Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13172/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/30/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:NACIONALIDADE, DISTRIBUIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – A Conservatória, além de respeitar o Código do Procedimento Administrativo, deve indeferir liminarmente o requerimento para aquisição de nacionalidade portuguesa, por efeito do casamento há mais de 3 anos com cidadão português (nascido ou naturalizado), no caso de o cidadão estrangeiro não invocar os factos por que afirma, ante a Administração Pública portuguesa, que tem uma ligação qualificável como “efetiva” à nação e sociedade portuguesas; é o que resulta do disposto nos decisivos artigos 32º, nº 3, al. a), 35º, nº 1, al. b) («as declarações para fins de aquisição da nacionalidade portuguesa devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»), 41º, nº 1, al. b), 57º, nº 1, e 61º, nº 2, do Decreto-Lei nº 237-A/2006;

II – A jurisprudência dominante neste Tribunal Central Administrativo Sul tem entendido o seguinte: A) Nenhuma das partes desta ação proposta ao abrigo dos artigos 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006, designadamente o autor, é titular de qualquer direito potestativo em relação à outra (isto é, de um poder de alterar unilateralmente, através de uma sua manifestação de vontade, a ordem jurídica preexistente, poder a que corresponde uma sujeição da outra parte, isto é, sem a cooperação desta: cfr. assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5ª ed., pág. 48, nota 1, no nº II do ponto 8; e Mota Pinto, T.G.D.C., 4ª ed., nº 42-V, págs. 183-184); B) Com efeito, a única posição jurídica substantiva ativa discutida neste processo é uma expetativa jurídica: aquela que foi invocada previamente pelo réu, com família ou sem família em Portugal, e com base nos factos de base que devem ser alegados em obediência ao esclarecedor artigo 35º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 237-A/2006 e às regras de prova de factos alheios à Administração que constam dos artigos 115º ss do Código do Procedimento Administrativo; C) Ação declarativa constitutiva é aquela em que o autor (aqui, o M.P.) pretende a autorização judicial para uma mudança na ordem jurídica existente (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 10º do Código de Processo Civil); D) Ação de simples apreciação é aquela em que o autor (aqui, o M.P.) pretende obter unicamente a de­claração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (cfr. alínea a) do nº 1 cit.); E) A presente ação não é uma ação constitutiva, mas sim uma ação de simples apreciação negativa, como se dispõe na al. a) do nº 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil; F) Nem a Lei da Nacionalidade (em 1981 ou em 2006), nem o importante Decreto-Lei nº 237-A/2006, contêm qualquer norma sobre a distribuição do ónus da prova dos factos essenciais à procedência ou à improcedência das respetivas ações; G) O regime jurídico imperativo da distribuição do ónus da prova (uma regra de julgamento da causa, num contexto em que avultam os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil)) consta dos artigos 341º ss do Código Civil de 1966, nomeadamente nos artigos 342º e 343º, que seguem a teoria das normas de Leo Rosenberg; e, aí, sempre sem prejuízo dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva (cfr. os artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da CRP), tudo de forma a se evitar a “prova diabólica” ou a predeterminação sistemática da parte que sairá vencedora de um processo jurisdicional;

III – Mas e para efeitos do instituto de direito substantivo previsto nos artigos 341º ss do Código Civil relativamente ao presente tipo de ação de oposição, o Supremo Tribunal Administrativo fixou em 16-6-2016 a seguinte jurisprudência obrigatória para os tribunais administrativos: «na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos artigos 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional»;

IV – Por isso, numa ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, proposta ao abrigo do disposto nos artigos 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, e dos artigos 56ºa 60º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, deve-se julgar improcedente a ação, autorizando assim a aquisição da nacionalidade portuguesa pedida pela ré, se se provar nos autos apenas a seguinte factualidade: a ré cidadã estrangeira casou com um português em 2009, em Portugal; o SEF e o M.P. suspeitam que o casamento é hoje “de fachada”, pelo facto de o marido ter, entretanto, um filho de outra mulher; o marido e o seu filho parece que vivem no Brasil em 2013; o pedido para aquisição da nacionalidade portuguesa foi feito em 2012;

V – Com efeito, de acordo com o cit. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, aos interesses objetivos e públicos representados pelo M.P. não basta que existam suspeitas (fundadas ou não) por parte do M.P., do SEF ou do tribunal, de que a cidadã estrangeira, interessada em ser portuguesa, não tem uma ligação efetiva à nação portuguesa; a ação necessita de adquirir (cfr. artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil), com ou sem a cooperação do réu interessado, factos concretos que permitam concluir que o réu cidadão estrangeiro não tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

Ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra

· MARIA ……………………………………., casada, de nacionalidade brasileira.

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Discutida a causa, o referido tribunal decidiu julgar a ação procedente, tendo por base a factualidade apurada e a conclusão de haver um casamento “de fachada”.

*

Inconformada, a ré recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. Segundo se consegue apurar da Douta Sentença, a Meritíssima Juiz a quo julga a ação de oposição à aquisição da nacionalidade procedente por duas ordens de razões: “A não verificação do requisito legal – existência de um núcleo familiar efetivo”; “Nenhuma prova inequívoca, consistente e inabalável foi feita acerca da sua inserção na comunidade portuguesa, incluindo a radicada na Suíça” - ou seja, no entender do Douto Tribunal a quo não ficou provada a efetiva ligação da Recorrente à comunidade portuguesa”.

2. Para a primeira das situações, a convicção do Tribunal baseia-se no registo de nascimento do menor Gabriel, onde consta que os pais do mesmo – o cônjuge da Ré e a mãe do menor (Credeir ………………….) – viviam na morada indicada na Conservatória do Registo Civil (Alto da Relvinha) aquando da declaração de nascimento do Gabriel.

3. Ou seja, parece querer inferir que os mesmos viviam em união de facto naquela morada.

4. Tal conclusão é completamente falsa e, no entender da ora recorrente, bastante forçada, não podendo, ao contrário do referido pelo Douto Tribunal a quo, derivar das regras da experiência comum.

5. De facto, os factos dados como provados que decorrem dos documentos registais, provam apenas o que nos registos se contém, não podendo de o mesmo extrair-se nenhuma outra conclusão, para além da que o próprio registo permite – isto é, o nascimento do menor, em determinada data, tendo o mesmo sido registado como filho de Cláudio ………………… e de Credeir ……………………….

6. Do mesmo não se pode concluir, como o faz a Meritíssima Juiz a quo, que, quando falamos do casamento da Ré e de Cláudio …………. estamos perante uma “manobra de disfarce”, apenas porque da certidão do registo de nacimento de Gabriel consta como residência habitual comum do cônjuge da Ré, com a mãe do filho, o ………………., Coimbra.

7. A ora recorrente desconhece por que é que foi indicada esta morada aquando do Registo, como sendo a residência habitual comum da mãe do menor, porque efetivamente, aquela Sra. Credeir ……………… nunca residiu no ……………………..

8. Contudo, pode avançar várias explicações: a mãe do menor poderia não dispor de uma morada fixa e, como tal, indicou uma morada (mais certa) apenas para efeitos de eventuais notificações.

9. Outra explicação bastante razoável e comum, como por certo o Douto Tribunal a quo terá consciência, é a possibilidade de ter ocorrido um erro no registo.

10. A Ré não esconde (e nunca escondeu durante o julgamento) que o seu casamento com Cláudio Monteiro passou por algum período de desentendimento, motivado designadamente, pela relação extraconjugal daquele.

11. Contudo, esta relação extraconjugal foi apenas pontual, não tendo o mesmo mantido uma relação amorosa com a mãe do seu filho.

12. A Ré perdoou o seu marido, tendo-se os mesmos se reconciliado, e estando de momento a refazer a sua vida em conjunto em Portugal.

13. A maior prova disso mesmo foi o facto de o cônjuge da Ré, Cláudio …………….., ter desistido do processo de divórcio que se encontrava a decorrer no Tribunal de Família e Menores de Coimbra.

14. Pelo exposto, facilmente se conclui que não assiste razão ao Douto Tribunal a quo quando refere que não se verifica o requisito legal – existência de um núcleo familiar efetivo.

15. Quanto à segunda das razões invocadas, também facilmente se conclui que carece o Douto Tribunal a quo de razão, como se demonstrará infra.

16. A recorrente considera que foram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada: “7. Depois emigrou para a Suíça, onde ainda hoje reside; 8. Vem esporadicamente a Portugal”.

17. Quanto ao ponto 7. da matéria de facto dada como provada, a Recorrente não percebe como chegou o Douto Tribunal a quo a tal conclusão.

18. Efetivamente, não é verdade que a Recorrente ainda hoje resida na Suíça.

19. Isso mesmo resulta não só da documentação junta aos autos – veja-se o atestado de residência emitido pela União de Freguesias de ………… e São …………… junto aos autos, datado de 6 de novembro de 2013 – como ainda dos depoimentos das testemunhas Cláudio ……………, que referiu que desde outubro de 2013 que reside em Portugal com a esposa, e de Albertina ……………, sogra da ora recorrente, na medida em que esta refere que atualmente o seu filho e a ora recorrente atualmente residem consigo.

20. Pelo exposto, também não corresponde à verdade o constante do ponto 8 da matéria de facto dada como assente, nos termos da qual a Recorrente “Vem esporadicamente a Portugal”.

21. Efetivamente, se a mesma reside em Portugal desde outubro de 2013, não tem sentido a afirmação, segundo a qual a Recorrente “Vem esporadicamente a Portugal”.

22. Por outro lado, do depoimento da testemunha Cláudio …………………. resulta ainda claro, que mesmo quando residiam na Suíça, não vinham apenas esporadicamente a Portugal.

23. Por outro lado, a Meritíssima Juiz a quo, com o devido respeito que é sempre muitíssimo, só considerou como assentes factos que considerava importantes para a decisão de procedência da Ação de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa, intentada pelo Ministério Público.

24. Contudo, há outros factos que deveriam ter sido dado como assentes, por provados, apesar de imporem, se assim fosse, decisão diversa da Recorrida.

25. Deveria ter sido considerado provado que a Ré domina a língua portuguesa, quer no âmbito oral, quer escrito.

26. Devia, ainda, ter sido considerado facto assente, porque relevante, para a decisão do Douto Tribunal a quo o seguinte: A Ré participa na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, tendo, durante o período que residiu na Suíça, frequentado as Casas Portuguesas, juntamente com o seu marido.

27. Este facto tem que se considerar provado por força do depoimento da testemunha Cláudio Monteiro, que referiu isso mesmo.

28. Por outro lado, deveria ainda ter sido considerado assente que a Recorrente se encontra com a sua situação regularizada do ponto de vista contributivo-financeiro, encontrando-se inscrita na Segurança Social Portuguesa, como trabalhadora independente.

29. De facto, consta da Certidão dos Registos Centrais de Lisboa, junta aos autos com a Petição Inicial, concretamente do doc. 68 da mesma, que a ora recorrente se encontra inscrita na Segurança Social Portuguesa, como trabalhadora independente.

30. O facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar-, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.

31. A aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.

32. No entanto, é ainda necessário “que ocorra uma condição negativa: que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente”. – Cfr. Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/05/2011, proc. nº 04881/09.

33. Estipula o art. 9º, da Lei da Nacionalidade (cfr. em sentido idêntico o art. 56º nº 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006), que: "Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”.

34. A "ligação efetiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objetivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.

35. No caso vertente verifica-se que a Ré está casada com cidadão português há quase 4 anos, o que repudia a ideia de que se esteja perante um casamento de ocasião, simples meio de aquisição da nacionalidade portuguesa.

36. A Ré, para além de falar a língua portuguesa (que, coincidentemente, é também língua oficial do seu país de origem), reside desde, pelo menos, abril de 2009, em Portugal, onde se encontra inserida do ponto de vista económico e social, com situação regularizada do ponto de vista contributivo- financeiro (relembre-se que a ora recorrente se encontra inscrita na Segurança Social como trabalhadora independente).

37. É certo que o período de tempo em referência poderá ainda ser pequeno e ser até discutível que se possa afirmar que a Ré possui já uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa.

38. Porém, também não se pode afirmar que essa ligação inexiste, já que não se apurou se aquela desconhece os usos, costumes e tradições da comunidade portuguesa, se conhece a História de Portugal e se "interiorizou" o sistema de valores e cultura da comunidade portuguesa.

39. Ora, face à atual Lei da Nacionalidade, é sobre o Ministério Público que recai o ónus da prova da "inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional” - cfr. Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/05/2011, proc. nº 04881/09.

40. O instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adoção quando existisse o risco de introdução na comunidade portuguesa de "elementos em relação a quem houvesse fundadas razões para que o Estado não lhes quisesse reconhecer a condição nacional portuguesa".

41. A nova redação da Lei da Nacionalidade, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 2/2006, de 17/4, ao inverter o ónus da prova, retornando assim à solução original da Lei nº 37/81, restringe o alcance do mecanismo da oposição à aquisição da nacionalidade, limitando claramente as faculdades preclusivas (da aquisição da nacionalidade portuguesa) que ele comportava.

42. Retomou, assim, o legislador de 2006, a configuração da ausência de ligação efetiva do interessado à comunidade nacional como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade, com prova a cargo de quem deduzisse oposição àquela.

43. Esta interpretação da lei quanto ao ónus da prova é confirmada pela exposição de motivos da Proposta de Lei nº 32/X (a qual esteve na origem da aprovação da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4).

44. “Assim, na presente proposta de lei asseguram-se os seguintes objetivos: (...)e) Alteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artº 9º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei nº 37/81. de 3 de outubro”.

45. Recaindo, face à atual Lei da Nacionalidade, sobre o Ministério Público o ónus da prova da "inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional" e não tendo este logrado provar este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade (al. a) do art. 9º) como lhe incumbia, terá que improceder a presente oposição.

46. De facto, os factos provados (e os que deveriam constar como provados), da forma elencada supra, no respeitante à MATÉRIA DE FACTO, não são, de modo e nenhum, indiciários de uma falta de ligação à comunidade nacional.

47. A ligação efetiva à comunidade nacional pressupõe a existência de uma ligação cultural, sociológica e familiar à comunidade portuguesa que se revela por um conjunto de circunstâncias, como sejam o domicílio, a língua portuguesa falada em família ou entre amigos, a nacionalidade portuguesa dos filhos, as relações sociais, humanas, de integração cultural, a participação na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio e o interesse pelos costumes, tradições ou história do país (cfr. Ac. do STJ de 6/7/2006 Rec. nº. 06B1740 e Acs. do TCAS de 2/10/2008 Rec. nº. 04125/08 e de 10/2/2011 Rec. nº. 6812/10).

48. Por isso, a prova de alguns desses índices da ligação efetiva é suficiente para conduzir à improcedência da ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

49. A ora recorrente logrou provar, como supra se referiu a residência em território português, apenas se tendo ausentado para a Suíça, juntamente com o seu marido, durante algum tempo, para trabalhar, por dificuldades financeiras.

50. Provou ainda que fala fluentemente a língua portuguesa, e as relações de amizade e profissionais com portugueses.

51. Mais provou que, participa na vida comunitária portuguesa, designadamente em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, tendo, durante o período que residiu na Suíça, frequentado as Casas Portuguesas, juntamente com o seu marido.

52. Por último, e não menos importante, a Recorrente encontra-se com a sua situação regularizada do ponto de vista contributivo-financeiro, encontrando-se inscrita na Segurança Social Portuguesa, como trabalhadora independente.

53. Ou seja, há dados objetivos, que nos permitem demonstrar a existência de uma ligação efetiva à comunidade portuguesa por parte da ora recorrente, que resulta da produção de prova em sede de audiência de julgamento.

54. Contudo, e mesmo que não o tivesse conseguido, o ónus da prova da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional recai sobre o M.P.

55. Não se pode, no caso sub judice, considerar demonstrado esse fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, e, portanto, deve a ação improceder.

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O autor contra-alegou:

1. Quanto ao fundo da questão e mérito da causa, há que referi r que um dos requisitos para que possa ser concedida a nacional idade p011uguesa é a prova da ligação efetiva à comunidade nacional (arts. 9°, al. a) da Lei nº 37/81, de 0311 O, e 22º, nº 1, al. a) do DL nº 322/82, de 12/8);

2. Incumbia e incumbe atualmente ao requerente da aquisição da nacionalidade o ónus da prova da l ligação efetiva à comunidade nacional (art. 22°, nº 1, al. a) do DL nº 322/ 82 de 12.08 e alterado pelo art. 56º, nº 2 do do DL nº 237-A/2006 de 14.1 2).

3. Tratando-se a ação de oposição á aquisição de nacionalidade, de ação de simples apreciação negativa, de acordo com o disposto no art. 343º, nº 1, do C.C. "compete ao requerido a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga".

4. A recorrente não fez prova de tal ligação à comunidade portuguesa, conforme resulta da matéria de facto dada como assente e que se fundamenta na documentação junta aos autos.

5. A Requerida/Recorrente, apenas demonstrou que teve residência permanente na Suíça, tendo estabelecido naquele País a sua vida pessoal e profissional.

6. Sendo que o único fundamento apresentado é ser casada com cidadão português.

7. Sendo tal realidade manifestamente insuficiente para integrar o conceito de ligação efetiva à comunidade portuguesa.

8. Assim, bem decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade da recorrente e ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo respetivo, pelo que deve ser confirmada.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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QUESTÃO A RESOLVER

Os recursos, seja para o TCA, seja para o STA, devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos. Têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido, ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

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II. FUNDAMENTOS

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o Tribunal Administrativo de Círculo

1. A Ré nasceu em 13.2.1968, em………….., Estado de Pernambuco, Brasil.

2. Filha de Othon ……………….. e de Antónia …………….., ambos de nacionalidade brasileira.

3. Tem nacionalidade brasileira.

4. Em 22.7. 2009, contraiu casamento com Cláudio ……………………….., de nacionalidade portuguesa, em Coimbra, em Portugal.

5. O cônjuge é cidadão português, natural de Coimbra.

6. Nos primeiros meses de casada, a Ré residiu em Portugal com o marido, em casa da sogra sita no …………………….

7. Depois emigrou para a Suíça, onde ainda hoje reside.

8. Vem esporadicamente a Portugal.

9. No ano de 2012, o cônjuge da Ré interpôs ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra a ora Ré, que correu termos no 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, sob o n° 357/12.

10. Em 27.7.2012, em Coimbra, nasceu Gabriel …………………, filho do cônjuge da Ré e de Credeir ………………………...

11. Nas certidões de nascimento do filho do cônjuge da Ré consta como sua residência habitual em comum com a mãe do filho - o …………………, Coimbra.

12. Em 28.11.2012, a Ré prestou declarações na Conservatória do Registo Civil de Coimbra para aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento no casamento contraído com cidadão português.

13. Em 29.5.2013, o SEF prestou informação a desaconselhar a concessão de nacionalidade portuguesa à Ré, face às suas averiguações indiciarem inexistir vida em comum do casal, tudo nos termos melhor descritos a fls 45 a 49 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.

14. Pelo menos desde meados de 2013, o cônjuge da Ré foi viver para o Brasil.

15. O filho e a mãe do filho do cônjuge da Ré também regressaram ao Brasil, onde vivem em Belo Horizonte.

16. Por sentença proferida em 9.9.2013 foi extinta a instância no processo de divórcio suprarreferido por desistência do cônjuge da Ré.

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Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e apreciarmos o seu mérito de modo sindicável, com base em argumentos jurídicos explícitos e racionais, que respeitem o Direito e a Constituição, designadamente os direitos individuais ou de liberdade, o princípio fundamental da legalidade de todas as atividades de administração pública e, ainda, os corolários jurídicos do ideal de justiça.

II.2.1.

A sentença recorrida considerou que a factualidade apurada (ao abrigo dos artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil) não permite concluir pela existência do seguinte (que o Tribunal Administrativo de Círculo reputou de essencial):

-Um núcleo familiar efetivo da ora ré (apesar de a lei não o exigir, além do casamento com um cidadão português), num contexto em que (i) o marido da ora ré/recorrente teve um filho fora do casamento, (ii) nunca residiram juntos e (iii) estão hoje separados de facto;

-Uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa (como vem sendo jurisprudência maioritária deste Tribunal Central Administrativo Sul, com base na consideração de que as partes não fazem valer aqui qualquer direito potestativo e com base naquilo que é imposto pelos artigos 10º/3/a) do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil, independentemente da vontade subjetiva preambular do legislador ordinário ou da opinião de alguma doutrina).

II.2.2.

A recorrente invoca o seguinte, como questões a resolver aqui:

1ª – o Tribunal Administrativo de Círculo errou quanto aos cits. factos nº 7 (a ré reside na Suíça) e nº 8 (a ré vem esporadicamente a Portugal), pois que o atestado de residência datado de 6-11-2013 (e os depoimentos testemunhais) provam que a ré e seu marido vivem em Portugal (E……….. e S. …………..);

2ª – o Tribunal Administrativo de Círculo também errou ao não dar como factos provados o seguinte: a ré fala português; a ré participa na vida comunitária portuguesa, tal como o fez enquanto viveu na Suíça (conclusão que não resulta de nenhum facto alegado e provado); a ré está inscrita na Segurança Social portuguesa, como trabalhadora independente (conclusão que não resulta de nenhum facto alegado e provado);

3ª – o Tribunal Administrativo de Círculo errou ao concluir haver no casamento atual da ré uma manobra de disfarce, pois o que conta são os registos oficiais e o facto de o casal se ter reconciliado após uma relação extraconjugal do marido da qual resultou um filho de outra mulher;

4ª – o Tribunal Administrativo de Círculo errou quanto ao ónus da prova.

Vejamos.

II.2.3.

QUANTO ÀS TRÊS PRIMEIRAS QUESTÕES A RESOLVER:

a)

Não há dúvidas, ante o atestado de 6-11-2013 e os depoimentos testemunhais prestados ao tribunal, que o Tribunal Administrativo de Círculo errou quanto aos factos nº 7 e 8.

Com efeito, ficou provado que:

-A ré reside em Portugal (como alegado na contestação; na casa da sogra; não existindo fundamento bastante para duvidar do atestado de 6-11-2013 da Junta de Freguesia e dos depoimentos claros das testemunhas, bem reproduzidos na alegação de recurso).

Logo, é facto não provado que a ré vem esporadicamente a Portugal, da Suíça.

Compreende-se a enorme dificuldade da prova a cargo do M.P., mas não bastam sinais ou suspeitas vagas, com base no facto de o marido da ré ter tido, entretanto, um filho de uma relação extraconjugal e de se ter deslocado para ou ao Brasil.

Portanto, altera-se o facto nº 7 para: “A ré reside em Portugal”.

E elimina-se o facto nº 8.

Procede, assim, este ponto do recurso.

b)

O facto de esta ré falar português é irrelevante, porque é cidadã brasileira.

Quanto ao facto “a ré participa na vida comunitária portuguesa, tal como o fez enquanto viveu na Suíça”, trata-se de uma conclusão (não um facto) que não resulta de nenhum facto essencial alegado nos articulados.

O mesmo se considera quanto a “a ré está inscrita na Segurança Social portuguesa, como trabalhadora independente”.

Improcede, assim, este ponto do recurso.

c)

O Tribunal Administrativo de Círculo errou ao concluir haver no casamento atual da ré uma manobra de disfarce, pois o que conta são os registos oficiais e o facto de o casal se ter reconciliado após uma relação extraconjugal do marido da qual resultou um filho de outra mulher?

Na verdade, trata-se de uma motivação da fundamentação da convicção sobre os factos provados.

Ora, como já se referiu, com base nos documentos oficiais apresentados (atestado de residência) e nos depoimentos testemunhais ante o Tribunal Administrativo de Círculo, tais juízos do Tribunal Administrativo de Círculo são meras especulações, base de alguma suspeita; mas insuficientes para o Tribunal Administrativo de Círculo concluir que a ré não vive em Portugal e que o seu marido vive no Brasil, sem haver entre os dois qualquer relação conjugal real.

Procede, assim, este ponto do recurso (relativo à motivação da convicção do Tribunal Administrativo de Círculo sobre os factos).

II.2.4.

QUANTO À 4ª E PRINCIPAL QUESTÃO A RESOLVER:

Este Tribunal de 2ª instância tem maioritariamente entendido, sobre o tema central dos presentes autos, o seguinte:

A.

A.1. Da inexistência de qualquer direito potestativo no património jurídico de uma das partes

Dispõe o artigo 9º da Lei da Nacionalidade:

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; (é um fundamento de direito)

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; (é um fundamento de facto)

c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro. (é um fundamento de facto)

O processo de oposição está regulado nos artigos 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006 (1) e também no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, normativos que aqui temos por conhecidos dos sujeitos processuais.

Trata-se de uma oposição (jurisdicionalizada) ao prosseguimento de um procedimento administrativo iniciado para obtenção da nacionalidade portuguesa.

Ora, ação declarativa constitutiva é aquela em que o autor pretende a autorização judicial para uma mudança na ordem jurídica existente (assim: alínea c) do nº 1 do artigo 10º do Código de Processo Civil).

A atividade jurisdicional é, ali, «constitutiva necessária» (assim: J.P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., págs. 142 e 382).

O M.P. (autor) não está a exercer nesta ação, porque não o tem, qualquer direito potestativo.

É que, como se sabe, direito potestativo é o poder de alterar unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica, a que corresponde uma sujeição da outra parte (2); tem por efeito imediato constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica preexistente, sem a cooperação da pessoa jurídica sujeita ao poder da outra pessoa (assim: ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, I, 5ª ed., pág. 48, nota 1, no nº II do ponto 8; Mota Pinto, T.G.D.C., 4ª ed., nº 42-V, págs. 183-184).

E uma ação declarativa só é constitutiva se houver «uma relação potestativa» entre autor e réu (assim: CASTRO MENDES, D.P.C., 1980, 1º, pág. 285), isto é, se o autor, com a sua conduta, «pretender obter a produção ex novo de um efeito jurídico material» (assim: A. ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., 1981, 1º, pág. 107), situação jurídica ativa do autor a que o réu está juridicamente sujeito.

Nada disso aqui ocorre.

O aqui autor quer, sim, impedir a constituição de uma mudança na ordem jurídica existente, mudança que foi solicitada junto da Administração por um cidadão estrangeiro e que a Administração não aceitou, no âmbito do ius imperii típico desta área do Direito.

O aqui autor, M.P., agindo em obediência aos artigos 9º/a) e 10º da Lei da Nacionalidade, não pretende qualquer efeito jurídico novo, constituindo entre o Estado e o réu uma nova relação jurídica, ou alterando ou extinguindo uma relação jurídica preexistente (assim: A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., pág. 21).

Por seu ado, o aqui réu não estabeleceu, pelo menos ainda, qualquer relação jurídica substantiva com o Estado português. Requereu-o ao abrigo do Decreto-Lei nº 237-A/2006, mas não teve sucesso. Este sucesso (do réu) depende, por isso, da presente ação de oposição.

A posição jurídica substantiva (não a processual) do cidadão estrangeiro (réu) é, em rigor, do tipo subjetivo pretensivo imperfeito, já que ela necessita de uma atuação administrativa (cfr. PAULO OTERO, Manual…, I, págs. 240 e 243-244), devendo ser vista como uma simples expetativa jurídica (3).

E nunca como um direito potestativo, o que, aliás, seria ilógico numa área delicada e importante para os Estados, em que avulta o ius imperii.

Pelo que, repete-se, esta ação declarativa não é constitutiva. Só o seria se o registo da nacionalidade, pedido pelo cidadão estrangeiro réu, tivesse sido já lavrado, em consequência necessária imediata da vontade do estrangeiro. Neste caso, haveria um direito potestativo, não do autor, mas do réu estrangeiro.

Em resultado do exposto, vê-se que o M.P. está simplesmente, nos termos previstos nos artigos 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006, a cumprir a imposição legal prevista nos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade, num contexto em que ainda não há qualquer efeito jurídico favorável ao cidadão estrangeiro: o M.P. deve ir a juízo nesta concreta situação litigiosa jurídico-pública, porque não se adquiriram no processo administrativo, ao abrigo dos artigos 115º ss do Código do Procedimento Administrativo e do Regulamento da Nacionalidade (decreto-lei), factos fundamentadores do único direito em discussão e invocado pelo réu junto da Administração Pública portuguesa.

O M.P. pretende, assim, que o tribunal declare que o cidadão estrangeiro não tem o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa, pois que não está satisfeito o requisito jurídico da “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”; esta não satisfação deste requisito jurídico resulta da ausência de factos concretos fundamentadores da ligação a qualificar como efetiva.

Também é evidente que não há aqui uma ação declarativa de condenação (artigo 10º/3-b) do Código de Processo Civil).

Portanto, esta ação é de simples apreciação (negativa).

Sobre o que é um “direito potestativo” (Gestaltungsrecht ou Kannrecht), cfr. ainda:

-MOTA PINTO, T.G.D.C., 3ª ed., págs. 174-175;

-ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, I, 5ª ed., pág. 48, nota 1, no nº II do ponto 8;

-CASTRO MENDES, D.C. – Teoria Geral, 1979, II, págs. 122 ss;

-J. BAPTISTA MACHADO, in RLJ, 117º, pág. 201 ss;

-MENEZES CORDEIRO, D. Reais, 1979, pág. 207.

A.2. Da expetativa jurídica do réu e do ius imperii de Portugal

Diferentemente, ação declarativa de simples apreciação é, diz-nos a lei, aquela em que o autor pretende obter unicamente a de­claração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

Em obediência ao art. 10º/3-a) do Código de Processo Civil, temos, pois, de afirmar o seguinte:

-A presente ação especial declarativa, que é imposta pela lei ao M.P. (portanto, em defesa do supremo interesse público e não da expetativa jurídica do particular estrangeiro) nos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade e 56º ss do Decreto-Lei nº 237-A/2006, é uma ação de simples apreciação (“declaratory judgement”), pois que o autor visa, inequivocamente, a declaração pelo juiz administrativo de que o direito invocado pelo réu junto da Administração Pública portuguesa não existe, pois não há factos fundamentadores ou constitutivos.

Nesta ação de simples apreciação negativa, o interesse em agir normalmente a ela associado (incerteza, muito comum ou provável nas relações jurídicas privadas), resulta imediatamente dos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade, que impõem que o M.P. atue em juízo quando constate que não existem, no procedimento administrativo iniciado pelo cidadão estrangeiro conforme o Decreto-Lei nº 237-A/2006 e o Código do Procedimento Administrativo, os factos constitutivos do direito por ele alardeado nos termos previstos na al. b) do nº 1 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 237-A/2006.

É isso o aqui decisivo.

E, na verdade, o que define uma ação de simples apreciação não é o “interesse em agir” respetivo (a tal incerteza, comum em relações jurídicas de direito privado, entre pessoas “iguais”, sem ius imperii), mas sim o seu fim, aquilo que está previsto de modo muito claro no artigo 10º/3-a) do Código de Processo Civil.

Com efeito, uma coisa é a espécie de ação declarativa (a que se referem os nº 2 e 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil), outra realidade bem distinta é, a jusante, o pressuposto processual inominado do interesse em agir. Este, na verdade, pode ser dispensado, ou talvez melhor, resultar de uma imposição legal em defesa da legalidade objetiva e de relevante interesse público, sobretudo no âmbito do Direito público. Como se passa aqui.

Além disso, a interpretação do regime jurídico constante do Regulamento da Nacionalidade e da Lei da Nacionalidade deve ser feita em conformidade com o interesse público revelado nas leis do caso, pois que nenhuma legislação administrativa prossegue ou pode prosseguir interesses privados.

Assim, os artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade significam que aquele interesse em agir, do tipo imputável aos interesses de uma pessoa jurídica privada (interesse habitualmente necessário a este tipo de ações, no âmbito dos litígios de Direito privado), é aqui substituído por aquelas normas legais, cuja imposição ao M.P. também resulta de uma incerteza constante do procedimento administrativo. Tais normas impõem ao M.P. que vá a juízo, em defesa da legalidade objetiva, desde que não existam no procedimento administrativo os factos exigidos pela al. b) do nº 1 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 237-A/2006.

Sobre o que deve entender-se por ação de simples apreciação, cfr. ainda, além da importante definição constante da lei processual (hoje, o artigo 10º/3/a) do Código de Processo Civil), A. ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., 1º, pág. 113 ss; J. CASTRO MENDES, D.P.C., 1º, 1980, pág. 278.

A.3. Concluindo este ponto:

(i) é evidente que o presente processo especial não é uma ação constitutiva, já que é manifesto que o M.P. não pretende obter autorização judicial para uma mudança na ordem jurídica existente, como se prevê na al. c) do nº 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil;

(ii) neste processo especial, o autor, M.P., visa obter aquilo que está descrito na al. a) do nº 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil, estando-se, por isso, perante uma ação de simples apreciação negativa;

(iii) depois, a Lei da Nacionalidade e o Decreto-Lei nº 237-A/2006, no âmbito da relação jurídico-pública substantiva e especial controvertida, fazem com que o pressuposto processual do “interesse em agir” típico destas ações nos litígios privados (“incerteza” de uma pessoa jurídica privada quanto a factos ou ao direito de outrem) coincida com a imposição legal ao M.P. constante dos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade, para que o M.P. faça intervir os tribunais, alegando a constatada inexistência do requisito de direito que é a “ligação efetiva do interessado estrangeiro à comunidade nacional portuguesa”;

(iv) o objetivo da ordem jurídica, aqui, é acabar com a indefinição factual e jurídica resultante do procedimento administrativo; precisamente por isto, o M.P. está obrigado a agir em juízo quando não haja sucesso demonstrativo daquilo que é exigido ao interessado nos injuntivos artigos 35º/1-b) e 57º/1 do Decreto-Lei nº 237-A/2006 e no Código do Procedimento Administrativo quanto ao princípio da verdade material no procedimento (cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 18-12-2003, Processo nº 0185/03), ou quando o interessado simplesmente desrespeitou tal al. b).

A.4. Do único direito substantivo (lato sensu) em discussão

Ora, numa ação de apreciação negativa, ainda que imposta por lei como esta, o (único) direito em causa é do réu.

E, por isso, como é natural e lógico, o fundamento da ação pode ser apenas a inexistência de factos constitutivos desse alegado direito (isto é, a inexistência de factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado).

É claro que antes de abordar factos constitutivos (ou fundamentadores) de um direito não é possível abordar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito; nem abordar os eventuais factos negativos que contrariem o eventual sentido positivo dos concretos factos constitutivos.

Em consequência disso, e coerentemente, existem em termos processuais gerais (ou de teoria geral de processo civil)

-o nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil (Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve (1º) para o autor impugnar os factos constitutivos – positivos ou negativos - que o réu tenha alegado e (2º) para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu);

-e o nº 1 do artigo 343º do Código Civil de 1966 (Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos – positivos ou negativos - do direito que se arroga).

Cfr. assim:

- A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, vol. I, págs. 113 ss, e vol. III, 1982, págs. 209 ss, 213 ss e principalmente págs. 345 ss;

- A. A. ROMANO, L’azione di accertamento negativo, Napoli, 2006, pág. 416 ss;

- A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., 1985, págs. 20 ss e 305 ss;

- J. CASTRO MENDES, D.P.C., AAFDL, 1980, I, pág. 278;

- Ac. do STJ de 24-10-2006, P. nº 06A1980.

B. Das duas leis específicas

Diz a atual versão de 2006, a 3ª, do artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade:

«Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional».

Ou seja: basta ao MP invocar na petição inicial que falta o requisito (de direito, de valoração) designado de “ligação efetiva à comunidade nacional”.

Vejamos, agora, algumas importantes normas legais do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei nº 237-A/2006, alt. pelo Decreto-Lei nº 43/2013):

Artigo 57º (inserido no capítulo referente à “oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa”)

1 - Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.

ARTIGO 32º

1 - As declarações a que se refere o n.º 1 do artigo anterior podem ser prestadas em extensões da Conservatória dos Registos Centrais junto de outras pessoas coletivas públicas, em termos a fixar por protocolo a celebrar entre essas entidades e a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, em conservatórias do registo civil e em serviços consulares portugueses, sendo aí reduzidas a auto, e enviadas para a Conservatória dos Registos Centrais, se possível por via eletrónica, nas condições que vierem a ser fixadas por portaria do Ministro da Justiça.

2 - Salvo tratando-se de atribuição de nacionalidade mediante inscrição de nascimento no registo civil português, as declarações referidas no número anterior podem ainda constar de impresso, de modelo a aprovar por despacho do diretor-geral dos Registos e do Notariado, podendo ser apresentadas nas extensões da Conservatória dos Registos Centrais ou enviadas, por correio, para a mesma Conservatória, ou por via eletrónica, nas condições que vierem a ser fixadas por portaria do Ministro da Justiça.

3 - As declarações efetuadas nos termos previstos no número anterior só se consideram prestadas na data da sua receção na Conservatória dos Registos Centrais, devendo ser objeto de indeferimento liminar (vd. o art. 61º/2 do Regulamento da Nacionalidade (decreto-lei): contencioso da nacionalidade), no prazo de 30 dias, nos seguintes casos:

a) Quando não constem do impresso de modelo aprovado para esse efeito, ou sejam omitidas menções ou formalidades nele previstas; (é claro que este Modelo deve respeitar a lei, nomeadamente o art. 35º/1-b) do R.N.)

ARTIGO 35º

1 - As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente:

a) Os elementos previstos nas alíneas c), e), e g) do n.º 1 do artigo 33.º;

b) A declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa;

Note-se que é claro que todos os importantes deveres sublinhados nos transcritos artigos não dizem respeito ao processo contencioso, mas sim ao procedimento administrativo.

Está evidenciado ali que o requerente, como seria sempre razoável, deve juntar certos documentos quanto àquilo que é suscetível de prova por esses concretos documentos (cfr. artigos 115º ss do Código do Procedimento Administrativo), o que raramente será o caso da “ligação efetiva a Portugal”; este requisito, que é matéria de direito, será explicitável, como parece razoável, com factos pessoais e sobretudo não documentais.

A verdade material não desonera o interessado do procedimento administrativo, como se deduz do artigo 116º/1 do Código do Procedimento Administrativo.

Por isso mesmo é que a lei obriga o interessado a, no seu requerimento, se pronunciar «sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional» (artigo 57º/1 do Decreto-Lei nº 237-A/2006), e o obriga ainda nos termos exigentes da al. b) do nº 1 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 237-A/2006.

Ali, no artigo 57º/1, tal como no artigo 35º/1, não se trata de uma pronúncia a fingir, ou de uma pronúncia genérica, vaga e irrelevante. Se pudesse ser genérica e irrelevante, a lei não exigiria tal pronúncia por parte do interessado. A sua violação, aliás, determina o indeferimento liminar do requerimento (cf. os importantes artigos 32º/3-a) e 61º/2 do Regulamento da Nacionalidade de 2006 (4)).

Enfim, os cits. nºs 1 dos artigos 35º e 57º do Regulamento da Nacionalidade não são, pois, normas vãs. Têm significado e têm consequências, logicamente.

Logicamente, a factualidade (necessariamente) referida na pronúncia do interessado, em obediência aos artigos 35º/1-b) e 57º/1 do Regulamento da Nacionalidade, será objeto de instrução com os meios de prova lícitos e adequados, fornecidos pelo interessado e ou obtidos pela Administração, de acordo com as regras e os princípios de procedimento administrativo, como se prevê, v.g., no artigo 115º/1 do Código do Procedimento Administrativo («O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa…, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito»). (5)

Não esqueçamos, ainda, o disposto no importante artigo 116º/1 do Código do Procedimento Administrativo, que vale também em sede do procedimento previsto no Decreto-Lei nº 237-A/2006 e cujo teor é o seguinte:

«Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado». Sem prejuízo do princípio do inquisitório procedimental e sem prejuízo dos seus limites constitucionais condicionantes das atividades da A.P. e do M.P. (cfr. artigo 58º do Código do Procedimento Administrativo), tal como no Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no Código de Processo Civil.

C. Do que são os factos em processo

Vejamos agora o dever de alegação dos factos essenciais que possam fundamentar o direito em discussão, aqui invocado pelo réu, e que é a pretensão administrativa de adquirir a nacionalidade portuguesa.

Ora, tal dever de alegação dos factos cabe às partes conforme o previsto nas normas imperativas constantes dos importantes artigos 5º/1, 552º/1/d) e 572º/b) do Código de Processo Civil.

Seria inútil, incoerente e ilegal procurar ou exigir factos impeditivos (de um direito litigado) sem previamente procurar ou exigir os correspetivos factos constitutivos (desse direito litigado).

É o que resulta, coerente e claramente, do nosso artigo 342º/1/2 do Código Civil e, por exemplo, do artigo 2697º do Código Civil italiano (6):

«Chi vuol far valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento.

«Chi eccepisce l'inefficacia di tali fatti (…) deve provare i fatti su cui l'eccezione si fonda».

Traduzindo este artigo 2697º, ligeiramente diferente do nosso artigo 342º/1/2:

1º parágrafo - Quem (réu ou autor) quiser fazer valer um direito em juízo, deve provar os factos que constituem o fundamento desse direito (é o caso da aqui ré);

2º parágrafo - Quem invocar a ineficácia de tais factos (!) constitutivos deve provar os factos que fundamentam tal ineficácia. É esta a norma italiana que mais nos ilumina aqui: se uma parte invocar a ineficácia dos factos (!) provados pela outra parte, deve fazer a prova dos factos contrários àqueles.

Portanto, primeiro os factos constitutivos e só depois os factos contrários àqueles, como parece razoável e lógico.

D. Da localização jurídica do regime do ónus da prova

Mas vejamos melhor o nosso Código Civil de 1966, relativamente ao chamado ónus da prova da factualidade fundamentadora do direito em causa neste tipo de ação; ou melhor, o ónus de iniciativa da prova (7).

Nesta sede, a utilização da obra processual de A. DOS REIS (de 1945 e anterior), em vez da obra de VAZ SERRA (in B.M.J., nº 110 a nº 112), não pode ser feita acriticamente e sem muitas cautelas, porque o Código de Processo Civil era então muito diferente, tal como o era o Código Civil de Seabra; prova disto é o que consta da obra Código de Processo Civil Anotado, II, a págs. 288 ss, precisamente porque não existiam então os artigos 342º e 343º do atual Código Civil (8) e ainda porque A. DOS REIS importara a doutrina meramente processualista do italiano MICHELI, substituída nos restantes países latinos, nos anos de 1950 e seguintes, pelas doutrinas normativistas e substantivistas de ROSENBERG (9).

E daí que, por vezes, se encontrem citações de frases de A. DOS REIS (inspiradas em MICHELI), de 1945, em textos que pretendem explicar os artigos 342º ss do Código Civil de 1966, o que, logicamente, cria graves equívocos.

Pode ainda originar confusões entre o atual artigo 414º do Código de Processo Civil de 1961/67 (referente ao julgamento dos factos) e o instituto regulado nos artigos 341º ss do Código Civil de 1966 (referente ao julgamento da causa), maxime nos artigos 342º, 343º e 346º; este último, aliás poucas vezes mencionado, dispõe que «…, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

A teoria das normas elaborada por ROSENBERG, sobretudo a partir da 2ª edição da sua obra Die Beweislast, veio mais tarde, já com a 3ª edição de 1953 (Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung (10)), a influenciar MANUEL DE ANDRADE (em 1956: Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio), VAZ SERRA (11) (logo depois no B.M.J., Provas (direito probatório material), in B.M.J., nº 110, nº 111 e nº 112, a págs. 61-256, 5-194, 33-299, respetivamente), ANTUNES VARELA (como legislador material nos anos 1960 e posteriormente como autor do seu manual) e ainda, sobretudo, ANSELMO DE CASTRO (nos anos 1970 e 1980 (12)) e REMÉDIO MARQUES (nos anos 2000 (13)).

As teorias normativistas e substantivistas, portanto, inspiraram e explicam bem os artigos 342º e 343º do Código Civil, como se vê sobretudo na obra Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, págs. 351 ss, de A. ANSELMO DE CASTRO.

Para se entender uma das bases teóricas dos artigos 342º ss do Código Civil de 1966, devemo-nos recordar que, para ROSENBERG, a distribuição do ónus da prova está já implícita na regulação legal (substantiva) das próprias relações jurídicas, sendo por isso que tal distribuição deriva especificamente da forma como está estruturada a previsão das normas substantivas que regem o direito controvertido no processo.

E assim também se conseguiu evitar a insegurança jurídica, perante a discricionariedade dos tribunais, existente na Alemanha do século XIX.

Importa, por outro lado, repetir uma importante distinção: o ónus ou risco da prova não está regulado no artigo 414º do Código de Processo Civil («A dúvida sobre a realidade de um facto … resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita»), mas sim nos artigos 342º ss do Código Civil. O artigo 414º do Código de Processo Civil tem a ver com o non liquet fáctico; o chamado ónus da prova tem a ver com o non liquet de mérito.

Outra distinção: o ónus da prova não é o ónus de alegar os factos essenciais para a ação, embora normalmente um acompanhe o outro; aliás, como escreve ANSELMO DE CASTRO, «o ónus da alegação é determinado pelo ónus da prova, e não este pelo primeiro» (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, p. 355).

Lembremo-nos ainda de algo muito importante aqui: é totalmente irrelevante para o tribunal que a prova relativamente a certa questão de facto tenha provindo da atividade de uma ou da outra parte (cfr. assim o atual artigo 413º do Código de Processo Civil de 1961/67).

Ora, nesse contexto, a pergunta a que o nosso atual regime do ónus da prova (14) responde nos artigos 342º ss do Código Civil, da autoria material de um VAZ SERRA já conhecedor da teoria das normas de ROSENBERG (Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung - O Ónus da Prova com base no Código Civil e no Código de Processo Civil, assim desde a 3ª edição) (15), é a seguinte:

-como se reparte entre os litigantes do processo o encargo de iniciativa da prova da factualidade que interessa à tutela jurisdicional da pretensão em causa, para efeitos de assunção do risco da falta ou insuficiência dessa factualidade?

E. De uma regra de julgamento da causa e do que são factos constitutivos

O critério legal para responder a tal pergunta foi, naturalmente, baseado nos valores inspiradores do Direito: a justiça, a razoabilidade, a eficiência e a normalidade. Devemos ter isto bem presente. Afinal, trata-se de uma regra de julgamento da causa.

Ora, o ónus da prova, o encargo material ou objetivo da prova, é uma regra legal de repartição do risco, quanto ao mérito da pretensão deduzida, de determinada factualidade essencial não ser adquirida no processo ou não ter sido sequer alegada nos articulados.

Portanto, tal ónus de iniciativa da prova refere-se, hoje, à situação de mérito da parte contra quem o tribunal decidirá quando, em face dos elementos carreados para os autos por qualquer dos sujeitos processuais (cfr. princípio da aquisição processual), o juiz se não convença da realidade da factualidade que daria vantagem a essa parte.

Regem, no nosso caso, os consabidos arts. 342º ss do Código Civil de 1966.

A regra básica e geral, também lógica e equilibrada, decorrente dos artigos 342º e 343º e seguintes do Código Civil de 1966 é, pois, a de que quem (autor ou réu) invoca um direito, como sendo seu, tem o dever ou o encargo da prova dos factos constitutivos desse seu alegado direito (isto é, tem a carga da prova dos factos que são idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado).

Cfr. assim:

- A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, págs. 351 ss;

- J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., 2013, págs. 121 e 207;

- P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

- Consº FERNANDO P. RODRIGUES, A Prova em Direito Civil, 2011, págs. 21-25;

- J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., págs. 209-210, n. 33.

E factos constitutivos de um direito são os factos que, segundo a lei substantiva, se mostram capazes de fundar o direito de que alguém se arroga. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou do STJ não vai contra o que se acaba de referir.

Assim, nas ações de simples apreciação negativa, não se aplica, imediatamente, o disposto no artigo 342º/1 do atual Código Civil, pela simples razão de que nas ações de simples apreciação negativa o autor, visado em tal norma, não está a invocar qualquer direito; também não se aplica o artigo 342º/2, porque ele é autor e não réu; afinal, aplica-se imediatamente o artigo 343º/1 do Código Civil: «compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga» - cfr. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, págs. 352 e 358.

Por isso, no fim das contas, a regra geral, lógica e pragmática (como diria ROSENBERG), constante do nosso Código Civil é sempre esta:

- Quem invoca uma situação jurídica a seu favor, independentemente de ser autor ou réu, tem, dentro de um critério de normalidade (assim P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, p. 306), o ónus ou encargo da prova da factualidade fundamentadora dessa alegada situação jurídica benéfica.

Nestes termos, nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos elementos da sua, aqui decisiva, facti species. Na incerteza ou na falta de suficientes factos fundamentadores, o juiz decidirá, portanto, contra a parte que a norma pretende beneficiar.

Importa, por isso, distinguir cuidadosamente as normas substantivas que aproveitam a cada uma das partes. Esta distinção faz-se, como fixaram ROSENBERG ou SCHWAB (cfr. ROSENBERG /SCHWAB /GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, 15.ª ed., Beck, Munique, 1993; ROSENBERG, Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung = O Ónus da Prova com base no Código Civil e no Código de Processo Civil - 5ª ed., Beck, Munique, 1965 (16), esta com tradução na América do Sul em La Carga de la Prueba, 2ª ed., Editorial B DE F, Montevideo, 2002; v., ainda, ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, trad., Ara Edit., Perú, 2007, 2 tomos), cujas teses foram timidamente recebidas por MANUEL DE ANDRADE em 1956 e adotadas pelo Código Civil de 1966 por influência de VAZ SERRA e ANTUNES VARELA nos anos 1960, sendo depois plenamente recebidas por, i.a., ANSELMO DE CASTRO nos anos de 1970 e 1980 e REMÉDIO MARQUES nos anos 2000: atende-se ao teor das normas que concedem o direito ou outro tipo de situação subjetiva favorável, para efeitos de se apurar qual é a factualidade constitutiva ou fundamentadora; é da aquisição processual dessa factualidade que depende o sucesso da parte que se diz titular da situação jurídica subjetiva favorável.

As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB, inspiradoras dos artigos 342º e 343º do nosso atual Código Civil, têm sobretudo em conta a redação legal de direito substantivo, que autonomiza os vários preceitos (que preveem factos; não preveem provas).

Encontraremos, assim, (i) “normas de base” e (ii) “contranormas”; aquelas são constitutivas do direito em causa, porque preveem factos constitutivos; as contranormas podem ser impeditivas, excludentes ou extintivas das anteriores, porque preveem factos com tal efeito jurídico; também podem haver normas especiais do ónus da prova (é o que ocorre nos sistemas jurídicos onde não existam normas iguais às dos artigos 343º ss do nosso Código Civil).

As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB pressupõem, na verdade e pragmaticamente, a existência de uma relação, não explicitada, de maior proximidade entre a parte onerada com a prova e o facto probando, por referência à norma de que tal parte se prevalece.

Mas, sublinhe-se que a identificação da norma constitutiva ou de base, donde se retira o facto fundamentador (cujo risco da prova compete ao beneficiário dela), requer uma análise teleológica do material jurídico existente nos textos legais substantivos (como, por exemplo, os artigos 3º/1 e 9º/a) da L.N. e 57º do Decreto-Lei nº 237-A/2006), para se poder estabelecer quais são os elementos que representam o fundamento ou a justificação substancial do efeito jurídico pretendido por quem tem um direito substantivo a afirmar ou a exercitar.

E daí haver normas clarificadoras como as do artigo 343º do nosso Código Civil. E daí também ser importante considerar a dificuldade de prova de certos tipos de factos da vida.

Como bem sintetizado por PAULO OTERO (in D. do Procedimento Administrativo, vol. I, 2016, pág. 89), em sede de prova há um genérico propósito compensador de desigualdades, estando o processo judicial, também aqui, dominado por uma ideia geral de igualdade.

Enfim, o nosso sistema instituído nos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 para a distribuição do ónus da prova (uma pura necessidade de ordem prática, segundo LEO ROSENBERG) exprime uma equilibrada ou pragmática “teoria normativa e estática da distribuição do ónus da prova” (esta teoria estática, curiosamente, já foi mitigada no Brasil (17) - cfr. artigos 357º/III (18) e 373º (19) do novo Código de Processo Civil brasileiro e em Espanha - cfr. artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol (20) - cujos novos sistemas se integram na “teoria dinâmica da distribuição do ónus da prova”, mas para acautelar, ainda com mais segurança, as situações de prova impossível ou diabólica, ou de desigualdade no acesso das partes à possibilidade real de demonstração dos factos, ou de violação da máxima constitucional da proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores – negativos ou positivos - das situações jurídicas subjetivas benéficas para cada uma das partes).

Enfim, as normas de direito probatório são animadas de um propósito compensador de desigualdades factuais ou materiais (cfr. ALESSANDRO GIULIANI, Prova (filosofia), in EdD - Enciclopedia del diritto - , XXXVII, Milano, 1988, pág. 524), ou mesmo legais.

F. Da natureza da al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade e da lógica dos factos essenciais para sustentar um direito de natureza substantiva

Relembremo-nos que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade (que se refere a matéria de direito, a matéria de valoração) não é uma norma especial de ónus da prova, nem prevê factos. Isto é decisivo. Tem, “apenas”, um conteúdo que será apurado a partir de factos concretos a alegar nos vários articulados da ação de oposição (em que o autor surge como “contestante” e o réu como “o verdadeiro demandante”).

Ora, por isso também, adiantamos desde já que, aqui, o autor MP não tem e não poderia ter, em nosso modesto entender, o ónus da prova da referida «inexistência da ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa», porque, afinal, se trata de matéria de direito (e não de factualidade constitutiva de um direito – assim: ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., III, p. 351).

O autor também não tem o ónus de alegar na petição inicial (antes de o réu suposto titular do direito vir a juízo) factos impeditivos (que, note-se, são sempre de caráter ambivalente ou sinalagmático).

Mais. O autor também não tem, porque não pode/deve ter, os ónus ou sequer as simples possibilidades de alegar e de provar “factos negativos indefinidos ou indeterminados” e de natureza privada relativos ao direito que o réu afirma ter no seu património jurídico. Seria uma tarefa desumana, logo, impossível e de imposição legal injusta.

Já o cidadão estrangeiro ora réu, que alardeia e invoca um seu direito (assente, por isso, em factos que ele conhece):

-tem o ónus e o peso da prova dos seus factos concretos idóneos a fazer nascer a sua ligação à comunidade nacional portuguesa, que tem de ser «efetiva»,

-e, por isso, tem o ónus de alegar, na sua contestação, os factos pessoais constitutivos do seu alegado direito (os factos que fundamentam o direito que o autor contesta).

Só não seria assim se o Código Civil de 1966 e o Código de Processo Civil tivessem sido alterados nesta matéria pela Lei da Nacionalidade ou se a Lei da Nacionalidade contivesse um regime próprio de ónus da prova para as ações ali previstas. E, ainda assim, sem prejuízo de haver nesse putativo regime específico de ónus da prova uma violação da máxima constitucional da proporcionalidade, ao onerar, excessivamente e sem justificação, o autor.

Portanto, aqui, neste processo especial, (1º) após o autor MP porventura afirmar na p.i. e com base no procedimento administrativo ocorrido que o réu não tem o direito que invocou, porque não existem ali factos que sustentem a legalmente exigida ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa, (2º) o réu tem, naturalmente, a necessidade de provar ou de ver provados os factos pessoais subjacentes ao (seu) direito, que invocou antes do processo jurisdicional, isto é, os factos subjacentes à (sua) ligação efetiva à sociedade e cultura portuguesas.

Posteriormente, (3º) sobre tais factos concretos (invocados no procedimento administrativo ou aqui, na contestação) recairão as regras de julgamento da matéria de facto e as relativas aos diferentes meios (lícitos) de prova que constam do Código de Processo Civil - direito probatório formal, onde se incluem os importantes artigos 413º e 411º - bem como as regras que constam dos artigos 349º a 396º do Código Civil, que já são direito material.

(4º) Depois, já em sede de julgamento do mérito da causa, o juiz aplicará as regras de direito substantivo, incluindo, no caso de “faltarem factos essenciais provados”, as do chamado ónus da prova constantes dos arts. 342º ss do Código Civil de 1966, como direito substantivo que são.

Como já demos a entender, a cit. ligação do réu à comunidade nacional, a qualificar como efetiva, há de ser aferida, logicamente, por factos absolutamente alheios ao autor MP, i.e., por factos

-pessoais do interessado réu,

-relativos aos seus domicílios,

-relativos às línguas que fala ou não fala,

-relativos aos seus hábitos pessoais,

-relativos às amizades portuguesas que não tem ou tem,

-relativos aos livros portugueses que não lê ou lê,

-relativos à comida portuguesa que desconhece ou que não come,

-e relativos a muitos outros e indeterminados aspetos concretos de ordem privada, familiar, cultural, social e profissional,

que, a final, consubstanciem o requisito jurídico positivo da ligação efetiva à comunidade ou sociedade portuguesas.

Sublinhe-se que o Código do Procedimento Administrativo (tal como a Constituição da República Portuguesa e o C.P.P.) não admite a prova ilegalmente obtida pelo M.P. ou pela Adm. Pública, com invasão da vida privada do estrangeiro requerente, para obter da esfera jurídica deste os factos constitutivos do direito invocado, como resulta dos artigos 115º a 117º do Código do Procedimento Administrativo.

Este elemento de ordem sistémica não deve ser ignorado na compreensão do problema processual.

Trata-se, enfim, de demonstrar, de a Adm. Pública ou o M.P. poderem “normalmente” demonstrar a factualidade constitutiva relativa a uma inserção, ou adesão, livre, material e espiritual, do requerido (na oposição) à vida da comunidade tal como é vivida pela generalidade dos cidadãos.

E, assim, se a Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade de 2006 expressamente nos dizem que a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional é fundamento (não fáctico) da oposição do MP à pretensão (!) de aquisição da nacionalidade portuguesa, isso significa necessariamente que o processo jurisdicional perscrutará e adquirirá factos concretos como manda o Código de Processo Civil, a integrar na previsão jurídico-normativa do artigo 9º/a) cit. da única maneira jurídico-logicamente possível, procurando os factos concretos de sentido positivo e mais fáceis de alegar e de provar.

A ligação à comunidade nacional a qualificar como efetiva é, pois, um requisito jurídico da satisfação administrativa ou jurisdicional da pretensão e do direito que o cidadão estrangeiro «alardeia» (expressão esclarecedora retirada de ANTUNES VARELA et al., Manual, p. 461).

G. Da factualidade fundamentadora de um interesse jurídico e do processo equitativo

Ora, a lei e o Sistema Jurídico pretendem aqui a intervenção do MP, e, no caso de litígio, do Tribunal, para que este tipo de litígio, quando surja, não seja resolvido apenas por via do procedimento administrativo, do ato administrativo de recusa.

O Direito nacional quer uma intervenção jurisdicional, mesmo que o M.P. não descortine em lado algum a factualidade invocada nos termos do artigo 35º/1-b) do Regulamento da Nacionalidade (decreto-lei); só o juiz pode resolver o “problema administrativo”. É uma garantia a favor do estrangeiro interessado.

Isso não muda a natureza das coisas, i.e., não muda aquilo que nos é imposto pelos claros e vigentes

-arts. 5º/1, 10º/3/a), 571º/1‐2ª parte e 588º/1 do Código de Processo Civil e

-art. 343º/1 do Código Civil.

Quer dizer, aquilo que o interessado estrangeiro alardeia fora do processo judicial, no procedimento administrativo prévio, terá de ser aqui alegado e provado com factos constitutivos (como só poderia ser), sob pena de não se adquirirem nesta ação os fundamentos (fácticos) do requisito (jurídico) do direito que invocou ante a Administração Pública.

Como se disse já, os factos constitutivos são os factos fundamentadores exigidos pela norma criadora do direito invocado ou litigado.

E aqui, neste processo, o direito criado pela Lei da Nacionalidade conjugada com o Decreto-Lei nº 237-A/2006 (invocado ante a Administração Pública) é, tão somente, um direito do ora réu, cidadão estrangeiro; é o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa, direito este (e não factualidade) que o ora autor põe em causa na petição inicial desta ação de mera declaração negativa.

É claro que o autor MP também poderá invocar na petição inicial que são falsos ou duvidosos os concretos factos pessoais constitutivos invocados no procedimento administrativo pelo cidadão estrangeiro para ali fundamentar o seu direito, como lhe impõe o Decreto-Lei que contém o Regulamento da Nacionalidade (vd. os artigos atrás transcritos).

Enfim, seguindo aqui a metodologia válida para a teoria das normas de ROSENBERG, concluímos que a Lei da Nacionalidade e o Decreto-Lei nº 237-A/2006 preveem ou exigem dois grupos de factos fundamentadores do único direito aqui litigado:

1º) o facto previsto no artigo 3º/1 e

2º) factualidade (não definida na lei, isto é, indeterminada) que seja idónea a ser qualificada (valorada) pela A.P. ou pelos tribunais como “existência de uma ligação à comunidade nacional portuguesa com conteúdo e natureza efetiva”.

Atento este segundo grupo de factos, cabe sublinhar que, como é evidente e de bom senso, seria injusto, diabólico e desproporcionado que uma ordem jurídica onerasse uma parte processual com o peso da prova de uma factualidade negativa indeterminada ou indefinida.

Estaria assim encontrado, dessa forma, um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte em favor da outra (assim L. ROSENBERG, La Carga de La Prueba, Ediciones Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1956, pág. 84), a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, sob pena de clara injustiça e de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela judicial efetiva (cfr. os Acs. do Tribunal Constitucional nº 646/2006 e nº 681/2006).

Seria violado o princípio constitucional do processo equitativo.

Até porque se a lei permite a prossecução de um fim (ir a juízo de acordo com o art. 10º da LN e os arts. 56º ss do RN), deve entender-se que confere os meios necessários para o efeito (a possibilidade de vencer a causa, sem onerações processuais e probatórias desproporcionadas) – cfr. JAIME M. MAINS PUIGARNAU, Los Principios Generales del Derecho: repertorio, p. 202, cit. por PAULO OTERO, in D. do Procedimento Administrativo, Vol. I, 2016, p. 57.

Com efeito, quando se impõe a alguém que faça prova de um facto (não é o caso da al. a) do artigo 9º cit.), parte-se do princípio de que o facto, em si, é suscetível de ser provado.

E quando se impõe a um concreto sujeito a prova de um determinado facto, quando este é invocado num dado contexto, parte-se do princípio que a prova de certo trecho da realidade é mais facilmente realizável por esse sujeito do que pelos demais a quem tal facto possa interessar.

Depende, em primeira linha, das características do facto ou das circunstâncias da sua ocorrência.

Nesta aceção, poderá talvez dizer-se que a dificuldade de prova é eminentemente objetiva, ela é inerente ao facto em si. Igualmente deve atender-se à dificuldade aferida pelas reais possibilidades de um determinado sujeito; e esta é tratada pela distribuição do ónus probatório.

Por outro lado, os factos impeditivos são factos suscetíveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituído (v.g., incapacidade, simulação, erro, dolo, etc.) e ainda os que, operando ab initio, apenas retardem o surgir desse direito ou a sua exequibilidade.

Mas repetimos: nem a Lei da Nacionalidade, nem o Decreto-Lei nº 237-A/2006, preveem factos impeditivos do direito invocado pelo ora autor. Por exemplo, os cits. artigos 9º/a) e 10º não referem factos, mas apenas uma condição processual (não fáctica) para o MP ir a juízo, decorrente de a lei saber, logicamente, que o Código Civil (artigo 343º/1) exige que os factos fundamentadores do direito litigado sejam alegados em juízo pelo titular do direito, titular esse que, por isso mesmo, fica onerado com “o risco e a carga da prova”.

Quer dizer:

-Se a inexistência do requisito positivo (valorativo) pressuposto à al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (“ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”) é fundamento jurídico para a ação de oposição (note-se bem, “de oposição”), então, logicamente, a “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” é constitutiva do direito exercitado pelo cidadão estrangeiro, a que o MP se opõe;

-E, por isso, os eventuais e indefinidos factos de vida constitutivos da “ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa” são igualmente eventuais e indefinidos factos fundamentadores ou constitutivos da situação jurídica ativa que o autor pretende pôr em crise; são factos que, naturalmente, convém ao interessado que sejam adquiridos no processo.

H. Dos factos de sentido negativo e da justiça

Outra coisa, diferente de factos impeditivos, são factos negativos, de sentido negativo ou negatório. Os factos impeditivos podem ser factos positivos, como é normal.

Na legislação aplicável a este processo não há quaisquer factos impeditivos a provar e alegar.

Ora, como escreveu VAZ SERRA (in B.M.J., nº 110, p. 120) e como bem explicou ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, pp. 354-355), não releva como obstáculo a uma boa distribuição do ónus da prova o sentido negativo do facto essencial (previsto na lei) sob prova, porque o que interessa nesse caso é que esse facto negativo (definido ou determinado) seja requisito constitutivo do direito invocado. Tal como não releva se se onera com o peso da prova o autor ou o réu.

Os factos negativos em geral dizem “não” a algo (determinado ou indeterminado). Podem em abstrato ser:

(i) “factos negativos determinados” com referência às normas de direito substantivo que o processo visa tutelar (exemplo: “não - x”, sendo “x” o facto contraposto que permite negar a negação, isto é, “x” é facto de sentido positivo; “o réu não sabe onde fica Portugal” seria “não - x”, e “o réu sabe que Portugal fica em ...” seria “x”) ou

(ii) “factos negativos legalmente indeterminados” (exemplo: “não - nada” ou “não - ?”).

É, pois, fácil de constatar, sob critérios de normalidade e razoabilidade, a dificuldade extrema ou mesmo a impossibilidade de alguém alegar e provar um facto negativo legalmente não determinado ou legalmente indefinido.

Daí a racionalidade e a constitucionalidade do disposto nas 4 regras constantes dos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966.

O mesmo se entende hoje em Itália:

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 23229/2004;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 384/2007;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 22862/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 19354/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 12108/2010;

- Corte Suprema di Cassazione, sent. Nº 16917/2012;

- ALBERTO A. ROMANO, L’azione di accertamento negativo, Jovene Editore, Napoli, 2006.

I. Portanto:

i) - A regra básica de julgamento que os artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966 impõem, na esteira de, por exemplo, ROSENBERG e SCHWAB, ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III) e REMÉDIO MARQUES (in Ação Declarativa…, 3ª ed.), é a seguinte: quem invoca a seu favor uma qualquer situação jurídica substantiva (com efeito extintivo de outra; com efeito impeditivo de outra; com efeito modificativo de outra; ou de tipo constitutivo dela própria) perderá a causa onde se discute essa situação jurídica, se não se provar no processo a factualidade concreta que fundamenta, substantivamente, a invocada situação jurídica;

ii) – Não é proibido, nem irrazoável, onerar alguém com o ónus da prova de uma factualidade relativamente negativa, isto é, com o peso da prova de um “facto negativo relacional, determinado, definido”;

iii) – Mas, como é impossível provar um “não-nada facto”, seria injusta, desproporcionada (e, portanto, inconstitucional), desnecessária e “diabólica” uma norma do Código Civil (ou uma jurisprudência) que onerasse alguém com o “peso da prova” de uma “factualidade negativa legalmente indeterminada”; seria o que ocorreria se considerássemos que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade onera o MP com (a alegação e) o peso da prova de factos contrários a factos indeterminados (pessoais alheios) com referência ao conceito “ligação efetiva a Portugal”; e daí que não o façam os artigos 342º e 343º do atual Código Civil e 10º/3 do atual Código de Processo Civil.

J. Das divergências jurisprudenciais, do pensamento legislativo sistemático e das opiniões do legislador ou de alguma doutrina

Não desconhecemos os doutos acórdãos recentes do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria:

1º - O autor MP teria primeiro o ónus de alegar e depois o ónus da prova dos factos de natureza negativa indeterminada subjacentes à conclusão jurídica de natureza negativa de que o cidadão estrangeiro não tem ligação efetiva a Portugal, (i) como se o artigo 35º/1-b) do Decreto-Lei nº 237-A/2006 (21) não tivesse significado, (ii) e em vez de ser o interessado réu a fazer a prova dos “seus” factos concretos pessoais de sentido positivo que integram o requisito jurídico da “existência de ligação efetiva a Portugal”;

2º - A Lei da Nacionalidade (e o Regulamento da Nacionalidade de 2006?) visaria promover o valor da unidade familiar, (i) apesar de a L.N. não o referir e (ii) de não exigir nem que o interessado tenha mesmo uma família de facto (o que só o interessado pode saber e invocar), (iii) nem que o eventual cônjuge com nacionalidade portuguesa (natural ou adquirida há poucos dias) resida com ele; mas, (iv) ainda que fosse esse o fim da Lei da Nacionalidade e do Decreto-Lei nº 237-A/2006, daí não resultaria necessariamente nada quanto à inexigibilidade de outros requisitos legais (a não ser que a lei o dissesse); (v) a ser assim, deixaria de ter sentido o disposto no artigo 9º, alínea a), da Lei da Nacionalidade, segundo o qual a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa tem, entre outros fundamentos, a não invocação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional através de factos, como resulta obrigatório (!) da norma expressa contida na al. b) do nº 1 do art. 35º do R.N.

3º - O artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade (que contém enunciado linguístico de tipo valorativo, e não de tipo fáctico) remeteria para factos impeditivos (situação que obsta a que o direito tenha nascido eficazmente – assim VAZ SERRA, Provas, cit., nº 17), (i) factos impeditivos não se descortinam em nenhuma previsão da Lei da Nacionalidade (ao contrário do que se passa com as alíneas b) e c) daquele artigo), (ii) e sem haver a identificação de quais os factos constitutivos contrapostos;

4º - Teria ficado claro com base no elemento histórico da interpretação das leis, apesar de os restantes elementos da interpretação (cfr. artigo 9º/1 do Código Civil), nomeadamente o sistemático, apontarem em sentido contrário, uma vez que os artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966 e 10º/3-a) do Código de Processo Civil não foram alterados, nem revogados, nem excecionados pela Lei da Nacionalidade;

5º - Já mais recentemente (Acs. do Supremo Tribunal Administrativo de 18-6-2015, Processo nº 01053/14, e de 25-2-2016, Processo nº 01261/15) e por causa do incontornável artigo 343º/1 do Código Civil, o M.P. estaria aqui a exercer, não um dever legal, mas um seu direito potestativo (?) e a pretender alterar a ordem jurídica existente, em vez de estar a invocar a inexistência do direito que o réu invocou antes da ação (cfr. artigo 10º/3 do Código de Processo Civil e artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade); ora, salvo o devido respeito, não nos parece de todo possível concluir que, aqui, o autor (M.P.) tem um qualquer direito potestativo (que aqueles dois arestos não identificaram), ou seja, que o M.P. pretenda que o tribunal autorize uma mudança na ordem jurídica preexistente. Parece-nos muito claro que o M.P., por imposição legal especial constante dos artigos 9º e 10º da Lei da Nacionalidade, está simplesmente a fazer aquilo que o Direito descreve na al. a) do nº 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil.

Enfim, em bom rigor, nada de substantivo se alterou na nossa Lei da Nacionalidade desde 1981 quanto a este ponto nuclear, sobretudo se atendermos, coerentemente ou sistematicamente, ao imposto aos tribunais pelos artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil. (22) Aliás, note-se que nesta ação especial de simples apreciação negativa o autor tem um só articulado, ao contrário daquilo que o Código de Processo Civil prevê, em geral, no seu artigo 584º/2 (vd. artigo 58º do Regulamento da Nacionalidade).

O referido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo significaria, de acordo com o Código Civil de 1966, que o artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade é, afinal, uma norma especial de ónus da prova, relativamente ao imperativo artigo 343º/1 do Código Civil, exigindo do MP (a alegação e) o peso da prova de factos negativos indeterminados da vida pessoal do interessado réu.

Ou seja, o autor MP teria de alegar e de fazer a prova, sem a colaboração do titular do único direito litigado, dos seguintes factos absolutamente negativos ou “factos negativos indeterminados”, pertencentes exclusivamente ao mundo do réu e relevantes para sustentar o direito que, não o autor, mas sim o réu alardeia como detendo:

-o interessado não gosta da cultura portuguesa;

-o interessado nunca veio a Portugal;

-o interessado não frequenta nenhuma atividade ligada a Portugal;

-o interessado não acompanha a sua família nas viagens a Portugal;

-o interessado não quer ficar a viver em Portugal, disse à sua mulher que quer ir de imediato viver para a Alemanha ou o Egito;

-o interessado não fala português;

-o interessado não gosta do hino português, nem do povo português;

-o interessado, por ser ateu fanático ou muçulmano fanático, odeia as sociedades cristãs,

-o interessado não conhece os hábitos e costumes da população da localidade para onde diz que quer ir viver, ou do povo português;

-o interessado nada sabe sobre a geografia de Portugal;

-o interessado não conhece o fado, o bacalhau à portuguesa ou o Benfica e o Sporting;

-o interessado nada sabe sobre a História de Portugal;

-etc., etc…

(Ali, o “etc.” explicita suficientemente o que se quer dizer com “factualidade negativa indeterminada”, privada e pessoal do réu)

Mas, pelo menos desde o Código Civil de 1966 e ainda sob a égide do princípio constitucional da Proporcionalidade (vinculativo para o ato de legislar, para o ato de administrar e para o ato de julgar, por imposição da Constituição da República Portuguesa de 1976) que, salvo o devido respeito, não pode ser assim, porque:

i) - Há que ter sempre em conta quais são os factos constitutivos do único direito litigado num processo, como resulta dos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil; o tribunal não pode nunca ignorar tal tipo de factos; é que, para tutelar um direito material, se o juiz não comprovar de todo os factos constitutivos, irrelevarão, consequente e logicamente, os factos impeditivos e os “correspetivos” factos negatórios ou negativos;

ii) - Não tem sentido ou é inútil, do ponto de vista do mérito a que se reportam os artigos 342º e 343º cits., falar em factos impeditivos (e não referidos na lei) de um direito litigado sem antes identificar e dar relevo jurisdicional aos correspetivos factos constitutivos desse direito (assim ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 353); isto confirma-se, em sede de teoria geral do processo, ainda pelo teor (não revogado) do atual nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil (e art. 85º-A/2 do CPTA), segundo o qual os eventuais factos impeditivos (diferente de factos negativos) do direito invocado pelo réu são alegados na réplica;

iii) – Os factos negativos determinados são factos carecidos de prova, para efeitos de oneração com o ónus da prova, desde que sejam requisitos da pretensão substantiva litigada (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., nº 110, p. 120), ou seja, desde que sejam factos constitutivos negativos; não é o que se passa aqui;

iv) - No caso presente, acresce que a Lei da Nacionalidade e o Decreto-Lei nº 237-A/2006 não preveem qualquer facto impeditivo do único direito litigado nesta concreta ação, com este concreto fundamento; por isso, basta ao autor MP, que não alega qualquer direito “seu” (!), invocar na p.i. aquilo que a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade refere (e que é matéria de direito); depois, haverá lugar à normal aplicação do racionalmente previsto nos, aqui decisivos, artigos 572º/b) («Na contestação deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor») e no, também aqui decisivo, artigo 343º/1 do Código Civil de 1966, tudo em conformidade com o imposto no artigo 10º/3-a) do Código de Processo Civil e em resultado da “teoria das normas” consagrada nos artigos 342º ss do Código Civil de 1966

- Cfr. assim: A. ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, III, págs. 345-365, P. LIMA/A. VARELA, in C.C. Anotado, I, notas aos artigos 342º e 343º, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, págs. 131-144, J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590-596, J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., págs. 209-210, n. 33;

v) – Por outro lado, o elemento histórico da interpretação da Lei da Nacionalidade e do Decreto-Lei nº 237-A/2006 não se pode sobrepor ao elemento lógico-sistemático da ordem jurídica portuguesa (assim M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, págs. 371-372), aqui no contexto dos imperativos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 e do também imperativo artigo 10º/3 do Código de Processo Civil;

vi) - O Direito e a justiça, expressos no princípio constitucional da proporcionalidade, não autorizam que o legislador ou o juiz pretendam que o ora autor tenha de provar e alegar “factos negativos legalmente indeterminados ou factos absolutamente negativos”, isto é, factos negativos sem relação possível com concretos factos positivos decorrentes da norma de direito substantivo que sustenta o direito litigado, sob pena de se criar um ónus da prova diabólica, isto é, uma regra de julgamento injusta e desequilibrada.

Não é por acaso que a jurisprudência portuguesa já sentiu a necessidade de afirmar que a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes do que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur (cfr. Ac. do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO de 17/12/2008, proc. n.º 0327/08; Ac. do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL de 04/12/2012, proc. n.º 06134/12).

E não é por acaso que o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO já emitiu, ainda que noutra sede, acórdãos como os de 24-11-99, proc. Nº 32434, e de 26-1-2000, proc. Nº 37739, apelando à centralidade das posições substantivas das partes, em vez das posições meramente processuais, para se “inverter” a posição das partes processuais e o ónus da prova.

Cfr., ainda, o Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO de 2-5-2006, Pr. Nº 095/06.

Mas, na verdade, nas ações de simples apreciação negativa não há necessidade do esforço jurídico ali evidenciado, porque a inversão do ónus da prova resulta de (justa e) expressa imposição legal (artigos 10º/3-a) do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil).

Portanto, com o devido respeito, o recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre o ónus da prova nas ações relativas ao artigo 9º/a) da Lei da Nacionalidade seria, porventura, correto antes do Código Civil de 1966 e da Constituição de 1976, mas hoje desrespeita (i) o regime imperativo resultante da conjugação dos artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966; e, se fosse infraconstitucionalmente correto, desrespeitaria afinal (ii) o próprio princípio constitucional da proporcionalidade (23).

Dito de outro modo: aquela interpretação-aplicação dos artigos 342º ss do Código Civil, feita recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, é, com o devido respeito, ilegal (porque violadora do artigo 343º/1 do Código Civil) e injusta (porque desproporcionada quanto à distribuição legal da “carga, peso ou ónus material da prova”), além do que parece ignorar as implicações de a al. a) do art. 9º da Lei da Nacionalidade conter uma questão de valoração (insuscetível de prova) e de ter de ser integrada no sistema jurídico (vd. o C.C., o C.P.C. e o R.N.).

K. De um sistema jurídico justo, coerente e racional

Assim, o que o nosso Sistema Jurídico impõe claramente aos tribunais é que, nas ações de apreciação ou declaração negativa (cfr. artigo 10º/3 do Código de Processo Civil), como é a presente ação, recaia sobre o réu o risco de não se fazer a prova dos factos constitutivos do direito de que ele se arroga.

Nada mais natural e lógico, tendo em conta que o ónus da prova, ou ónus de iniciativa de prova, regulado no Código Civil de 1966:

-é uma regra substantiva de risco referente, sobretudo e em primeira linha, aos factos concretos constitutivos que interessam a quem, seja autor ou seja réu, invoca um direito como seu (e não a conclusões jurídicas);

-não se reporta ao ónus processual de alegação de factos, regulado no Código de Processo Civil;

-não é uma regra normal de enquadramento jurídico dos factos provados, mas sim uma regra especial de julgamento da causa para funcionar contra uma das partes oneradas com ele no caso de não ter ficado provado, a final, certo facto concreto essencial para sustentar a posição jurídica ativa (24) resultante de tal facto.

Continuemos.

Supõe-se que se pode dizer que, na jurisprudência, é maioritária a orientação segundo a qual o artigo 343º/1 do Código Civil implica uma inversão do ónus da prova: nas ações de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto alheio não existe, mas compete ao réu, que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse seu direito ou facto, alegar e provar pela positiva tal existência.

Por isso também os nossos supremos tribunais consideram que a atribuição ao réu, nos temos do art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, do ónus da prova dos factos constitutivos torna inútil a dedução de um pedido reconvencional por esse demandado, dado que o que essa parte vai obter através da prova daqueles factos é o mesmo que poderia conseguir através da procedência desse pedido reconvencional.

Neste tipo de ações, portanto, a alegação e o peso da prova dos factos constitutivos da posição jurídica benéfica (situação de vida com relevância jurídica, relacional ou não, em que se encontra colocado alguém) substantiva em jogo incumbe, natural e logicamente, à parte que invoca como sua tal posição jurídica, parte que fica por isso onerada com o risco da não demonstração desses “seus” factos.

L. Da prova impossível ou diabólica

Este critério do onus probandi assenta também, desde o Código Civil de 1966, na ideia pacífica e justa (e pragmática) de que é mais fácil ao réu arcar com o peso da prova da existência de um seu direito ou de um seu facto contestado pelo autor, visto que impor a este a prova da inexistência do direito ou do facto em questão seria forçá-lo a uma prova impossível ou muito difícil (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., n.º 110, pág. 164). «Em caso de a prova de um facto se revelar difícil para uma das partes e ser fácil para outra por ser do seu conhecimento pessoal e/ou poder ter acesso fácil ao seu conhecimento e prova e não poder deixar de conhecer, o encargo de provar cabe à parte que se encontra em melhor posição para a produzir e auxiliar a descoberta da verdade; quem tem um facto a seu favor é quem melhor se acautela com os meios de o provar» (Ac. do T.R.L. de 22-10-1996, P. nº 02911).

Por vezes não será situação simples, mas a prática jurisdicional mostra que aquele entendimento é o mais abrangente. Isto sem prejuízo dos cuidados (que não discordância, obviamente) de CHIOVENDA no longínquo ano de 1937 (N. Digesto It., II, 1937, pp. 131 ss):

«Também no que respeita ao ónus da prova, a ação de simples apreciação não difere [...] de qualquer outra ação; o autor é aquele que pede a atuação da lei; e o ónus da prova pertence-lhe, de acordo com as regras gerais. Isto é mais claro na ação de apreciação positiva. Mas é igualmente verdade na negativa: nesta última, ele deverá provar a inexistência de uma vontade da lei, sem que se possa distinguir, como alguém faz, entre o caso em que se negue que um direito jamais tenha nascido, no qual a prova dos factos constitutivos incumbirá ao réu, e o caso no qual se negue que exista atualmente, no qual o autor da declaração deverá provar os factos extintivos. Neste ponto deve acentuar-se a diferença fundamental entre a ação de apreciação e os juízos de jactância. E reincide-se em todos os inconvenientes da coação a agir (nemo invitus agere cogatur), quando se dá ao autor da ação de apreciação negativa o tratamento de que gozaria se fosse réu. É suficiente benefício, para o autor, poder obter do processo, por sua própria iniciativa, a certeza jurídica, sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo-o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado».

É precisamente esta parte final da douta preocupação cit. (“…sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo-o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado”) que não se aplica, de todo, aos demandados em casos normais e simples como o presente; antes o contrário, como diria o autor dos artigos 342º ss do Código Civil, VAZ SERRA. O ora réu está, como é evidente, muito melhor preparado para a prova dos factos constitutivos do seu alegado direito do que o “oponente” MP quanto à prova de factos concretos negatórios dos factos pessoais do réu em que, naturalmente, assenta o direito alardeado por ele antes deste processo.

M. Da superioridade do direito sobre as intenções e as opiniões

Por outro lado, há quem se impressione com o preâmbulo da atual Lei da Nacionalidade e com as cits. modificações operadas na letra do artigo 9º/a), embora sem atender às regras injuntivas constantes do Código Civil e do Código de Processo Civil e às importantes normas do Decreto-Lei nº 237-A/2006 já atrás transcritas.

Ora, quanto aos preâmbulos das leis ou decretos-lei, a verdade do Direito é que as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal, como até as teses de alguns académicos, auxiliarão seguramente o intérprete na melhor compreensão do regime legal (i.e., no apuramento do pensamento legislativo, coisa diferente do pensamento do legislador: art. 9º do Código Civil); mas, não fazendo parte integrante dele, as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal não relevam elas próprias do domínio do Direito instituído, carecendo por isso, em si mesmas, de eficácia prescritiva (assim o Ac. nº 377/2015 do Tribunal Constitucional, no ponto nº 12), ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a máxima interpretativa da unidade do Sistema Jurídico, imposta no nº 1 do art. 9º do CC, aqui tendo em conta o significado jurídico-processual dos arts. 342º e 343º do Código Civil e 10º/3 do Código de Processo Civil, artigos que não foram ainda revogados.

Se assim é em geral, por maioria de razão o seria e será quando a matéria em causa (aqui, ónus da alegação dos factos constitutivos e ónus da prova em ações de simples apreciação negativa) se traduzisse eventualmente na previsão de novas regras, opostas às regras gerais e comuns, como é o caso das cits. regras jurídicas existentes no Código Civil de 1966 (artigos 342º e 343º/1) e no Código de Processo Civil (artigos 10º/3), há várias décadas, nos domínios da alegação dos factos e da prova dos factos.

Afinal, os comentadores ou glosadores não são legisladores (JAIME M. MANS PUIGARNAU, ob. cit., p. 256, cit. por PAULO OTERO, in D. do Procedimento Adm., Vol. I, 2016, p. 58), nem são o texto da lei. Também as explicações porventura dadas pelo legislador formal não correspondem à norma legal escrita, integrada que está sempre num concreto sistema jurídico uno e racional.

O elemento lógico-sistemático da interpretação legal (iluminado pelas ideias de sistema, de igualdade e de coerência) e o elemento lógico-teleológico (em que o juiz atende aos princípios jurídicos, formais e materiais, em que se funda a regra no presente, bem como às consequências previsíveis mais compatíveis com o sistema jurídico atual) são os elementos interpretativos decisivos e sobrepõem-se a um eventualmente contraposto elemento histórico (M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, págs. 371-372).

Por isso, também se discorda da seguinte passagem de um acórdão do Tribunal Constitucional (nº 106/2016):

«A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio repor o regime de prova originário, invertendo o respetivo ónus. Cabe, desde então, ao Ministério Público, a comprovação dos factos suscetíveis de fundamentarem a oposição deduzida, incluindo a falta de ligação efetiva à comunidade nacional».

É que o regime de prova, rectius, do ónus da prova, é (apenas) aquele que consta dos artigos 341º ss do Código Civil, não constando o mesmo, de todo, nem da Lei da Nacionalidade, nem do Decreto-Lei nº 237-A/2006.

É, enfim, inegável que a Lei da Nacionalidade de 1981 e o Decreto-Lei nº 237-A/2006 não alteraram, nem revogaram os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 (diferentes do anterior Código Civil), tal como não alteraram, nem revogaram o artigo 10º/3 do Código de Processo Civil.

No caso deste tipo de processo em concreto, a verdade é que a lei impõe ao MP que, logicamente com base no processo instrutor, invoque apenas, com ou sem factos concretos, que o interessado réu não preenche os requisitos claramente exigidos na lei substantiva.

Depois haverá lugar à contestação.

Seguir-se-á a normal produção das provas de acordo com o Código de Processo Civil e o julgamento da matéria de facto de acordo com o Código Civil de 1966 e o Código de Processo Civil; e, no julgamento do mérito, havendo falta de factos provados que sejam constitutivos das posições substantivas das partes, ficando o tribunal sem o preenchimento da previsão da norma substantiva que sustenta a posição substantiva de cada parte, haverá então lugar à aplicação das regras lógicas e justas de repartição do risco previstas nos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil.

Cfr. assim:

- J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa, 3ª ed., 2010, pp. 590-596;

- A. A. ROMANO, op. e loc. cits.;

- A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., pp. 445-451 e 460-461;

- P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

- JOSÉ LEBRE DE FREITAS/I. ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª ed., 2014, no comentário aos artigos 5º e 10º.

N. Relembremos sumariamente as 4 regras de ónus da prova, que resultam do artigo 342º e do artigo 343º/1 do Código Civil de 1966 e não da legislação da nacionalidade:

Primeira regra injuntiva: «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado»;

ora, neste litígio, o autor não invoca qualquer direito, sendo o réu quem o faz, pelo que só o réu tem o ónus da prova de factos fundamentadores do único direito litigado;

Segunda regra injuntiva: «a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita»;

ora, para este litígio, a Lei da Nacionalidade não prevê qualquer factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pela ré, nem o autor a pode invocar na petição inicial, pelo que não há factualidade desse tipo a provar e alegar na petição;

Terceira regra injuntiva: «em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito»;

Quarta regra injuntiva: «nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga».

Cfr. ainda:

-Ac. do STA de 13-9-2012, P. nº 0721/12 (rel. P. BORGES),

-Ac. do STA de 26-9-2012, P. nº 0722/12 (rel. S. BOTELHO),

-Ac. do TCAS de 22-3-2012, P. nº 08174/11 (rel. TERESA DE SOUSA),

-Ac. do TCAS de 3-5-2012, P. nº 06222/10 (rel. TERESA DE SOUSA),

-Ac. do TCAS de 20-11-2014, P. nº 10824/14 (rel. PAULO P. GOUVEIA),

-Ac. do TCAS de 29-1-2015, P. nº 10708/13 (rel. P. M. MARQUES),

-Ac. do TCAS de 19-5-2016, P. nº 12987/16 (rel. PAULO P. GOUVEIA).

*

II.2.4.1.

No entanto, hoje o regime jurídico a aplicar ao presente thema decidendum é mais simples, sob a égide do artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (e dos artigos 204º da Constituição da República Portuguesa, 688º ss do Código de Processo Civil e 4º do E.M.J.).

Com efeito, o recente Acórdão de U.J. do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 16-6-2016, emitido no Processo nº 0201/16 (in www.dgsi.pt, ainda não publicado no D.R.), fixou o seguinte:

«Na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional».

Note-se (isto devido ao antes afirmado por este tribunal em termos de inconstitucionalidades dentro do presente tema) que não parece possível às instâncias a não aplicação de um acórdão uniformizador de jurisprudência, mesmo com fundamento em que tal representaria a violação da Constituição da República Portuguesa (e de seus princípios da tutela jurisdicional efetiva ou da proporcionalidade).

Portanto, faltando no probatório deste tipo de ações factualidade que satisfaça o requisito (negativo) da “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”, a ação de oposição será sempre improcedente, por via do critério de julgamento da causa que é o “ónus da prova”.

E, assim sendo, ante os descritos factos aqui apurados (de acordo com os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil), concluímos, independentemente de considerações relativas quer à espécie de ação, quer aos princípios constitucionais da proporcionalidade do ónus da prova in concreto e da tutela jurisdicional efetiva do autor, o seguinte:

- O ora autor não demonstrou factos que alicercem a conclusão jurídica de que a ré cidadã estrangeira não tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa.

Logo, a pretensão processual do aqui autor tem de improceder, procedendo assim a pretensão substantiva que a ora ré apresentou junto do Estado-administração português.

Com efeito, a ré, cidadã estrangeira está casada com um cidadão português.

Há dúvidas ou suspeitas do SEF (e do M.P.) quanto à autenticidade daquela vida atual de casados. É que, entretanto, o marido teve um filho com outra mulher, havendo aqui e ali desencontros quanto aos locais de residência.

Mas não há certezas, nem indícios fortes de que o casamento, que pareceu sério no início, o deixou de ser, entretanto.

Na verdade, pode tratar-se hoje, ou não, de uma zanga ou separação passageiras, não se logrando demonstrar a inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa.

Até porque a ré pode continuar a gostar muito de Portugal e do marido, da História do país, da sua cultura e da sua gastronomia, podendo ainda conviver habitualmente com outros portugueses, outros familiares e instituições portuguesas.

Enfim, não basta ao SEF ou ao M.P. suspeitar, pelo que os factos aqui provados são insuficientes para, agora adotando este Acórdão de UJ do Supremo Tribunal Administrativo, podermos aqui concluir pela inexistência de uma ligação efetiva da ré à comunidade nacional portuguesa.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente, alterar o “probatório” como acima referido, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente esta ação de oposição, absolvendo a ré do pedido.

Sem custas.

Lisboa, 30-6-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

(1)ARTIGO 56º
1 - O Ministério Público promove nos tribunais administrativos e fiscais a ação judicial para efeito de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade.
2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
ARTIGO 57º
1 - Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.
2 - Excetua-se do disposto no número anterior a aquisição da nacionalidade por parte de quem a tenha perdido, no domínio do direito anterior, por efeito do casamento ou da aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve:
a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência;
b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso.
4 - A declaração é, ainda, instruída com certificado do registo criminal português sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do n.º 7 do artigo 37.º
5 - O conservador ou o oficial dos registos pode, mediante requerimento do interessado, fundamentado na impossibilidade prática de apresentação dos documentos referidos na alínea a) do n.º 3, dispensar a sua junção, desde que não existam indícios da verificação do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, que esses documentos se destinavam a comprovar.
6 - A Conservatória dos Registos Centrais deve solicitar as informações necessárias às entidades referidas no n.º 5 do artigo 27.º, sendo aplicável o disposto nos n.os 6 e 7 do mesmo artigo.
7 - Sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
8 - O Ministério Público deve deduzir oposição nos tribunais administrativos e fiscais quando receba a participação prevista no número anterior.
ARTIGO 58º
Apresentada a petição pelo Ministério Público, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou alegações escritas.
ARTIGO 59º
1 - Findos os articulados, é o processo, sem mais, submetido a julgamento, exceto se o juiz ou relator determinar a realização de quaisquer diligências.
2 - Concluindo-se pela procedência da oposição deduzida, ordena-se o cancelamento do registo da nacionalidade, caso tenha sido lavrado.
ARTIGO 60º
Em tudo o que não se achar regulado nos artigos anteriores, a oposição segue os termos da ação administrativa especial, prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
(2) Cfr. ANA PRATA, Dicionário Jurídico, I, 5ª ed., págs. 522-523.
(3) Cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D.C., 6ª ed., págs. 288 ss; ANA PRATA, Dicionário Jurídico, I, 5ª ed., pág. 642.
(4) 2 - O indeferimento liminar pode ser objeto de reação contenciosa para os tribunais administrativos e fiscais, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
(5) Cfr. LUIS FILIPE COLAÇO ANTUNES, O juiz administrativo, súbdito da prova procedimental?, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano…, II, 2006, págs. 113 ss.
(6) Única norma legal do Código Civil italiano que regula aquilo que os nossos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 regulam.
(7) J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., p. 211.
(8) O artigo 2405º do Código Civil de Seabra dizia apenas que a obrigação de provar incumbe àquele que alega o facto.
(9) Este autor, inspirador dos atuais artigos 342º e 343º do Código Civil, começou a ser recebido parcialmente entre nós só em 1956, muito depois das obras de Alberto dos Reis, por MANUEL DE ANDRADE, in Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio, Coimbra Ed., 1956. Mais tarde intervieram decisivamente Vaz Serra e Antunes Varela, bem como Anselmo de Castro.
(10) A 4ª edição é de 1956, Munique, editora Beck.
(11) O autor material, inter alia, dos artigos 341º ss do Código Civil.
(12) ARTUR ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., volume III, 1982, pp. 209 ss e 345 ss.
(13) Cfr. Ação Declarativa …, 3ª ed., 2010, pp. 590 ss.
(14) Em inglês, quase nunca com o nosso significado romano-germânico, é usado o termo “burden of proof”; refere-se mais ao julgamento de facto do que ao julgamento da causa. Já em castelhano é usado o termo “carga de la prueba” para o nosso ónus da prova.
(15) A. VAZ SERRA, Provas - direito probatório material, in B.M.J, nº 110 (1961), págs. 61 ss, nº 111 (1961), págs. 5 ss, e nº 112 (1962), págs. 33 ss.
(16) A edição que teve influência em Portugal e nas Américas foi a 3ª edição, Beck, Munique, de 1953. A última edição data de 1965 e foi a 5ª, já certamente conhecida de Antunes Varela e de Anselmo de Castro.
Cfr., hoje, BAUMGARTEL/LAUMEN/PRUTTING, Handbuch der Beweislast: Grundlagen, 3ª ed., Carl Heymanns Verlag, 2015.
(17) Cfr. FREDIE DIDlER JR./PAULA SARNO BRAGA/RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA, Curso de Direito Processual Civil, 2º, 9º ed., Editora Juspodivm, Salvador, 2014, pp. 101 ss.
(18) Artigo 357º do novo Código de Processo Civil brasileiro
«(…)
III - Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373».
(19) Artigo 373º do novo Código de Processo Civil brasileiro
«O ônus da prova incumbe:
I - Ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o Processo».
(20) Artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol
«1. Cuando, al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones del actor o del reconviniente, o las del demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones.
2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la reconvención.
3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga de probar los hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerven la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior.
4. En los procesos sobre competencia desleal y sobre publicidad ilícita corresponderá al demandado la carga de la prueba de la exactitud y veracidad de las indicaciones y manifestaciones realizadas y de los datos materiales que la publicidad exprese, respectivamente.
5. De acuerdo con las leyes procesales, en aquellos procedimientos en los que las alegaciones de la parte actora se fundamenten en actuaciones discriminatorias por razón del sexo, corresponderá al demandado probar la ausencia de discriminación en las medidas adoptadas y de su proporcionalidad.
A los efectos de lo dispuesto en el párrafo anterior, el órgano judicial, a instancia de parte, podrá recabar, si lo estimase útil y pertinente, informe o dictamen de los organismos públicos competentes.
6. Las normas contenidas en los apartados precedentes se aplicarán siempre que una disposición legal expresa no distribuya con criterios especiales la carga de probar los hechos relevantes.
7. Para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del litigio».
(21) «As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa».
(22) Cfr. Ac. do T.R.L. de 19-5-1998, P. nº 071911.
Bem como, noutra sede paralela, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-99, Pr. Nº 32434, e de 26-1-2000, Pr. Nº 37739.
(23) Sobre esta norma jurídica importante tanto para o legislador como para o juiz, cfr., por exemplo, ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in O Direito, 146º, IV, 2014, págs. 817 ss; PEDRO MACHETE, O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência constitucional, também em relação com a jurisprudência dos tribunais europeus, in XV Conferência Trilateral dos Tribunais Constitucionais de Espanha, Itália e Portugal, 2013.
(24) Sobre este conceito basilar, cfr. a síntese de PAULO OTERO, in Manual…, I, págs. 226 ss.