa a fundamentação da sentença recorrida no tocante à errada utilização do meio processual, antes vem esgrimir argumentos tendentes a pugnar pela não dedução fora de prazo para que a convolação pudesse operar, por ter sido notificada do relatório de inspecção com a menção de que iria ser notificada da liquidação respectiva quando a mesma já havia sido notificada, o que fez incorrer a contribuinte em erro e a não ter mobilizado os meios impugnatórios adequados ao caso, o que importa uma clara violação do princípio da tutela da confiança e do dever administrativo de proceder legalmente de boa fé, sendo que a norma do art.º 102.º, n.º n.º1 a) do CPPT, seria inconstitucional na circunstância dos autos, em que informa a contribuinte que lhe irá ser enviada a nota de liquidação quando a mesma já lhe havia sido remetida.

Vejamos então.
Quanto à errada forma processual de acção administrativa especial utilizada pela ora recorrente para pretender «que os actos de liquidação melhor identificados no artigo 5º (sejam) declarados nulos e de nenhum efeito...», seja pela falta de afrontar este segmento decisório da sentença, logo o seu trânsito em julgado por força do disposto no art.º 684.º n.º4 do CPC, seja por força do disposto nos art.ºs 54.º e 97.º, n.º1 a) e p) e n.º2 do CPPT e 101.º alínea j) da LGT, é inegável a existência de erro na forma de processo ao pretender fazer seguir na presente acção administrativa especial a pretendida declaração de nulidade dos actos de liquidação em causa, sendo que estes eram os actos verdadeiramente lesivos praticados pela AT, na sequência de outros actos (preparatórios) e de outros posteriores (de execução), pelo que a forma processual adequada seria a de impugnação judicial, como bem se decidiu na mesma sentença, segmento na qual, a mesma não poderá deixar de ser confirmada.

Porém, no caso, uma outra razão formal impedia que a presente acção administrativa especial pudesse ser convolada para impugnação judicial, de conhecimento oficioso, qual seria a de ilegal cumulação de pedidos, já que os tributos que a mesma pretendia ver declarados nulos consistiam no IVA dos períodos 0506 e 0206 e IRC dos exercícios de 2002 e 2005, para além dos respectivos juros compensatórios – cfr. art.º 5.º da sua petição inicial da acção – sendo por isso tributos que não comungam da mesma natureza, não sendo por isso possível cumularem-se no mesmo meio impugnatório os respectivos pedidos de anulação (ou de eventual declaração da sua nulidade).

Nos termos do disposto no art.º 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), norma aqui directamente aplicável, na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.

Ou seja, e em suma, tributos diferentes, como seja o caso de IVA e de IRC, não são cumuláveis na mesma impugnação judicial, tendo em vista obter as respectivas anulações, cuja doutrina constitui jurisprudência absolutamente fixada, quer deste TCAS, quer do STA, e que não vemos razão para abandonar, como se podem ver dos três acórdãos seguintes, citados a título de exemplo: acórdãos publicados no Apêndice ao Diário da República de 16.12.2005, a fls 961 e segs, a fls 1172 e segs e a fls 1315 e segs.

Porém, a recorrente notificada que foi desta excepção dilatória de ilegal cumulação de pedidos, como facto impeditivo da pretendida convolação, veio expressamente escolher para fazer seguir na futura forma de processo convolada, apenas um dos pedidos – o relativo ao IRC em causa – desta forma eliminando o invocado óbice processual impeditivo dessa convolação, e que pretende que também aqui seja aplicado como se de um despacho liminar se tratasse em que fossem impugnados idênticos pedidos cumulados.

As normas dos art.ºs 97.º, n.º3 da LGT, 98.º, n.º4 do CPPT e 265.º-A do CPC, impõem a correcção da forma processual quando a utilizada não for a adequada segundo a lei, desta forma visando que os escolhos de natureza processual não constituam factor impeditivo na apreciação do direito pretendido fazer valer em juízo, o que concretiza a aplicação dos princípios da tutela judicial efectiva, pro actione ou antiformalista e da obtenção de justiça material, normas que, também se entende, tal como a recorrente, logram aplicação quer perante uma petição inicial em que o vício de ilegal cumulação se verifique, quer perante uma pretendida convolação em que os mesmos escolhos de natureza processual a impedissem, por a materialidade ser idêntica nas duas situações, visando-se também aqui, com a pretendida convolação, dar primazia aos mesmos princípios da tutela judicial efectiva e de obtenção da justiça material, com a prática dos actos processuais necessários que melhor se aproximem da forma de processo adequada, assim se entendendo que, face à desistência por parte da recorrente de um dos pedidos, deixou de existir este óbice processual que impedia a convolação.

É que as normas dos art.ºs 4.º, n.º5 e 47.º, n.º5 do CPTA, ex vi do art.º 2.º, alínea c) do CPPT, conferem ao autor o direito de escolher qual dos pedidos pretende ver conhecido no processo, o que a ora recorrente legitimamente veio fazer, desta forma tendo eliminado tal obstáculo de natureza processual que a impedia, pelo que cumpre apreciar se existe a não invocada caducidade do direito à acção quanto à impugnação do IRC de 2002 e de 2005, que igualmente impeça a pretendida convolação, como se defendeu e decidiu na decisão recorrida, deixando de tornar inútil esta convolação.

A M. Juiz do Tribunal “a quo”, na decisão recorrida, entendeu não ser admissível a convolação por a acção ter dado entrada em Tribunal em 9.7.2007 e o termo do prazo de pagamento voluntário ter sido em 22.1.2007, desta forma tendo decorrido mais de 90 dias quando aquela foi interposta, tendo sido deduzida fora do prazo previsto no art.º 102.º, n.º1 a) do CPPT, pelo que a convolação não poderia atingir qualquer utilidade, por sempre ser de indeferir a impugnação judicial por ter sido deduzida fora do respectivo prazo, factualidade subjacente sobre que as partes não dissentem.

A esta fundamentação veio responder a ora recorrente na matéria das suas alegações em cujas conclusões defende, essencialmente, que foi enganada por erro dos Serviços ao notificarem-na que iria, em breve, ser notificada da liquidação, quando da liquidação correspondente já havia sido notificada, tendo confiado na informação dessa notificação o que a impediu de mobilizar, atempadamente, os seus meios de defesa, o que viola o princípio da tutela da confiança e do dever de proceder legalmente e de boa fé, pelo que não pode recair sobre o particular as consequências do incumprimento administrativo dos ónus legais à AT acometidos.

A não se entender assim, então a norma do art.º 102.º, n.º1, a) do CPPT, será inconstitucional ao fazer radicar o início de tal prazo no termo do pagamento voluntário, quando a AT notifica o contribuinte em momento posterior e lhe comunica que as liquidações serão posteriormente notificadas, quando já o haviam sido antes.

Como não se encontra controvertido entre as partes, o prazo normal para ser deduzida a impugnação judicial contra o IRC em causa seria de 90 dias a contar do prazo do termo do seu pagamento voluntário, nos termos do disposto no art.º 102.º, n.º1, a) do CPPT, que dispõe:
1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) ...

No caso, como se pode ver do PA apenso, II volume, folhas não numeradas, o IRC em causa teve como data limite de pagamento voluntário o dia 22.1.2007, como também consta na matéria do ponto 7. do probatório, ainda que o reporte ao IVA apenas, quando a acção administrativa especial foi intentada em 9.7.2007, pelo que a mesma foi, manifestamente, deduzida fora daquele prazo, tendo caducado o direito à respectiva acção, desta forma ocorrendo uma excepção peremptória de conhecimento oficioso que faz extinguir o direito pretendido fazer valer pela recorrente e a absolvição do pedido da parte contrária, tornando inútil a pretendida convolação – art.ºs 493.º, n.º3, 496.º e 288.º do CPC.

Como acima se fez referência, pretende a ora recorrente ser admitida a impugnar tais liquidações de IRC, com a convolação da presente acção administrativa especial em impugnação judicial, por ter sido levada em erro por parte da notificação da AT que lhe comunicava a futura notificação das correspondentes liquidações dos impostos apurados em sede do exame à escrita realizado, fazendo apelo aos princípios da tutela da confiança e do dever de proceder legalmente e de boa fé, por banda da AT.

Lendo e analisando a notificação em causa, o citado relatório da acção inspectiva cuja cópia consta do PA apenso de fls 26 e segs e de fls 13 e segs dos presentes autos, pode-se desde já adiantar que a recorrente omite factos relevantes incontestados nos autos, tendo em vista defender a sua tese, que assim surge apoiada em factualidade que não reflecte a exactidão da factualidade ocorrida, como veremos, pelo que a sua pretensão, segundo a factualidade vertida nos autos, não pode deixar de improceder.

É a seguinte a redacção do citado ofício de 9.4.2007, cuja cópia consta a fls 2 do PA apenso:
...
Assunto: Notificação do Relatório de Inspecção tributária
...
Fica(m) V.ª(s), por este meio notificado(s), nos termos do art.º 77.º da LGT e do art.º 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte.
Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. IRC e IVA de 2002 e 2005 «conforme ponto III do relatório».
...
Desde logo cabe realçar que quando a ora recorrente foi notificada por este ofício (18.4.2007, conforme matéria do ponto 5.º do probatório, não colocada em causa nestes autos, embora o original do A/R de fls 3 do mesmo PA tal data antes pareça ser a de 16.4.2007, o que, uma ou outra, em nada altera a solução jurídica a alcançar) já o prazo para o pagamento voluntário do referido IRC se esgotara há muito, quase há três meses (desde 22.1.2007), por outro lado, tal notificação comunicava-lhe a futura notificação das liquidações a que houvesse lugar, de acordo com o ponto III do mesmo Relatório.

Ora, no ponto III do mesmo Relatório – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável - como do mesmo se pode ver a fls 30 e segs do mesmo PA apenso, e a ora recorrente também viu ou poderia ter visto se tivesse utilizado a devida diligência, nenhum IRC é apontado como estando em falta nesses dois exercícios, mas tão só o IVA relativo ao período 0206, pelo que nunca poderia concluir que lhe iria ser efectuada qualquer liquidação relativa ao IRC, ao arrimo de tal relatório do exame à escrita, e não poderia deixar de concluir que a referência que em tal ofício se fazia ao IRC só poderia derivar de erro ou lapso manifesto por banda da AT ao aí também referir o IRC, quando nenhum havia sido apurado no mesmo relatório, lapso que por ser ostensivo no contexto do mesmo relatório de exame à escrita, é rectificável nos termos do disposto no art.º 249.º do Código Civil – norma esta que é aplicável em todos os ramos de direito(1) - (cfr. também art.º 148.º do CPA), sendo de corrigir a matéria da alínea C) do probatório, que em contrário dispõe, dela se retirando as referências às correcções da matéria tributável relativas ao IRC.

Mas mais, o que aponta para uma lide no mínimo temerária, da mesma recorrente.
É que no mesmo relatório da inspecção tributária a fls 35 do PA apenso, se dá conta que o IRC relativo aos exercícios de 2002 e de 2005 se reportava às declarações de substituição entregues pelo mesmo sujeito passivo, pelo que as liquidações resultaram, directamente, não de quaisquer anomalias donde resultassem tais correcções à matéria tributável mas sim das declarações entregues pelo próprio sujeito passivo, ainda que, eventualmente, despoletadas pela dita inspecção, o certo é que a contribuinte as aceitou e as integrou nessas declarações de substituição, donde resultaram as liquidações em causa de IRC, ou seja, tais liquidações resultaram de elementos por si fornecidos à AT em tais declarações, logo que lhe são pessoais, não se percebendo como pode agora vir invocar um erro ou lapso da AT para pretender alcançar um efeito que não podia deixar de saber que não poderia alcançar, por não poder deixar de conhecer que tais liquidações resultavam, directamente, dos elementos por si fornecidos nas declarações de substituição que não de quaisquer correcções efectuadas pela AT.

Assim o erro ou lapso da AT contido em tal notificação, ao também se referir ao IRC, conjugado com os demais elementos de prova, permitem-nos concluir que o mesmo para a ora recorrente só poderia ser irrelevante, não podendo ter influenciado a eventual não mobilização de meios impugnatórios, em tempo, contra tal IRC, ao contrário do que a mesma veio alegar – cfr. matéria da sua conclusão 5.ª - sabido que tais liquidações resultaram directamente das declarações de substituição por si entregues que não de quaisquer correcções oficiosas à matéria tributável apuradas em sede de inspecção tributária, e tanto mais que quando a ora recorrente foi notificada de tal relatório do exame à sua escrita já haviam transcorrido 86 dias desse prazo de 90 dias para deduzir a impugnação judicial, a contar da data do termo do seu pagamento voluntário (contado de 22.1.2007 a 18.4.2007), desta forma faltando, apenas 4 dias para o seu esgotamento, e sem que se conheça que contra a mesma tivesse vindo até então reagir, desta forma não se vendo como poderiam quedar violados os citados preceitos constitucionais dos art.ºs 2.º e 266.º da CRP, pelo que não se julga inconstitucional a norma do art.º 102.º, n.º1, a) do CPPT, nesta dimensão interpretativa.


A sentença recorrida que também assim decidiu é de confirmar, sendo de negar provimento ao recurso.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,15 de Julho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
JOSÉ CORREIA

(1) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20.004.