Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:985/13.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS ENTRE OS EX- CÔNJUGES;
ATRIBUIÇÃO DE BEM IMÓVEL AO CÔNJUGE DO DEVEDOR TRIBUTÁRIO POR PARTILHA EFECTUADA ENTRE SI;
PENHORA DO BEM PELA A.T. APÓS A PARTILHA: PRIORIDADE DO REGISTO NO RESPECTIVO REGISTO PREDIAL PERANTE SITUAÇÕES JURÍDICAS JÁ CONSTITUÍDAS ANTERIORMENTE ÀQUELE ACTO JUDICIALMENTE DETERMINADO AINDA QUE COM REGISTO POSTERIOR, E SUA OPONIBILIDADE AO BENEFICIÁRIO DO BEM RECEBIDO QUE NÃO O DEVEDOR DO TRIBUTO
Sumário:I) Em caso como dos presentes autos, em que, anteriormente ao acto judicialmente determinado de penhora de um bem imóvel por dívida exclusiva do ex-conjuge, foi efectuado a partilha de bens de que foi beneficiária o outro cônjuge, deve prevalecer o direito anteriormente constituído , ainda que o respectivo registo seja posterior á penhora do mesmo.

II) É incompatível com o direito que se constitui na esfera jurídica do titular do bem por partilha, ainda que levada ao registo predial posteriormente á penhora registada pela AT, atento a natureza jurídica dos actos registrais e por o exequente não ser terceiro para os efeitos de prevalência do direito decorrente do registo, não podendo opor- se àquele direito.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

A F.P, vem deduzir recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra, que considerou procedente a acção interposta por C….., na qualidade de embargante da penhora efectuada a um imóvel que havia sido penhorado no processo de execução fiscal contra o seu ex-cônjuge por dividas próprias, em razão do entendimento sufragado pela 1ª Instância que lhe reconheceu o direito de propriedade com fundamento em anterior partilha do bem de que foi beneficiária em razão de antecedente dissolução do casamento com aquele devedor e executado nos autos, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões :

“A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. Estipula o n.° 1 do art. 5.° do CRPredial que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.

C. Salvo a devida vénia, encontra-se provado nos autos que a embargante, aqui recorrida, procedeu ao registo da escritura de partilha após o registo da penhora realizado pela Administração Tributária.

D. Pelo que, contrariamente ao doutamente decidido pelo douto tribunal a quo, prevalece o direito inscrito em primeiro lugar, sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes - art. 6.° n.° 1 do CRP.

E. Sendo inoponível à Fazenda Pública a transmissão da propriedade do imóvel penhorado.

F. Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo", assim se fazendo a costumada Justiça!”.

A embargante apresentou contra-alegações em que sustenta nas respectivas conclusões o seguinte:

“A. Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, veio a Recorrente apresentar as suas Alegações de Recurso, invocando a inoponibilidade à Fazenda Pública da transmissão da propriedade do imóvel penhorado para a ora Recorrida, nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 1 do Código do Registo Predial, porquanto alega que o registo da penhora realizado pela Recorrida é anterior ao registo da escritura de partilha efectuada pela Recorrente.

B. Não tem razão a Recorrente no que invoca nas suas Alegações, pelo que para além dos fundamentos constantes na decisão do Tribunal a quo, cumpre refutar os motivos alegados pela Recorrente no seu Recurso.

C. A ora Recorrida e o Executado revertido P….., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, adquiriram em 1996, a fracção autónoma destinada a habitação, identificada com as letras CC, correspondente ao sexto andar B, do prédio urbano sito na Avenida ….., freguesia de S. Marcos, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém com o número 200 e inscrito na matriz sob o artigo ….. da referida freguesia.

D. Em 29 de setembro de 2008, no âmbito do processo executivo fiscal número ….., instaurado originariamente contra a sociedade comercial “….., Lda.”, o Executado P….. foi citado como revertido, para cobrança de dívidas tributárias no montante de € 97.156,79 (noventa e sete mil cento e cinquenta e seis euros e setenta e nove cêntimos).

E. A Embargante e o Revertido viveram em comunhão de vida, mesa e habitação, na supra identificada fracção autónoma, até ao final do ano de 2011, altura em que o Revertido saiu de casa, passando a residir na referida fracção somente a Recorrida e as duas filhas menores do casal.

F. Em 13 de Abril de 2012, a Recorrida e o Executado Revertido P….. divorciaram-se, por mútuo consentimento, conforme decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa no âmbito do Processo número ….., tendo as relações patrimoniais entre a Embargante e o Executado cessado nos termos do disposto nos artigos 1688.°, 1689 °, n.° 1 e 1795.°-A do Código Civil.

G. Em 26 de Junho de 2012 foi outorgada escritura de partilha por divórcio, onde foi adjudicada integralmente à ora Recorrida a fracção autónoma penhorada nos autos de execução fiscal.

H. Ou seja, em 26 de Julho de 2012, tendo em consideração o carácter retroactivo do registo do divórcio e consequente partilha, nos termos do disposto no artigo 1789.°, n.° 3 do Código Civil, e por força da adjudicação operada, a Embargante Recorrida adquiriu o direito de propriedade plena sobre a fracção autónoma, nos termos do disposto nos artigos 1316.°, 1317.°, alínea a), e 408.°, n.° 1 do Código Civil.

I. Por conseguinte, em 24 de Agosto de 2012, foi registada na 2 a Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, a aquisição da referida fracção autónoma pela Embargante Recorrida, conforme Ap. …..de 24 de Agosto de 2012.

J. Todavia, em 9 de Agosto de 2012, foi registada a penhora sobre a fracção autónoma propriedade da ora Recorrida, com vista à garantia de cobrança da quantia exequenda através dos bens que integram o património pessoal do Executado P….. - motivo pelo qual vem a Recorrente alegar que a penhora foi registada antes da data do registo da escritura pública de partilha por divórcio e que, por conseguinte, o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens (cfr. artigo 6o do Código do Registo Predial).

K. Ora, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, a procedência dos Embargos está dependente da verificação cumulativa de 3 (três) requisitos, a saber: apresentação tempestiva dos Embargos de Terceiro; detenção da qualidade de terceiro; e ofensa da posse anterior à penhora.

L. In casu, e conforme decidido pelo Tribunal a quo, encontram-se preenchidos os requisitos cumulativos para a procedência dos Embargos.

M. Em 19/09/2012, o acto de penhora do imóvel foi notificado ao Executado Revertido e à ora Recorrida, tendo a Embargante apresentado articulado inicial convolado em Embargos de Terceiros, em 28/09/2012, nos termos do disposto no artigo 97.°, n.° 3 da LGT e ainda nos artigos 237 0 e 276.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), visando a defesa do seu direito de posse e propriedade.

N. Destarte, com a apresentação dos Embargos a 28/09/2012, encontra-se preenchido o requisito da tempestividade dos Embargos prevista no artigo 237.°, n.° 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

O. De igual modo, os demais requisitos para a procedência dos Embargos também se encontram reunidos, conforme decorre da prova efectuada nos autos e dada como provada, sendo a Embargante Recorrida dona e legitima proprietária e possuidora da referida fracção autónoma, antes mesmo da penhora efectuada pela Embargada Recorrente!

P. In casu, a Recorrida adquiriu a proprietária exclusiva da fracção autónoma ora penhorada desde finais de 2011, tendo a referida propriedade exclusiva sido consubstanciada através de escritura de partilha por divórcio outorgada em 26 de Junho de 2012, ou seja, antes da data do registo da penhora sobre o imóvel.

Q. De realçar que a Recorrida reside no imóvel penhorado desde 1996, sendo possuidora do imóvel há mais de 20 (vinte) anos.

R. Para efeitos de registo predial, terceiros são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si (nesse sentido vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 27/01/2010, 05/02/1992, 13/05/1992, 10/02/1999, 24/02/2010, 18/06/2013, 07/01/2016 e 28/02/2018, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

S. In legis, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário e não tem, em regra, natureza constitutiva.

T. De acordo com o disposto no artigo 5.°, n.° 4 do Código do Registo Predial, bem como com a orientação plasmada pelos acórdãos uniformizadores quanto à noção de terceiros para efeitos de registo, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora.

U. A penhora em execução fiscal, enquanto direito real de garantia, e o direito de propriedade não se definem como direitos adquiridos do mesmo autor comum, uma vez que a Recorrente não adquire do executado qualquer direito real de gozo.

V. A penhora, não se traduzindo na constituição de um direito real de gozo sobre a fracção autónoma, e sendo um acto do processo executivo, é um mero ónus que passa a incidir sobre o bem penhorado, deixando de prevalecer unicamente os actos de disposição ou oneração posteriores à penhora.

W. A Recorrente dispõe apenas de um direito de crédito sobre o executado (e não sobre a Recorrida), não possuindo de qualquer direito real que conflitue com o direito da Embargante ora Recorrida, pelo que para efeitos de registo predial a Recorrente não é “terceiro”.

X. Não sendo a Recorrente, terceira para efeitos de registo, não funciona a regra da prioridade (prior in tempore, potiorjure) invocada, sendo a mesma afastada pelo principio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo.

Y. Tendo a Recorrente provado a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado (embora não levado a registo na Conservatória de Registo Predial) em data anterior à penhora, deve esse direito prevalecer sobre a penhora registada na execução fiscal, porquanto, face ao conceito de terceiros, a Embargante e a Embargada não são terceiros para efeitos de registo, não lhes sendo, por isso, aplicável a prioridade derivada do registo estatuída no artigo 6.°, n.° 1 do Código de Registo Predial.

Z. Assim, a Recorrida é possuidora e proprietária do imóvel penhorado, é terceira em relação à execução, e reagiu em tempo à violação dos seus direitos pelo meio judicial próprio, estando comprovados os três requisitos necessários ao êxito dos presentes embargos de terceiro.

AA. In fine, não assiste qualquer razão à Recorrente, pelo deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos exactos termos em que foi proferida pelo Douto Tribunal a quo,

BB. Assim se fazendo a acostumada Justiça!

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a Douta Sentença nos exactos termos em que foi proferida.”

*

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual refere que:

“A questão de Direito é apenas a de saber se a embargante tem posse ou outro direito incompatível com a realização de PENHORA nos termos do ART 237° CPPT .

E com o devido rigor comprova-se que a PARTILHA por DIVÓRCIO com escritura pública de 26 JULHO 2012 apenas obteve REGISTO PREDIAL em 24 AGOSTO 2012.

A AT tem o REGISTO PREDIAL de PENHORA sobre o mesmo bem em 9 AGOSTO 2012 , anterior e portanto oponível desde essa data .

A partilha foi registada sobre bem penhorado .

Só o registo é oponível a terceiros v.g. ART 5° CÓD.REGISTO PREDIAL .

Ora a tese de que a FAZENDA PÚBLICA não é terceiro , salvo o devido respeito , não deve proceder porque tem intervenção principal nos autos . E mesmo que não tivesse é terceiro na causa .

A questão real é outra : 

Nos embargos de terceiro a que aludem os artigos 167.° e 237°,ambos do Código de procedimento e de Processo Tributário, tem a qualidade de «terceiro» quem, não tendo sido citado como executado, também não o deva ser, face às diligências executivas que culminaram com o ato de apreensão. E o cônjuge do executado não tem a qualidade de «terceiro» quando o ato de penhora ou de apreensão incide sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo .

Neste caso, deve ser citado para, além do mais, exercer todos os direitos que a lei confere ao executado — artigos 239.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 864.°A, do Código de Processo Civil.

Assim o meio processual adequado para o cônjuge do executado reagir contra a penhora é a reclamação regulada nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Em 10 dias - artigo 277.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A embargante é consequentemente parte ilegítima .

Fixamos assim a posição em vigor e concluimos que a mui douta DECISÃO deverá ser revista .”

*

Atento a necessidade de celeridade no julgamento do recurso e obtendo a anuência dos Adjuntos, vão dispensados os vistos legais, cabendo apreciar e decidir. –cfr nº4, do artº 657º, do CPC.

Na sentença proferida nos autos a Mª Juiz apurou os seguintes factos:

“A) Em 1996, a Embargante, C….., e o Executado, P….., adquiriram o imóvel destinado a habitação, sito na Avenida ….., com arrecadação no sótão com o n.° ….., em São Marcos, descrita na Conservatória do Registo predial de Agualva Cacém com o n.° …..da freguesia de São Marcos, concelho de Sintra e inscrita na matriz predial urbana da mesma freguesia com o n.° …... - cf. descrição a fls. 133 e 136 e Ap. 16 de ….., a fls. 136, constantes da Certidão Predial, referente à ficha n° …..e …..- CC, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém, em 17 de Setembro de 2013, de fls. 133 a 138

B) Em 11 de Maio de 2008, o Serviço de Finanças de Cascais-2 instaurou o PEF n.° ….., em que é Executada, a sociedade ….., Lda., para cobrança de dívida proveniente de coimas e acrescido, no valor de € 5.112,44. — cf. Autuação e certidões de dívida, a fls. 1 a 3 do PEF apenso

C) Em 29 de Setembro de 2008, P….., com o NIF ….., foi citado como revertido, no âmbito do PEF n.° …..e apensos, para cobrança de dívidas tributárias no valor de € 97.156,79. — cf. Citação (Reversão), descrição de dívidas, despacho e aviso de recepção, de fls. 136 a 141 do PEF apenso

D) Em data não apurada, no final de 2011, o Executado, P….., deixou de residir no imóvel descrito na alínea A), onde permaneceram a Embargante e as filhas de ambos. - cf. depoimento das testemunhas

E) Em 13 de Abril de 2012, foi dissolvido o casamento entre a Embargante, C….., e o Executado, P…... — cf. Doc. 1 junto pela Embargante - Acta de Conferência em Processo de Divórcio por mútuo consentimento n.° ….., a fls. 36

F) Na mesma data, a casa de morada de família, supra que era propriedade de ambos, descrita na alínea A) supra, ficou atribuída à Requerente, ora Embargante, C…... — cf. acordo das partes e Doc. 1 junto pela Embargante - Acta de Conferência em Processo de Divórcio por mútuo consentimento n.° ….., a fls. 36

G) Em 26 de Julho de 2012, o imóvel descrito na alínea A) supra foi adjudicado à Embargante no âmbito da partilha por divórcio. — cf. Doc. 2junto pela Embargante - Escritura de partilha por Divórcio, de fls. 37 a 42

H) Em 9 de Agosto de 2012, foi inscrita a penhora do imóvel descrito na alínea A) supra, a favor da Fazenda Nacional, referente a quantia exequenda de € 107.350,67, referente ao PEF n.° ….., do Serviço de Finanças de Cascais-2. — cf. Ap. …..de 2012/08/09, constante da Certidão Predial, referente à ficha n.° ….., emitida pela Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém, em 17 de Setembro de 2013, de fls. 136 a 138

I) Em 24 de Agosto de 2012, foi inscrita a aquisição do imóvel descrito na alínea A) supra, a favor da Embargante, C….., por partilha subsequente a divórcio. — cf. Ap. …..de 2012/08/24, constante da Certidão Predial, referente à ficha n.° ….., emitida pela Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém, em 17 de Setembro de 2013, de fls. 136 a 138

J) A Embargante reside no imóvel descrito na alínea A) desde a sua aquisição, então com o marido e ora Executado, e aí permanece, actualmente, coabitando com as filhas de ambos. - cf. depoimento das testemunhas

FACTOS NÃO PROVADOS

Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, das informações oficiais constantes dos autos, designadamente do PEF apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e ainda dos depoimentos das testemunhas inquiridas, relevando, em concreto, os indicados em cada uma das alíneas supra.

O Tribunal ouviu os depoimentos M….., irmão da Embargante, e de R….., sobrinho do Executado.

Ambos depuseram com convicção e clareza, demonstrando conhecimento directo dos factos relatados, atenta a relação familiar que os liga ao ex-casal.

O depoimento de ambos foi relevante para a fixação dos factos assentes nas alíneas D) e J).

Em concreto, M….., identificou o imóvel penhorado, como sendo a casa de morada de família e o Executado como ex-marido da sua irmã, explicando que as coisas começaram a correr mal entre o casal e que no final de 2011 a C….. passou a viver sozinha na casa, onde permanece, com as filhas de ambos.

No mesmo sentido, R….., recordou que no Natal de 2011 o tio já não estava em casa, referindo-se ao imóvel penhorado, e que a Embargante ali ficou com as meninas, onde permanece. “

*

Ainda relativamente á questão suscitada pelo Mº PGA, da ilegitimidade da embargante e do meio processual adequado, enquanto vício de nulidade do acto processual decisório por errónea aplicação da lei do processo nos autos ( error in procedendo), ficou exarado no relatório da sentença relativamente aos actos jurisdicionais praticados no processo, o seguinte:

“SANEAMENTO

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e não enferma de nulidades insupríveis.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Inexistem quaisquer excepções dilatórias ou outras nulidades, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.”

E na parte relativo ao relatório da sentença, ficou exarado o seguinte:

“ Inicialmente proposta como Reclamação de actos do órgão de execução fiscal, a presente acção tramitou sobre tal forma, tendo sido proferida sentença em 7 de Outubro de 2013, julgando procedente a reclamação e determinando a anulação da penhora. (cf. sentença de fls. 143 a 160)

Na sequência de recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), foi a sentença revogada e, foi julgada procedente a excepção de inidoneidade do meio processual utilizado, determinando-se a convolação dos autos em embargos de terceiros. (cf. acórdão de fls. 227 a 243)

Recebidos os autos neste Tribunal, foi ordenada a convolação dos autos e admitidos os Embargos. (cf. fls. 252 e 257)”.

*

Começando por abordar a problemática do erro na aplicação da lei do processo nos autos que precede a questão dos restantes erros de julgamento de direito ( error in iudicando), atento a que aquela envolve a apreciação da verificação dos pressupostos processuais e de nulidade de todo o processo por erro na forma de processo. Ora,

Como decorre do relatório da sentença sub judicio e respectivo saneamento , tal matéria já foi apreciada por este Tribunal Superior que determinou a convolação dos autos para a forma adequada de petição de embargos, considerando a embargante como terceira na relação jurídica processual da correspondente acção executiva de que são partes o exequente e o executado, pelo que não se verifica qualquer vício de erro de julgamento processual que cumpra a esta Instância Judicial apreciar, atento a que a questão da idoneidade do meio processual constitui caso julgado formal no âmbito da presente relação processual, não competindo, assim, tecer quaisquer considerações sobre a aludida questão porquanto se encontra firmada na ordem jurídica – cfr nº 1, do artº 620º do CPC.

*

Quanto aos demais vícios imputados á decisão controvertida, a F.P. vem sustentar que a decisão proferida pela Mª Juiz do TAF de Sintra, padecia de erro de julgamento de direito consubstanciada na aplicação incorrecta aos factos da norma jurídica correcta, na medida em que, no seu entender os factos apurados demonstrariam, não apenas a superveniência do registo da partilha do bem penhorado atribuído à embargante em relação a antecedente registo da penhora efectuada pelo exequente, como errou na aplicação da norma do registo predial quanto á inoponibilidade daquela em consequência da prevalência do registo anterior efectuado pela F.P., tudo ao abrigo do disposto no artºs 5º, nº4 e artº 6º, do C.R.P., com fundamento na sua pretensa qualidade de terceiro para os ditos efeitos.

*

Já o recorrido invoca nas suas contra-alegações, que bem procedeu a 1ª Instância ao reconhecer o direito da embargante, e por três motivos, a saber:

Em 1º lugar atento a natureza jurídica da penhora que não reveste qualquer carácter de um direito real de gozo, mas consubstanciando um direito real de garantia judicialmente determinado, é insusceptível de prevalecer sobre o direito real de propriedade adquirida por negócio jurídico válido;

Em 2º lugar, aquela aquisição reporta-se a anterior partilha de bens pelo que a penhora não pode prevalecer sobre a anterior constituição do direito de propriedade que a antecede;

Em 3º lugar, tal acto judicialmente determinado de penhora do bem imóvel só é oponível aos que adquiram o direito sobre o bem posteriormente a essa data, se o exequente for terceiro em relação ao transmitente comum da coisa, o que não se verifica por a F.P , que apenas se socorreu das via coerciva de realização de uma prestação.

*

Tudo se resume em saber, portanto, se a sentença proferida incorreu naquele erro de direito por violação de lei substantiva na predita dimensão da oponibilidade ao exequente com penhora registada, do direito de propriedade adquirida por partilha de bens por efeito da dissolução do casamento celebrado entre a embargante e o executado nos autos de execução fiscal, ainda que com registo posterior àquela penhora. Ora,

Da matéria dada como provada e não questionada nas presentes conclusões recursivas, não restam duvidas que, anteriormente á referida penhora do bem em causa nos autos e seu registo na respectiva C.R.Predial, foi concretizado o divórcio entre o executado e a embargante e dissolvido o casamento entre os cônjuges, procedeu-se á partilha dos bens, tendo a embargante recebido tal bem e procedido ao registo de tal aquisição a seu favor em data posterior ao da penhora. –cfr nesse sentido os factos elencados nas letras E), G), H) e I), do probatório.

Vejamos então:

Em 1º lugar dir-se-á que, na senda do afirmado pela recorrida, o acto de registo destina-se primacialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário e não tem, em regra, natureza constitutiva.

Em 2º lugar sendo questão bastante controvertida na Doutrina e na Jurisprudência a natureza jurídica da penhora que, em qualquer caso, se constitui numa apreensão judicial do património do devedor como forma de assegurar o cumprimento de uma obrigação através da execução do património do devedor, pelo que se destina á realização coactiva da prestação decorrente de uma mera relação jurídica creditícia ( cfr artºs 817º e segs, do C.Civil

Em qualquer caso, a verdade é que, seja como for, ter-se-á de entender que a questão terá de ser resolvida pela procedência dos embargos de terceiro por parte da adquirente por partilha dos bens em razão do divórcio efectuado muito antes da penhora ora controvertida, face à penhora daquele bem no processo de execução fiscal em que é executado o ex- cônjuge da embargante Saliente-se, desde já, que no processo de execução fiscal só devem ser penhorados bens pertencentes ao executado no momento da penhora, pelo que sempre que tais bens não pertençam já ao executado à data da diligência procederão necessariamente os embargos de terceiro de quem adquiriu os bens antes do acto ofensivo, ainda que tal direito não se encontre registado anteriormente àquela penhora, e isto independentemente do direito constituído sobre o bem, i.e. mesmo que o embargante apenas viesse a arrogar e provar a titularidade do direito de propriedade.

Importa por último analisar a consequência da aquisição do bem penhorado anterior à penhora mas não registada , i.e. da situação de uma penhora registada face á existência de qualquer facto jurídico anterior registado posteriormente, como foi o caso do registo da aquisição por banda da embargante. Ora, nesse caso, deve considerar-se como incompatível com a realização da diligência aqueles direitos que devem prevalecer sobre o direito do exequente.

Face aos factos levados ao probatório, resulta claro que o direito de propriedade invocada pela embargante se verificou anteriormente à penhora e respectivo registo, ainda que apenas levados ao registo após essa data, não se verificando qualquer acto de disposição dos bens penhorados a que se refere o artº 819º do mesmo Código, assim como por efeito de se entender que o acto de registo da penhora não confere ao exequente a qualidade de terceiro para efeitos de registo, não sendo aquela transmissão ineficaz em relação ao exequente, no âmbito do processo de execução fiscal, por se entender que nesses caso o exequente não recebeu do executado o seu direito sobre o bem objecto de penhora.-cfr nesse sentido J.Lopes de Sousa in “CPPT Anotado, 4ª Ed.” 2004, pags 762 a 764, e posições jurisprudenciais aí mencionadas.

Assim sendo, entende-se que improcede “in totum ” o recurso deduzido da sentença proferida nos autos, a qual vai inteiramente confirmada nos respectivos fundamentos e demais considerações aqui tecidas em seu abono, sendo mantida a decisão aí proferida sobre a existência e titularidade do direito na esfera da embargante ora Recorrida.

*

Dispositivo

Nos termos expostos vai negada a pretensão recursiva, sendo mantida na ordem jurídica a sentença proferida nos autos que considerou procedente a acção de embargos deduzida pela recorrida.

*

Custas em ambas as instâncias pela F.P.

Notifique.


Lisboa, 8 de outubro de 2020

_______________________________

(António Ziegler)

_________________________________

(Mário Rebelo)

____________________________

(Patrícia Manuel Pires)