Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:596/17.8BELSB (15815/18)
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO;
ÓNUS DE ALEGAÇÃO; REGULAMENTO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DE LISBOA; CONCEITOS VAGOS OU INDETERMINADOS; DISCRICIONARIEDADE;
CARTA MUNICIPAL DO PATRIMÓNIO EDIFICADO E PAISAGÍSTICO DO RPDM DE LISBOA;
BENS IMÓVEIS DE INTERESSE MUNICIPAL E OUTROS BENS CULTURAIS IMÓVEIS; DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL;
VALORIZAÇÃO DO EDIFICADO; CONSERVAÇÃO, RESTAURO OU REABILITAÇÃO DO EDIFICADO; PERICULUM IN MORA;
Sumário:I – Se os factos que o Recorrente quer ver alterados ou acrescentados nunca foram clara e especificamente alegados pelas partes até à data da apresentação do recurso, a decisão que os não fixou não padece de erro de julgamento;
II – A apreciação da violação dos art.ºs 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa, por um projecto não se enquadrar “nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza” e por não contribuir “para a respectiva valorização arquitetónica e urbanística”, remete-nos para a apreciação da eventual existência de um erro grosseiro, manifesto, ou de facto, que terá de fazer-se com base na aferição factual das concretas características do prédio existente, dos arruamentos e do edifício projectado. Não estando alegadas nos autos de forma especificada essas características, aquela invocação claudica manifestamente;
III – O citado preceito vale-se de conceitos vagos ou indeterminados, que concedem espaço à discricionariedade técnico-administrativa. Tratam-se de conceitos a preencher pela Administração, de acordo com o interesse público do momento. No desenvolvimento desta actividade a Administração goza de uma ampla margem de decisão, inerente ao preenchimento daqueles conceitos indeterminados.
IV – A 1.ª parte do art.º 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM, proíbe a demolição total ou parcial dos edifícios existentes quando estes constituam elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural, tanto individualmente, como para um conjunto, porque integrem a lista de Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico do RPDM de Lisboa, na categoria de “Bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis”;
V- Caso um edifício integre aquela lista, pela aplicação conjugada dos art.ºs 26.º, n.ºs. 1, al. a), ii) e 8 e 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RPDM de Lisboa, a sua demolição, total ou parcial, só pode ocorrer se tiver existido uma vistoria prévia, a atestar a ruina eminente do edifício ou a sua incapacidade estrutural, assim como, depois de efectuado um estudo da caracterização histórica, construtiva e arquitectónica, por forma a justificar a adequação da intervenção proposta;
VII - O art.º 26.º, n.º 2, do RPDM de Lisboa, quando determina a obrigação de se privilegiar a conservação e valorização destes bens, de forma a assegurar a sua identidade e a evitar a sua destruição, descaracterização ou deterioração, remete para conceitos vagos e indeterminados, a preencher pela Administração, no âmbito da sua margem de discricionariedade;
VIII - Da interpretação conjugada dos art.ºs 26.º, n.º 2, 27.º, n.ºs. 1 a 7, 28.º, n.º 1, 29.º, 30.º, e Anexo III do RPDM de Lisboa, resulta que na lista de imóveis inclusos na Carta as respectivas intervenções se direccionem para a conservação, restauro ou reabilitação – com a salvaguarda das características substanciais e a identidade e autenticidade do edificado - ficando as obras de alteração, e ampliação condicionadas àqueles primeiros objectivos;
IX -A demolição de um imóvel conduz à existência do requisito periculum in mora
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Associação Portuguesa das ……interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML), de 07-09-2015, de licenciamento municipal da obra de construção do edifício sito na…., n.ºs 10-14,em Lisboa.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1 À sentença ora recorrida, a sentença de 8/2/18 do TAC de Lisboa proferida na providência cautelar n.º 596/17.8BELSB, l.º UO, e em ordem a permitir ao Tribunal de Recurso conhecer de toda a extensão da relação material controvertida, devem acrescentar-se aos factos provados o que conta do Doc. 2 da Oposição do ora Recorrido Município e a Confissão por si feita nos artigos 70º e 71º da sua Oposição;
2º Com efeito, do referido documento consta a INF. …../INF/ DPED/GESTURBE/20 15 de 25/ 6/15 e da qual resulta provado que não foi apresentado no procedimento de licenciamento o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitetónico previsto no nº 8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa e referente ao imóvel sito nos nºs 10/12 da……;
3º Como resulta de tal documento que não foi apresentado um relatório detalhado do estado de conservação do imóvel sito nos nºs 10/12 da……;
4º O facto mencionado na conclusão 2º foi confirmado pela confissão feita pelo Recorrido Município na sua Oposição - artigos 70º e 71º, que tal estudo não tinha sido apresentado por causa do mau estado do edifício;
5º Porém, por não ter fica provado que o edifício se encontra em mau estado, pois não foi apresentado o relatório referido na conclusão 3º e tendo as Recorrentes tido a oportunidade de, nos termos do artigo 360º, parte final, do Código Civil, ilidir o facto que lhes seria desfavorável na dita confissão, com a referência ao Doc. 2 da Oposição do Recorrido Município como prova que não tinha ficado demonstrado no procedimento de licenciamento o mau estado do edifício, apenas deverá constar dos factos assentes que tal estudo não foi apresentado;
6º Deverá ser também levado à matéria de facto que o edifício sito nos nºs 10/12 da ........ é um edifício de acompanhamento da Praça conforme o que consta da INF …/INF/DMURB/GESTURBE/2015 - Doc. Z junto com a Oposição do Recorrido Município;
7º Deve pois, este Tribunal Superior, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º,, nº1, do CPC, alterar a matéria de facto constante da sentença ora impugnada, com o aditamento dos seguintes factos:
16) Não foi apresentado no procedimento de Licenciamento, nos termos do nº 8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa, o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitetónica referente ao imóvel sito nos nºs 10112 da ........ (Fls. 101 e 102 do Doc. 2 junto com a Oposição da entidade requerida e por confissão);
17) Não foi apresentado no procedimento de Licenciamento um relatório detalhado do estado de conservação dos edifícios nºs 10112 da ........ (fis. 101 e 102 do Doc. 2 junto com a Oposição da entidade requerida);
18) O edifício dos nºs 10112 da ........ constitui um edifício de acompanhamento da Praça (fis. 103 e 104, do Doc. 2 junto com a Oposição da entidade requerida);
8º Sem prejuízo do exposto nas conclusões anteriores quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto,, a realidade é que a sentença ora recorrida fez uma interpretação superficial do artigo 5º do CPC e do Princípio do Dispositivo,, pelo que foi a sentença recorrida e não as ora Recorrentes que incorreu em ilegalidade por violação deste Princípio;
9º Com efeito, no seu requerimento inicial, com base no Parecer de uma entidade consultora da UNESCO em matéria de património cultural - ICOMOS, as ora Recorrentes invocaram, em síntese, que;
a) O edifício sito nos nºs 10/12 da ........ está inserido num conjunto de reconhecido interesse urbanístico, arquitetónico e cultural incluído na Lista dos Bens da Carta Municipal de Património, Anexo ao regulamento do PDM de Lisboa;
b) O edifício a demolir é um imóvel que se conserva praticamente intacto desde a época em que foi construído, início do século XIX, inserindo­ se na tradição construtiva pombalina;
c) O edifício que se pretende construir, atentas as suas características arquitetónicas e atentas as características do conjunto urbanístico da ........, não apresenta uma relação com a cultura arquitetónica e urbanística da zona onde se insere;
d) O edifício que se pretende construir afirma-se propositadamente como uma ruptura relativamente ao conjunto existente, induzindo assim à desarticulação e desagregação do tecido antigo;
10.ºEntenderam assim as Recorrentes que, com base nos factos e no direito então invocados, o acto suspendendo violava, entre outros, os artigos 42º, nº1, 45º, nº1, alínea e} do regulamento do PDM de Lisboa, bem como o seu artigo 26º, nº 8, em virtude de, por um lado, o projeto licenciado não possuir qualquer relação com a linguagem arquitetónica dos edifícios confinantes no conjunto da ........ e, por outro lado, por não ter sido apresentado o estudo de caracterização histórica, arquitetónica e construtiva referente ao imóvel a demolir para efeitos de justificar a adequação proposta face à "Carta Municipal do Património."';
11º Deduzidas as Oposições, as Recorrentes verificaram que o Recorrido Município tinha junto com a sua Oposição dois documentos relevantes para a boa decisão da causa;
12º Assim, em 3/5/17, ao abrigo do Princípio do Contraditório, apresentaram nos Autos uma pronúncia expressa sobre os dois documentos juntos com a Oposição do Recorrido Município;
13º Na dita pronúncia foi alegado que o Doe. 2 junto com a Oposição do Recorrido Município demonstrava e confirmava os factos invocados na pi, ou seja, e em síntese que:
a) O edifício a demolir, atentas as suas características arquitetónicas, garantia uma integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a ........;
b) Não tinha sido apresentada uma justificação para a demolição do existente, designadamente um relatório detalhado do estado de conservação dos edifícios;
c) O desenho proposto não possuía qualquer relação coma linguagem arquitetónica dos edifícios confinantes com o conjunto da ........ em termos morfológicos e tipológicos;
d) Não se consideravam reunidas as condições para a valorização arquitetónica e urbanística da área do conjunto edificado em que se integra, contrariando-se o disposto no nº1, do art. 42º do PDM de Lisboa.
14º A posição referida na conclusão anterior é a que consta da INF nº …./INF/DOPED/GESTURBE/20 15 de 25/6/15 e foi produzida pela "Divisão de Projetos de Edifícios/ Departamento de Projetos Estruturantes" da "Direção Municipal de Urbanismo" da Câmara Municipal de Lisboa e trazida aos Autos pelo Recorrido Município na sua Oposição sob aforma de Doe. 2;
15º Deste mesmo Doe. constava a INF …/EDl/2015, de 20/7/15, do Diretor Municipal de Urbanismo, o qual, sem qualquer fundamentação, afirmou que a proposta de substituição do edifício nos nºs 10/12 da ........ constituía uma valorização arquitetónica da praça;
16º Assim, na pronúncia referida na conclusão 13f! as Recorrentes tiveram a oportunidade de, nos Autos, reafirmarem os factos já invocados na pi, pois, consideraram e consideram que a lnf. referida na conclusão 14º confirmava os factos integradores da causa de pedir, ou seja,
17º Que o edifício de substituição do existente nos nºs 10/12 da ........ não contribuía para a valorização arquitetónica e urbanística deste conjunto edificado, violando assim os artigos 42º, nºl e 45º, nº1, alínea e), do regulamento do PDM de Lisboa;
18º Mas as Recorrentes, na sua pronúncia, disseram mais, pois acrescentaram que, face à lnf. referida na conclusão 14º o projeto de arquitetura tinha sido analisado somente à luz dos artigos 42º e 45º do regulamento do PDM de Lisboa, nada tendo sido dito sobre a conformidade do projeto face ao artigo 26º deste mesmo regulamento;
19º Por isso, foi dito na pronúncia em causa que, estando o conjunto …./ ........ abrangido e protegido pela "Carta Municipal de Património" - Ponto 22.10 do Anexo li ao regulamento (ponto 11 dos factos assentes), era necessário que tivesse sido dado cumprimento ao nº8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa, em matéria de vistoria e apresentação de estudo de caracterização histórica, arquitetónica e construtiva referente ao edifício sito nos nºs 10/12 da ........;
20º E a realidade é que em face da lnf. referida na conclusão 14º verificou­ se que não tinha havido nem vistoria ao imóvel nem tinha sido apresentado o mencionado estudo;
21º E quanto à falta de apresentação do estudo referido no nº8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa, tal falta veio a ser expressamente confessada pelo recorrido Município na sua Oposição - artigos 70º e 71º, sendo que, o facto invocado nessa confissão -mau estado do edifício, foi contrariado pelas Recorrentes nos termos já expressos na conclusão 5º;
22º Apresentada a pronúncia das ora Recorrentes sobre os Docs. juntos com a Oposição do Recorrido Município, a mesma não foi alvo de qualquer objeção nem por parte do então Requerido nem por parte dos então Contra-interessados;
23º E a SnrºJuíz também não manifestou qualquer oposição à junção desta pronúncia;
24º A intervenção das ora Recorrentes através da pronúncia apresentada em 3/5/17 foi ditada pelo cumprimento do Princípio do Contraditório - art. 3º do CPC e do direito à prova como consequência do Princípio da Igualdade das partes - art.4º do CPC, dado que,
25º O direito à prova densifica-se no direito de oferecer e produzir provas, controlar as aprovas do adversário e discretear sobre o valor de umas e outras - Acórdão do STA de 6/20/2017, Procº nº 01249/16;
26º Deste modo, atenta aforma como decorreu a instrução dos presentes Autos Cautelares - pi, oposições e pronúncia sobre documentos juntos pelo Recorrido Município, a Sra Juíza tinha que atentar no conteúdo da referida pronúncia tanto para efeitos de fixação da matéria de facto como para a correta decisão sobre o mérito da causa, dando assim cumprimento ao artigo 5º do CPC;
27º A jurisprudência entende pois, que, a actual consagração do Princípio do Dispositivo permite a aquisição e consideração de factos, integradores da causa de pedir, mesmo que não tenham sido explicitamente alegados, mas que resultem da instrução da causa e relativamente aos quais as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar;
28º Ora, os factos que constam do Doc. 2 junto com a Oposição do Recorrido Município são os factos essenciais da causa de pedir, a saber, demolição de um edifício e sua substituição por um novo que não possui as características arquitetónicas do conjunto edificado em que se insere , a ........;
29º Tais factos confirmaram inteiramente os factos invocados pelas Recorrentes na pi, concretizando o que aí tinha sido invocado por quem tem legalmente a competência para avaliar quer da legalidade do licenciamento urbanístico de projetos face aos Planos Municipais de Ordenamento do Território em vigor quer da compatibilidade de tais projetos com a estética urbana dos locais, atenta a discricionariedade que a lei concede às Câmaras Municipais para aferir de tal compatibilidade;
30º Por conseguinte, a melhor prova que se podia apresentar nos presentes Autos para sustentar os factos invocados pelas Recorrentes na sua pi, era e é a INF referida na conclusão 14º;
31º E, comas e disse, tal lnf. Não foi posta em causa pelo Diretor Municipal do Urbanismo em 20/7/1 5, permanecendo assim a mesma intocável no que dizia respeito à ausência de ligação do projeto do novo edifício à arquitetura característica da ........, em virtude de, o Snr. Diretor, nada ter dito que pudesse fundamentar a sua afirmação que o projeto iria valorizar arquitetonicamente a ........;
32º Assim sendo, enão tendo a Sra Juíza procedido conforme a conclusão 26º a sentença recorrida fez uma apreciação ligeiríssima do Princípio do Dispositivo, apreciação essa que não tem suporte nem na lei, nem na doutrina, nem na jurisprudência , pelo que foi a sentença recorrida e não as ora Recorrentes que violou o artigo 8 do CPC, termos em que, por este ângulo, a sentença recorrida não pode ser mantida na ordem jurídica por V. Exas;
33 Em face do exposto, e porque estamos no domínio cautelar, domínio este que exige que a apreciação da aparência do bom direito seja feita de forma sumária, de tal apreciação resulta, de modo indiciário mas suficientemente seguro, que, nos presentes Autos, ocorreram as violações ao regulamento do PDM de Lisboa por parte do acto ora suspendendo, sendo certo que,
34º A Informação referida na conclusão 14º até foi levada aos factos assentes pela sentença recorrida, não tendo, porém, a mesma retirado daí as devidas consequências jurídicas, pois não soube interpretar ou não quiz interpretar os factos assentes face às normas do regulamento do PDM de Lisboa que tinham sido invocadas pelas Recorrentes como tendo sido violadas pelo acto suspendendo;
35º Deste modo, tendo ficado indiciariamente provado que a construção do novo edifício para os nºs 10/12 da ........, violava os artigos 42º, nºl e 45º, nºl, alínea e}, do regulamento do PDM de Lisboa, a sentença recorrida ao não ter decidido por tal violação, incorreu em ilegalidade por violação dos referidos preceitos regulamentares, não podendo, também por aqui, ser mantida na ordem jurídica por V. Exas;
36º Mas a sentença recorrida também levou aos factos assentes que o conjunto …. / ........, se encontra abrangido pela Lista dos Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico na categoria de ''Bens Imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis" do regulamento do PDM de Lisboa –ponto l;
37º Assim, estando em presença de um bem cultural desta categoria, às operações urbanísticas que incidam sobre um tal bem são aplicáveis os Princípios da Preservação, Conservação e Valorização previstos no artigo 26º,nºs 1, alínea a} e 2, do regulamento do PDM de Lisboa;
38º Mas para além do cumprimento destes Princípios, verdadeiros Princípios jurídico-urbanísticos, as referidas operações urbanísticas têm que respeitar as regras previstas no nº8, do artigo 26º, designadamente, a realização de vistoria municipal ao bem e a existência de estudo de sua caracterização histórica, construtiva e arquitetónica por forma a justificar a adequação da intervenção proposta;
39º Porém, tais regras não foram cumpridas nem por parte da Câmara Municipal de Lisboa nem por parte do promotor da operação, requerente do licenciamento;
39º Assim, a demolição do edifício sito nos nºs 10/12 da ........ só poderia ocorrer se tivesse sido realizada vistoria municipal a atestar a ruína eminente do edifício ou a sua incapacidade estrutural;
40º Como só poderia ocorrer se se tratasse de uma demolição parcial - supressão de partes sem valor histórico ou arquitetónico ou caso a demolição fosse considerada de relevante interesse urbanístico em Plano de Urbanização ou de Pormenor, o que não foi o caso, pois pretende-se demolir um edifício inteiro e o local apenas está abrangido pelo PDM de Lisboa conforme reconheceu a CML na INF referida na conclusão 14º;
41º É pois o que decorre do artigo 29º, nº1, do regulamento do PDM de Lisboa;
42º Assim, ao ter decidido como decidiu, ignorando a matéria de facto dada por si assente, a sentença recorrida demitiu-se de apreciar este facto
- Ponto 11, à luz dos preceitos regulamentares do PDM de Lisboa referentes à "Carta Municipal de Património" e que tinham sido invocados pelas Recorrentes como violados pelo acto suspendendo - artigo 26º, nºs 1,2 e 8,sendo, por conseguinte, ilegal, por violação deste mesmo preceito do regulamento do PDM de Lisboa, bem como do seu artigo 29º, nº1, não podendo, também por aqui, ser mantida na ordem jurídica por V.Exas;
43º Contudo, mesmo que, por mera hipótese, se se considerasse que o bem imóvel protegido pela "Carta Municipal de Património" é apenas o……, mesmo assim, ocorreria à mesma a violação do disposto no artigo 26º, nºs 1,2 e 8 do regulamento do PDM de Lisboa por parte do acto suspendendo;
44º É que, sem prejuízo do ……/ ........, face à interpretação literal do regulamento do PDM no seu Anexo li - Ponto
22.10, ter sido protegido pela "Carta" enquanto conjunto urbanístico que efetivamente é, a realidade é que a conservação do edificado para a preservação da identidade cultural e histórica da cidade de Lisboa assenta numa lógica de conservação não só de bens isolados da "Carta", mas também de edifícios de acompanhamento que com eles compõem uma unidade urbana;
45º É o que dispõe claramente o artigo 27º, nº3, do regulamento do PDM de Lisboa;
46º E não restam dúvidas que, face ao Doe. 2 junto aos Autos com a Oposição do recorrido Município, o edifício que se pretende demolir é um edifício de acompanhamento da Praça e que com ela constitui um conjunto edificado homogéneo, portanto, uma unidade urbana;
47º Sendo um edifício de acompanhamento da Praça, às operações urbanísticas que sobre ele incidam são-lhes aplicáveis os Princípios Jurídico-urbanísticos da Conservação, Preservação e Valorização contidos nos nºs 1e 2 do artigo 26º do regulamento do PDM, bem como as regras do seu nº 8;
48º Seria um absurdo e por isso uma subversão da lógica e da "ratio" do sistema normativo criado pelo regulamento do PDM de Lisboa em matéria de proteção dos bens da "Carta", defender que operações urbanísticas em edifícios de acompanhamento desses bens não estão sujeitas aos Princípios e regras contidas nos artigos 26º e 29º do regulamento do PDM;
49º Porque a lógica do sistema de proteção dos "Bens culturais imóveis" da "Carta" é uma lógica de proteção de unidades urbanas compostas pelos bens isolados e pelos seus edifícios de acompanhamento, não faria qualquer sentido nem teria qualquer suporte no sistema formado pelos artigos 26º a 30º do regulamento do PDM defender que as operações urbanísticas em edifícios de acompanhamento de bens isolados da ''Carta" não carecem de vistoria municipal, nem de estudo de caracterização histórica, podendo assim as mesmas serem licenciadas "desgarradas.1.1 do todo urbanístico em que se insere o imóvel sobre o qual incidem;
50º Conclui-se assim que a sentença recorrida ao decidir como decidiu, não aplicando o direito aos factos dados como assentes no seu ponto 11.1 violou o artigo 27º, nº3, do regulamento do PDM de Lisboa e, consequentemente, o seus artigos 26º, nº1,alínea a),2 e 6 e 29º, nº1;
51º A violação dos Princípios jurídico-urbanísticos e das regras contidas nos artigos 26º,27º e 29º do regulamento do PDM de Lisboa por parte da sentença recorrida, porque se traduz na violação da proteção dos Bens culturais imóveis da Carta Municipal de Património, é também uma violação ao disposto no artigo 3º, alínea d), do ""Regime jurídico da Reabilitação Urbanana, aprovado pelo DL nº 307/2009,de 23 de Outubro e no artigo 3º, nº3, da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro," Lei de bases do Património Cultural;
52º Com efeito, sendo a proteção do património cultural um dos objectivos da Reabilitação Urbana e sendo a maior parte da área consolidada de Lisboa ""Área de Reabilitação Urbana - Avisos nºs 5876/2012, DR, 2!! Série, nº 82, de 26/4/12 e 8931/20 15, DR, 2!! Série, nº 148, de 31 de Julho de 2015, o acto suspendendo violou tal objectivo, assim como violou o dever que recai sobre as Autarquias locais de defenderem o património cultural;
53º Entendem assim as Recorrentes que o "fumus boni iuris" está preenchido nos presentes Autos Cautelares;
54º É que se há indícios suficientemente fortes nos Autos que apontam ter o regulamento do PDM de Lisboa ter sido violado pelo acto suspendendo nos seus artigos 42º, nº1 e 45º, nº1, alínea e), esses indícios ficam ainda mais fortes quando decorre da prova produzida que não se realizou nem a vistoria ao imóvel nem foi apresentado o estudo de sua caracterização histórica, arquitetónica e construtiva, o que era obrigatório face ao nº 8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa;
55º Demonstrado que está o "1umusn, deverão também V. Exas decidir que está preenchido o requisito ""periculum in mora";
56º É que em caso de improcedência da presente providência e de procedência da ação principal, a respetiva sentença já não terá qualquer utilidade para os interesses que as Recorrentes defendem nos presentes Autos, dado que, com a construção do novo edifício e a venda das suas frações no mercado, com a sua consequente ocupação por proprietários ou arrendatários, ficará consolidada no terreno a violação ao PDM de Lisboa, e, com ele, consumar-se-á a descaracterização arquitetónica do conjunto urbanístico da ........;
57 Finalmente, em termos de ponderação de interesses, deve prevalecer a preservação da identidade histórica, cultural e patrimonial de uma Praça emblemática da cidade de Lisboa, como é a ........ e que, como tal, se encontra protegida ao abrigo da "Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico" do regulamento do PDM de Lisboa“.

O Recorrido particular nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O douto Tribunal Recorrido fundou a sua decisão no princípio que o artigo 5.º do CPC corporiza, em conformidade, aliás, com o que a ora Recorrida já havia alegado em sede de Oposição ao procedimento cautelar, onde dedicou logo o 1.° artigo a afirmar que "os presentes autos são parcos em "factos".
2. De facto, o parecer do ICOMOS que as Recorrentes voltam a reproduzir nas doutas alegações e que corporiza o acervo factual submetido à apreciação do tribunal a que, limita-se a descrever, de forma manifestamente imprecisa e vaga, as características do edifício existente e que se visa demolir.
3. Com efeito, limitam-se as Recorrentes a caracterizá-lo do seguinte modo: insere-se na tradição construtiva pombalina; tem dois pisos, sendo o nível térreo reservado a espaço comercial e o primeiro a habitação e possui uma área de quintal; tem uma fachada com três janelas de sacada com gradeamento de ferro forjado, uma mansarda, ostentando na janela uma guarda de ferro de idêntica tipologia relativamente aos outros vão e um telhado de duas águas e o beirado à portuguesa; tem pilastras nos cunhais de cantaria e todos os varões apresentam uma moldura recortada.
4. E, no que reporta às características do edifício que se pretende construir, referem as Recorrentes - rectius, o ICOMOS - que tem cinco pisos, com vidro a toda a largura da fachada, assente numa estrutura de betão armado revestida com perfis de ferro, lâminas de alumínio para ensombramento e telas de rolo.
5. É tão só o que as Recorrentes alegam a nível factual/caracterização do edifício projectado, sendo que o alegado na alínea g) do artigo 3.º das doutas alegações é puramente conclusivo.
6. De facto, concluem as Recorrentes/ICOMOS que "o projecto do novo edifício não apresenta uma relação com a cultura arquitectónica da zona histórica onde se insere, afirmando-se propositamente como uma ruptura relativamente ao conjunto existente, tanto pelo tipo de volumes, revestimento, cor, largura de vão e materiais utilizados, como pela relação que estabelece com os restantes imóveis, implantando-se assim no tecido urbano histórico de modo autónomo como um objecto independente induzindo à desarticulação e desagregação do tecido antigo" (sublinhados nossos).
7. Como facilmente se constata, aquilo que importaria concretizar - ainda que em termos sumários - é deixado ao abandono pelas Recorridas, que ultrapassam a fase dos factos, indo directamente para os juízos conclusivos, que abundam nos presentes autos.
8. Deste modo, e desde logo, qual o estilo, tipo de volume, revestimento, cor, largura de vãos e materiais utilizados do edifício a construir?
9. Como poderia o douto Tribunal Recorrido e como poderão os Venerandos Desembargadores concluir que o edifício projectado se apresenta como ruptura relativamente ao conjunto existente se as Recorrente nem se dignam a caracterizar o edifício projectado?
10. Indo mais longe, não só não caracterizam o edifício projectado como, igualmente, nada dizem quanto "às características do conjunto existente".
11. Motivo pelo qual, não dispunha o douto Tribunal a quo elementos - que deveriam ter sido carreados para os autos pelas Recorrentes - que lhe permitissem efectuar o juízo comparativo que se lhe impunha.
12. Sucede que as Recorrentes parecem não ter compreendido a dimensão da decisão proferida uma vez que, sem rebater os argumentos ali delineados, acabam por não indicar onde é que, no requerimento inicial apresentado, se encontram os factos que permitiram uma leitura distinta daquela que foi efectuada pelo Tribunal da 1ª Instância.
13. Na verdade, resulta das doutas Alegações que as Recorrentes se preocupam apenas em demonstrar aos Venerandos Desembargadores a existência de "prova" do alegado no Requerimento Inicial (vd. de modo exemplificativo, o artigo 4.º das doutas alegações), à luz do Doc. 2 repetidamente invocado, ignorando o princípio geral de que "o que não foi alegado, não poderá ser provado."
14. Como se constata, as Recorrentes não rebatem a decisão do douto Tribunal que diz respeito à falta de alegação de factos, e convertem a questão num problema de prova, pelo que que cumpre questionar, uma vez mais, quais os concretos factos que foram alegados pelas Recorrentes que, em seu entendimento, se consideram provados pelo afamado Doc. 2, junto pelo Requerido Município?
15. A título meramente exemplificativo (que se crê bastante para refutar o demais), entendem as Recorrentes que o Doc. 2 supra mencionado prova que o "projecto licenciado, por não contribuir para a valorização arquitectonica e urbanística dà área e do conjunto edificado em que se integra, viola os artigos 42.º, n.º1 e 45.º, n.º 1, alínea e), do Regulamento do PDM"
16. Ora, a questão de saber se o projecto contribuiu, ou não, "para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto em que se integra" e, neste medida, se viola ou não os artigos 42.º, n.º1 e 45.º, nº, alínea e), do Regulamento do PDM, pressupõe previamente a alegação de factos materiais caracterizadores do projecto e do conjunto em que se integra e são esses factos que, entendeu o douto Tribunal, e a ora Recorrida subscreve, não vêm sequer alegados!
17. O erro em que incorrem as Recorrentes é o de "dar de barato" e como assente, sem qualquer suporte factual previamente alegado, que o edifício projectado não contribui para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto em que se integra e que, nesta medida, viola o regulamento do PDM.
18. E o mesmo raciocínio se aplica às demais violações imputadas ao projecto a edificar, isto é, as Recorrentes partem sempre do pressuposto que as previsões normativas que invocam se encontram preenchidas - sem o demonstrarem -, para, logo daí, inferirem a respectiva violação.
19. Aliás, a dada altura das doutas Alegações, as próprias Recorrentes reconhecem que o Requerimento Inicial que impulsionou os presentes autos não contém os factos essenciais da causa de pedir, alegando que "os factos que constam do Doe. 2junto com a Oposição do Requerido Município são os factos essenciais da causa de pedir (...).
20. Ou seja, segundo as Recorrentes, os factos essenciais da causa de pedir foram carreados para os autos através da Oposição do Requerido Município, e não pelas Recorrentes no seu Requerimento Inicial, reconhecendo, assim, que incumpriram o disposto no artigo 5.º do CPC, bem como o disposto no artigo 552.º, n.º1, ai. d) do CPC.
21. A circunstância das Recorrentes afirmarem que, no Requerimento que submeteram em 03.05.2017, "fizeram menção expressa de se aproveitarem dos factos constantes do Doc. 2 junto com a Oposição do Requerido Município" é irrelevante porquanto, impunha­se às Recorridas que, em sede de Requerimento Inicial, já tivessem exposto todos os factos essenciais à causa de pedir, o que não sucedeu.
22. De qualquer modo, ainda que o douto Tribunal se aproveitasse da matéria factual eventualmente constante do citado Doc. 2, nem assim ficaria habilitado a efectuar o "juízo comparativo" que lhe impunha, pois aí nada é dito, designadamente, quanto às características (estilo, cores, volumetria, larguras, materiais) dos prédios envolventes, contíguos ou confiantes, verificando-se, apenas, uma maior precisão na descrição do imóvel projectado.
23. Em suma, não subsistem dúvidas de que as Recorrentes não "fizeram o trabalho de casa", demitindo-se de carrear factos essenciais para os presentes autos e, por conseguinte, não poderiam passar no exame promovido pelo douto Tribunal a quo.
24. Esperando-se, igualmente, que não tenham sucesso na revisão de nota junto dos Venerandos Desembargadores, face à inultrapassável premissa de que: "Cabe às partes alegar factos e não conclusões. enunciações genéricas ou meramente reprodutivas de normas legais com omissão dos factos materiais que. a provarem-se. são susceptíveis de integrar previsões e estatuições de normas que as partes invocam para tutela das suas pretensões" (Vd. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição)
25. Face ao exposto, sendo flagrante a insuficiência factual dos presentes autos, a posterior tarefa de aferir pelo preenchimento das previsões normativas invocadas pelas Recorrentes sai sobremaneira dificultada.
26. Nas doutas Alegações, as Recorrentes parecem restringir o leque de normativos violados que haviam feito constar do Requerimento Inicial, cingindo-se, quiçá por reconhecerem a ausência de qualquer fundamento para os demais, aos seguintes: n.º1 do artigo 42.º, alínea e) do n.01 do artigo 45.º e artigo 26.º, n.º 1, 2, 3 e 8, todos do RPDM.
27. Ora, no que reporta ao disposto no n.01 do artigo 42.º e alínea e) do n.º1 do artigo 45.º, ambos do RPDM, o que está em causa é, em termos sintéticos, a necessidade do projecto a edificar contribuir para a valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto do edificado em se integra.
28. Ora, o despacho de licenciamento da obra sub judice, não ignorou a importância urbanística, histórica e cultural do Jardim da ........, onde o edifício se localiza.
29. De facto, e precisamente por o local se encontrar na Zona Especial de Protecção do Bairro Alto, a Direcção Geral do Património Cultural foi chamada a pronunciar-se em sede de Comissão de Apreciação, tendo emitido parecer de aprovação, face ao estado de pré-ruina do edifício existente, à inexistência de bens imóveis classificados próximos, e à consideração de que a nova construção é, em termos de volume e de escala, adaptada à ......... (vd. facto provado 5))
30. Por outro lado, a Direcção Municipal do Urbanismo, igualmente se pronunciou favoravelmente, apelando, designadamente, ao facto do edifício existente não ser relevante na composição da praça mas apenas um elemento de acompanhamento, não podendo, nesta medida, afirmar-se como um elemento com "interesse urbanístico ou cultural'', susceptível de obstar à respectiva demolição.
31. Mais se adiantou que o projecto apresentado em sua substituição contribui para a valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado em que se integra: apresenta uma volumetria e altura de fachada que não ultrapassam a média das alturas da frente edificada; mantém o plano de alinhamento das fachadas, quer pelo volume no piso térreo, quer pelo limite das varandas e guardas, quer ainda pela utilização de telas de sombreamento localizadas no plano da fachada; a inserção no contexto da ........ surge também reforçada com o revestimento da estrutura de betão armado com perfis de ferro, que tenha recuperar as varandas metálicas do século XIX, bem características da cidade de Lisboa.
32. O facto da edilidade competente para o licenciamento ter privilegiado a substituição do edifício existente, não representa qualquer violação ao PDM, sendo certo, aliás, que foi ainda equacionada na proposta de aprovação, a possibilidade de soluções alternativas, como sejam a manutenção da fachada e a ampliação, bem como a manutenção do edifício existente, recuperando-o, as quais, porém, foram consideradas inviáveis.
33. Em suma, o conjunto edificado em se integra não ficará desvirtuado com a obra licenciada, nem sofrerá qualquer desvalorização porquanto o edifício existente e muro contíguo não têm qualquer relevância arquitectónica ou urbanística para o arruamento, nem são um elemento relevante na qualificação do espaço urbano.
34. Por outro lado, as Recorrentes voltam a incorrer no mesmo erro relativamente à aplicação do disposto no artigo 26.º, n.º 1, 2, 3 e 8 do RPDM, cuja previsão normativa abrange os "bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis", constantes da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico.
35. Conforme consta do facto provado n.º 11 da douta Sentença, é tão só o……, e não o edifício ora em causa, que integra a citada Lista de Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico do RPDM de Lisboa (22.10).
36. Fosse outra a intenção, teria sido expressamente incluído o "Imóvel/ ........, 10-14", à semelhança do imóvel que vem indicado sob o n.º 22.09 - Edifício de habitação plurifamiliar/........, 46-48"
37. Impondo-se, portanto, concluir, que o imóvel do ora Recorrido não integra a mencionada Lista de Bens e, em conformidade, escapa ao âmbito de aplicação do disposto no artigo 26.0, n.º1, 2, 3 e 8 do RPDM, não sendo, assim, exigível, qualquer "vistoria e apresentação de estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitectónica" como pretendem as Recorrentes para, desta forma, assacar novo vício ao acto de licenciamento.
38. No que reporta à ampliação da matéria de facto pugnada pelas Recorrentes, dir-se-á que, relativamente ao facto 16) aditando, segundo o qual "Não foi apresentado o estudo indicado no n.º 8 do artigo 26.º do regulamento do PDM de Lisboa - estudo de caracterização histórica, construtiva referente aos edifícios sitos nos n.ºs 10/12 da ........", o mesmo não surge, em lado algum, alegado e, sendo essencial à apreciação da violação do citado normativo, careceria de ter sido invocado pelas Recorrentes no seu Requerimento Inicial.
39. Por outro lado, e conforme se deixou expresso e ora se reitera, o certo é que o imóvel da ora Recorrida não integra a mencionada Lista de Bens (Ponto 22.1º) e, em conformidade, escapa ao âmbito de aplicação do disposto no artigo 26.º, n.º1, 2, 3 e 8 do RPDM.
40. Pelo que, o aditamento de tal facto ao acervo factual dado como provado é irrelevante para a apreciação da causa, por respeitar a norma regulamentar inaplicável aos presentes autos, conclusão que, alias, as Recorrentes não afastam.
41. Por conseguinte, e no limite, apenas seria aplicável à operação urbanística sub judies os "Princípios Orientadores" previstos no n.º 3 do artigo 27.º do RPDM, chamado à colação pelas Recorrentes, os quais, naturalmente, pela sua natureza, não permitem aferir da (i)legalidade da obra licenciada, impondo-se apenas, quanto a tais "edifícios de acompanhamento", que "seja privilegiada a conservação".
42. Princípio este que, note-se, não foi igualmente ignorando, na medida em que a proposta de aprovação equacionou, conforme referido, outras soluções alternativas que pudessem privilegiar a conservação.
43. De igual modo, ignora-se a relevância do Facto 17) que as Recorrentes pretendem ver aditado, segundo o qual "não foi apresentado um relatório do estado de conservação dos edifícios", tanto mais que, uma vez mais, tal facto nunca foi carreado para os presentes autos, por forma a que sobre o mesmo pudesse ter sido oferecida prova.
44. Por outro lado, e para se aquilatar da relevância do citado facto, haveria que apurar da necessidade prévia da apresentação de "um relatório do estado de conservação dos edifícios", o que não surge sequer mencionado pelas Recorrentes.
45. Por fim, quanto ao facto 18), nos termos do qual "Os nºs 10/12 da ........ constituem um edifício de acompanhamento da Praça", a ora Recorrida nada tem a opor ao respectivo aditamento ao acervo dos factos dados como provados, pese embora, uma vez mais, não se alcance da respectiva relevância para apreciação das ilegalidades que as Recorrentes imputam ao acto de licenciamento.
46. Termos em que, e com o douto suprimento de V.Exas, deverão ser indeferidos os aditamentos à matéria de facto provada pretendidos pelas Recorrentes.
47. A matéria exposta demonstra, salvo melhor opinião, a manifesta falta de fundamento da presente providência cautelar, e a falta de verificação dos pressupostos que permitem o seu decretamento.
48. Desde logo, falha o requisito do "fumus boni iuris", que pressupõe, face ao que dispõe o artigo 120.º, n.01, in fine, do CPTA, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, pelo que bem andou o douto Tribunal ao consignar que ''resulta notoriamente da análise do r.i., que é insuficiente, senão mesmo omissa, a alegação e concretização da matéria de facto em que deveriam assentar as invocadas violações de lei, de modo a que fosse possível sustentar um perspectiva de êxito do processo principal''.
49. Por outro lado, apesar de ter saído prejudicada a verificação dos demais requisitos subjacentes ao pedido cautelar, face ao não preenchimento do fumus boni iuris, o certo é que também o requisito do periculum in mora não se encontra verificado pois as Recorrentes não invocam nem concretizam qualquer prejuízo de difícil reparação.
50. Aliás, considerando que as Recorrentes pretendem evitar que se erga uma obra com as características da que será promovida pela ora Recorrida, dir-se-á que, na eventualidade do processo principal vir a ser julgado procedente, poderá vir a ser ordenada a demolição da construção e, em consequência, será possível proceder à reposição da legalidade.
51. Por fim, e igualmente demonstrativo da falência da presente providência cautelar, é o requisito constante do n.º2 do artigo 120.º do CPTA. que impõe que se faça uma ponderação dos interesses públicos e privados em presença e uma análise dos danos decorrentes da concessão da providência.
52. A este propósito, e prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelas Recorrentes, entende a ora Recorrida que se impõe alguns acertos ao acervo factual constante da douta Sentença.”

O Recorrido Município nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O artigo 120º, nº 1 do CPTA, na redação dada pelo Decreto – Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2015, dispõe o seguinte: “ Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provávelque a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”;
2. A probabilidade de a verificar, pressupõe sempre a necessidade de reconhecer uma possibilidade efectiva da procedência da pretensão em presença, o que no causo dos autos, não é possível, até pela necessidade de uma aferição mais aprofundada da matéria;
3. Na verdade, face à complexidade das matérias em juízo, a questão da probabilidade não se mostra consolidada, tanto mais que o objeto da ação principal sempre carecerá de mais intensa e aprofundada verificação, insusceptível de ser realizada num processo como este, de natureza perfunctória.
Como vem sido defendido pela nossa jurisprudência, não ocorrerá a necessária probabilidade da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao ato é controversa;
4. Ora, constata-se que a Recorrente alicerça todo o seu argumentário no documento nº 2 junto com a oposição;
5. O Doc. nº 2 compõe-se de duas informações: - a informação nº …./INF/DPEDI/GESTURBE/2015 e a informação nº …./INF/DMURB/GESTURBE/2015;
6. A informação nº …./INF/DPEDI/Gesturbe/2015 consta do nº 6 do ponto IV da sentença - factos indiciariamente provados, com interesse para a decisão a proferir;
7. A informação nº …/INF/DMURB/GESTURBE/2015 consta do nº 7. do ponto IV da sentença - factos indiciariamente provados, com interesse para a decisão a proferir;
8. Mais alegam as Recorrente que, vem confessado pelo Município de Lisboa, nos artigos 70º e 71º da oposição que não foi apresentado o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitetónica, para daí inferir pelo incumprimento do artigo 26º do PDM, facto esse que a douta sentença recorrida deveria ter dado como provado;
9. Como se deixou claro em sede de oposição, o edifício que a Recorrente pretende que seja preservado está em muito mau estado de conservação, promovendo a utilização de um espaço devoluto, degradado e com focos de insalubridade, pelo que, este mau estado de conservação do edifício tornou totalmente desnecessária a apresentação de estudos de caracterização e as questões relacionadas com a arqueologia ficaram salvaguardadas no parecer da DGPC;
10. Veja-se que é a própria Direção Geral do Património Cultural que refere expressamente que o edifício existente está em pré-ruína. (Doc. 1 junto com a oposição do Município);
11. Ora, a DGPC, entidade com competências na área do Património classificado entendeu aprovar o projeto considerando, certamente, que o bem classificado – o Conjunto de Interesse Público do Bairro Alto – se encontra salvaguardado;
12. O que a Recorrente pretendia era que o Tribunal tivesse considerado a evidência de êxito do processo principal, o que não aconteceu. E bem;
13. Como se deixou suficientemente explanado, as matérias em evidência nos presentes autos revelam-se extremamente controversas e, quando assim é, não ocorre a necessária probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal;
14. O parecer do ICOMOS considera que o edifício sito na ........, nºs 10 a 14 possui grande valor patrimonial;
15. Ora, mas na verdade, a Direção Geral do Património Cultural, entidade nacional que tem por missão assegurar a gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro de todos os bens que integram o património cultural imóvel, móvel e imaterial do País, bem como desenvolver e executar a política museológica nacional, considerou tratar-se “ de uma construção tradicional, antiga, em alvenaria de pedra, em adiantado estado de degradação”;
16. Assim, o entendimento da Direção Geral do Património Cultural, foi e é totalmente diverso daquele que vem defendido no parecer do ICOMOS, razão pela qual, o projeto de arquitetura foi objeto de parecer favorável desta entidade;
Acresce que, as providências só são adotadas, como refere Mário Aroso de Almeida in “ O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág.260 “ sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (…) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “ prejuízos de difícil reparação”;
17. Ora, no caso em apreço, verifica-se, que as Requerentes não alegaram quaisquer factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto;
18. Como se vê, nenhum prejuízo é invocado pelas Requerentes e muito menos, quaisquer factos integradores do mesmo;
19. Assim, face à inexistência do peliculam in mora, também a requerida medida cautelar não poderia ser concedida;
20. Quanto ao critério da ponderação de interesses, o 120º nº 2 do CPTA, “ (…) a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores, àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”;
21. Como defende a nossa jurisprudência, o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão da providência cautelar;
22. Os interesses/ prejuízos das Requerentes, vertidos na única alegação - ofensa do património cultural, não se revela nem idónea nem proporcional para o eventual decretamento da presente providência cautelar.”

Respondendo à ampliação do recurso, o Recorrente formula as seguintes conclusões:”1º Os Recorrentes nada têm a opôr à ampliação do objecto do Recurso por parte do Recorrido ........ visto que a pretendida ampliação fundamenta-se em documentos que se encontram juntos aos Autos;
2º Porém, a dita ampliação não pode ser interpretada como uma forma de fazer depender exclusivamente do interesse do Recorrido a ponderação prevista no nº2 do artigo 120º do CPTA;
3º Assim, da referida ponderação relativamente à matéria dos Autos resulta que o dano que se verificará em caso de recusa de concessão da presente providência é um dano muito maior do que aquele que resultaria se a providência fosse concedida;
4º Com efeito, nos presentes Autos está em causa a proteção de um Conjunto urbanístico, o …../ ........, o qual, pelas suas características arquitetónicas, patrimoniais e históricas, foi eleito pelo Regulamento do PDM de Lisboa como um conjunto a ser alvo de uma proteção especial, fogo, uma proteção mais rigorosa e mais exigente em termos procedimentais e documentais;
Sº Tal proteção especial, atenta a inclusão deste Conjunto na Carta Municipal do património Edificado e Paisagístico do Regulamento do PDM de Lisboa, consta dos seus artigos 26º a 30º, com especial destaque para o que se dispõe nos nºs 1,2 e 8 do artigo 26º e nº3 do artigo 27º;
6º Por isso, o procedimento administrativo de licenciamento de operações urbanísticas que incidam sobre os bens imóveis protegidos pela "Carta" exige a realização de uma vistoria ao bem ea apresentação de Estudos de caracterização histórica, construtiva e arquitetónica do mesmo;
7º Ora, nos presentes Autos foi invocado e provado que não foi realizada nem a dita vistoria nem foram apresentados os ditos Estudos;
8º E mais ficou provado que era precisamente o edifício que se pretende demolir o único que garantia uma integração equilibrada no conjunto urbanístico ……/ ........ e não o edifício que se pretende construir em substituição daquele;
9º Assim sendo, atendendo ao especial valor histórico-cultural de que se reveste para o PDM de Lisboa o conjunto urbanístico ora em causa, a construção de um novo edifício em substituição do edifício que se pretende demolir, o qual se encontra integrado no dito conjunto, irá causar um dano real e irreversível ao património cultural edificado da cidade de Lisboa;
10º E tal dano só poderá ser evitado com a concessão da presente providência;
11º Comparativamente ao dano real que se irá abater sobre o conjunto urbanístico …./ ........, o dano que o ora Recorrido irá ter com a concessão da presente providência será um dano muito menor;
12º E será muito menor porque o Recorrido até tem a possibilidade de apresentar a licenciamento municipal um novo projeto de arquitetura expurgado dos elementos que os serviços técnicos da Câmara Municipal de Lisboa consideraram que, no projeto actual, impedia a sua ligação à arquitetura dos edifícios que compõem o conjunto urbanístico em causa;
13º No caso dos interesses defendidos pelos Recorrentes, uma recusa da providência causará um dano irreversível ao conjunto em causa enquanto conjunto que,mercê das suas características históricas e patrimoniais, foi alvo de uma proteção especial por parte do PDM de Lisboa,
14º Pois tal recusa permitirá que se consolide definitivamente no seio do dito Conjunto uma violação à ''Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico" de Lisboa;
15º A iniciativa privada na área do imobiliário, com em qualquer outra área da actividade económica, é sempre de saudar desde que esteja subordinada à defesa do interesse geral, o que não acontece nos presentes Autos, até pela especial proteção concedida pela Constituição da República e pela lei à defesa do património cultural do povo Português - artigos 9º, alínea e) e 78º, nº2, alínea c) e artigo 3º, nº3 da Lei nº 107/2001;
16º Assim sendo, na ponderação dos danos que há a fazer nos termos do nº2, do artigo 120º do CPTA, haverá que relevar o dano superior que irá ocorrer ao património histórico-cultural da cidade de Lisboa caso a providência seja recusada, pois, com um dano destra natureza, é parte da memória histórica de uma cidade que desaparece,
17º O que a acontecer não deixaria de ser algo anacrónico no ano em que se celebra o Ano Europeu do Património Cultural.“

O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da procedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Na decisão recorrida foi dada por assente, por indiciariamente provada, a seguinte factualidade, que se mantém:
1) As Requerentes são pessoas colectivas de tipo associativo sem fins lucrativos, e têm por missão a conservação e defesa do património cultural edificado, em especial nas áreas de reabilitação e restauro do património arquitectónico (cfr. docs. 1, 2 e 3 junto com o r.i);
4) O projecto de construção e o pedido de licenciamento de obras foram colocados à apreciação da Câmara Municipal de Lisboa, cujo processo foi tramitado sob o nº …/EDI/2015 (cfr. doc. 1 junto com a oposição da Entidade requerida);
5) Em 11.05.2015, reuniu a Comissão de Apreciação – ARU de Lisboa, que, sobre o processo …./EDI/2015 resolveu, conforme se extrai da respectiva acta:
“(…) Antecedentes:
Foram realizadas reuniões de acompanhamento de assunto, desde 2014, a pedido dos Interessados.
Caracterização da proposta:
É objecto de apreciação um projecto de construção de um edifício na ........, nºs 10 a 14.
No local encontra-se uma construção tradicional, antiga, em alvenaria de pedra, em adiantado estado de degradação, com lajes, 1° andar e águas furtadas.
Constituem elementos definidores do projecto:
- Construção nova com piso térreo, 3 pisos de elevação e um piso recuado;
- Cobertura plana revestida a mosaico hidráulico, à cor telha;
- As fachadas têm os topos das lajes vigas de betão revestidas com estrutura metálica;
- Os caixilhos dos vãos para a fachada principal são em alumínio. A protecção solar feita por estores exteriores de lâminas de alumínio e por rolo exterior de tecido;
- Portão de garagem revestido a madeira.
Apreciação:
Os representantes da DGPC,
- Verificando o estado de pré-ruína da construção existente no local;
- Verificando a inexistência de bens Imóveis classificados próximos, com relação directa de co-visibilidade;
- Considerando que a nova construção é, em termos de volume e escala, adaptada à situação da praça,
Concluíram que o projecto pode ser aprovado.
Tratando-se de local identificado no P.D.M. de Lisboa como de potencial valor arqueológico (nível III), e estando previstos remeximentos do subsolo para realização de fundações, deverão ser realizadas prévias sondagens arqueológicas no local, com metodologia a aprovar pela DGPC, para possibilitar, caso se justifique, a realização de acções de identificação, registo ou preservação de elementos de valor arqueológico.” (cfr. doc. 1 junto com a oposição da Entidade requerida);
6) Em 25.06.2015, Informação nº 3....../INF/DPEDI/GESTURBE/2015 foi elaborada pela Divisão de Projectos de Edifícios do Departamento de Projectos Estruturantes da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa que, merecendo despacho de concordância da Directora de Projectos Estruturantes, considerou, na parte relevante para a decisão: “(…) 2 - Como o local se encontra na Zona Especial de Protecção ao "……", classificado como Conjunto de Interesse Público, a Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) pronunciou-se na Comissão de Apreciação (…) emitindo um parecer de aprovação condicionado à prévia realização de sondagens arqueológicas (folhas 98 e 100).
3- Relativamente ao Plano Director Municipal (PDM) em vigor, o edifício em causa localiza-se de acordo com a Planta de Qualificação do Espaço Urbano em Espaços Consolidados Centrais e Residenciais – Traçado Urbano A, pelo que a presente operação urbanística está sujeita ao cumprimento do disposto nos artigos 39º a 45º do Regulamento do PDM.
3 - Após análise do projecto, verifica-se que:
3.1 - Contrariamente ao referido na memória descritiva do projecto, entende-se que o edifício dos nºs 10-12 possui características arquitectónicas com relevância tais como a composição simétrica, a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com varandas em ferro, etc., que garantem urna integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a .........
3.2 - Quanto à possibilidade de demolição das construções existentes, não foi apresentada uma justificação suficiente, designadamente um relatório detalhado do estado de conservação dos edifícios (…).
3.3 - Não estando em causa a qualidade do projecto apresentado, com volumetria e altura de fachada que não ultrapassam a média das alturas da frente edificada, considera-se que o desenho proposto para o alçado, o último piso recuado, as dimensões e características dos vãos e dos dispositivos de ensombramento, assim como as varandas reentrantes, não possuem qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos prédios confinantes, nem referências nas composições arquitectónicas dominantes no conjunto da ........ em termos morfológicos e tipológicos.
3.4 - Também não se verifica a concordância dos alinhamentos dos vãos e pisos exigida na alínea c) do nº 3 do artº 42º do PDM, entendendo-se que não é mantido de forma evidente o alinhamento do plano marginal edificado exigido no nº 2 do art. 42º, face à existência de planos recuados em todos os pisos da proposta. (…)
4:5 - Deste modo, não se questionando a contemporaneidade e o interesse da solução proposta, com capacidade para se relacionar e qualificar outros contextos urbanos, não se consideram reunidas as condições para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto edificado em que se integra, contrariando-se o disposto no nº 1 do artº 42º do PDM.
4.6 - A implantação proposta ocupando todo o terreno disponível, não permite prever qualquer área permeável; (…)
4.7 - Tal como se encontra estipulado no nº 4 do art. 57° do RMUEL, encontra-se em falta, nas peças desenhadas que correspondem aos amarelos/vermelhos, a representação das alterações a executar na via pública no novo acesso à garagem (…).
6 – Face ao exposto, considera-se que o presente projecto não se encontra em condições para poder ser aprovado por incumprimento do nº 1, nº 2 e alínea c) do nº 3 do artigo 42º, nº 7 do artigo 44º e do artigo 45º do RPDM, propondo-se notificar a entidade requerente desta proposta de decisão, ao abrigo dos artigos 121º e 122º do Código de Procedimento Administrativo.” (cfr. fls. 101 e 102 do doc. 2, junto com a oposição da Entidade requerida);
7) Em 20.07.2015, o Director Municipal do Urbanismo, elaborou a Informação nº …./INF/DMURB/GESTURBE/2015, com o seguinte teor:
Ao Sr. Vereador
1. A presente proposta foi bastante debatida em sede de Comissão de Apreciação Conjunta CML/DGPC, após algumas alterações foi aceite a solução agora em apreciação, considerando que a mesma é, em “termos de volume e escala, adaptada à situação da praça”.
2. De acordo com o autor do projecto procura-se recuperar a solução das “varandas metálicas do séc. XIX” aplicadas em variadas situações na cidade.
3. A informação a fls. 101 reflecte um entendimento diverso (…).
4. A arquitectura, como qualquer outra das artes, tem esta espantosa característica de, perante uma intervenção, podermos ter vários olhares e todos eles válidos.
5. Se partirmos do princípio que o edifício existente e o corpo anexos são relevantes no contexto da praça, então a análise efectuada pelos serviços é coerente e, efectivamente, não se verificam algumas das condições colocadas pelo PDM.
Se, por outro lado, entendermos que, pese embora o edifício existente date da mesma altura da maioria dos edifícios da praça e possua uma composição coerente, mas que não é relevante na composição da praça e tão somente de acompanhamento, então esses factos não são condição necessária e suficiente que justifiquem, de per si, a sua manutenção ou recuperação.
6. A maioria das intervenções nesta situação recorre à mais simples das soluções: a manutenção da fachada e a ampliação seguindo, ou não, a linguagem existente. (…)
7. A leitura efectuada pelo projectista coincide com a análise da DGPC, que acompanho:
a) Estamos perante um edifício de acompanhamento que, em termos volumétricos, representa a excepção na frente da praça;
b) Dada a sua dimensão, a ampliação só iria descaracterizar;
c) A simples recuperação, com eventual alteração do corpo adjacente, não altera, mas também não requalifica, a frente urbana.
8. Nestes termos, a proposta de substituição do edifício, a meu ver:
a) É uma solução interessante e original em intervenções recentes, que se socorre de uma tipologia pouco comum mas conhecida da cidade;
b) Enquadra-se na volumetria da praça (…);
c) Constitui uma valorização arquitectónica e urbanística da praça;
d) Consegue manter o plano de alinhamento das fachadas, quer pelo volume no piso térreo, quer pelo limite das varandas e guardas, quer ainda pela utilização de telas de sombreamento localizadas no plano da fachada.
9. Por estes motivos verifica-se que:
a) A proposta enquadra-se na alínea e) do ponto 1 do artigo 45º do RPDM;
b) A inexistência de logradouro (à semelhança de situação actual) enquadra- se no ponto 14 do artigo 44º onde a profundidade do lote é inferior à profundidade admissível;
c) É cumprida a alínea c) do ponto 3 do artº 42º pois estamos em presença de uma via inclinada, sendo ainda mantidos dois alinhamentos dos pisos: no piso térreo com o edifício à sua direita e no piso 4 com a guarda do edifício à sua esquerda.
Atentas todas estas questões considero que o presente projecto de arquitectura cumpre o Regulamento do PDM, razão pela qual proponho a sua aprovação.” (cfr. fls. 103 e 104 do doc. 2, junto com a oposição da Entidade requerida);
8) Na mesma data, foi aprovado o projecto de arquitectura, com base na informação constante da alínea antecedente, pelo Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, M….., por delegação de competências no Despacho nº …/P/2015, de 21 de Maio de 2015 (cfr. fls. 103 do doc. 2, junto com a oposição da Entidade requerida);
9) Em 24.11.2016, a ........, Lda. efectuou, junto da Câmara Municipal de Lisboa, o pagamento das Licenças de Obras e Utilização e Taxa de Realização de Infra-estruturas Urbanísticas, pelo montante de € 21 202,45 (cfr. recibo - doc. 5 junto com a oposição da ........, Lda.);
10) Em 29.12.2016, a ........, Lda. celebrou um contrato de Empreitada com a sociedade ........ Construções, Lda., tendo por objecto “a execução da „Empreitada de Construção de um edifício Multifamiliar na ........ 10-14, em Lisboa, no Regime de Valor Global” (cfr. Contrato de Empreitada – doc. 6 junto com a oposição da ........, Lda.);
11) Da Lista de Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico do RPDM de Lisboa, na categoria de “Bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis” consta, designadamente:
“(…)
22.9 – Edifício de habitação plurifamiliar / ........, 46-48
22.10 – J….. / ........
22.11 –…../ Rua Cecílio de Sousa, 34-38 (…)” (cfr. doc. 22 junto com o r.i.);
12) Em 01.03.2017, foi afixado na fachada do Prédio, um aviso com o seguinte teor:
“(…) Torna-se público que a Câmara Municipal de Lisboa,
ALVARÁ DE LICENCIAMENTO DE OBRAS _(c) Nº 54CD – CML2016
Titular do alvará ........, LDA (d)
Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …. (f) e inscrito na matriz sob o artigo …. (g), da freguesia da…..
As obras foram licenciadas por despacho de 07.09.15 (i) Características da operação urbanística:
Área total de construção - 651, 95 m2 (j)
Volumetria da edificação -1990,7 m3 (j) Área de implantação -181,15 m2 (j)
Altura da fachada do edifício - 12,36 m (j) Nº de pisos acima da cota de soleira - 5 (j) Nº de pisos abaixo da cota de soleira - 0 (j)
Uso a que se destina a edificação - Habitação (j) Área abrangida pelo Plano - RMUEL (k)
(…)
Prazo para execução das obras - 18 meses” (cfr. doc. 4 junto com o r.i.);
13) Em 06.03.2017, a solicitação das Requerentes, foi elaborado parecer pela ICOMOS – Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e dos Sítios, no qual se concluiu:
“O património urbanístico com relevante valor cultural deve ser encarado como uma mais-valia na cidade mas também como um recurso não renovável, sendo por isso imperativo garantir que possa ser devidamente mantido e preservado.
Tendo em conta a imensa área urbana da cidade de Lisboa, pugnar por manter as características daquilo que são as suas zonas mais antigas, áreas diminutas em relação ao todo não é excessivo nem corresponde a uma atitude que possa ser interpretada como um desejo de “musealização” ou “estagnação” da urbe (…).
Perante o exposto, o ICOMOS-Portugal considera que o edifício nº 10 a 14 da ........ não deveria ser demolido e que um projecto com as características do que foi aprovado para o local, independentemente da qualidade arquitectónica que possa ter-se abstractamente considerado, não se adequa a esta concreta zona da cidade, à luz dos normativos nacionais e internacionais em matéria de conservação e reabilitação do património arquitectónico” (cfr. doc. 6 junto com o r.i.);
14) Em 13.03.2017, foi apresentado, presencialmente, neste Tribunal, o presente pedido de providência cautelar (cfr. registo nº 007420754 no SITAF);
15) Em 10.08.2017, foram apensados aos presentes autos, os autos de Acção Administrativa instaurada e tramitada sob o nº 1236/17.0BELSB (cfr. registo nº 007495687 no SITAF).

Nos termos dos art.ºs 662.º, n.º 1 e 665.º, alteram-se e acrescentam-se os seguintes factos, por indiciariamente provados:
2) Por escritura pública celebrada em 03-01-2014, a sociedade ........, Lda. adquiriu o imóvel sito na ........, nºs 10 a 14, freguesia da….., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (“Prédio”) pelo preço de €375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) a que acresceu o valor de €21.964,75 (vinte e um mil novecentos e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) de IMT e IS (cfr. doc. 2 junto com a oposição da Contra-interessada ........, Lda.);
3) A ........, Lda. solicitou à sociedade ........ Arquitectos, S.A, um projecto de construção para o prédio e com a elaboração dos projectos de arquitectura e de especialidade despendeu a quantia de €76.325,54 (setenta e seis mil trezentos e vinte e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de IVA (cfr. orçamento - doc. 3 junto com a contestação da ........, Lda.);
16) O procedimento camarário relativo ao imóvel sito na ........, nºs 10 a 14, importou para a Sociedade ........, Lda a quantia de €21.101,45 (vinte e um mil duzentos e dois euros e quarenta e cinco cêntimos) (cfr. doc. 5 junto à contestação da ........, Lda);
17) A Sociedade ........, Lda, celebrou com a ........ Construções, Lda, um contrato de empreitada para a construção de um novo edifício na ........, nºs 10 a 14, adjudicando essa obra pelo preço de €1.038.500,00 (um milhão e trinta e oito mil e quinhentos euros), acrescido de IVA, dos quais a ........, Lda, já pagou €103.850,00 (cento e três mil oitocentos e cinquenta euros) (cf. docs. 6 e 7 junto à contestação da ........, Lda);
18) No parecer referido em 13), do ICOMOS, é ainda referido que o edifício sito na ........, nºs 10 a 14 é “um dos raros edifícios desta praça que se preserva praticamente intacto desde a época em que terá sido construído, inícios do séc. XIX mas que se insere na tradição construtiva pombalina, reforçando assim o seu valor patrimonial. De notar que este edifício esteve pelo menos até 2009 ocupado, não podendo afirmar-se, pelo estado geral que apresenta, não ser passível de uma operação de reabilitação como outros tantos.
O imóvel tem dois pisos sendo o nível térreo reservado a espaço comercial e o primeiro a habitação, como é habitual em lisboa. Usufrui este imóvel de um anexo e de uma área de quintal, importante tradição lisboeta em vias de desaparecer (…) Na fachada destacam-se, desde logo, três janelas de sacada com gradeamento e ferro forjado. De notar ainda uma mansarda de grande presença no conjunto, ostentando na janela uma guarda de ferro de idêntica tipologia relativamente a outros vãos. O telhado é de duas águas e o beirado à portuguesa. Observam-se ainda interessantes pilastras nos cunhais de cantaria bem aparelhada (…) Todos os vãos apresentam uma moldura recortada confirmando assim tratar-se de um imóvel que, relativamente a muitos outros, não sofreu alterações substanciais.
(…) 3. Proposta de intervenção
(…) Trata-se de um edifício de cinco pisos, com vidro a toda a largura da falhada, assente numa estrutura de betão armado revestida com perfis de ferro, lâminas de alumínio para ensombramento e telas de rolo que, na sua concepção anulará também a área verde do antigo quintal, contribuindo assim para a impermeabilização da zona. O projecto não apresenta, como é fácil de constatar, uma relação com a cultura arquitectónica e urbanística da zona histórica onmde se insere, afirmando-se prepositadamente, como uma ruptura relativamente ao conjunto existente, tanto pelo tipo de volumes, revestimentos, cor, largura dos vãos e materiais utilizados, como pela relação que estabelece com os restantes imóveis” (cf. o referido documento junto à PI).

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que no procedimento de licenciamento em questão, relativo ao imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, não foi apresentado o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitectónico, previsto no art.º 26.º, n.º 8, do Regulamento do Plano Director Municipal (RPDM) de Lisboa;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que não foi apresentado um relatório detalhado do estado de conservação do imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, facto que estava confessado face aos art.ºs. 70.º e 71.º da contestação do Município;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que o edifício sito na ........, n.ºs 10/14, é um edifício de acompanhamento da Praça, conforme o que consta da INF …/ INF/DMURB/GESTURBE/ 2015;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado no facto 2), que por escritura pública celebrada em 03-01-2014, a Sociedade ........, Lda, adquiriu pelo preço de €375.000,00, o imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, por tal facto estar alegado no art.º 61.º da contestação da Sociedade ........, Lda, e resultar provado do doc. 2 junto com a mesma;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que pelo cumprimento das obrigações fiscais (IMT e IS), inerentes à aquisição do imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, a Sociedade ........, Lda, pagou a quantia de €21.964,75, por tal facto estar alegado no art.º 61.º da correspondente contestação e resultar provado do doc. 2 junto com a mesma;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado no facto 3) que a Sociedade ........, Lda, solicitou à Sociedade ….. Arquitectos, SA, um projecto de construção para o prédio, tendo pago, pela elaboração dos projectos de arquitectura e de especialidade, a quantia de €76.325,54, acrescida de IVA, por tal facto estar alegado no art.º 65.º da contestação da Sociedade ........, Lda, e resultar provado dos docs. 3 e 4 junto com a mesma;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que o procedimento camarário importou para a Sociedade ........, Lda, a quantia de €21.101,45, por tal facto estar alegado no art.º 67.º da contestação da Sociedade ........, Lda e resultar provado pelo doc. 5 junto com a mesma;
- aferir do erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que em 29-12-2016 a Sociedade ........, Lda, celebrou com a ........ Construções, Lda, um contrato de empreitada, tendo a obra sido adjudicada pelo preço de €1.038.500,00, acrescido de IVA, dos quais a Sociedade ........, Lda, já pagou €103.850,00, por tal facto estar alegado nos art.ºs. 69.º e 70.º da respectiva contestação e resultar provado pelos docs. 6 e 7 junto com a mesma;
- aferir do erro de julgamento e da violação do princípio do dispositivo e dos artigos 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa, por não se ter dado relevância ao conteúdo inserto na Inf n.º …/INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015 e não se ter concluído a partir dali que a construção do novo edifício na ........, n.ºs 10/14, violava os citados artigos 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa;
- aferir do erro de julgamento e da violação dos art.ºs 26.º, nºs. 1, 2 e 8, do RPDM de Lisboa, por o edifício em causa integrar a Lista dos Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico (de ora mediante denominada Carta), na categoria de ''Bens Imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis" e não ter ocorrido nem a vistoria exigida, a atestar a ruina eminente do edifício ou a sua incapacidade estrutural, nem o estudo da caracterização histórica, construtiva e arquitectónica, por forma a justificar a adequação da intervenção proposta;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 26.º, nºs. 1, 2, 8, 27.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, do RPDM, 3º, al. d), do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 307/2009, de 23-10 e 3º, n.º 3, da Lei n.º 107/2001, de 08-09, a Lei de Bases do Património Cultural, por a Carta exigir a protecção não só de bens isolados, mas também dos edifícios de acompanhamento que com eles compõem uma unidade urbana;
- aferir do erro decisório, por não ter sido deferida a pretensão formulada na presente acção, por estar verificado o necessário fumus boni iuris, assim como, o periculum in mora, este decorrente da demolição do actual edificado e sua irreversibilidade, e ainda, na ponderação de interesses ser preponderante o decorrente da preservação da identidade histórica, cultural e patrimonial de uma praça emblemática da cidade de Lisboa, como é a .........

Vem o Recorrente alegar um erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que no procedimento de licenciamento em questão, relativo ao imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, não foi apresentado o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitectónico, previsto no art.º 26.º, n.º 8, do RPDM de Lisboa.
Diz o Recorrente que aquele facto estava confessado face aos art.sº 70.º e 71.º da Contestação do Município e vinha provado pelo doc. 2 dessa contestação, a Inf. …./INF/DPED/GESTURBE/2015 de 25-06-2015.
Considera o Recorrente, que devia ser acrescentado à matéria indiciariamente provada o seguinte facto: “16) Não foi apresentado no procedimento de Licenciamento, nos termos do nº 8 do artigo 26º do regulamento do PDM de Lisboa, o estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitetónica referente ao imóvel sito nos nºs 10/12 da ........ (Fls. 101 e 102 do Doc. 2 junto com a Oposição da entidade requerida e por confissão)”.
Como primeira nota, indique-se, que as referências ao cumprimento do art.º 26.º, n.º 8, do RPDM de Lisboa, não são matéria fáctica, mas conclusões ou matéria de Direito. Portanto, aquelas indicações não deviam e não devem ser introduzidas em sede de factos.
Depois, apreciada a PI, verifica-se, que o A. e Recorrente não alegou o facto que ora quer ver acrescentado, ou seja, na PI o A. não alegou especificadamente que não foi apresentado no procedimento de licenciamento para a obra de construção no prédio sito nos nºs 10/14 da ........, um estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitectónica referente a esse imóvel.
Nessa PI o A. e ora Recorrente limitou-se a concluir no art.º 54.º, já em sede de Direito, pela violação do invocado art.º 26.º, n.º 8, do RPDM, por não existir um prévio estudo de caracterização histórica, que justificasse a intervenção proposta. Quanto à afirmação clara e expressa, em sede de matéria de facto, de que aquele estudo inexistiu, não é feita pelo A. Ou seja, o A. não alegou especificadamente a inexistência de tal estudo. Essa alegação vem só implicitamente feita, de forma arrevesada, quando no art.º 54.º, alegando acerca do Direito aplicável, diz violado o art.º 26.º, n.º 8, do RPDM.
Aqui, note-se, que não obstante se indicar na PI títulos separados para alegação fáctica e de Direito, a verdade é que, depois, se inclui a título de Factos diversas conclusões, juízos de valor e alegações de Direito e se na parte intitulada “O Direito” introduz-se enviesadamente diversas alegações fácticas.
A forma imperfeita e descuidada como o A. e Recorrente alegou os factos na PI é assinalada na decisão recorrida, na qual se afirma como notório o carácter insuficiente da alegação e da concretização da matéria de facto. Naquela decisão justifica-se a não procedência da acção, precisamente, por essa mesma circunstância.
Em suma, face à (má) técnica com que se alegam os factos na PI, não obstante se conclui no art.º 54.º da mesma pela inexistência de um prévio estudo de caracterização histórica que justificasse a intervenção proposta, não se pode dali retirar que o A. haja alegado especificadamente que, no caso, inexistia o tal estudo de caracterização histórica, construtiva e arquitectónica.
Ou seja, o facto que o A. agora quer ver aditado, não foi por ele alegado especificadamente.
Mais se refira, que os art.ºs 70.º e 71.º da contestação apresentada pelo Município constituem alegações de Direito e juízos conclusivos, introduzidos numa parte daquele articulado que estava expressamente indicada como se referindo a matéria de Direito.
O art.º 70.º da contestação do Município é a reprodução de um preceito legal e o art.º 71.º é um juízo conclusivo acerca da desnecessidade da apresentação de “estudos de caracterização” face ao “mau estado de conservação do edifício”.
Portanto, o Município também não alegou especificadamente aquele facto, assim como, o não confessou.
No mais, na decisão recorrida, na alínea 6), reproduziu-se a Inf. …../INF/DPED/GESTURBE/2015 de 25-06-2015. Nessa informação afirma-se a inexistência do indicado estudo. Estando-se aqui frente a uma providência cautelar, com prova perfunctória, tal basta para a apreciação, em sede de Direito, da probabilidade da alegada violação do art.º 26.º, n.º 8, do RPDM de Lisboa.
Ou seja, quanto a este ponto não há que alterar a decisão recorrida porque o facto que o Recorrente quer ver acrescentado não foi por ele especificadamente alegado, pelo que não pode, também, entender-se como confessado.

Diz o Recorrente que há um erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado que não foi apresentado um relatório detalhado do estado de conservação do imóvel sito nos nºs 10/14 da ........, facto este que estava confessado face aos art.sº 70.º e 71.º da contestação do Município.
As anteriores referências valem aqui integralmente.
Na PI o A. e ora Recorrente não alega de forma especificada o supra indicado facto.
Igualmente, o Município não o alega ou confessa nos art.sº 70.º e 71.º da contestação, porquanto se limita a concluir no art.º 71.º sobre o “mau estado de conservação do edifício”.
Já o Contra-interessado, ora Recorrido particular, na sua contestação – que também constitui uma miscelânea de alegações fácticas e de Direito, por não estarem claramente separadas - acabou por alegar que o edifício em apreço estava em pré-ruína – cf. art.º 11.º da contestação da ........, Lda.
Por seu turno, o Contra-interessado Sociedade ........, Lda - numa contestação que igualmente não separa a alegação fáctica da de Direito - também invocou o avançado estado de degradação do imóvel – cf. art.º 7.º da referida contestação.
Mas no que concerne à alegação clara e especificada, relativa à inexistência de um relatório detalhado do estado de conservação do imóvel, nenhuma das partes a faz.
Logo, porque o facto que o Recorrente pretende ver aditado nunca foi alegado até à data da apresentação do presente recurso, o mesmo não tem que ser acrescentado.

O mesmo se diga do facto relativo a que o edifício sito nos nºs 10/14 da ........ é um edifício de acompanhamento da praça.
Também este facto não foi especificadamente alegado pelo A. e ora Recorrente, nem pelas contrapartes nas suas contestações.
Mais se refira que nos art.ºs 103.º e 104.º da contestação apresentada pelo Município alega-se matéria de Direito que nada se relaciona com este facto. Nesta medida nem se compreendem as alegações do Recorrente quando remetem para aqueles art.ºs 103.º e 104.º da contestação do Municipio.
Em conclusão, porque não alegado de forma especificada nos autos, o indicado facto não tinha de ser incluído na decisão recorrida.

Vem o Recorrido ........, Lda, em sede de ampliação ao recurso interposto, invocar um erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado no facto 2) que por escritura pública celebrada em 03-01-2014, a Sociedade ........, Lda, adquiriu pelo preço de €375.000,00, o imóvel sito na ........, n.ºs 10/14, acrescido do valor de €21.964,75, relativo ao cumprimento das obrigações fiscais (IMT e IS), inerentes à aquisição do imóvel, por tais factos estarem alegados no art.º 61.º da contestação e resultarem provados do doc. 2 junto com a mesma.
Como acima se indicou, a contestação apresentada pela ........, Lda, é uma miscelânea de alegações fácticas e de Direito, o que muito dificulta a apreensibilidade imediata da factualidade que se quis efectivamente invocar.
Não obstante, no art.º 61.º, a Sociedade ........, Lda, alegou que o edifício em questão “foi adquirido por contrato e compra em venda celebrado em 03.01.2014, pelo preço de €375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) a que acresceu o valor de €21.964,75 de IMT e IS”.
Para prova deste facto, a Recorrida juntou a cópia da escritura de compra e venda.
O indicado facto terá relevo em sede de ponderação de interesses.
Assim, este facto foi aditado ao facto referido na alínea 2), respeitando-se os termos como se encontra alegado.

Vem o Recorrido Sociedade ........, Lda invocar um erro no julgamento de facto, por não se ter dado por indiciariamente provado no facto 3) que a Sociedade ........, Lda, solicitou à Sociedade …. Arquitectos, SA, um projecto de construção para o prédio, tendo pago, pela elaboração dos projectos de arquitectura e de especialidade, a quantia de €76.325,54, acrescida de IVA, por tal facto estar alegado no art.º 65.º da contestação e resultar provado dos docs. 3 e 4 junto com a mesma.
O referido facto que importará em sede de ponderação de interesses, a fazer-se.
Igualmente, aquele facto está alegado no art.º 65.º da contestação apresentada pela Sociedade ........, Lda, e fica indiciariamente provado através dos docs. 3 e 4 a essa contestação.
Logo, foi alterado o facto 3) nos termos indicados, respeitando a alegação feita no art.º 65.º da contestação da Sociedade ........, Lda.

O mesmo se diga da alegação da Sociedade ........, Lda, relativa à omissão do facto de o procedimento camarário ter importado a quantia de €21.101,45, facto alegado no art.º 67.º da contestação e que resulta provado pelo doc. 5 junto com a mesma.
Porque foi alegado, releva e está indiciariamente provado, aquele facto foi aditado à matéria indiciariamente assente.

Igualmente, haverá que acrescentar o facto alegado nos art.ºs. 69.º e 70.º da contestação da Sociedade ........, Lda, por relevar para aquela ponderação e resultar indiciariamente provado pelos docs. 6 e 7 junto com a mesma.

Vem o Recorrente invocar, também, um erro de julgamento e a violação do princípio do dispositivo e dos art.ºs. 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa, por não se ter dado relevância ao conteúdo inserto na Inf n.º …./INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015 e não se ter concluído a partir dali que a construção do novo edifício na ........, n.ºs 10/14, violava os citados artigos.

Determina o art.º 120.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02-10, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige, encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

Na sentença recorrida não se considerou apurado o requisito fumus boni iuris e, em consequência, julgou-se prejudicado o conhecimento dos restantes critérios para a procedência da tutela cautelar.
Aquela sentença entendeu não verificada a probabilidade do bom Direito, a invocar na acção principal, baseando-se essencialmente na deficiente alegação fáctica que é feita pelo A. e ora Recorrente na PI, que, na lógica do decidido, não permitiria ao Tribunal antever as ilegalidades invocadas. Da mesma forma, naquela decisão decide-se pela não verificação do fumus boni iuris pela circunstância de o A. e ora Recorrente fazer invocações sobretudo conclusivas e genéricas, insuficientes para que se compreendessem os moldes como as normas legais se diziam não cumpridas.
Sem embargo de se reconhecer aquele carácter deficiente da PI, ainda assim, através da sua leitura cuidadosa é possível alcançar os seus fundamentos de Direito e as diversas razões porque se dizem violadas as diferentes normas legais.
Nestes termos, com relação à alegada violação dos art.ºs 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa, é possível compreender que o A. e Recorrente alicerça esta violação na circunstância de o ICMOS-Portugal, no parecer que emitiu, ter considerado que a opção pela demolição do anterior edificado não se adequa à zona concreta em que se localiza o prédio e que não preserva a conservação e reabilitação do património arquitectónico, assim como, que a construção de um edifício novo, como o projectado, constitui uma “intrusão violenta na personalidade arquitectónica e cultural” daquela praça, porque não tem ligação ou relação com os edifícios confinantes, não se enquadrando nas “características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza”, não contribuindo para a valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado em que se integra (cf. arts. 29.º a 33.º, 52.º e 53.º da PI).
Nos art.ºs 42.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM de Lisboa, estipula-se o seguinte:”
Artigo 42.º
Obras de construção, ampliação e alteração
1 — As obras de construção, ampliação e alteração têm que se enquadrar nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza e contribuir para a respectiva valorização arquitetónica e urbanística.
(…) Artigo 45.º
Obras de demolição
1 — A demolição total ou parcial dos edifícios existentes apenas é admitida nos seguintes casos:
(…) e) Quando os edifícios existentes não constituam elementos com interesse urbanístico, arquitetónico ou cultural, tanto individualmente, como para o conjunto em que se integram e o projeto apresentado para a sua substituição contribua para a valorização arquitetónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado em que se integra;”
Entende o Recorrente que atendendo ao conteúdo da Inf n.º …/INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015, haverá que concluir-se pela violação dos citados preceitos legais, porque dali decorre indiciariamente provado que a obra em questão não se enquadra nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza, não contribui para a respectiva valorização arquitectónica e urbanística e que a demolição do actual edifício não é consentida.
Como decorre do facto constante da alínea 6) da decisão recorrida, na invocada Inf n.º …/INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015, afirma-se que a nova obra, face ao desenho do alçado, ao último piso recuado, às dimensões e características dos vãos e dos dispositivos de ensombramento, assim como, às varandas reentrantes, não possui “qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos prédios confinantes, nem referências nas composições arquitectónicas dominantes no conjunto da ........ em termos morfológicos e tipológicos” e que “não se consideram reunidas as condições para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto edificado em que se integra, contrariando-se o disposto no nº 1 do artº 42º do PDM.”
Porém, o teor daquela mesma Informação é rebatido por uma outra, a Inf. n.º …/INF/DMURB/GESTURBE/2015, de 20-07-2015, do Director Municipal do Urbanismo, que entendendo que o edifício em causa “não é relevante na composição da praça”, conclui que a mera manutenção da fachada, associada à sua ampliação, só iria proceder à descaracterização do mesmo e que a sua recuperação, com eventual alteração do corpo adjacente, também não requalificaria a frente urbana. Consequentemente, considera-se nesta Informação que a substituição do edifício “constitui uma valorização arquitectónica e urbanística da praça”.
Foi com base nesta última informação que foi aprovado o projecto de arquitectura pelo Vereador…., aprovação aqui suspendenda.
Dos factos indiciariamente provados decorre, também, que a Comissão de Apreciação – ARU de Lisboa, entendeu que o projecto “em termos de volume e escala” era adequado à situação da praça – cf. facto indiciariamente provado na alínea 5).
Por seu turno, face ao facto indiciariamente provado em 13), a ICMOS considerou, ao invés, que o referido projecto “não se adequa a esta concreta zona da cidade”.
Por conseguinte, face à factualidade que vem apurada nos autos não resulta evidente que o projecto em questão não se enquadre “nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza” e que não contribua “para a respectiva valorização arquitetónica e urbanística”, assim violando, o art.º 42.º, n.º 1, do RPDM.
A factualidade apurada é controversa e contraditória, pelo que a violação do referido art.º 42.º, n.º 1, do RPDM, não se pode ter por evidente e, por isso, muito provável.
Depois, tal como é assinalado na decisão recorrida, face à factualidade alegada e indiciariamente provada, desconhece-se quais são as concretas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento e as que concretamente resultam do actual edifício e do projecto, porquanto apenas se alegou e provou as conclusões que o ICMOS, a Comissão de Apreciação – ARU de Lisboa ou a CML retiraram a partir da apreciação daquela realidade e do projecto aprovado. Ou seja, o que vem alegado e resulta provado é um salto lógico face ao que se haveria de discutir para apreciar da invocada violação do art.º 42.º, n.º 1, do RPDM, designadamente por existir um erro de facto, evidente ou manifesto, na apreciação que foi feita do projecto e que ficou vertida no acto suspendendo, que conduziria ao violar do art.º 42.º, n.º 1, do RPDM.
O art.º 42.º, n.º 1, do RPDM, quando remete para o enquadramento “nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza” e para um contributo “para a respectiva valorização arquitetónica e urbanística, vale-se de conceitos vagos ou indeterminados, que concedem espaço à discricionariedade técnico-administrativa. Tratam-se de conceitos a preencher pela Administração, de acordo com o interesse público do momento. No desenvolvimento desta actividade a Administração goza de uma ampla margem de decisão, inerente ao preenchimento daqueles conceitos indeterminados.
A concretização de tais conceitos indeterminados apela para uma valoração autónoma ou complementar e para a necessidade de um preenchimento “criativo” por parte da Administração. São situações em que “claramente o legislador remete para a Administração a competência de fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos. Quer dizer, a Administração têm aí de, considerando as circunstâncias de interesse público, descobrir, segundo o seu critério a solução mais adequada” (in AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pp. 110 e 111).
Discricionariedade administrativa é aqui entendida enquanto um poder-dever jurídico concedido pelo legislador à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha, de entre várias soluções possíveis, aquela que lhe parecer a melhor ou a mais adequada ao interesse público. Tais elementos ou competências discricionárias encerram um juízo de mérito, essencialmente técnico, derivado dos especiais conhecimentos e da experiência do órgão da Administração que o emite, que só pode ser formulado pela própria Administração, porquanto não está prescrito na lei. Tal juízo de mérito não pode, portanto, ser apreciado pelo Tribunal, pois extravasa o foro jurídico.
Só na hipótese de erro grosseiro ou manifesto, ou de erro de facto, serão impugnáveis contenciosamente os juízos proferidos em sede de discricionariedade.
Face à factualidade indiciariamente apurada, esse erro manifesto ou grosseiro no preenchimento dos indicados conceitos do art.º 41.º n.º 1, do RPDM, claramente não existe aqui.

Mas, essa mesma situação já não se poderá aduzir no caso da alegada violação à primeira parte do art.º 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM.
Este último artigo só admite a demolição total dos edifícios existentes quando estes não constituam elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural, tanto individualmente, como para o conjunto em que se integram e quando o projecto apresentado para a sua substituição contribua para a valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado em que se integra.
No que diz respeito à 2.ª parte deste preceito, tal como ocorre em relação ao art.º 42.º, n.º 1, do RPDM, remete-se para conceitos vagos e indeterminados, relativamente aos quais a sindicância pelo Tribunal só se pode fazer em situações de erro manifesto, grosseiro, ou de facto. Essa sindicância está, pois, excluída quando se pretenda discutir da alegada (não) valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado.
No entanto, no concernente à 1.ª parte do art.º 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM, haverá uma situação clara e evidente de violação da proibição legal de demolição.
Como resulta da prova indiciária que foi feita, a actual construção ainda existe como edificação ou construção, não é já uma total ruína, totalmente descaracterizada enquanto “edifício” – cf. facto provados na alínea 5).
Resulta ainda dos factos provados, nas alíneas 6) e 11), que o edifício em apreço está na Zona Especial de Protecção ao "…", classificado como Conjunto de Interesse Público e está localizado na ........, integrando-se no conjunto de edifícios ai (ainda) existentes, praça esta, que em conjunto com o …..integra a lista de Bens da Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico do RPDM de Lisboa (Carta), na categoria de “Bens imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis” – cf. art.º 26.º, n.º 1, al. a), i), 3 do RPDM e ponto 22.10 do elenco da referida Carta, inclusa no RPDM de Lisboa como Anexo III.
Igualmente, na Inf n.º …/INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015, afirma-se que: ”o edifício dos nºs 10-12 possui características arquitectónicas com relevância tais como a composição simétrica, a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com varandas em ferro, etc., que garantem urna integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a .........”
Ou seja, face aos factos indiciariamente apurados nos autos estará violada a 1.ª parte deste art.º 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM, porquanto o actual projecto, licenciado pelo acto suspendendo, implicará a demolição do edifício existente que integrará o conjunto de elementos – o jardim ….e os edifícios circundantes à ........ – que são protegidos pela Carta, constituindo, obviamente, elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural.
Visto de outra forma, com aquela proibição legal o legislador terá querido preservar os elementos existentes na cidade de Lisboa, que apresentem interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural, tanto individualmente, como para o conjunto em que se integram, proibindo a sua demolição total e parcial.
Quis, portanto, o legislador que, nestes casos, se procedesse à reabilitação ou à recuperação do que já está construído, ao invés de optar-se pela demolição e pela construção de novas realidades urbanísticas ou de linguagens que rompessem com o existente.
Em suma, o acto suspendendo, ao permitir a demolição do edifício existente, que integra o conjunto de edifícios da ........, que estão protegidos pela Carta, muito provavelmente violará a 1.ª parte deste art.º 45.º, n.º 1, al. e), do RPDM, sendo, nessa mesma medida, um acto nulo – cf. art.º 68.º, al. a), do RJUE.
Procede, portanto, ainda que parcialmente, esta alegação do Recorrente.

O Recorrente invoca, também, a existência de um erro de julgamento e a violação dos art.ºs 26.º, nºs. 1, 2 e 8, do RPDM de Lisboa, por o edifício em causa integrar a Lista da Carta, na categoria de ''Bens Imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis" e não ter ocorrido nem a vistoria exigida, a atestar a ruina eminente do edifício ou a sua incapacidade estrutural, nem o estudo da caracterização histórica, construtiva e arquitectónica, por forma a justificar a adequação da intervenção proposta.
O invocado art.º art.ºs 26.º, nºs. 1, 2 e 8, do RPDM de Lisboa estipula o seguinte: “
Artigo 26.º
Âmbito e princípios
1 — A estrutura patrimonial municipal integra os bens culturais imóveis de interesse arquitetónico, histórico, paisagístico, arqueológico e geológico que, pela sua particular relevância, devem ser especialmente tratados e preservados no âmbito dos atos de gestão e planeamento, com vista à respetiva valorização e integração urbana, sendo composta por duas categorias de bens:
a) Os bens culturais imóveis de interesse predominantemente arquitetónico, histórico e paisagístico, que incluem:
i) Imóveis e conjuntos arquitetónicos;
ii) Objetos singulares e lojas de referência histórica e ou artística;
iii) Património paisagístico;
b) Os bens culturais imóveis de interesse predominantemente arqueológico e geológico, que incluem:
i) Património arqueológico;
ii) Geomonumentos;
iii) Ocorrências hidrominerais.
2 — As intervenções sobre os bens da estrutura patrimonial municipal devem privilegiar a sua conservação e valorização, a longo prazo, de forma a assegurar a sua identidade e a evitar a sua destruição, descaracterização ou deterioração.
(…) 8 — As operações urbanísticas sobre os bens classificados ou em vias de classificação como de interesse municipal e sobre os outros bens culturais imóveis da estrutura patrimonial municipal, não classificados, nem em vias de classificação, estão sujeitas a vistoria e parecer patrimonial e carecem de estudo de caracterização histórica, construtiva, arquitetónica, de valores técnico industriais, arqueológica e decorativa do bem que justifica a adequação das intervenções propostas.”
Como decorre do já referido, dos autos não resulta indiciariamente provado que o edifício em questão integre a lista dos Bens da Carta, na categoria de ''Bens Imóveis de interesse municipal e outros bens culturais imóveis" em termos individuais, mas, sim, apenas, como fazendo parte do conjunto de elementos da ........, onde se insere.
Identicamente, face aos factos indiciariamente provados, resulta que a referida vistoria e o indicado estudo são referidos na Inf n.º …./INF/DOPED/GESTURBE/2015, de 25-06-2015, como estando em falha - cf. facto 6).
Portanto, face aos factos indiciariamente provados também ter-se-á que entender como sendo muito provável a violação dos arts.º 26.º, n.ºs. 1, al. a), ii) e 8 e 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RPDM de Lisboa, por a operação urbanística em apreço não ter sido precedida de vistoria,de parecer patrimonial e de um estudo de caracterização histórica, construtiva, arquitectónica que justificasse a adequação da intervenção proposta. Nesta mesma medida, o acto suspendendo poderá ser um acto nulo – cf. art.º 68.º, al. a), do RJUE.
Mais se note, que face aos factos indiciariamente provados nos autos, deverá, ainda, considerar-se violado o n.º 9 do citado art.º 29.º do RPDM, quando determina a divulgação pela CML, “na sequência dos estudos que forem sendo realizados, fichas técnicas de caracterização dos bens referidos no número anterior e identificar valores a salvaguardar e graus de intervenção de que os mesmos podem ser objeto à luz das normas estabelecidas no presente Regulamento”, pois não tendo sido feitos os estudos, estes também não poderão ter sido divulgados.

Quanto à determinação constante do n.º 2 do art.º 26.º do RPDM de Lisboa e à obrigação de se privilegiar a conservação e valorização destes bens, de forma a assegurar a sua identidade e a evitar a sua destruição, descaracterização ou deterioração, enquanto protecção e obrigação autónoma da CML, não se considera violada, por também aqui se apelar para conceitos vagos e indeterminados, a preencher pela Administração, no âmbito da sua margem de discricionariedade.
Quanto a este aspecto, valem as considerações já antes tecidas e a conclusão pela não verificação de uma situação de erro grosseiro, evidente, ou de facto, face à prova que foi alegada pelo A. e trazida para a lide.

Aceita-se, no entanto, que da interpretação conjugada dos art.ºs 26.º, n.º 2, 27.º, n.ºs. 1 a 7, 28.º, n.º 1, 29.º, 30.º, e ponto 22.10 do Anexo III do RPDM de Lisboa, resulte que em quaisquer intervenções que ocorram no conjunto edificado da …./........ se deva privilegiar a sua “conservação e valorização, a longo prazo, de forma assegurar a sua identidade e a evitar a sua destruição, descaracterização ou deterioração”, obrigando-se os promotores de quaisquer projectos a respeitar as actuais características morfológicas, estruturais e arquitectónicas substanciais, numa lógica de aplicação de um “critério de autenticidade”, que reconheça a “cada época de construção”, nomeadamente respeitando “quer a morfologia e as estruturas urbanas na sua interligação com o território envolvente, quer as características arquitetónicas substanciais dos imóveis que contribuem para a continuidade urbana, incluindo a morfologia, a volumetria, a altura das fachadas, o cromatismo e os revestimentos”. Tal respeito visará “a preservação da identidade cultural e histórica da cidade, assente numa lógica de conservação não apenas de bens isolados da Carta Municipal do Património, mas também dos edifícios de acompanhamento que com eles compõem uma unidade urbana”. Nessa senda, os n.ºs. 5 e 6 do art.º 27.º do RPDM exigem que o “critério de autenticidade” - que obrigará a manter-se o (actual) reconhecimento da construção de cada época – se aplique não apenas aos exteriores, como ainda aos “espaços interiores, tanto em áreas comuns, como em áreas privadas” e que “a adaptação a novas funcionalidades deverá ter em conta o significado histórico do imóvel ou do conjunto, o estudo estrutural do edificado, a compatibilização de materiais e a utilização de uma linguagem arquitetónica que promova a harmonização com a envolvente”.
Essencialmente, através dos supra indicados preceitos, o legislador aceitou que na lista de imóveis inclusos na Carta as respectivas intervenções se direccionem para a conservação, restauro ou reabilitação – com a salvaguarda das características substanciais e a identidade e autenticidade do edificado - ficando as obras de alteração e ampliação condicionadas àqueles primeiros objectivos.
Ainda neste sentido, note-se, que o legislador no art.º 29.º, n.º 3, do RPDM, penaliza a deterioração dolosa da edificação pelo proprietário, ou por terceiro, ou violação grave do dever de conservação, que conduza à justificação da demolição parcial ou total do edificado, com a obrigação de reconstrução integral ou parcial do edifício preexistente - quando abrangido pela Carta - assim acautelando uma perda voluntária do que já existe.
Portanto, face aos supra-indicados preceitos do RPDM de Lisboa, a primeira opção a considerar pelos promotores dos projectos e a verificar pela CML, a opção que deve ser privilegiada, é que a se direccione para a conservação, o restauro, a reabilitação, ou a reconstrução do edificado pré-existente, sem demolições e com a salvaguarda das características substanciais e a identidade e autenticidade do edificado.
Ora, face aos factos indiciariamente provados em 5), 6), 7), 13) e 18), resulta que existindo no local “um dos raros edifícios desta praça que se preserva praticamente intacto desde a época em que terá sido construído, inícios do séc. XIX mas que se insere na tradição construtiva pombalina”, uma construção tradicional antiga, em alvenaria de pedra”, com características arquitectónicas como “composição simétrica, a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com varandas em ferro”, pretende-se agora, com o projecto apresentado, não conservar, restaurar, reabilitar e reconstruir o edifício pré-existente, mas demoli-lo e construir um novo com uma diferente “linguagem arquitectónica”, que se aparta das “composições arquitectónicas dominantes no conjunto da ........ em termos morfológicos e tipológicos”.
O edifício actual terá “dois pisos sendo o nível térreo reservado a espaço comercial e o primeiro a habitação, como é habitual em lisboa. Usufrui este imóvel de um anexo e de uma área de quintal, importante tradição lisboeta em vias de desaparecer (…) Na fachada destacam-se, desde logo, três janelas de sacada com gradeamento e ferro forjado. De notar ainda uma mansarda de grande presença no conjunto, ostentando na janela uma guarda de ferro de idêntica tipologia relativamente a outros vãos. O telhado é de duas águas e o beirado à portuguesa. Observam-se ainda interessantes pilastras nos cunhais de cantaria bem aparelhada (…) Todos os vãos apresentam uma moldura recortada confirmando assim tratar-se de um imóvel que, relativamente a muitos outros, não sofreu alterações substanciais” – cf. facto 18) ora acrescentado.
Por seu turno, o projecto aprovado, apresentará como proposta de intervenção “um edifício de cinco pisos, com vidro a toda a largura da fachada, assente numa estrutura de betão armado revestida com perfis de ferro, lâminas de alumínio para ensombramento e telas de rolo que, na sua concepção anulará também a área verde do antigo quintal, contribuindo assim para a impermeabilização da zona. O projecto não apresenta, como é fácil de constatar, uma relação com a cultura arquitectónica e urbanística da zona histórica onde se insere, afirmando-se propositadamente, como uma ruptura relativamente ao conjunto existente, tanto pelo tipo de volumes, revestimentos, cor, largura dos vãos e materiais utilizados, como pela relação que estabelece com os restantes imóveis” – cf. facto 18) ora acrescentado.
Como se indicou, a introdução no actual edificado – quando abrangido pela Carta – de obras de alteração e ampliação, deverá ficar condicionada à prévia procura do primeiro objectivo: da sua conservação e valorização por essa via. Quanto à demolição – total ou parcial – fica fortemente condicionada e dependente quer da prévia vistoria que ateste a impossibilidade ou grande dificuldade na reconstrução/conservação, quer ao estudo de caracterização histórica, construtiva, arquitectónica que justifique a adequação da intervenção proposta.
Logo, nos presentes autos, induz-se poder existir uma violação aos art.ºs 26.º, n.º 2, 27.º, n.ºs. 1 a 7, 28.º, n.º 1, 29.º, 30.º, e ponto 22.10 do Anexo III do RPDM de Lisboa, por o projecto aprovado pressupor uma demolição do edifício existente e a introdução de alterações que não respeitarão a identidade da construção de época ou o “critério de autenticidade”.
Porém, ainda assim, para se poder afirmar e concluir pela violação dos citados normativos – que apelam a competências que se incluem numa margem de livre apreciação da Administração, como se disse – seria necessário que o A. e ora Recorrente tivesse alegado na PI um mínimo de factos - suficientemente especificados - que permitissem ao Tribunal aferir, ainda que perfunctoriamente, as características da construção existente e as indicadas no projecto apresentado, para depois concluir pelo respeito, ou não, dos tais objectivos primordiais de conservação e valorização do património (já) edificado.
Quanto a esses aspectos, a PI é totalmente omissa. Nela não são indicados, enquanto factualidade devidamente especificada, quais as concretas características do actual edifício e quais as concretas características que se revelam no projecto aprovado. O que se consegue alcançar acerca dessas características é apenas o que resulta do teor das apreciações tecidas nas informações elaboradas pela CML, levadas à factualidade provada e do teor do parecer indicado em 18).
Igualmente, através do presente recurso foi oficiosamente acrescentado o facto 18), nos termos do arts. 662.º, n.º 1 e 665.º do CPC, relativo ao parecer do ICOMOS, cuja elaboração já tinha sido dada por assente na alínea 13), que igualmente transcrevia as respectivas conclusões.
Através do acrescento feito na alínea 18), que transcreve a parte do parecer em que se descreve o actual edifício e o edifício projectado, reforça-se as indicações constantes das Informações camarárias e consegue-se alcançar algumas das características do actual edifício por confronto com aquelas que resultarão do projecto aprovado.
Consequentemente, como se referiu, os indicados factos vão no sentido de poder existir uma eventual violação dos art.ºs 26.º, n.º 2, 27.º, n.ºs. 1 a 7, 28.º, n.º 1, 29.º, 30.º, e ponto 22.10 do Anexo III do RPDM de Lisboa. Porém, essa mesma violação, não se pode rotular de suficientemente séria para poder integrar o conceito de fumus boni iuris na sua formulação positiva, tal como ora vem exigido no art.º 120.º do CPTA, ainda que aqui se aplique um juízo de verosimilhança, de mera previsibilidade, ou de razoabilidade.
Para o efeito faltam alegações fácticas, pois o A. e ora Recorrente na sua PI, ao invés de alegar indicando de forma especificada quais as características do actual imóvel, do edificado da praça circundante e do projecto aprovado, optou por fazer remissões genéricas e truncadas para o parecer do ICOMOS, acompanhadas de um chorrilho de conclusões e juízos de valor.

Vem o Recorrente alegar a existência de um erro decisório e a violação do art.ºs. 27.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, do RPDM, 3º, al. d), do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 307/2009, de 23-10 e 3.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2001, de 08-09, a Lei de Bases do Património Cultural, por a Carta exigir a protecção não só de bens isolados, mas também dos edifícios de acompanhamento que com eles compõem uma unidade urbana.
No que concerne à violação do art.º 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RPDM de Lisboa, quando determina a obrigação de vistoria prévia à demolição, já nos pronunciamos anteriormente.
No caso das als. c) e d) daquele preceito, não terão aplicabilidade ao caso.
No que diz respeito a todas as restantes normas, remeterão para conceitos indeterminados e para o preenchimento dos mesmos pela Administração. Ou seja, a obrigação de respeito pela “morfologia”, “interligação com o território envolvente”, das “características arquitetónicas substanciais dos imóveis”, da “continuidade urbana, incluindo a morfologia, a volumetria, a altura das fachadas, o cromatismo e os revestimentos” ou da “proteção e promover a valorização do património cultural”, remete-nos para a discricionariedade da Administração e a possibilidade de sindicância pelo Tribunal apenas nas situações de erro grosseiro, evidente, ou de facto, erros esses que não vêm demostrados nos autos.
Também, como antes se indicou, para se concluir pela existência da indicada violação competiria ao A. e Recorrente alegar factos, de forma especificada, relativos às características do actual edificado, do edificado da praça e do projectado, o que não foi feito nestes autos.
Ou seja, aqui claudicam as invocações do Recorrente.

A decisão recorrida considerando decaído o fumus boni iuris não apreciou os restantes requisitos para o deferimento da tutela cautelar.
Vem o Recorrente arguir um erro de julgamento por considerar também preenchido o periculum in mora, por este decorrer da demolição do actual edificado e da sua irreversibilidade. Considera ainda o Recorrente, que em sede de ponderação de interesses há-de prevalecer o da preservação da identidade histórica, cultural e patrimonial de uma praça emblemática da cidade de Lisboa, como é a .........
Ora, também estas alegações do Recorrente terão de ser julgadas procedentes.
No que concerne ao periculum in mora, resulta evidente que sendo recusada a providência, por certo seguir-se-á a demolição do imóvel existente, sendo depois muito difícil a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
Essa dificuldade na reconstituição da situação anterior também derivará da muito provável execução da obra conforme o projecto aprovado, se a presente procedência for indeferida, com o consequente gasto de meios materiais e económicos que irão, depois, justificar a manutenção da obra que tenha sido feita.
Em suma, no caso dos autos está indiciariamente provada a existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Quanto aos interesses em jogo, a atender nos termos do art.º 120.º, n.º 2, do CPTA, teremos de um lado os interesses do Recorrente e relativos à preservação do edificado e dos valores arquitectónicos, urbanísticos e culturais que tal edificado representa e, do outro lado, sobretudo os interesses económicos das Contra-interessadas, sendo que a Sociedade ........, Lda, já investiu neste projecto valores de vulto, tal como resultou indiciariamente provado.
De notar, que o Município de Lisboa na contestação que apresentou não aduz quaisquer prejuízos para o interesse público com o deferimento desta providência.
Por seu turno, a Sociedade ........, Construções, Lda, para além dos já referidos prejuízos de natureza patrimonial, invoca ainda o perigo de o edifício ficar sem uma intervenção imediata, abandonado, poder vir a cair em ruína e poder afectar, nessa mesma medida, os edifícios contíguos.
Quanto a estes últimos prejuízos invocados pela Sociedade ........, Construções, Lda, decorrerão não tanto da procedência desta acção, mas, sobretudo, de uma eventual inércia do actual proprietário do edifício em manter o edificado no actual estado de conservação ou, se necessário, em efectuar as obras que permitam conservá-lo. Admite-se, contudo, que o edifício estiver efectivamente muito degradado, em estado de pré-ruína – situação que não vem indiciariamente provada, havendo nos autos elementos factuais que apontam para uma conclusão contrária – aquelas obras de conservação do edificado possam não ser exigíveis ao proprietário. Mas, ainda assim, o perigo de o edifício ruir e vir a ser prejudicial aos edifícios contíguos será algo que é directamente imputável ao seu proprietário – que tem a obrigação de obstar a tal circunstância, procedendo às intervenções necessárias – e não à procedência da pretensão formulada nesta lide.
Por conseguinte, apreciados os interesses em presença, sem embargo de se reconhecer a importância dos interesses económicos das Contra-interessadas, ter-se-ão de considerar superiores os interesses de preservação dos valores arquitectónicos, urbanísticos e culturais pela manutenção – através da reabilitação e recuperação – do património existente.
Nesta ponderação considerou-se, ainda, que o edificado estará degradado, tal como se retira dos factos dados por indiciariamente provados. Porém, essa degradação não afastará a possibilidade de se vir a recuperar, num momento ulterior, o imóvel actual quer através de um novo projecto, quer pela reformulação do projecto existente, por forma a respeitar-se os supra indicados normativos. Nessa mesma medida, o actual estado de degradação do imóvel, não afasta a superioridade do interesse relativo à preservação do património através da recuperação e valorização dentro dos valores da zona em que se insere.
Em suma, ponderados os interesses públicos e privados em presença, considera-se, que os danos que resultam da procedência da providência são inferiores ao da sua recusa, estando preenchido o critério do art.º 120.º, n.º 2, do CPTA.

Em conclusão, há que revogar a decisão sindicada e conceder procedência ao pedido de suspensão de eficácia do despacho do Vereador da CML, de 07-09-2015, de licenciamento municipal da obra de construção do edifício ........, n.ºs 10-14.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e
- em substituição, concede-se procedência à presente providência e decreta-se a suspensão de eficácia do despacho do Vereador da CML, de 07-09-2015, de licenciamento municipal da obra de construção do edifício ........, n.ºs 10-14;
- custas em 1.ª instância pelo R. Município e em recurso pelos Recorridos, Município e e Sociedade ........, Lda, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 28 de Junho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)