Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:864/11.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
REVERSÃO;
GERÊNCIA;
CULPA.
Sumário:1. Relativamente a dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, a Lei Geral Tributária (alínea b), nº1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias da sociedade devedora originária não lhe é imputável.

2. O gerente tem pois de demonstrar que a devedora originária não tinha meios financeiros para pagar as dívidas tributárias e que essa falta de meios não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

R............., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição à execução deduzida, contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................ e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “S…………………., Lda”, por dívidas de IRC dos anos de 2006 e 2007 e retenções na fonte de IRS do ano de 2009 no valor total de € 77.071,94.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“1. A matéria de facto dada como provada, deverá ser alterada relativamente aos Factos E; F; G; H; I; J; M, nos termos que se seguem:
E) Em março de 2007 o ora Oponente e M................, entrevistaram A................ para exercer funções de administrativa em várias sociedades nas quais o Oponente figurava como sócio, a qual passou a desempenhar o cargo de TOC no final de 2007.
F) Por requerimento datado de 11.12.2007, apresentado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 em 10.12.2007 pela sociedade "S………….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF identificado em A), oferecendo um bem imóvel do seu património pessoa como garantia.
G) Em 31.03.2008 o ora Oponente, na qualidade de gerente de direito da sociedade "S…………….., Lda.", esteve presente em Assembleia da sociedade destinada a aprovar o Relatório de Contas do ano anterior, a proposta de aplicação de resultados por si apresentada e da sua atuação como gerente de direito, subscrevendo a respectiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 conjuntamente com o sócio M.................
H) Por requerimento datado de 15.10.2008, a sociedade "S…………….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.º ................, oferecendo um bem imóvel do seu património pessoa como garantia.
I) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade "S…………, Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.º……………….
J) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade "S………….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, e por M................, requereu a emissão de certidão de dívida relativa aos PEF's n.º ................ e n.º ................ com vista à efetivação de escritura de constituição de hipoteca voluntária a favor da AT.
M) Entre 2007 e finais de 2009 a TOC da sociedade, A………, contactava com o ora Oponente para tratar de assuntos relacionados com as sociedades das quais este era um dos titulares do capital social”.

2. O Oponente não obstante ter outorgado o referido contrato promessa de compra e venda, e na sequência da gerência de direito e de facto que vinha exercendo, deixou, após aquela data (31.12.2006), de praticar actos concretos de gerência, à excepção dos actos formais.

3. A única responsável pela gestão da sociedade, passou a ser a Sra. M................, que ficou a gerir o único estabelecimento que a sociedade explorava, sito no B………….

4. A partir do dia 01.01.2007, a Sra. M................ foi a única pessoa a praticar todos os actos de gestão da sociedade (i), a tomar decisões patrimoniais e executivas (ii) e a controlar todas e quaisquer decisões com responsabilidades fiscais (iii). Veja-se a este propósito os documentos juntos ao processo, e que são cartas endereçadas a terceiros pela própria M................ agindo na qualidade de gerente.

5. No que se refere a actos formais, como sejam o pedido de pagamento de impostos em prestações e prestação de garantia, teria que ser obrigatoriamente R................ a fazê-lo, uma vez que só pode requerer o pagamento de impostos em prestações, as sociedades representadas pelos gerentes que constam na certidão de registo comercial.

6. O oponente nunca foi tido nem achado sobre qualquer questão administrativa ou financeira (i), nunca participou em reuniões de gerência (ii).

7. O oponente nunca foi reconhecido como gerente de facto, tanto pelos trabalhadores, como pelos clientes ou fornecedores da empresa

8. A gerência de facto, durante o período a que estas dívidas dizem respeito, foi assumida por M................, em exclusivo.

9. Como é consabido, não basta a mera gerência de direito para efeitos de responsabilidade subsidiária, sendo também exigida a demonstração da gerência efectiva ou de facto.

10. A gerência é, por força da lei, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito.

11. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social).

12. Neste sentido não deveria a Sentença em crise, apenas ter assinalado determinados actos que R................ praticou, mormente aqueles que teve de praticar por razões de ordem meramente formal, conforme decorre da própria matéria dada como provada.

13. Todos os actos praticados por R................ que constam na Sentença, decorrem precisamente do facto dele ser o gerente de direito, ou seja, a pessoa que constava na certidão de registo comercial como gerente, e ter que ser essa pessoa a formalizar os pedidos de pagamentos prestacionais junto da AT.

14. Não consta da Sentença qualquer acto praticado por R................, que seja caracterizador do exercício efectivo das funções de gerência, mesmo no caso da matéria de facto dada como provada se manter inalterada.

15. E se bem atentarmos no plano dos poderes administrativos do gerente, não temos um único que lhe seja apontado.

16. Apenas temos nota de factos atinentes a poderes representativos, e que em todo o caso, impostos por necessidade formal.

17. Também não consta da Sentença qualquer referência à culpa do Oponente, que sempre teria de verificar-se, designadamente, que foi por acto culposo que lhe é imputável que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida.

18. A culpa em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

19. Sobre esta matéria não encontramos pronúncia na Sentença, o que reconduz à ausência de um dos pressupostos essenciais para que a execução por reversão prossiga contra o Oponente.

20. Os actos invocados na Sentença como praticados pelo Oponente - ainda que se mantenham por força da não alteração da matéria provada - são manifestamente débeis e insuficientes para demonstrar que exerceu a gerência efectiva da sociedade.

Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e proferindo decisão no sentido de julgar procedente a oposição, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto às alíneas E), F), G), H), I), J) e M) do probatório e erro de julgamento de direito ao ter considerado o oponente/recorrente gerente de direito e de facto da sociedade S…………………………, Lda.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Foi instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 (Algés), contra a sociedade “S………………….., Lda.”, o processo de execução fiscal n.º ................ e aps. (PEF) para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2006 e 2007 e retenções na fonte de IRS do ano de 2009, no valor total de € 77.071,94, cujos prazos de pagamento voluntário terminaram, respetivamente, em 08.10.2007, 22.09.2008 e 20.07.2009 – cf. fls. 43 a 46 e verso de fls. 52 dos autos (suporte físico, sendo a este que se referiram todas as fls. referenciadas daqui em diante).

B) A sociedade “S………………….., Lda.” foi constituída em 23.02.2005 obrigando-se com a intervenção de dois gerentes, tendo o ora Oponente sido designado gerente na data da constituição da sociedade conjuntamente com o sócio M................ – cf. a certidão de registo comercial a fls. 58 a 62 dos autos.

C) Em 20.12.2006 o sócio M................ renunciou à gerência, facto apresentado a registo em 20.10.2009 – cf. a certidão de registo comercial a fls. 58 a 62 dos autos.

D) Por escrito datado de 31.12.2006, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Quotas”, subscrito pelo ora oponente na qualidade de “primeiro outorgante” e por M................ na qualidade de “segunda outorgante”, aquele prometeu vender a esta, pelo respetivo valor nominal, a quota que detinha na sociedade “S……………., Lda.”, no valor nominal de € 2.500,00, até ao dia 31.12.2009, mais acordando as partes, em relação à gerência, o seguinte:
CLÁUSULA SÉTIMA
(Gerência)
1. Em virtude de ter sido celebrado em 27.12.2006, um contrato-promessa de compra e venda para a cessão da quota objecto do presente contrato, entre o aqui PRIMEIRO OUTORGANTE e M................, do qual a SEGUNDA OUTORGANTE tomou pleno conhecimento para todos os legais efeitos.
2. Considerando igualmente que o M................, renunciou à gerência que na sociedade vinha exercendo, com efeitos a partir de 31.12.2006, conforme carta que dirigiu à sociedade em 20.12.2006.
3. Pelo presente compromisso assumido neste contrato, e tendo em conta as premissas plasmadas nos pontos 1 e 2 do corpo da presente cláusula, a SEGUNDA OUTORGANTE desempenhará a função de Directora Administrativa, a partir de 01.01.2007, cargo que manterá por todo o tempo, independentemente da realização da compra e venda da quota que ora prometeu comprar ao PRIMEIRO OUTORGANTE.
4. A PRIMEIRA E A SEGUNDA OUTORGANTE, assumirão a gerência de facto da sociedade S…………………, Lda., pessoa colectiva nº ................ – cf. doc. 1 junto com a p.i..

E) Em março de 2007 o ora Oponente e M................, entrevistaram e contrataram A................ para as funções de administrativa na sociedade devedora originária, a qual passou a desempenhar o cargo de TOC no final de 2007 – prova testemunhal (depoimento de A................).

F) Por requerimento datado de 11.12.2007, apresentado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 em 10.12.2007 pela sociedade “S…………, Lda.”, representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF identificado em A), oferecendo um bem imóvel do seu património pessoal como garantia – cf. fls. 63 a 66 dos autos.

G) Em 31.03.2008 o ora Oponente, na qualidade de gerente da sociedade “S…………….., Lda.”, esteve presente em Assembleia da sociedade destinada a aprovar o Relatório de Contas do ano anterior, a proposta de aplicação de resultados por si apresentada e da sua atuação como gerente, subscrevendo a respetiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 conjuntamente com o sócio M................ – cf. fls. 70/71 dos autos.

H) Por requerimento datado de 15.10.2008, a sociedade “S……………, Lda.”, representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.º ................, oferecendo um bem imóvel do seu património pessoal como garantia – cf. fls. 63 a 66 dos autos.

I) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade “S………….., Lda.”, representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.º ………….. – cf. fls. 67 dos autos.

J) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade “S…………., Lda.”, representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente, e por M................, requereu a emissão de certidão de dívida relativa aos PEF’s n.º ................ e n.º ................ com vista à efetivação de escritura de constituição de hipoteca voluntária a favor da AT – cf. fls. 72 dos autos.

K) Por deliberação de 30.09.2009 foi nomeada gerente da sociedade “S……………., Lda.” M................ – cf. a certidão de registo comercial a fls. 58 a 62 dos autos.

L) Em 28.10.2009 foi registada a transmissão da quota do ora Oponente na sociedade “S……………., Lda.” para M................ – cf. a certidão de registo comercial a fls. 58 a 62 dos autos.

M) Entre 2007 e finais de 2009 a TOC da sociedade, A………., contactava com o ora Oponente para tratar de assuntos relacionados com a sociedade devedora originária – prova testemunhal, depoimento de A………...

N) Em 25.11.2009 o ora Oponente renunciou à gerência da sociedade “S……………., Lda.”, tendo tal facto sido apresentado a registo em 09.12.2009 – cf. a certidão de registo comercial a fls. 58 a 62 dos autos.

O) Em 09.03.2010 foi lavrada no PEF identificado em A) informação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de que consta, além do mais, o seguinte:
“[…] apenas é conhecido e já foi objecto de penhora eletrónica, um veículo automóvel de mercadorias […], do ano de 2006 […] sendo o seu valor comercial presumido baixo.
Verifica-se assim, que os bens penhorados se mostram manifestamente insuficientes para garantia da dívida e acrescido.
Informa-se igualmente que o valor global em dívida ascende a € 246.050,63, e que não é do conhecimento deste Serviço a existência, nesta data, de quaisquer bens sujeitos a penhora. […]” – cf. fls. 49 a 51 dos autos.

P) Em 12.03.2010 o Oponente foi notificado para efeitos audição prévia em sede do procedimento de reversão no PEF identificado em A), pelo valor de € 77.071,94, com fundamento na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT – cf. fls. 52 a 55 dos autos.

Q) Em 30.04.2010 foi proferido, pelo Chefe de Finanças, despacho de reversão do PEF identificado em A) contra o ora Oponente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e onde é feita referência, além do mais, ao “valor irrisório” dos bens penhoráveis da sociedade devedora originária, ao facto de o Oponente não ter exercido o direito de audição prévia e à informação prestada, sobre a qual foi exarado o despacho de reversão, na qual é feita menção às normas legais relativas à reversão e aos atos de gerência praticados pelo ora Oponente, a que se referem as alíneas D), F), G), I) e J) – cf. fls. 56/57 dos autos.

R) Em 07.05.2010 o ora oponente foi citado para o PEF identificado em A), remetendo os fundamentos da reversão para o “despacho proferido em 30/04/2010 do qual anexa fotocópia” – cf. fls. 46 dos autos.

S) Em 07.06.2010 a petição inicial que deu origem à presente oposição foi remetida, por via postal, ao órgão de execução fiscal – cf. fls. 38 dos autos.

Não constam dos autos outros factos, com interesse para a decisão da causa, que importe identificar como provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto:
A decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e ainda com base na prova testemunhal produzida em audiência da qual relevou, para a formação da convicção do tribunal, no cotejo com os elementos de prova documental, o depoimento da testemunha A……………, que foi perentória a afirmar que foi contratada em março de 2007 pelo ora Oponente e por M……………. para exercer as funções de administrativa na sociedade devedora originária, tendo depois passado a exercer funções de TOC desde finais do ano de 2007, funções às quais veio a renunciar no final do ano de 2009 por problemas relacionados com a gestão efetuada por M………… e que prejudicavam o trabalho a realizar pela contabilidade, mais esclarecendo sempre contactou com o ora Oponente sobre os problemas da sociedade e que este demonstrava interesse nos mesmos, não obstante a atividade do espaço comercial (estabelecimento de restauração) ser da responsabilidade de M................. O depoimento da segunda testemunha, P…………, mostrou-se confuso, não tendo contribuído para o esclarecimento sobre os factos relevantes que lhe foram perguntados e, quanto à terceira testemunha, M……………, confrontado o respetivo depoimento com os elementos de prova documental relevantes, nada acresceu para efeitos de formação da convicção do tribunal.”.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrente deduziu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, oposição à execução fiscal contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ................ e aps, instaurado originariamente contra a sociedade “S……………………, Lda., por dívidas de IRC do ano de 2006 e 2007 e retenções na fonte de IRS do ano de 2009 no valor de € 77.071,94.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a oposição à execução tendo considerado que o ora recorrente era gerente de direito e de facto naquela sociedade no período a que respeita a dívida.

O Recorrente apresentou recurso jurisdicional invocando desde logo erro de julgamento da matéria de facto pretendendo a alteração aos factos elencados nas alíneas E, F, G, H, I, J, M, como consta do ponto 1 das conclusões apresentadas.

Da análise das correções que o recorrente pretende introduzir nas alíneas F, G, H I, e J resulta que pretende seja mencionado nas mesmas, ao invés da expressão “na qualidade de gerente” a expressão “na qualidade de gerente de direito”. Por sua vez nas alíneas E e M, pretende seja introduzida a expressão “nas quais o oponente figurava como sócio” e “(…) assuntos relacionados com as sociedades das quais este era um dos titulares do capital social”.

Em relação aos factos elencados nas alíneas F, G, H I, e J, tais factos resultam da prova documental junta aos autos e mencionam expressamente os documentos que os suportam. Compulsados os referidos documentos decorre do seu teor a menção de “o gerente R……………..”, “A gerência – R………………., M................” ou documentos apenas assinados pelo recorrente (cfr. fls. 63, 71 e 67).

Perante o teor dos documentos que sustentam os factos elencados naquelas alíneas resulta evidente que dos mesmos não consta a expressão “gerente de direito” pelo que a redacção daquelas alíneas mostra-se correcta, sendo certo que a expressão “gerente de direito” consubstancia matéria de direito que não deve constar da matéria factual, razões pelas quais, vai indeferido o pedido de alteração das alíneas F, G, H I, e J.

Quanto ao pedido de alteração da redacção das alíneas E e M, cujos factos resultam do depoimento da primeira testemunha, após termos ouvido o seu depoimento, resulta que a testemunha nunca mencionou as expressões que o recorrente pretende sejam introduzidas nas referidas alíneas, razão pela qual vai igualmente indeferido o pedido da sua alteração.

Estando o probatório definitivamente estabilizado, importa agora decidir se, como defende o Recorrente, o Tribunal a quo devia ter reconhecido que não estavam preenchidos os pressupostos consagrados no artigo 24.º da Lei Geral Tributária, e, consequentemente, com esse fundamento, a sentença ser revogada.

Vejamos então.

O Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a invocada ilegitimidade do Oponente porquanto considerou provada a gerência de facto e que este não logrou demonstrar não lhe ser imputável o incumprimento as obrigações fiscais em cobrança coerciva, nem a falta de culpa na situação de insuficiência de bens no património da sociedade que pudessem responder pela dívida.

No caso em apreço a reversão da execução fiscal foi efectuada com base na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT (cfr. alíneas P e Q do probatório).

Nos termos do citado artigo, para o que ora releva, atenta a alínea que suportou a reversão, os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

De acordo com este regime, a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, sendo que, como também bem salientou a sentença recorrida, é à Administração Tributária que compete demonstrar a verificação deste pressuposto, ou seja, é à Exequente, que invoca o direito a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora que tem, face à disciplina legal contida nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e 74.º, n.º 1, da LGT, que provar os factos com base nos quais julgou ser de reverter contra aquele a obrigação de pagamento da dívida que a devedora originária revelou ser incapaz de pagar.

Quanto ao pressuposto de culpa do gestor pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b) em apreço, está, todavia, consagrada uma presunção de culpa, o que significa que é o Oponente, interessado em afastar a qualidade de revertido que lhe é imputada, que cabe provar que essa culpa não existe. Na verdade se o Oponente quer afastar a verificação presumida de que a culpa é sua, terá que alegar e provar em juízo que não foi por força da actuação que desenvolveu enquanto gerente da devedora originária que esta não pagou o tributo em falta ou que não possui bens capazes de garantir esse pagamento.

Assim, o exercício efectivo das funções de gerente e a culpa pela insuficiência patrimonial são dois pressupostos que condicionam indelevelmente a confirmação da validade do despacho de reversão.

Porém, ao contrário do que defende o Recorrente, ficou provado que no prazo legal de pagamento ou entrega do tributo era ele que exercia de facto e de direito as funções de gerente e não ficou provado que não foi por sua culpa que os tributos não foram pagos dentro do prazo legal em que o deviam ter sido.

Quanto ao efectivo exercício das funções destacamos a factualidade vertida nas alíneas B, D, E, F, G, H, I, J, e M, do probatório, das quais resulta que o Oponente foi, desde a data de constituição da sociedade (23.02.2005) até à sua renúncia (25.11.2009) sócio e gerente da sociedade, que administrou de facto e permanentemente a devedora originária, ainda que, pelo menos entre 30 de Setembro e 25 de Novembro de 2009 essa gerência de facto tenha sido partilhada com M.................

Insiste o Recorrente, que não obstante constar no contrato promessa de compra e venda de quotas expressamente que manteria após a celebração desse contrato, conjuntamente com M................, “a gerência de facto” da devedora não lhe pode ser atribuído significativo valor, porque, na realidade, a partir dessa data, deixou de praticar actos concretos de gerência, à excepção dos actos formais, sendo a referida M………… que passou a ser a única responsável pela gestão da sociedade.

Concretizando a sua alegação, invoca em recurso, como anteriormente na sua petição inicial, que era a M…………. que tomava decisões patrimoniais e executivas e controlava toda e quaisquer decisões com responsabilidades fiscais; que o Oponente não era “tido nem achado sobre qualquer questão administrativa ou financeira”, não participava em reuniões de gerência; não era reconhecido como gerente de facto pelos trabalhadores, clientes ou fornecedores da empresa e, por fim, que da mera gerência de direito não decorre, por não existir presunção legal nesse sentido, a presunção de gerência de facto que a reversão no caso exigia (conclusões 2. a 16. das alegações de recurso).

Consideramos que o Recorrente não tem razão. Desde logo, porque a maior parte dos factos invocados neste recurso – já anteriormente alegados na petição inicial – não resultaram provados.

Mas, principalmente, porque ficou provado que o Oponente continuou e quis continuar, desde 2007 até à sua renúncia (25 de Novembro de 2009), a exercer as funções de gestor de facto que a Administração Tributária lhe imputou, como nos é revelado pelo cuidado que teve em inserir no contrato promessa que mantinha essa gerência para o futuro e a orientação permanente que manteve da gestão financeira da sociedade, sendo perante si, no mínimo de forma privilegiada, que eram colocadas pela Técnica Oficial de Contas as questões financeiras da devedora, que o Oponente cuidava de orientar e decidir, inclusive deslocando-se aos Serviços de Finanças onde procedia a pagamentos de dívidas, requeria e subscrevia planos de pagamento em prestações e perante quem sempre actuou e se identificou como o gerente em exercício de funções.

Neste contexto de facto são destituídas de qualquer fundamento as alegações feitas, especialmente as de absoluta ignorância quanto a quaisquer questões atinentes a responsabilidades fiscais da devedora originária.

Note-se que este Tribunal de recurso não desconsiderou que a partir do dia seguinte à celebração do contrato promessa de compra e venda de quotas, mais concretamente, a partir de 1 de Janeiro de 2007, a promitente compradora passou a exercer funções de Directora Administrativa, que cumulou, no mínimo, com as funções de gerente a partir de 30 de Setembro de 2009.

Ou seja, não se ignora que M……….. passou a exercer uma função relevante a partir de 2007 na sociedade devedora e que foi gerente de direito. Porém, do facto de ter sido directora administrativa a partir de 01.01.2007 não se pode retirar, como pretende o Recorrente, que tenha sido ela e só ela a gerente de facto até Novembro de 2009, não só porque a factualidade apurada nos determina a concluir que o Oponente foi, pelo menos, um dos gerentes de facto, quer porque a gerência não se confunde com a Direcção Administrativa, cargo que pode ser ou não exercido por quem detém a qualidade de gerente.

Aliás o Recorrente aceitou que M………… assumiria essas funções de Directora mas que ele, Oponente, manteria as funções de gerente de facto. E que, independentemente da celebração do contrato prometido (compra e venda de quotas) aquela persistira nessas funções.

Em suma, ao extrair dos factos integrados no probatório que o oponente era gerente de facto no ano de 2009, não incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento.

Vem ainda o Recorrente invocar e citamos “Também não consta da Sentença qualquer referência à culpa do Oponente, que sempre teria de verificar-se, designadamente, que foi por acto culposo que lhe é imputável que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida.” e “Sobre esta matéria não encontramos pronúncia na Sentença, o que reconduz à ausência de um dos pressupostos essenciais para que a execução por reversão prossiga contra o Oponente.” (cfr. conclusões 17 e 19).

Afirmamos desde já que tais alegações são completamente destituídas de fundamento.

Para o efeito salientamos, para o que aqui releva, o seguinte excerto da sentença recorrida:

Na alínea b) do referido n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ao responsabilizar-se os gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se, como se disse, uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.

O ato ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64.º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

Está bem de ver que, para uma correta interpretação do artigo 24.º, n.º 1 da LGT no que se refere ao ónus da prova, se impõe a devida articulação do corpo do n.º 1 com a al. b), aqui em causa. Dispõe o citado normativo que:

“1- Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Como se refere no acórdão do STA de 02.03.2011, proferido no proc. 0944/10, disponível em www.dgsi.pt, de cuja fundamentação aqui nos valemos, conclui-se “da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo. (…)

Deste modo, e como se começou por indicar, recaía sobre o ora Oponente o ónus de demonstrar que não foi por culpa sua que a sociedade ficou em situação líquida negativa, sem património suficiente para responder pelas respetivas dívidas, designadamente que, enquanto gerente, procurou soluções de proteção dos seus credores, maxime a Administração Tributária.

In casu, da alegação trazida aos autos, nada resulta sobre este aspeto. Não logrou o Oponente demonstrar não lhe ser imputável o incumprimento das obrigações fiscais em cobrança coerciva, nem tão pouco a situação de insuficiência de bens no património da sociedade que pudessem responder por tal dívida.

À míngua de prova sobre a inexistência de culpa do Oponente na situação de insuficiência patrimonial da sociedade, improcede a alegada ilegitimidade para a execução fiscal no que se refere às dívidas provenientes de IRC e retenções na fonte IRS em cobrança no PEF a que respeita a presente oposição”.

Perante o teor acima transcrito resulta evidente que, para além de a Meritíssima Juíza ter apreciado a questão, fê-lo com o devido acerto, ao explicitar que o oponente não lograra demonstrar de forma positiva que a sua actuação como gerente e a forma como actuara nessa gestão revelava uma diligência digna de um registo positivo na condução dos destinos da devedora originária, como era seu ónus, atenta a presunção consagrada no n.º 1 al. b) do artigo 24.º da LGT.

Na verdade, não resultando da factualidade apurada qualquer facto de que se possa extrair essa conduta conscienciosa do oponente enquanto sócio-gerente de facto e de direito, o resultado jurídico alcançado não podia ter sido outro.

São, pois, de julgar integralmente improcedentes as conclusões deste recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a sentença proferida no sentido de julgar o ora Recorrente parte legítima na execução fiscal nº ................ e aps.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente
Lisboa, 25 de Junho de 2020


Luisa Soares

Mário Rebelo

Patrícia Manuel Pires