Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:998/09.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
PROVA
Sumário:No caso em exame, do probatório resulta que a AF não logrou demonstrar o exercício efectivo da gerência por parte da oponente. É que não basta a mera invocação da inscrição no registo da oponente, como gerente, no acto de constituição da sociedade para se extrair a ocorrência de actos de gerência praticados pela oponente em nome da sociedade devedora originária. Relevaria a prova de actos concretos que corporizassem o mencionado exercício efectivo, o que não se demonstra nos autos.
Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

E….., melhor identificada nos autos, citada por reversão no processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Alcanena contra a sociedade E….., Lda., por dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de 2003-07 e 2003-09, Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2005 e coimas fiscais do ano de 2005, no montante de € 24.044,76, vem deduzir OPOSIÇÃO à execução que contra si reverteu na qualidade de responsável subsidiário.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a oposição judicial deduzida quanto às dívidas de IVA e IRC, tendo ainda julgado procedente quanto à divida proveniente de coimas e demais encargos com contra ordenação com a consequente extinção quanto a esta do processo de execução fiscal e, finalmente, improcedente o pedido de condenação da oponente como litigante de má-fé.

Inconformada, a E….., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1.A douta decisão recorrida não fez uma apreciação adequada à invocada ilegalidade do procedimento de reversão, por falta de fundamentação do despacho de reversão do órgão da execução fiscal.

2.   A douta decisão recorrida não seguiu um caminho único, nem deu como assente se a reversão se fundamentou na inexistência de bens ou se na insuficiência de bens, referindo-se por vezes à primeira e por vezes à segunda.

3. Integrou toda a análise da invocada ilegalidade do procedimento de reversão, na análise da invocada nulidade da citação, como se de nulidade de citação exclusivamente se tratasse.

4. A douta decisão recorrida não considerou a ilegalidade do despacho de reversão por este ser totalmente omisso em relação às diligências que no mesmo se afirma terem sido efectuadas, para concluir da insuficiência de bens penhoráveis.

5.O despacho de reversão provocou a ilegalidade do procedimento de reversão por se tratar de uma mera transcrição de disposições legais e afirmações não explicadas, ilegalidade que a douta decisão não apreciou.

6.A decisão recorrida deu como assente o facto da inexistência de bens, quando o órgão da execução fiscal considerou insuficiência de bens.

7. O depoimento da testemunha da Fazenda Pública demonstrou que a devedora originária possuía bens penhoráveis, pelo que o procedimento de reversão viola o direito de excussão prévia, implicando a ilegalidade da reversão, ilegalidade esta que a decisão recorrida não apreciou nem declarou.

 

8.Na douta decisão recorrida afirma-se que o órgão da execução fiscal fundamentou a reversão na inexistência de bens, quando no despacho de reversão se refere insuficiência de bens.

9.  Desta forma a douta decisão recorrida é ilegal por assentar em fundamentos que não corresponde a factos constantes dos documentos juntos, neste caso o despacho de reversão do órgão da execução fiscal.

10. A douta decisão recorrida considerou que a oponente exerceu a gerência de facto por ter declarado que assinava cheques e assinava as declarações que obrigatoriamente tinham de ser assinadas pela gerente de direito.

11. A jurisprudência comummente aceite vai no sentido de considerar que a simples assinatura de cheques e as declarações obrigatoriamente assinadas pela gerente de direito, só por si, não materializam uma gerência de facto.

12.   A douta decisão recorrida considerou como provado que a gerência de facto pertencia ao cunhado da oponente R….. e que a oponente só assinou cheques e as declarações que obrigatoriamente tinham de ser assinadas pela gerente inscrita e só por estes factos considerou-a também gerente de facto.

13.       A culpa que deve ser aferida no procedimento de reversão é a que se refere à culpa na dissipação de património conforme jurisprudência comummente aceite e não a que se refere a boa ou má gestão ou outra, conforme foi considerado na douta decisão recorrida.

14.       A douta decisão incorre num erro de interpretação do artigo 24º da Lei Geral Tributária, uma vez que a culpa que aos gerentes cabe ilidir é a que se relaciona com a insuficiência do património e com a intervenção da oponente em actos de dissipação do património que impliquem a impossibilidade de satisfação dos créditos tributários.

15.       A douta decisão recorrida é ainda ilegal, no caso em que se refere a resultado ilícito, e a cautelas que a oponente deveria ter adoptado, mas não fundamenta a razão desta abordagem, implicando uma decisão incompreensível por um destinatário normal.

16.       A decisão recorrida é contraditória quando se refere e conclui de forma diversa ao depoimento das testemunhas.

17.       A douta decisão na valorou de forma adequada o depoimento das testemunhas considerado espontâneo e verdadeiro, quanto à inexistência de gerência de facto.

18.       A oponente nunca interveio em actos de dissipação de património uma vez que ficou provado que somente apôs a assinatura em cheques e em declarações obrigatoriamente assinadas pela gerente de direito, pelo que a douta decisão recorrida é ilegal ao decidir em sentido contrário.

 

Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Exªs deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, determinando a anulação da decisão recorrida.»


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A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

 


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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:      
«A)         Em 10-01-2000, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Benavente a constituição da sociedade por quotas denominada E….., Lda., NIPC ….., com o capital social de € 5.000,00, repartido por duas quotas de € 4.750,00 e € 250,00, em nome de E….., ficando a gerência a cargo desta e obrigando-se a sociedade mediante a intervenção de um gerente. – (cfr. doc. de fls. 16 a 21 dos autos).
B)      O Serviço de Finanças de Alcanena, em data não determinada, instaurou contra a sociedade E….., Lda., o processo de execução fiscal n.º ….. e apensos por dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de 2003-07 e 2003-09, Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2005 e coimas fiscais do ano de 2005, no montante total de € 24.044,76. – (cfr. fls. 43 a 47 dos autos).
C)      Em 29-06-2001 a ora oponente entregou no Serviço de Finanças da Golegã, declaração de alterações, por si subscrita, para efeitos de opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável. – (cfr. doc. de fls. 52 e 53 dos autos).
D)      Em 31-03-2006 a ora oponente entregou no Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, declaração de alterações, por si subscrita, para efeitos de opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável. – (cfr. doc. de fls. 54 a 56 dos autos).
E)      Em 27-03-2007, no Cartório Notarial de C….., foi celebrado contrato de cessão de quotas, renúncia e alteração parcial do contrato de sociedade no qual E….., na qualidade de única sócia e gerente da sociedade E….., Lda., cede a totalidade das quotas sociais a U….., renunciando à gerência da sociedade. – (cfr. f ls. 26 a 30 dos autos).
F)       No âmbito do processo de execução fiscal identificado em B) o Serviço de Finanças de Alcanena por consulta ao Cadastro Eletrónico de Ativos Penhoráveis da Autoridade Tributária e Aduaneira, apurou a inexistência de prédios, viaturas, valores e rendimentos ou aquisições e fornecimentos em nome da sociedade E….., Lda.. – (cfr. fls. 36 a 42 dos autos).
G)      Com data de 02-04-2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Alcanena determinou a preparação para reversão do processo de execução fiscal referido em B) contra a ora oponente e a sua notificação para efeitos do exercício do direito de audição, por “Insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal”. – (cfr. f ls. 33 a 35 dos autos).
H)      Em 22-04-2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Alcanena ordenou a reversão da execução fiscal mencionada em B) contra a ora oponente na qualidade de responsável subsidiário. - (cfr. f ls. 32 dos autos).
I) Na mesma data o Chefe do Serviço de Finanças de Alcanena endereçou à ora oponente o ofício n.º ….., de citação, mediante carta registada com aviso de receção, onde consta, além do mais, o seguinte:
          “Pela presente fica citado(a) de que é executado por reversão, nos termos do art.º 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na qualidade de subsidiário responsável, para, n o prazo de 30 (trinta) dias a contra desta citação, pagar a quantia exequenda de 24.044,76 € de que era devedor(a) o (a) executado (a) supra indicado, no processo de execução fiscal n.º ….. e Aps. (…).
          Fundamentos da reversão:
Despacho que se junta fotocópia e faz parte integrante da presente citação. (…) Anexo fotocópia (s) do (s) titulo (s) executivo (s) .”. – (cfr. f ls. 31 dos autos).
J)       No despacho mencionado na alínea anterior consta, além do mais, o seguinte: “ Face às diligências efectuadas nos autos, ficou comprovada a manifesta insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário, para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Nestes termos e por todo o exposto, atentas as disposições legais citadas, declaro a presente execução revertida contra E….., NIF ….., nos termo conjugados dos artigos 24.º, n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária e artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (…).”. – cfr. f ls. 68 dos autos).
K)      Em 25-05-2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Alcanena a petição inicial da presente oposição. – (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

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Factos não provados
Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão da causa.
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Motivação da matéria de facto
          A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, bem como no depoimento das testemunhas arroladas e no depoimento da oponente, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.
          Quanto ao depoimento de parte da oponente, inquirida sobre quem exerceu a gerência da devedora originária nos anos de 2003 a 2005, identificou o cunhado, de nome R….. como sendo o seu gerente. Inquirida sobre quem tratava dos assuntos de natureza fiscal afirmou pensar ser o cunhado porque nunca tratou de nada. Soube identificar a sede da empresa e a actividade exercida, afirmado “pensar” ser o cunhado que tratava das compras e vendas e respectiva documentação. Inquirida sobre quem movimentava a conta bancária da empresa disse que assinava os cheques que o cunhado lhe pedia, assinando por vezes vários cheques porque confiava nele. O seu depoimento foi claro mas algo hesitante, sendo contrário à prova documental constante dos autos. Por esse motivo e por não haver motivos para o desconsiderar na totalidade vai apenas ser parcialmente valorado pelo Tribunal.
          Foi considerado o depoimento de M….., amigo de infância da oponente, que afirmou desconhecer a existência de qualquer sociedade de que a oponente fosse gerente e de A….., vizinha da oponente há mais de 20 anos, cujo depoimento acompanhou no essencial o da anterior testemunha. Foi valorado o depoimento de M….., vizinho da oponente que afirmou ter ouvido falar de uma sociedade de nome E….., que vendia camiões mas não sabe onde estava sediada nem quem era o dono da empresa, pensando ser um familiar da oponente. Foi considerado o depoimento de G….., funcionário do Serviço de Finanças, que disse ter realizado diligências na sede da sociedade devedora originária, tendo constatado tratar -se de um terreno vedado, com uma placa virada para o interior com o nome da empresa, onde estava instalado um contentor e se encontravam carros avariados e um camião de matricula estrangeira.
          O depoimento das testemunhas foi claro, sem contradições, revelando conhecimento direto de alguns dos factos sobre que incidiu, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Tudo conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.
          Cumpre deixar a nota de que relativamente à matéria de facto, o juiz deve basear a sua decisão, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da razão de ser das coisas (cf. art.º 607.º do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré -estabelecida na lei, designadamente quanto aos documentos autênticos, que nos termos do art.º 371.º do Código Civil, têm força probatória plena, é que não domina na apreciação das provas produzidas este princípio da livre apreciação.»

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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou:

a) Improcedente a presente oposição judicial quanto às dívidas de IVA e IRC em causa nos autos;

b) Procedente quanto à dívida proveniente de coima e demais encargos com contra-ordenação com a consequente extinção quanto a esta do processo de execução fiscal;

c) Improcedente o pedido de condenação da oponente como litigante de má fé.

Inconformada, a oponente veio apresentar recurso da referida decisão na parte em que a mesma lhe foi desfavorável.

Alega a recorrente [conclusões de recurso 10. a 18.] que A douta decisão recorrida considerou que a oponente exerceu a gerência de facto por ter declarado que assinava cheques e assinava as declarações que obrigatoriamente tinham de ser assinadas pela gerente de direito. A jurisprudência comummente aceite vai no sentido de considerar que a simples assinatura de cheques e as declarações obrigatoriamente assinadas pela gerente de direito, só por si, não materializam uma gerência de facto. A douta decisão recorrida considerou como provado que a gerência de facto pertencia ao cunhado da oponente R….. e que a oponente só assinou cheques e as declarações que obrigatoriamente tinham de ser assinadas pela gerente inscrita e só por estes factos considerou-a também gerente de facto. A culpa que deve ser aferida no procedimento de reversão é a que se refere à culpa na dissipação de património conforme jurisprudência comummente aceite e não a que se refere a boa ou má gestão ou outra, conforme foi considerado na douta decisão recorrida. A douta decisão incorre num erro de interpretação do artigo 24º da Lei Geral Tributária, uma vez que a culpa que aos gerentes cabe ilidir é a que se relaciona com a insuficiência do património e com a intervenção da oponente em actos de dissipação do património que impliquem a impossibilidade de satisfação dos créditos tributários. A douta decisão recorrida é ainda ilegal, no caso em que se refere a resultado ilícito, e a cautelas que a oponente deveria ter adoptado, mas não fundamenta a razão desta abordagem, implicando uma decisão incompreensível por um destinatário normal. A decisão recorrida é contraditória quando se refere e conclui de forma diversa ao depoimento das testemunhas. A douta decisão na valorou de forma adequada o depoimento das testemunhas considerado espontâneo e verdadeiro, quanto à inexistência de gerência de facto. A oponente nunca interveio em actos de dissipação de património uma vez que ficou provado que somente apôs a assinatura em cheques e em declarações obrigatoriamente assinadas pela gerente de direito, pelo que a douta decisão recorrida é ilegal ao decidir em sentido contrário.

Na conclusão de recurso 16. vem a recorrente invocar que a decisão recorrida é contraditória quando se refere e conclui de forma diversa ao depoimento das testemunhas.

Julgamos, que com esta alegação a recorrente vem invocar uma contradição entre a fundamentação e a decisão.

Ora, «Existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença e a decisão nela tomada, quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão nela tomada segue um caminho completamente oposto.»[1]

Ora, no presente caso, aquilo que é apontado é uma decisão diversa do referido no depoimento das testemunhas.

«O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.»[2]

Assim, o julgador dentro do livre princípio de apreciação da prova, extraiu determinada conclusão do depoimento das testemunhas, sem que isso signifique uma contradição, tanto mais, que o desfecho não é surpreendente quanto à valoração da prova.

Coisa diversa é a de saber se o julgador errou no seu julgamento, o que se verá mais adiante.

Vem, assim, a oponente, entre outras, invocar a sua ilegitimidade quanto à dívida exequenda referente a IVA e IRC.

Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento da sentença recorrida.

Do alegado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular, o requisito da gerência efectiva.

Vejamos.

Impõe-se, agora, averiguar se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quando julgou improcedente a oposição, na parte recorrida, por entender que a recorrente é parte legítima para a execução.

Importa, pois, saber se o ora recorrente, exercia as funções de gerência de facto na sociedade executada originária e, em consequência, foi feita a prova prevista no art. 24º nº 1 b) da LGT.

Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária da recorrente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.

A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).


Analisemos agora o regime aqui aplicável.

“Artigo. 24º da LGT

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).


Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.

A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.

Comecemos então por verificar se dos autos resulta provado, antes de mais, que a Recorrida preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade subsidiária isto é, se a Fazenda Publica logrou provar que a Recorrente exerceu de facto as funções de gerente efectivo da sociedade executada, no período das dívidas exequendas.

Vejamos.

Conforme alíneas C) e D) do probatório, em 29/06/2001 e 31/03/2006 a oponente entregou nos respectivos Serviços de Finanças, declarações de alterações, por si subscritas, para efeitos de opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável.

Foram estes os factos que foram levados ao probatório pelo Tribunal a quo, nada mais tendo sido dado como provado.

Para além de se tratarem de actos isolados, é de realçar as datas em que os mesmos foram praticados – 2001 e 2006 -, quando as dívidas exequendas que estão em causa se referem a IVA de 2003 e IRC de 2005.

Pelo que não se concorda com a sentença recorrida quando se escreveu que:

«No caso dos autos, a prova dessa gerência por parte da oponente encontra-se demonstrada pela assinatura dos documentos acima identificados, isto é, nesta parte, a AT cumpriu o seu ónus probatório. Para além disso, o Tribunal não pode desconsiderar que a oponente assumiu expressamente, no seu depoimento, que assinava cheques da sociedade a pedido do seu cunhado. Portanto, tendo em consideração tal factualidade, é seguro concluir que a oponente exerceu de facto a gerência da devedora originária.»

No caso em apreço, embora o Tribunal não desconsidere que a recorrente admitiu assinar cheques em contexto de constrangimento familiar, a verdade é que nos autos não existe rastro dos mesmos, não se sabendo que cheques assinou, e em que data os assinou, e consequentemente, se foi, ou não, durante o período das dívidas exequendas em causa nos autos.

Além do mais, a oponente nega ao longo da petição ter exercido a gerência e que apenas a integrou a pedido de um familiar que tinha alguns problemas pendentes e não podia constituir a sociedade em seu nome e por isso recorria a familiares, dizendo que não havia qualquer responsabilidade, sendo nesse contexto em que terá assinado os aludidos cheques.

Seja como for, a verdade é que a Fazenda Pública ficou por uma total inércia probatória sobre o concreto exercício da gerência.


Deste modo, no caso em exame, do probatório resulta que a AF não logrou demonstrar o exercício efectivo da gerência por parte da oponente.

É que não basta a mera invocação da inscrição no registo da oponente, como gerente, no acto de constituição da sociedade para se extrair a ocorrência de actos de gerência praticados pela oponente em nome da sociedade devedora originária. Relevaria a prova de actos concretos que corporizassem o mencionado exercício efectivo, o que não se demonstra nos autos.

Donde se impõe concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação à oponente não se mostra comprovado.

Face ao, agora, decidido consideram-se prejudicadas quaisquer outras questões.

Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida no segmento recorrido, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento recorrido, e em consequência, julgar a oposição procedente, com as legais consequências.

Custas pelo recorrido, com dispensa da taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

                                                             Lisboa, 13 de Maio de 2021

[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão a Desembargadora Catarina Almeida e Sousa, sendo que a Desembargadora Maria Cardoso apresentou voto de vencido]


VOTO DE VENCIDO


Voto vencida o presente acórdão por concordar com o discurso fundamentador vertido na sentença, pelo que pugnava pelo não provimento do recurso e consequente manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida.

Lisboa, 13 de Maio de 2021

Maria Cardoso

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[1] Acórdão do TRL de 13/11/2007, Proc. 3734/2007-4, disponível em www.dgsi.pt
[2] Acórdão do TRC de 01/10/2008, Proc. 3/07.4GAVGS.C2, disponível em www.dgsi.pt