Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1012/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA
PROVA
CULPA
Sumário:Resultando provado que a Recorrida representou a sociedade devedora originária em diferentes momentos na qualidade de gerente, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de bastar uma assinatura de um gerente para vincular a sociedade, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou procedente a oposição deduzida por M..., com os sinais nos autos, à execução fiscal n.º 156220070... e apensos, instaurada contra a sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 2004, 2005, 2006 e 2007 e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) de 2006, que reverteram contra si na qualidade de responsável subsidiária. Mais, aquela sentença, declarou extinto o processo de execução fiscal supra referido e apensos, quanto à oponente, e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição apresentada por M..., NIF 1..., à execução fiscal n.º 156220070... e apensos, instaurada pelo serviço de finanças de Sintra 1 contra a sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) de 2004, 2005, 2006 e 2007 e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2006, que reverteram contra si na qualidade de responsável subsidiária.
II. Por sentença datada de 23-05-2018, ora recorrida, veio a Mm. Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade descrita na secção IV, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à Oposição apresentada e, consequentemente, julgar a execução fiscal quanto à Oponente.
III. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados nos autos não é possível afirmar o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida no termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e coimas em cobrança coerciva, não obstante este até admitir que se encontrava para tal designado desde a constituição da sociedade. E tal impossibilidade decorre de a Administração Tributária não ter alegado como pressuposto da reversão, em momento prévia prévio à alteração subjectiva da instância executiva, nem demonstrado em momento algum no processo de execução fiscal, antes da reversão, nem na fundamentação daquele ato, vertida na carta de citação, nem agora em sede de oposição, qualquer facto que indiciasse o exercício da gerência de facto pela ora Oponente.
IV. Da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente ou administrador resulta a presunção legal de que é gerente/administrador de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência/administração (cfr. artigo 11.º do Código do Registo Comercial). Da mesma forma, provada que esteja a nomeação da Recorrida para a gerência de direito, pode o juiz, com base nesse facto e noutros revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, de que deverá dar devida conta, presumir que o oponente exerceu de facto a gerência.
V. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa. Ou seja, não resulta dos autos, qualquer incapacidade legal do oponente para o exercício das suas funções, pelo que, a sua responsabilidade inicia-se qua a sua nomeação para o exercício do cargo e da sua livre aceitação do cargo de gerente/administrador.
VI. Tal como resulta da fundamentação de facto, desde a sua constituição a sociedade devedora originária sempre se obrigou com a assinatura de um gerente, facto confirmado pela simples análise da certidão permanente do Registo Comercial. Importa não olvidar que a sociedade devedora originária foi constituída em 07-07-1989, tendo como únicos sócios F... e a ora Recorrida M..., sendo os mesmo designados como gerentes.
VII. Da maior relevância para a boa decisão da causa foi a produção de prova testemunhal, mais concretamente, o depoimento do filho da ora Recorrida, R..., designadamente, quando questionado sobre quem assinava os documentos da empresa, respondeu “era o meu pai…quando era uma assinatura…quando era duas pedia à minha mãe….ela assinava os documentos”.
VIII. Da mesma forma, a testemunha M... quando questionada sobre qual o assunto que estava ali em causa e se conhecia a Oponente principiou por dizer que sim, conhecia porque tinha sido funcionária de uma empresa em que “o senhor F... e a D. E... eram os gerentes…”. E não obstante esta testemunha afirmar que a Oponente não estava tão presente, na actividade diária da empresa quanto o outro gerente, o facto é que admitiu que foi a Oponente quem a contratou para trabalhar naquela sociedade.
IX. Ou seja, revela-se inegável que a Recorrida possui uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade devedora originária, o que significa que a viabilidade funcional desta apenas era concretizada com a intervenção da Oponente, o que se subsume, integralmente à noção de administração de facto.
X. Da mesma forma, afigura-se-nos pouco crível a versão apresentada pela Recorrida de que nunca exerceu a gerência de facto da sociedade quando constam dos autos documentos que comprovam rigorosamente o oposto, a saber:
- Auto de diligências (execução mandado de penhora), datado de 30-01-2007, no qual a Recorrida quando questionada sobre quem exercia a gerência no período a que respeita a divida respondeu: “M... e F...” (destaques nossos)
- O mesmo auto de diligências foi assinado pela Recorrida, enquanto gerente da sociedade devedora originária.
XI. E ainda que alegasse a Recorrida que apenas assinava documentos relativos á sociedade a pedido do então marido e também gerente F..., tal justificação não retira a esses actos de vinculação e representação da sociedade perante terceiros o carácter de verdadeiros actos gestão, já que nada resulta dos autos que Recorrida não tivesse capacidade de entendimento suficiente para as consequências dos seus actos, ou que assinasse coagida a tal, ou que apenas o fizesse por se encontrar numa posição de inferioridade determinada pelo exercício de especial poder de decisão, factos que não vêm sequer alegados.
XII. Antes do mais se evidencie o facto de que sabia a Recorrida e não podia desconhecer que o acto de assumir a gerência de uma sociedade acarreta necessária e imediatamente responsabilidades, especialmente, quando apenas a sua assinatura (conjuntamente com a de outro sócio) tinha a virtualidade de vincular a sociedade, não podendo, por esse motivo, vir agora escudar-se numa alegada “ignorância” sobre o destino da sociedade, designadamente, da existência de dívidas fiscais.
XIII. E já concedendo, por um lado – como mera hipótese de raciocínio – que a Recorrida assinasse documentos necessários e imprescindíveis à permanência da sociedade no giro comercial, já não se pode conceder, por outro, que a mesma não tivesse capacidade de entendimento suficiente para as consequências dos seus actos. Assim, a designada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício de funções que lhe são inerentes e que passam, entre outras, pelas relações com os parceiros comerciais, fornecedores, clientes, instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade.
XIV. Ou seja, a Recorrida sabia e não podia desconhecer as responsabilidades decorrente do cargo que assumiu enquanto gerente daquela sociedade permitido, todavia, que ao longo de quase 20 (vinte) anos as dividas se acumulassem, tendo neste hiato temporal, como supra descrito, praticado actos de gerência, designadamente, assinando documentos.
XV. O alegado alheamento pela giro comercial da empresa é contradito pela prova documental junta aos autos, designadamente, no que concerne à sua relação com entidades publicas – a AT – perante as quais se assumiu como gerente e, pelo menos nessa altura – em 30-01-2007 – teve conhecimento directo das dividas para com o Estado.
XVI. Assim, nem se alegue como faz a Recorrida que não tem qualquer responsabilidade relativamente às dividas objecto da presente oposição porquanto sabemos que a culpa que releva para efeitos dessa responsabilidade, não é apenas a que respeite ao incumprimento da obrigação de pagamento dos impostos, mas aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais – neste sentido a jurisprudência se pronuncia nos acórdãos do STA de 29.01.1990, in “Acórdãos Doutrinais” n.º 372, pág. 323 e sgs de 12.11.1997, recurso n.º 21 469 e do TCA Sul de 06.10.2009, proc. n.º 03267/09.
XVII. E perante a factualidade evidenciada nos presentes autos, mostra-se sólida a conclusão, extraída por presunção judicial, de que a Recorrida exerceu a gerência da devedora originária em período concomitante com o da dívida ou seu pagamento.
XVIII. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontra violado o artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT em consequência, julgando extinto o processo executivo em relação à Recorrida, concluindo que, não assentando a reversão no preenchimento de um dos pressupostos essenciais para a sua efectivação, o exercício efectivo da administração da sociedade devedora originária por parte da oponente.
XIX. Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não resta senão concluir, salvo o devido respeito, que a douta Sentença se estribou numa errónea apreciação da matéria de facto relevante para, a nosso ver, a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no artigo 24,º n.º 1, alínea b) da LGT.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!.
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A Oponente, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
“a) Em 7 de Julho de 1989, foi registada, na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a constituição da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, com o número de identificação de pessoa colectiva 5... (provado por documento a fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
b) Na conservatória do Registo Comercial de Amadora, pela apresentação 19 do mesmo dia 7 de Julho de 1989, foi ainda inscrito na matrícula da “F... – Importação e Exportação, Lda.” que esta sociedade tinha dois sócios – a Oponente, M..., e F..., casados –, que os referidos sócios foram designados gerentes e que a sociedade se obrigava pela assinatura de um gerente (provado por documento a fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
c) Entre o dia 6 de Julho de 1989 e o dia 20 de Outubro de 2008, a sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” teve o seu domicílio fiscal na Rua A..., em Lourel, Sintra (provado pelo documento a fls. 6 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
d) No dia 23 de Janeiro de 2007, o serviço de finanças de Sintra 1 instaurou contra a sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1562.2007/0..., para cobrança de dívida de IVA relativa a 2004, no valor de € 1.496,40 (provado por documento a fls. 1 a 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
e) No dia 30 de Janeiro de 2007, a Oponente assinou um documento denominado de “auto de diligências”, no âmbito do processo n.º 1562.2004/01... e apensos, na qualidade de gerente da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, na qual declara que, no período a que a dívida respeita, aquela e F... exerceram a gerência da referida sociedade (provado por documento a fls. 57 e 58 do processo de execução fiscal);
f) No dia 20 de Outubro de 2008, foi registada, na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a dissolução administrativa e encerramento da liquidação da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (provado por documento a fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
g) No dia 31 de Março de 2010, foi elaborado termo de apensação ao processo de execução fiscal n.º 156220070... dos processos n.os 1562200701..., 1562200801..., 156220081... e 1562200901..., resultando numa dívida em cobrança no valor total de € 7.501,11 (provado por documento a fls. 3 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
h) Até a data em que os serviços da AT consultaram a certidão permanente da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (isto é, em 31 de Março de 2010), inexistiram quaisquer alterações aos detentores do capital social ou aos órgãos sociais identificados na alínea b) (provado por documento a fls. 4 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
i) No dia 1 de Abril de 2010, o serviço de finanças de Sintra 1 elaborou, no processo de execução fiscal n.º 15662.2007/0... e apensos, informação, na qual se pode ler:
“Cumpre-me informar que, em face das diligências processuais que antecedem, não são conhecidos bens penhoráveis à executada, conforme certidão de diligências, a qual consta no processo de execução fiscal n.º 1562200401... e apensos.
A executada encontra-se cessada desde 20.10.2008.
Mais informo que, de acordo com os elementos constantes da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial competente, a executada teve os seguintes órgãos sociais:
Gerente/Administrador
NIF
Data inicio
Data fim
M...
1...
1989
2008
F...
1...
1989
2008

Mais informo que o presente processo executivo corre termos, pelas importâncias a seguir discriminadas e relativas aos períodos que se seguem:

N.º Processo execução fiscal
Origem
Período a que respeita
Data limite de pagamento
Valor
156220070...
IVA
2004
2006-12-21
€ 1.496,40
1562200701...
IVA
2005
2007-05-03
€ 1.496,40
1562200801...
IVA
2006
2007-12-06
€ 1.496,40
1562200801...
IRC
2006
2008-07-09
€ 1.515,51
1562200901...
IVA
2007
2009-05-28
€ 1.496,40
Valor total de quantia exequenda
€ 7.501,11
(provado por documento a fls. 9 do processo de execução fiscal apenso aos autos)
j) No dia 1 de Abril de 2010, foi proferido despacho pela Chefe de Finanças Adjunta do serviço de finanças de Sintra 1, por delegação de competências, para audição prévia da Oponente antes da reversão do processo de execução fiscal n.º 1566.2007/0... e apensos, no qual se pode ler:
“Em face das diligências que antecedem, verifica-se a inexistência ou a insuficiência de bens penhoráveis à executada, “F… Importação e Exportação Lda.” (NIPC: 5...) com a última sede conhecida em Rua G..., 2710-568 Sintra.
Não havendo bens da devedora originária, ora executada que respondam pelo pagamento da divida, estão verificadas as condições previstas nos termos do n.º 2 do art.º 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução, dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento de constituição de responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução.
(…)
Assim, em face da informação que antecede [e identificada na alínea anterior] e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente apuramos que são (solidariamente) responsáveis pelo pagamento das seguintes importâncias por dívidas de IVA e IRC:
- F... (…);
- M... (…), a qual responde pelo pagamento de € 7.501,11, relativo ao seu período de gerência.
Face ao dispostos no n.º 4 do artº 23º e do artº 60º da Lei Geral Tributária (LGT), proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, devendo aquela ser exercida por escrito”.
( provado por documento a fls. 10 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
k) No dia 13 de Abril de 2010, a Oponente foi notificada do despacho identificado na alínea anterior (provado por documento a fls. 14 a 16 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
l) No dia 21 de Abril de 2010, a Oponente apresentou requerimento exercendo o direito de audição prévia, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “[a]té 1991 foram entregues as declarações do IVA assinadas a zero pela declarante e até 1993, uma vez que esta sociedade já não tinha actividade” (provado por documento a fls. 18 a 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
m) No dia 27 de Abril de 2010, o serviço de finanças de Sintra 1 elaborou, no processo de execução fiscal n.º 1566.2007/0... e apensos, informação, na qual, nomeadamente, se pode ler:
«(…)
Em 21 de Abril de 2010 deu entrada neste Serviço de Finanças um requerimento, o qual se junta aos presentes autos, na sequência do exercício do direito de audição prévia por parte da responsável subsidiária nos autos de execução fiscal supra identificados, M... (…), em que o seu mandatário expõe o seguinte:
1 – “A requerente nunca exerceu a gerência de facto referente à sociedade (…)”
2 –“…foi objecto de dissolução mediante procedimento administrativo(…)”.
3 – “Nunca a declarante geria a empresa, efectuou algum negócio, participou na liquidação de qualquer imposto, a não ser no preenchimento das declarações de IVA a zero.”
Face ao exposto, importa considerar o seguinte:
- Não foram indicados novos elementos na petição da requerente.
- Relativamente à testemunha indicada pelo ora requerente, cumpre informar que é por meio de oposição à execução que deve colocar em causa os pressupostos da responsabilidade subsidiária.
- O facto de a sociedade se encontrar dissolvida não afecta a exigibilidade das dívidas constituídas durante o período em que esteve em actividade.
- O simples preenchimento das declarações de IVA consubstancia o conceito de exercício de gerência, ou seja, a prática de actos em nome da sociedade.
Nestes termos, consideram-se solidariamente responsáveis, pelo pagamento das dívidas da executada:
- F... (…);
- M… (…), responde pelo pagamento de € 7.501,11.»
(provado por documento a fls. 30 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
n) No dia 27 de Abril de 2010, a Chefe de Finanças Adjunta do serviço de finanças de Sintra 1, proferiu, por delegação de competências, despacho de reversão, nomeadamente, contra a Oponente, com a seguinte fundamentação:
«Assim determino a alteração subjectiva da instância, convertendo-se em definitivo, nos termos do artigo 23º e 24 da LGT, artigo 8º do RGIT e artigos 153º e 159º do CPPT, a reversão das dívidas da executada “F… Importação e Exportação” (…), nas pessoas dos seus gerentes responsáveis, F... (…) e M… (…).
(…)»
(provado por documento a fls. 31 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
o) No dia 10 de Maio de 2010, a Oponente foi citada no processo de execução fiscal n.º 1562.2007/0... e apensos, para pagamento da quantia exequenda de € 7.501,11 de que era devedora a executada a sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, com os fundamentos seguintes:
“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º/n.º 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por
Ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº1/a) LGT].
não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº1/b) LGT].”
Conforme despacho proferido em 27/04/2010 nos presentes autos, do qual se junta cópia”
(provado por documento a fls. 32 a 40 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
p) No âmbito do processo de execução fiscal n.º 1562.2007/0... e apensos, foram revertidas contra a Oponente as seguintes dívidas:
N.º Processo
Origem
Período tributação
Data limite de pagamento voluntário
Valor
156220070...
IVA
2004
2006-12-21
€ 1.496,40
1562200701...
IVA
2005
2007-05-03
€ 1.496,40
1562200801...
IVA
2006
2007-12-06
€ 1.496,40
1562200801...
IRC
2006
2008-07-09
€ 1.485,72
Juros compensatórios
2006
2008-07-09
€ 29,79
1562200901...
IVA
2007
2009-05-28
€ 1.496,40
Total
€ 7.501,11
(provado por documento a fls. 34 a 39 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
q) Pelo menos, entre o dia 7 de Julho de 1989, data de constituição da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, e o dia 10 de maio de 2010, data em que a Oponente foi citada no processo de execução fiscal n.º 1562.2007/0... e apensos, a Oponente teve domicílio na Rua A..., em Lourel Sintra (provado por documento a fls. 4, 14, 15, 18, 20, 21, 32, 40 e 56 do processo de execução fiscal apenso aos autos);
r) No escritório da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” encontrava--se, em regra, uma funcionária e F... (provado por prova testemunhal);
s) Era F... quem fazia os contactos com os clientes da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (provado por prova testemunhal);
t) Era F... quem fazia as reuniões com o técnico oficial de contas da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (provados por prova testemunhal);
u) F... fazia, sozinho, viagens ao estrangeiro para fazer os negócios da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (provado por prova testemunhal);
v) F... pedia à Oponente para assinar os documentos da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” que necessitavam de duas assinaturas, a qual, por sua vez, os assinava (provado por prova testemunhal).”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.”.
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No que respeita à motivação da decisão de facto, consta da sentença o seguinte:
“A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos, do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, e prova testemunhal, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.
Foram ouvidas pelo Tribunal as testemunhas R..., filho da Oponente, M..., funcionária que tinha sido contratada pela “Sociedade de Construções G..., Lda.” e que dava apoio à sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” entre 1991 e 1994, e L..., técnico oficial de contas que prestou serviços para aquela sociedade até 1994 ou 1995.
Todos afirmaram que, até à data em que possuíam conhecimento dos assuntos relacionados com aquela sociedade, os destinos da sociedade eram dirigidos por F....
No entanto, as duas últimas testemunhas ouvidas só têm conhecimentos reportados a uma data anterior à ocorrência dos factos tributários que deram origem às dívidas revertidas contra a Oponente (isto é, anterior a 2004).
No que se refere aos factos provados referidos nas alíneas r), s), t), u) e w) dos factos provados, o Tribunal formou a sua convicção sobre a efectiva ocorrência de tais factos, atendendo ao depoimento da testemunha R..., que confirmou, de forma clara, congruente e isenta de contradições, essa factualidade, tendo demonstrado conhecimento directo dos factos sobre os quais prestou depoimento e convencendo o Tribunal da sua veracidade.”
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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se poder revelar útil à decisão, adita-se o seguinte facto:

x) A testemunha R..., filho da Oponente, à data dos factos, frequentava a escola e quando saía da mesma, ía ter com a mãe ao escritório, cfr. depoimento testemunhal de R....
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a oposição procedente, declarando extinto o processo de execução fiscal nº 156220070... e apensos, quanto à oponente.
Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«Está, assim, provada a gerência de direito da Oponente.
Vejamos, então.
Do probatório resulta que:
· quem normalmente se encontrava no escritório da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” era uma funcionária e F... (cfr. alínea r) dos factos provados).
· era F... quem fazia os contactos com os clientes da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (cfr. alínea s) dos factos provados);
· era F..., e não a Oponente, quem fazia as reuniões com o técnico oficial de contas da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (cfr. alínea t) dos factos provados);
· F... realizava, sozinho, viagens ao estrangeiro para fazer os negócios da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (cfr. alínea u) dos factos provados);
· F... pedia à Oponente para assinar os documentos da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” que necessitavam de duas assinaturas, a qual, por sua vez, os assinava (cfr. alínea w) dos factos provados).
Dos elementos reunidos não se pode inferir a gerência de facto da Oponente naquela sociedade, porquanto dos mesmos não resulta que aquela usasse, efectivamente, os poderes de representação ou de administração inerentes às funções de gerente, nem que realizasse negócios e exteriorizasse a vontade da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”.
A mera assinatura de documentos não demonstra que a Oponente efectivamente actuava como gerente daquela sociedade, quando resulta provado que o fazia a pedido do seu cônjuge, F.... Acresce que, não foi feita qualquer prova sobre o tipo de documentos que eram assinados pela Oponente, nem para que é que os mesmos seriam utilizados.
(…)
Nas alegações escritas, a Fazenda Pública faz ainda referência a um auto de diligências de cumprimento de mandado de penhora, nomeadamente à resposta da Oponente que exerceu a gerência da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”.
(…)
No que se refere ao preenchimento de declarações de IVA pela Oponente, resulta apenas provado nos presentes autos que, o âmbito do procedimento de reversão, a mesma declarou que havia assinado essas declarações, mas reportadas a um período entre 1989 a 1991, ou seja, a um período muito anterior àquele a que se reporta as dívidas revertidas e em discussão nos presentes autos (cfr. alínea l) dos factos provados). Por conseguinte, também este argumento é irrelevante para inferir um eventual exercício de facto da gerência pela Oponente no período a que se reportam as dívidas revertidas e em discussão nos presentes autos.
(…)
Por último, a assinatura pela Oponente de um documento denominado de “auto de diligências”. Constata o Tribunal que a mesma diz respeito ao processo de execução fiscal n.º 1562200401... e apensos, desconhecendo-se, por isso, a que período respeita a dívida em causa naqueles autos de execução fiscal (cfr. alínea e) dos factos provados). Mais, a Oponente, naquele documento, não declara que efectivamente exercia as funções de gerente na sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, mas tão-só que era gerente daquela sociedade, o que, de acordo com o registo comercial, se verifica que é verdade. A assinatura isolada deste documento também não é suficiente para demonstrar a gerência efectiva da Oponente naquela sociedade.
Conclui, por isso, o Tribunal que os elementos presentes nos autos não são suficientes para concluir que a Oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, nos períodos a que se referem as dívidas tributárias ora revertidas.»
Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando que a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontra violado o artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT em consequência, julgando extinto o processo executivo em relação à Recorrida, concluindo que, não assentando a reversão no preenchimento de um dos pressupostos essenciais para a sua efectivação, o exercício efectivo da administração da sociedade devedora originária por parte da oponente. Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não resta senão concluir, salvo o devido respeito, que a douta Sentença se estribou numa errónea apreciação da matéria de facto relevante para, a nosso ver, a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no artigo 24,º n.º 1, alínea b) da LGT. (conclusões de recurso XVIII. e XIX.)

Vejamos.
Impõe-se, agora, averiguar se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quando julgou procedente a oposição por entender que a Recorrida não é parte legítima para a execução.
Importa, pois, saber se a ora Recorrida, exercia as funções de gerência de facto na sociedade executada originária e, em consequência, foi feita a prova prevista no art. 24º nº 1 b) da LGT.
Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.
Comecemos então por verificar se dos autos resulta provado, antes de mais, que o Recorrente preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade subsidiária isto é, se a Fazenda Publica logrou provar que o Recorrente exerceu de facto as funções de gerente efectivo da sociedade executada, no período das dívidas exequendas.
Analisando, agora, a matéria de facto dada como assente, deve concluir-se que tal prova foi efectivamente realizada.
Senão vejamos.
Conforme motivação da decisão de facto da sentença recorrida, os factos provados referidos nas alíneas r), s), t) e w) atenderam ao depoimento da testemunha R..., o que levou à formação da convicção do Tribunal a quo.
Ora, a referida testemunha é filho da oponente, ora recorrida.
Ouvido o depoimento prestado pela referida testemunha o mesmo declarou que a empresa era do pai e da mãe, e que eram os dois gerentes.
Mais afirmou que à data dos factos, ainda frequentava a escola e que quando saía da mesma, ía ter com a mãe ao escritório, cfr. alínea x) do probatório.
Ora, a ser assim, terá de se concluir que a sua mãe e aqui oponente, se deslocava ao escritório frequentemente.
Mas mais, perante estes factos, (a testemunha ir ter com a mãe ao escritório, depois da escola) supõe-se que, à data, a testemunha seria uma criança ou talvez um pouco mais velho, pelo que se torna de difícil compreensão que o mesmo tivesse um conhecimento tão profundo da gestão da sociedade, nomeadamente que:
- era F... quem fazia os contactos com os clientes da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (cfr. alínea s) dos factos provados);
- era F..., e não a Oponente, quem fazia as reuniões com o técnico oficial de contas da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.” (cfr. alínea t) dos factos provados).
O que torna o seu depoimento pouco credível.

Prosseguindo.
Conforme alínea b) do probatório, os sócios e gerentes da sociedade devedora originária eram a oponente e o seu marido F..., sendo que a sociedade se obrigava pela assinatura de um gerente.
Ora, assim sendo, torna-se de difícil compreensão o facto constante da alínea v) do probatório, de que a oponente assinava os documentos que o marido lhe pedia para assinar, porque eram necessárias duas assinaturas.
Deste modo, discorda-se com o que se escreveu na sentença recorrida sobre a assinatura de documentos:
«A mera assinatura de documentos não demonstra que a Oponente efectivamente actuava como gerente daquela sociedade, quando resulta provado que o fazia a pedido do seu cônjuge, F....»

Conforme alínea e) do probatório, no dia 30 de Janeiro de 2007, a Oponente assinou um documento denominado de “auto de diligências”, no âmbito do processo n.º 1562.2004/01... e apensos, na qualidade de gerente da sociedade “F... – Importação e Exportação, Lda.”, na qual declara que, no período a que a dívida respeita, aquela e F... exerceram a gerência da referida sociedade (provado por documento a fls. 57 e 58 do processo de execução fiscal).
Não concordamos com o entendimento da sentença recorrida que desvalorizou o referido documento, tanto mais que tal documento foi assinado em 30/01/2007, e certamente que a oponente não se queria referir à gerência de direito, mas sim à gerência de facto, pois sobre essa gerência nominal não existem quaisquer dúvidas, bastando para isso consultar a certidão do registo comercial.

Por último, não se pode deixar de referir o afirmado pela testemunha M... que foi funcionária da sociedade devedora originária, mas cujo depoimento foi desvalorizado (e bem) por ter saído da empresa em data anterior a 2004, mas que no seu depoimento afirmou que foi a oponente, ora recorrida, quem a contratou quando ela foi trabalhar para a sociedade.

Assim sendo, resultando provado – ao contrário, do decidido na sentença recorrida - que a Recorrida representou a SDO em diferentes momentos na qualidade de gerente, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de bastar uma assinatura de um gerente para vincular a sociedade, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.

Nestes termos, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do oponente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo, contrariamente ao entendido pela decisão recorrida.

Aqui chegados, atento o acabado de mencionar e, exercendo a Recorrida funções de gerência nas datas em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas exequendas revertidas, o regime no qual se poderia fundar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais é o previsto no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., o qual faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto. Concluindo que a sociedade não teria possibilidade de cumprir as suas obrigações tributárias, deveria a Recorrida ter tomado medidas no sentido de obviar a esta situação. Esta forma de actuação era imposta pelo citado critério do bom pai de família, do gerente competente e criterioso.
Não pode, pois, considerar-se que a Recorrida tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.

Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e consequentemente, revogar a sentença recorrida, e julgar a oposição improcedente.

Custas pela Recorrida, sem prejuízo da isenção da taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]