Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:575/20.8BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:DISPENSA DA PROVA 
RECURSO
Sumário:Não estando em causa a rejeição de um meio de prova, o recurso do despacho que decide não realizar a inquirição de testemunhas, por o processo já conter todos os elementos necessários para decisão, apenas pode ser interposto a final, nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

J. M. – D. P. C., Lda., veio interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou desnecessária a inquirição da testemunha arrolada, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« 1. A recorrente entende que o despacho em crise é nulo, desde logo, por vício de fundamentação: tanto quanto a recorrente alcança, no despacho recorrido, o Tribunal a quo declara considerar não existir matéria de facto que justifique a abertura de um período de produção de prova, partindo dessa conclusão preliminar para a imediata dispensa da inquirição de testemunhas e notificando as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas.

2. Dentro do quadro legal que conforma a sua atuação, não pode a recorrente deixar de notar que ao Tribunal é devido um dever de fundamentação mais profundo do que o da simples declaração de um juízo de mera conveniência. No caso concreto, esta expressão teria que estar representada numa justificação para asserção de inutilidade na diligência probatória requerida por ausência de matéria controvertida, baseada no concreto dos factos invocados, designadamente daqueles que a recorrente não fez acompanhar por um elemento probatório do tipo documental, por tal lhe estar vedado, atenta a natureza dos mesmos.

SEM PRESCINDIR,

3. Com efeito, na opinião da ora recorrente, o despacho contra o qual reage não cumpre – em toda a sua extensão – os desideratos da parte final do artigo 7.º do CPTA, bem como, do artigo 154.º e do n.º 3 do artigo 411.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicados por força da remissão expressa pelo artigo 1.º do já referido CPTA.

4. A recorrente alegou vários factos sobre os quais deve recair prova testemunhal (os referidos nas alíneas a) a j) supra), quer porque são importantes para o objeto da lide, quer porque não estão rigorosamente assentes entre as partes, quer porque não constam – porque não podem constar – totalmente dos documentos. Saliente-se que a prova testemunhal não assume uma natureza subsidiária ou residual na ação de impugnação; reveste, ao invés, uma importância fulcral. Assim, por decorrência do princípio da verdade material, tal como em processo civil, também em processo administrativo a lei admite todos os meios gerais de prova.

5. Na situação em apreço, tratamos de factos que se prendem com motivações, com tomada de opções em matéria contabilística e fiscal, com a adoção de comportamentos em face de determinadas ocorrências em matéria legislativa e contratual; factos, com efeito, que são insuscetíveis de prova documental e que explicam de forma determinante a razoabilidade das medidas adotadas, com efeitos em termos fiscais.

6. Por decorrência do princípio da verdade material, a lei admite todos os meios de prova, não tendo a prova testemunhal natureza subsidiária ou residual.

7. Entende a recorrente que, lançando mão de um verdadeiro direito potestativo, só poderá provar aqueles factos (cujo o ónus lhes incumbe), através do recurso à prova testemunhal requerida na sua p.i.

8. De acordo com o princípio da verdade material (e investigação do Juiz) não deve ser vedado à recorrente — na nobre cooperação com a Justiça — a inquirição de testemunhas que auxiliariam o Tribunal na demanda da verdade.

9. A realização da inquirição de testemunhas omitida afigura-se essencial para a boa decisão da causa e, a não se realizar, onerará a decisão final com uma distorcida perceção dos factos e, no limite, uma grave omissão de pronúncia.

10. Desde logo em benefício da economia processual afigura-se essencial o imediato conhecimento do presente recurso por forma evitar o incontornável recurso de uma decisão que venha a ser proferida eivada de tal ilegalidade.

11. Tal justifica, à luz do disposto na lei processual civil (artigos 644.º e seguintes do CPC), a subida imediata do presente recurso e a consequente pronúncia em face do mesmo, de forma a evitar recursos supérfluos.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, SE REQUER A V. EXAS. A ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, QUE SE ORDENE A REALIZAÇÃO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS OMITIDA NOS AUTOS.

MAIS SE REQUER, ATENTO O EFEITO ÚTIL QUE SE VISA ACAUTELAR, QUE O PRESENTE RECURSO SUBA IMEDIATAMENTE E EM SEPARADO.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais das Exmas. Desembargadoras Adjuntas (cfr. artigo 657.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo de imediato submetido à conferência para julgamento do presente recurso.



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II - FUNDAMENTAÇÃO

II – 1. De facto


Com relevo para a decisão colhe-se da tramitação processual o seguinte circunstancialismo de facto:

1 Nos autos foi proferido despacho determinando a notificação da impugnante para «identificar os factos a que pretende inquirir a testemunhas, de modo a verificar da pertinência e/ ou da duração de eventual diligência» - cf. fls. 37 sitaf;
2 A impugnante informou os autos que com a prova testemunhal indicada pretendia o esclarecimento sobre a matéria de facto constante dos artigos 1.º, 2.º, 11.º a 20.º da petição inicial – cf. fls. 40;
3 Em 19/09/2022 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Considerando o pedido formulado pelo Impugnante e os fundamentos respetivos, bem como os documentos juntos aos autos e a contestação apresentada, conclui-se que nos artigos indicados pelo Impugnante não são alegados factos que sejam controvertidos e apenas suscetíveis de serem provados através de prova testemunhal.
Contendo os autos os documentos necessários à apreciação da causa, julga-se desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas.
Notifique.
(…).» -cf. fls. 42.

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II – 2. Apreciação

O presente recurso visa a reapreciação do despacho que julgou desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas.

O direito à prova tem sido entendido pela jurisprudência como um direito que não é absoluto. Neste sentido v.g. o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0984/12 datado de 22/05/2013: «O direito à prova existe, assim, no procedimento e no processo tributário, e é objecto de uma tutela muito forte, embora não constitua um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o art. 392º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393º, 394º e 395º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Razão por que compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.»

No entanto, o que está em causa no presente recurso é um despacho interlocutório, fundamentando a recorrente o seu recurso no disposto nos artigos 281.º e 282.º, n.º 2 do CPPT, 142.º n.º 5 e 144.º, n.º 2 do CPTA e ainda os artigos 644.º, n.º 2 d) e 645.º n.º 2 do CPC.

Importa referir que estando em causa um recurso apresentado em processo tributário, dispõe o artigo 281.º do CPPT que, salvo o disposto no Título V, os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil.

A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, que dispõe, sob a epígrafe «apelações autónomas», o seguinte:

(…)

2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

(…)

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

(…)».

Dispõe o artigo 645.º do mesmo código, quanto ao modo de subida do recurso:

«1 - Sobem nos próprios autos as apelações interpostas:

a) Das decisões que ponham termo ao processo;

b) Das decisões que suspendam a instância;

c) Das decisões que indefiram o incidente processado por apenso;

d) Das decisões que indefiram liminarmente ou não ordenem a providência cautelar.

2 - Sobem em separado as apelações não compreendidas no número anterior.

(…)»

Conforme resulta da norma que se deixou transcrita, o regime de apelação que consta do novo Código de Processo Civil, estatui como regra que os recursos dos despachos interlocutórios apenas podem ser interpostos a final, com excepção das situações taxativamente indicadas nas diversas alíneas do n.º 2 do aludido artigo 644.º.

Ora, da leitura do despacho recorrido, supra transcrito, resulta que o Tribunal não rejeitou um meio de prova.

Com efeito, o Tribunal a quo, tendo em consideração o pedido formulado e os fundamentos respectivos, bem como os documentos juntos aos autos e a contestação apresentada julgou desnecessária a prova.

Mais esclarece o referido despacho que, nos artigos indicados pela impugnante não são alegados factos que sejam controvertidos e apenas suscetíveis de serem provados através de prova testemunhal.

Com base em tal apreciação, concluiu que «contendo os autos os documentos necessários à apreciação da causa, julga-se desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas».

Embora possa parecer que está em causa a rejeição da prova testemunhal, que a recorrente não alega, decorrente da asserção «apenas suscetíveis de serem provados através de prova testemunhal», a verdade é que da interpretação do despacho em causa, o que se retira é que o Tribunal recorrido dispensou a inquirição da testemunha arrolada por julgar que os autos contêm todos os elementos de prova necessários à decisão, apreciação que retirou do pedido formulado e seus fundamentos, dos documentos juntos aos autos e da contestação apresentada tendo ainda em consideração que nos artigos indicados pela impugnante, ora recorrente, não são alegados factos que sejam controvertidos.

A motivação sustentada na apreciação de que dos autos já constavam todos os elementos relevantes para proferir a decisão não constitui a rejeição de um meio de prova, pelo que o presente recurso não se subsume na norma invocada pela recorrente.

Trata-se do exercício pelo juiz do seu poder/dever de gestão processual, princípio encontra consagração, como se sabe, enquanto princípio no artigo 6.º do CPC, balanceado com o princípio do inquisitório previsto no artigo 13.º, n.º 1 do CPPT, que estatui que incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização das diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.

Constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal, podendo ver-se por todos, o Acórdão de 27/01/2022 proferido no processo n.º 56/19.2BEALM-S1, no sentido de que: «Não estando em causa a rejeição de um meio de prova, o recurso do despacho que decide não realizar a inquirição de testemunhas, por o processo já conter todos os elementos necessários para decisão ou por ser a prova meramente documental, apenas pode ser interposto a final, nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC

Está, portanto, em causa nos presentes autos um despacho interlocutório que dispensa a prova por se verificar a suficiência dos elementos constantes dos autos e não a rejeição de um meio de prova e assim sendo, o despacho não é recorrível.

O facto de o Tribunal a quo ter admitido o recurso, não vincula este Tribunal nem a inadmissibilidade do recurso impede a recorrente de recorrer da sentença caso considere ter ocorrido erro de julgamento na apreciação a necessidade de prova.

Concluindo-se como se concluiu que o presente recurso não é admissível, por ausência de pressupostos processuais para o efeito, tal importa a sua rejeição.


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Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC, aplicável por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT, consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual as custas são pagas pela parte que lhes deu causa, entendendo-se que deu causa às custas quem ficou vencido no processo.

Vencida no recurso, as custas ficam a cargo da recorrente (cf. n.º 2 do artigo 527.º do CPC), não sendo devida pela recorrida a taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.


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III – CONCLUSÕES

Não estando em causa a rejeição de um meio de prova, o recurso do despacho que decide não realizar a inquirição de testemunhas, por o processo já conter todos os elementos necessários para decisão, apenas pode ser interposto a final, nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.

IV – DECISÃO

Termos em que, acordam as juízas que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em rejeitar o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 20 de Abril de 2023.



Ana Cristina Carvalho – Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta