Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08038/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/12/2012
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DIREITO FUNDAMENTAL - ACESSO AO ENSINO – CONVOLAÇÃO - DL N.° 272/2009
Sumário:1.O direito fundamental é uma situação jurídica, normalmente complexa, fundamental, universal, permanente, pessoal, não patrimonial e indisponível das pessoas perante os poderes públicos consagrada na Constituição.

2. Estando em causa o direito fundamental de acesso ao ensino (v. Título I da CRP e seus arts. 74º e 76º), a segurança jurídica e a confiança no Estado de Direito (v. art. 2º CRP; Acórdão nº 188/2009 do T. Constitucional), considerando ainda que a questão tem de ser resolvida definitivamente o mais depressa possível de forma a a requerente poder ter certezas jurídicas sobre o seu futuro académico, temos de concluir que a “intimação para protecção de direitos (direitos políticos), liberdades (direitos de liberdade) e garantias” (direito de exigir protecção e meios processuais para aquela) é o meio processual próprio para tutelar o pedido de colocação da Requerente no curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa no ano lectivo 2010/11, aplicando as normas do DL 393-A/99, antes da alteração legislativa operada pelo DL nº 272/2009.

3. Assim, tendo havido convolação de tal tipo de processo principal urgente para processo cautelar, deve o tribunal de recurso reconvolar o processo para o tipo inicialmente escolhido pela interessada, porque existe a nulidade principal de erro na forma de processo.

4. O DL n.° 272/2009 veio dispor directamente sobre o conteúdo da relação jurídica estatutária da Autora existente à data da sua entrada em vigor, nela introduzindo significativas alterações, e, por isso, deve entender-se que, de acordo com o previsto na 2.ª parte do art. 12°-2 do C. Civil, o mesmo, em princípio, lhe é aplicável. Só assim não será se se entender que as referidas alterações constituem uma restrição ilegal de direitos, liberdades e garantias (v. art. 18º CRP) ou se traduzem na violação do princípio da confiança constitucionalmente consagrado, dado que, nessa hipótese, se deve rejeitar a sua aplicação (art.º 204.º CRP).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO
ANA ……………, representada pelos seus pais, estudante candidata ao Ensino Superior para o ano lectivo 2010/2011, residente na Quinta ……., Lote 46, … – 215 ……., intentou no T.A.C de LISBOA processo cautelar (por convolação do processo previsto nos arts. 109º ss CPTA, determinada pelo tribunal a quo) contra MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR, pedindo a colocação da Requerente no curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa no ano lectivo 2010/11, aplicando as normas do DL 393-A/99, antes da alteração legislativa operada pelo DL nº 272/2009.
Por decisão de 14-7-2011, o referido tribunal decidiu julgar procedente o pedido (cautelar).
Inconformada, vem a E.R. recorrer para este T.C.A. Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso vem interposto da, aliás, douta sentença que, reproduzindo, excepto nas considerações iniciais, a douta sentença anterior que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul havia anulado, determinou a colocação imediata (ano lectivo de 2010/2011) da Requerente no Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
2. As providências antecipatórias caracterizam-se por antecipar, embora a título provisório, a constituição da situação jurídica nova que se pretende obter, a título definitivo, com a sentença a proferir no processo principal, pelo que apenas são de conceder quando não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo (cit. artigo 120°, n 1, al. c) do CPTA)
3. Apesar da requerente ter suscitado a questão da falta de probabilidade (ou melhor, a probabilidade da decisão oposta) da pretensão a formular no processo principal vir a ser julgada improcedente, a, aliás, douta sentença, apenas a refere de forma conclusiva, sem por qualquer modo justificar a afirmação.
4. Omitiu-se assim a especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão e, também, a pronúncia sobre questão que devia ser apreciada, o que expressamente se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668°, n°. 1 al b) e d) do CPC. Por outro lado,
5. Na, aliás, douta sentença, deu-se como provado que "foram feitos contactos procurando saber qual o entendimento adoptado, designadamente exposição ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto, a 2.3.2010 (cfr. doc. n°. 18) e ao Presidente da República a 23.4.2010 (cfr. doc. n 19 PI) (no. 6 do julgamento da matéria de facto), quando, porém,
6. Da leitura dos documentos números 18 e 19 juntos à p.i., resulta que os contactos se não destinavam a saber qual o entendimento adoptado, mas a reclamar contra o regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n. 272/2009, o que pressupõe o conhecimento do entendimento adoptado, isto é,
7. Os documentos provam a existência dos contactos, mas com intenção oposta à dada como provada, pois que a Requerente tinha conhecimento que o entendimento da lei era o subjacente à pro1ação do acto impugnado, tanto que dele discordava. Por outro lado.
8. No n 8 da fundamentação de facto foi também dado como provado que até ao dia 12.7.2010, já depois de realizada a primeira fase dos exames nacionais do Ensino Secundário, que decorreu entre 16.6 e 23.6, nos termos do Despacho n. 1860/2010, de 27 de Janeiro, as classificações mínimas exigidas para acesso ao Curso de Medicina eram, quanto à nota de candidatura, 150 pontos e quanto às provas de ingresso 95 pontos - cfr. doc. n. 20, quando porém,
9. As classificações mínimas exigidas para acesso a determinado curso vigoram para cada concurso anual, não sendo possível afirmar que até determinada data vigorava determinada nota, mas apenas que para o concurso nacional organizado em determinado ano vigorou determinada nota, a qual é fixada para esse ano (cf. Decreto-Lei n° 296 98, de 25 de Setembro, alterado pelos Decretos-Lei n 99/99, de 30 de Março, 26/2003, de 7 de Fevereiro, 76/2004, de 27 de Março, 158/2004, de 30 de Junho, 147-A/2006, de 31 de Julho, 40/2007, de 20 de Fevereiro, 45/2007, de 23 de Fevereiro e 90/2008, de 30 de Maio e Portaria n 478/2010, de 9 de Julho).
10. A A. apresentou a sua candidatura ao Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 2010-2011, cujo regulamento foi aprovado pela Portaria n. 478/2010, de 9 de Julho, mas
11. A A. pretende ser colocada no curso de Medicina ao abrigo do Decreto-Lei 393-A/99, de 2 de Outubro na redacção anterior ao Decreto-Lei n. 272/2009 - que permitia o acesso ao ensino superior aos atletas que tivessem obtido aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas no ano e pelo estabelecimento de ensino em causa, quando, porém,
12. À data do Concurso para Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 2010-2011, o artigo 19° do citado diploma tinha sido alterado pelo Decreto-Lei n. 272/2009, pelo que também exigia a realização das provas de ingresso com classificação superior à mínima fixada pelos estabelecimentos de ensino superior e nota de candidatura superior à fixada no âmbito do regime geral de acesso e,
13. A A. não obteve na prova de ingresso - Biologia e Geologia - que realizou a 17.06.2610, oito meses após a entrada em vigor do Decreto-Lei n 272/2009, a nota mínima exigida pelas Faculdades em que pretendia ingressar, pelo que não foi admitida em nenhum dos cursos que pretendia frequentar (o que sucedeu já depois da propositura da presente acção). Ou, dito por outras palavras,
14. Na versão da A., o acto impugnado está viciado, presume-se que de violação de lei, por ter decidido a sua pretensão aplicando a norma jurídica vigente à data em que foi praticado e não a norma por ela revogada. Ora,
15. A lei torna-se obrigatória após publicada no jornal oficial (cf. artigo 12° do Cód. Civil e artigo 2° da Lei n 42/2007, de 24 de Agosto) e os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei (cit. artigo 266°, nº 2 da Constituição e artigo 30 do C.P.A.), que a não podem interpretar ou aplicar com critérios diferentes dos nela estipulados.
16. O Decreto-Lei n. 272/2009, de 1 de Outubro, que alterou o Decreto-Lei n. 393­A/99, de 2 de Outubro, não incluiu entre as suas disposições norma de direito transitório, pelo que entrou imediatamente em vigor, aplicando-se a todas as situações integradas no seu âmbito de vigência.
17. Nenhum princípio constitucional impede o legislador de alterar a lei em vigor, pelo que o Decreto-Lei n. 272/2009, de 1 de Outubro, não enferma de qualquer inconstitucionalidade, tendo aliás sido publicado muito antes de se terem iniciado os procedimentos para a abertura do concurso de acesso ao ensino superior no ano lectivo de 2010/2011. Designadamente.
18. O Decreto-Lei n. 272/2009 é insusceptível de violar o princípio da igualdade, pois apenas trata as situações nele abrangidas de forma diferente da anterior lei, como é normal e sempre sucede em casos de alteração de regimes jurídicos;
19. O Decreto-Lei n. 272/2009 é insusceptível de violar o princípio da confiança, pois é aplicável apenas a situações posteriores à sua vigência e não fere quaisquer expectativas legítimas com que a Recorrida pudesse contar, sendo certo que a intenção por ele prosseguida é de apenas consentir a entrada no ensino superior a quem se encontra preparado para tanto. Assim,
20. Os requisitos necessários para ingressar e aceder no ensino superior no concurso para o ano lectivo de 2010/2011 são os definidos na lei em vigor ao tempo da apresentação da candidatura, isto é, o Decreto-Lei n. 393-A/99, na redacção do Decreto-Lei n. 272/2009, cuja aplicação impede a A. de ingressar nos pares estabelecimento/curso pretendidos.
21. É, pois, evidente que a pretensão formulada ou a formular no processo principal será julgada improcedente e que não se verifica um dos requisitos cumulativamente exigidos no artigo 120° do CPTA para o decretamento da providência requerida.
22. Assim, na, aliás, douta sentença, violou-se o disposto nos artigos artigo 655°, 668°, n°. 1, al. b) e d) do CPC, 120°, n°. 1, al. c) do CPTA e o artigo 19° do Decreto-Lei 393-A/99, de 2 de Outubro na redacção do Decreto-Lei n 272/2009, de 1 de Outubro, pelo que deve a, aliás, douta sentença ser revogada e substituída por decisão que decrete o levantamento da providência provisoriamente decretada e julgue improcedente o presente procedimento cautelar, absolvendo o demandado do pedido, apenas assim se fazendo a costumada Justiça.
Foram apresentadas CONTRA- ALEGAÇÕES, concluindo-se:
A. A sentença recorrida não merece reparo.
B. Estão preenchidos os requisitos de concessão da providência cautelar.
C. O requerimento inicial contém todos os factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar;
D. Não se compreende como pode o Recorrido vir agora alegar que não conhece os fundamentos de direito que justificam o decidido na sentença recorrida;
E. A aparência de bom direito assenta na jurisprudência constante dos tribunais superiores no sentido de que, em circunstâncias similares às do caso vertente, a aplicação de um novo regime legal de acesso ao ensino superior viola o disposto no artigo 18.°, n. 3 da CRP, que impede que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias possam ter efeitos retroactivos e o princípio da protecção da confiança, pondo em causa o direito de acesso ao ensino superior em condições de igualdade referido nos artigos 74.°, n. 1 e 76.°, n. 1 da CRP;
F. Está em causa no presente processo a violação (rectius, a restrição inconstitucional i) do direito de acesso ao ensino superior cm condições de igualdade consagrado nos art. 74.°, n. 1 e 76.0, n. 1 da CRP; ii) da liberdade de escolha de profissão e iii) do princípio da protecção da confiança;
G. O novo regime legal de acesso aplica-se a factos/provas de ingresso realizadas no passado e em momento em que segundo a lei vigente não era relevante a classificação obtida em tais provas de ingresso, pelo que o novo regime legal introduzido pelo Decreto-Lei n. 272/2009 não poderá ser aplicado à candidatura da Recorrida, sob pena de ocorrer violação da Constituição;
H. Tem de concluir-se forçosamente que a acção principal em que o presente processo cautelar assenta, se mostra manifestamente procedente;
I. A Recorrida não podia razoavelmente contar com a alteração legislativa, a qual destrói o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal e os seus planos de vida, sem que se veja que a afectação da sua relação jurídica já constituída tenha sido ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes;
J. Há uma i) (manifesta) incorrecta interpretação e aplicação do n. 2 do art. 12 do Código Civil bem como na ii) restrição inconstitucional de um direito fundamental de natureza análoga por violação do princípio da segurança e da confiança e da retroactividade da lei ou desigualdade de oportunidades por a alteração legislativa ter feito depender o acesso ao ensino superior de certas notas atribuídas em anos anteriores;
K. Não pode considerar-se procedente o presente recurso, na medida em que os fundamentos de direito são manifestos e justificam plenamente o sentido da sentença ora recorrida;
L. A aplicação da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.272/2009 no regime especial de acesso ao ensino superior aos alunos que já se encontravam no 12. ano e que já tinham realizado exames no 11.0 constitui uma modificação inconstitucional da representação pelos candidatos das possibilidades de acesso ao ensino superior;
M. Não se pode considerar que haja uma "nova relação jurídica de direito administrativo" na candidatura ao ensino superior, porquanto o processo de acesso ao ensino superior para o ano lectivo 2010/2011 começou, para os alunos que se encontram no 12.0 ano, dois anos antes;
N. A interpretação e aplicação da norma não se afiguram nada claras, razão pela qual a ora Recorrida não poderia adequar o seu comportamento em conformidade;
O. O art. 76 da CRP consagra um direito de igualdade de acesso ao ensino superior, sendo que, no caso sub judice tal igualdade deixou de existir com a introdução da obrigação de realização de exames nacionais aos alunos atletas de alta competição que se encontravam no 12.0 ano;
P. Por outro lado, além desta ofensa injustificada e inadmissível, foi violado o princípio da protecção da confiança e da irretroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, ao serem alteradas as regras do regime de acesso ao ensino superior sem que essas alterações tivessem uma vocação universal;
Q. Quanto requisito do periculum in mora, era necessário assegurar cm tempo útil o exercício do direito ou garantia da Recorrida ainda no ano lectivo de 2010/11, o que só se conseguiria com a concessão de uma providência cautelar;
R. Com o decurso do tempo, a possibilidade de exercício dos direitos da Recorrente vai ficando postergada e maior será a probabilidade de ficar comprometido o proveito e viabilidade do ingresso na Faculdade em tempo útil.
S. Termos em que se requer, com o douto suprimento de V. Exas. que desde já se impetra, que o presente recurso seja considerado improcedente e a sentença proferida seja mantida.
*
O tribunal a quo sustentou a sua decisão.
*
O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).
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Cumpridos os devidos trâmites processuais, importa agora decidir em conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS NO TRIBUNAL RECORRIDO
1)
A Requerente é uma atleta federada na modalidade de ténis, tendo-lhe sido atribuído por força do seu currículo desportivo o estatuto de atleta praticante de alta competição emitido pelo instituto do Desporto de Portugal, I.P. - cfr. docs. n.º 1, 2 e 3 PI.
2)
De acordo com a declaração emitida a 29.05.2009, a Requerente encontrou-se qualificada até 24.04.2010 como praticante desportivo de alta competição, Nível B, na modalidade de Ténis - cfr. doc. n.º 4 PI.
3)
Desde 2006 a Requerente tem participado em diversas competições nacionais e internacionais e foi convocada para diversos estágios e torneios da Selecção Nacional - cfr. docs. n.º 5 a 10 PI.
4)
A Requerente concluiu em Julho de 2010 o ensino secundário com média escolar final correspondente a 17,9 valores - cfr. doc. n.º 14 PI.
5)
Foram apresentados requerimentos, designadamente para o Gabinete de Acesso ao Ensino Superior, designadamente em Dezembro de 2009, recebendo como resposta os documentos juntos como docs. n.º 15 e 16 PI;.
6)
Foram feitos contactos procurando saber qual o entendimento adoptado, designadamente exposição ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto, a 2.3.2010 (cfr. doc. n.º 18) ou ao Presidente da Republica a 23.4.2010 (cfr. doc. n.º 19 PI).
(este facto deve ser considerado não provado, como abaixo se fundamentará)
7)
A 24.5.2010 foi publicado o Despacho n.º 8818/2010, que aprovou o calendário para os regimes especiais de acesso ao ensino superior em 2010.
8)
Até ao dia 12.7.2010, já depois de realizada a primeira fase dos exames nacionais do Ensino Secundário, que decorreu entre 16.6 e 23.6, nos termos do Despacho n.º 1860/2010, de 27 de Janeiro, as classificações mínimas exigidas para acesso ao Curso de Medicina eram, quanto à nota de candidatura, 150 pontos e quanto às provas de ingresso 95 pontos - cfr. doc. nº. 20 PI.
9)
A 13.7.2010, as classificações mínimas exigidas alteraram-se, tendo-se a nota de candidatura mantido em 150 pontos, sendo alterada a nota das provas de ingresso de 95 pontos valores para 140.
10)
A Requerente realizou o exame no 11º ano, a 19.6.2009, o exame nacional (1 ª Fase) de Física Química, tendo obtido a classificação de 175 Pontos - cfr. doc. n.º 14 PI.
11)
No ano lectivo de 2009/10, no dia 17.6.2010, a Requerente realizou o exame nacional (1 ª Fase) de Biologia e Geologia, tendo obtido a classificação de 123 pontos - cfr. doc. n.º 14 PI.
12)
No dia 21.6.2010, a Requerente realizou o exame nacional (1 ª Fase) de Matemática A, tendo obtido a classificação de 160 pontos - cfr. doc. nº 14 PI.
13)
A Requerente foi convocada pela Federação Portuguesa de Ténis para um torneio internacional realizado em Cáceres (Espanha) entre os dias 9 e 18 de Julho de 2010- cfr. doc n.º 10 PI
14)
A 15.7.2010, véspera do exame nacional de Biologia na segunda fase, a Requerente abandonou o estágio da selecção nacional em Cáceres, e no dia seguinte, 16 de Julho, realizou o exame nacional de Biologia 2ª fase, vindo a obter a classificação de 138 pontos - cfr. doc. n. º 14 PI.
15)
A Requerente apresentou a sua candidatura ao ensino superior a 13.8.2010 - cfr. doc. n. ~1 PI.
16)
No mesmo dia recebeu do Ministério do Ensino Superior, através do Gabinete de Acesso ao Ensino Superior, a seguinte resposta:
Em reposta ao email infra e em conformidade com o despacho de 9.08,2010, do Sr. Director-Geral do Ensino Superior informa-se a respectiva interpretação da DGES:
1- Praticantes desportivos de alto rendimento com registo inicial em estatuto ou percurso de alta competição, organizado pelo IDP, IP, nos termos do Decreto-Lei 125/95, de 31 de Maio.
Tratando-se de relação jurídica iniciada na vigência do Decreto-Lei n.º 125/95, com produção de efeitos duradouros e continuados no tempo, e estabelecendo-se uma nova relação Jurídica de direito administrativo, entre o estudante e a DGES, consubstanciada no pedido de acesso e ingresso no ensino superior para o ano lectivo 2010.2011, ao abrigo dos regimes especiais, em data em que já está em plena vigência o Decreto-Lei nº 272/2009, atento o disposto no n.º 2 do art. 12º do Código Civil] in fine, segundo o qual a lei nova aplica-se ao conteúdo das relações jurídicas, abstraindo-se os factos que lhe deram origem e abrangendo as relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor:
Aplica-se, sem restrições, o disposto no artigo 27. do Decreto-lei n.º 272/2009, pelo que os estudantes, beneficiários dos regimes especiais no âmbito cio Decreto-Lei n. 393-A/99, na sua redacção actualizada, designadamente do disposto na alínea f) do artigo 3° e dos artigos 18. e 19. podem requerer a matrícula e inscrição em par estabelecimento/curso de ensino superior para que tenham realizado as provas de ingresso respectivas e tenham obtido as classificações mínimas fixadas pelo estabelecimento de ensino Superior para as provas de ingresso e para a nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso - cfr. doc. n.º 22 PI.
17)
O presente Processo deu entrada no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em 14 de Setembro de 2010. (Cfr. fls. 2 e sg SITAF).
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pelo Recorrente nas conclusões (sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas) das suas alegações quanto a questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor) que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas, não podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) ou cobertas por caso julgado.
As questões a resolver aqui são:
- Quanto à invocada falta manifesta de viabilidade da acção principal, há omissão de fundamentação de direito e omissão de pronúncia?
- O facto nº 6 está contrariado pelos docs. 18 e 19 do r.i.?
- A falta de viabilidade da acção principal resulta do art. 19º do DL 393-A/99 (1) alterado pelo DL 272/2009, sendo que este DL não viola o princípio da igualdade ou o da confiança?
0-
O tribunal a quo fundamentou assim a sua decisão:
O processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida na acção principal e tem, ainda, como características típicas a provisoriedade, porque não resolve definitivamente o litígio em presença e a cognição sumária da situação de facto e de direito.
Assim, não cabe no âmbito dos presentes autos avaliar se o acto controvertido se mostra ilegal, antecipando desse modo para um processo sumário, a decisão sobre o mérito da acção principal, mas tão só avaliar se as invalidades que lhe são imputadas são tão manifestas que não deixam dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão a julgar na acção principal.
Desde logo, a atenta a complexidade das questões em causa, evidenciadas nas intensas alegações das partes, a situação trazida a juízo não se mostra evidente.
Acresce que para a Entidade Requerida a evidência é a inversa, ou seja de que inexistem as apontadas ilegalidades. E perante as respectivas posições e as razões invocadas nos vários articulados, ambas merecem por parte do Tribunal o mesmo crédito.
Neste contexto constatamos com evidência que a questão em discussão não é pacífica e notória.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.2004, in Rec. 893/04, in www.dgsi.pt não ocorre a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao acto é controversa.
Por todo o exposto e considerando que a alínea a) do nº 1 do art. 120º, contém uma norma derrogatória, para situações excepcionais, do regime de que depende a concessão de providências cautelares em circunstâncias normais, cujo sentido e alcance é afastar, para essas situações, a normal aplicação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 120º (Prof. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, pág. 299), o que não ocorre.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.2004, in Rec. 893/04, in www.dgsi.pt não ocorre a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao acto é controversa.
Ora, basta percorrer os argumentos invocados pelas Requerentes ao longo do requerimento cautelar, para se perceber que a questão jurídica fundamental se apresenta carecida de indagação.
Conclui-se que não é evidente a procedência da acção principal, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

Entendemos, em face de tudo quanto ficou expendido, e em linha com o que ficou já dito na decisão de decretamento provisório e consequente confirmação, que a Requerente logrou demonstrar que, não sendo viabilizada a requerida providência, criar-se-á uma situação de facto consumado, ao que acresce a probabilidade da pretensão formulada vir a ser julgada procedente na Acção Principal.
Na realidade, não restam duvidas que com o eventual futuro vencimento da aqui Requerente na Acção Principal, o não decretamento da requerida providencia antecipatória, comprometerá definitiva e irremediavelmente a situação da Requerente, não sendo então já reconstituível a situação que existiria se esse direito não tivesse sido lesado, em face do que se justifica o deferimento da requerida providência antecipatória, atenta até a probabilidade da pretensão a formular na Acção Principal vir a ser julgada procedente (Cfr. Artº 120º nº 1 alínea c) CPTA).
Assim:
Por estar em causa a adopção de uma providência antecipatória e vislumbrando-se o preenchimento dos requisitos previstos no Artº 120º nº 1 alínea c) do CPTA, determinar-se-á a colocação da Requerente no Curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa ou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
1-
Quanto à invocada (pela ER) falta manifesta de viabilidade da acção principal, há omissão de fundamentação de direito e omissão de pronúncia?
O tribunal a quo considerou que a questão de direito não era simples. E tanto basta para afastar a omissão de pronúncia.
Quanto à falta de fundamentação jurídica nesta sede, também não tem razão o recorrente, pois o tribunal, muito ou pouco, expendeu a seguinte fundamentação jurídica:
Desde logo, a atenta a complexidade das questões em causa, evidenciadas nas intensas alegações das partes, a situação trazida a juízo não se mostra evidente.
Acresce que para a Entidade Requerida a evidência é a inversa, ou seja de que inexistem as apontadas ilegalidades. E perante as respectivas posições e as razões invocadas nos vários articulados, ambas merecem por parte do Tribunal o mesmo crédito.
Neste contexto constatamos com evidência que a questão em discussão não é pacífica e notória.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.2004, in Rec. 893/04, in www.dgsi.pt não ocorre a evidência da procedência da pretensão formulada quando a questão jurídica fundamental subjacente ao acto é controversa.
Pelo que o recorrente não tem razão.
2-
O facto nº 6 (2) está contrariado pelos docs. 18 e 19 do r.i.? E, portanto, houve erro de facto no respectivo julgamento?
Ora, consultando tais docs., conclui-se que houve de facto um erro do tribunal a quo. Em 1º lugar, os documentos não respeitam sequer à requerente, mas a outra aluna; em 2º lugar, do seu texto não resulta aquilo que foi alegado e dado como provado, já que se trata de pedidos para não ser aplicada a nova lei.
Pelo que tal facto deve ser considerado como não provado.
Aqui, portanto, o recorrente tem razão.
3-
A falta de viabilidade da acção principal resulta do art. 19º do DL 393-A/99 (3) alterado pelo DL 272/2009 de 1-Out. (medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento), sendo que este DL (4) não viola o princípio da igualdade ou o da confiança?
A lei exige como requisitos do decretamento das providências cautelares:
(1º) o periculum in mora, ou seja, o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal (art. 120º-1-b-c CPTA), a provar pelo requerente (art. 342º CC),
(2º) o fumus boni iuris, ou seja, ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º-1-c CPTA: para providências com função antecipatória), ou o fumus non malus iuris, ou seja, não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (art. 120º-1-b CPTA: para providências com função conservatória),
(3º) a ponderação dos danos para os interesses em presentes segundo critérios de proporcionalidade, ou seja que a atribuição da providência não cause danos desproporcionados (art. 120º-2 CPTA), e
(4º) a necessidade, a adequação e a suficiência da concreta providência cautelar (art. 120º-3 CPTA).
O art. 120º-1-a) CPTA prevê ainda a excepcional situação de haver ilegalidade simples e manifesta que, como tal, se imponha ao juiz cautelar no decretamento da providência cautelar: é o fumus boni iuris muito forte, que dispensa o periculum e a ponderação do nº 2 do art. 120º cit..
Ora, para o recorrente/E.R., é evidente ou manifesto que o Direito não dá razão à recorrida/requerente. Aplicar-se-ia o “oposto” do fumus boni iuris muito forte previsto na al. a) do art. 120º-1 CPTA.
A nova redacção do art. 19º cit. entrou em vigor em 6-10-2009.
Antes de 6-10-2009, para um atleta de alto rendimento (ou alta competição) poder requerer a matrícula e inscrição no ensino superior, exigia-se aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas no ano em causa, ou seja bastava a nota média nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso (v. ainda o art. 22º do cit. DL); a partir de 6-10-2009 a lei passou a exigir provas de ingresso e as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura.
A Requerente candidatou-se ao ensino superior em 13-8-2010 para o ano lectivo 2010/2011.
A sua média do ensino secundário foi de 17,9 (170 pontos). Em 17-6-2010 fez o exame nacional de B./G. e obteve 123 pontos; em 21-6-2010 fez o exame nacional de Matemática A e obteve 160 pontos; em 16-7-2010 voltou a fazer o exame nacional de B./G. e obteve 138 pontos.
Por decisão de 13-7-2010, passou a exigir-se para o curso de medicina a nota mínima nas provas de ingresso de 140 pontos e, a final, a nota mínima de candidatura de 150 pontos (resultante da ponderação da média final do ensino secundário e da média obtida nas provas de ingresso a partir da respectiva nota mínima).
O que se defende no r.i. é que a lei aplicável é a “antiga”, porque a “nova” foi publicada quando a requerente já estava no 12º ano. Ao contrário do defendido pela E.R., antes e neste recurso.
Do acabado de expor conclui-se facilmente que nenhuma das teses é simples e manifesta. Exigem ponderada aplicação dos arts. 9º e 12º CC aos regimes legais incluídos no DL 393-A/99 e no DL 272/2009, sem esquecer os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Aliás, em casos idênticos mas em que os processos não foram convolados para processo cautelar, já existe jurisprudência superior uniforme sobre este tema, ainda que fundamentações parcialmente distintas, e que ilustram a ausência de simplicidade jurídica cit. Cfr., entre outros, os seguintes:
- Ac. deste TCAS de 24-2-2011, rec nº 7113/11(5);
- Acs. do STA de 13-7-2011, rec nº 345/11 e 428/11 (6);
- Ac. deste TCAS de 30-11-2011, rec nº 8139/11 (7).

Pelo que o recorrente não tem razão.
4-
Este processo padece de uma nulidade processual, realidade sobre a qual as partes e o tribunal se debruçaram anteriormente, no início dos autos: há erro na forma do processo (art. 199º CPC), porque o tipo de processo adequado ao pedido (complementado pela causa de pedir) é o processo principal urgente previsto nos arts. 109º ss CPTA(8) e não o processo cautelar.
Com efeito, estando em causa o direito fundamental de acesso ao ensino (v. Título I da CRP e seus arts. 74º e 76º), a segurança jurídica e a confiança no Estado de Direito (v. art. 2º CRP; GOMES CANOTILHO, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., p. 454; Acórdão nº 188/2009 do T. Constitucional), considerando ainda que a questão tem de ser resolvida definitivamente o mais depressa possível de forma a a requerente poder ter certezas jurídicas sobre o seu futuro académico, temos, pois, de concluir que a “intimação para protecção de direitos (direitos políticos (9)), liberdades (direitos de liberdade (10)) e garantias” (direito de exigir protecção e meios processuais para aquela (11)) é o meio processual próprio - v. assim MÁRIO AROSO…, Comentário ao CPTA, 3ª ed., anot. ao art. 109º, e autores e jurisprudência aí citados.
Esta nulidade processual é de conhecimento oficioso até à sentença final quando não existir despacho saneador (art. 206º-2 CPC). É o caso presente.
A tramitação processual seguida, a dos arts. 117º a 120º CPTA, tem maiores garantias de defesa para o réu, pelo que todo o processado pode ser aproveitado até antes da decisão cautelar aqui sindicado, decisão cautelar que deve ser anulada ao abrigo do art. 199º CPC.
Assim, cabe agora apreciar o objecto do processo ao abrigo dos arts. 109º ss CPTA, com a matéria de facto atrás estabelecida e descrita.
A única questão que se nos coloca é, pois, a de saber qual o regime de acesso ao ensino superior aplicável aos atletas de alta competição que se encontravam na situação da ora Recorrida; se o regime estabelecido no art.º 19.º do DL 393-A/99 na sua redacção originária, ou se o regime que resultou da redacção que lhe foi dada pelo DL 272/2009.
Vejamos.
O direito fundamental (D.F.) é uma situação jurídica, normalmente complexa, fundamental, universal, permanente, pessoal, não patrimonial e indisponível das pessoas perante os poderes públicos consagrada na Constituição (JOSÉ MELO ALEXANDRINO, D. Fundam…, 2ª ed., p. 23 ss).
Ora, o art. 74º CRP (12) consagra o direito fundamental ao ensino e à igualdade de oportunidades nesse direito (assim GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 3ª ed., anot. I e II ao art. 74º; cfr. em geral JOSÉ MELO ALEXANDRINO, D. Fundam…, 2ª ed., p. 32-33 e 43).
O art. 76º-1 CRP (13) concretiza o art. 74º-2-d (assim GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 3ª ed., Parte I, Nota Prévia, nº 1.1, 3.1 e nº 4, anot. I, II e IV ao art. 74º, e anot. I e II ao art. 76º).
Afinal, o Estado de Direito democrático exige direitos fundamentais e vice-versa (GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 3ª ed., p. 107, nº 2.1).
Na CRP, vemos que a distinção operada dentro dos D.F. entre os DLG previstos no Título II da Parte I e os DESC previstos no Título III da Parte I permite antever
Ø que os DLG são direitos negativos e os DESC são direitos positivos,
Ø bem como que os DLG estão primacialmente ligados aos princípios da liberdade, da igualdade formal e do Estado de Direito e os DESC estão primacialmente ligados aos princípios da solidariedade, da igualdade material e do bem-estar.(14)
O regime geral dos D.F. contém em si
Ø o princípio da universalidade dos D.F.,
Ø o princípio da igualdade,
Ø o princípio da proporcionalidade,
Ø o princípio da protecção da confiança (15) (lado subjectivo da segurança jurídica) decorrente do art. 2º da CRP e
Ø o princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva (JOSÉ MELO ALEXANDRINO, D. Fundam…, 2ª ed., p. 70 a 93 e 155 ss).
Antes de prosseguirmos, falta lembrar que todos os D.F. são diferentes uns dos outros, são limitados e podem ser comprimidos e afectados de várias formas.
Nesta sede, é essencial ter presente que as restrições aos D.F. que sejam DLG exigem lei formal não retroactiva geral e abstracta, autorização constitucional e proporcionalidade, com manutenção do conteúdo essencial do DLG. Não é o caso do direito cit. previsto nos arts. 74º e 76º CRP.
Ora, a Autora recorrida gozava do estatuto de atleta de alta competição e, por essa razão no tocante à sua formação académica, estava investida numa situação jurídica que lhe conferia direitos especiais em inúmeras matérias que iam desde as matrículas aos horários escolares, das faltas às datas das provas de avaliação, das aulas de compensação às bolsas escolares e ao acesso ao ensino superior (vd. artºs 10.º a 19.º e 27.º do DL 125/95, de 31-05).
Quanto a este último aspecto regia o DL 393-A/99, de 2-10, onde se estabelecia que o acesso ao ensino superior de tais atletas dependia apenas da comprovação de que eles tinham obtido aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas, pelo que lhes bastava a conclusão com sucesso do ensino secundário sem ponderação das notas obtidas nos exames nacionais a realizar no final do respectivo ano lectivo (artºs 5° e 19° do DL n.° 393-A/99).
Este regime foi, porém, substancialmente alterado pelo DL n.° 272/2009, de 1-10, que este passou a dispor que os praticantes de alta competição podiam “requerer a matrícula e inscrição em par estabelecimento/curso de ensino superior para que tenham realizado as provas de ingresso respectivas e tenham obtido as classificações mínimas fixadas pelo estabelecimento de ensino superior para as provas de ingresso e para a nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso.” (vd. seu art.º 27.º-2 e a nova redacção que o art.º 46.º deu ao art.º 19.º do DL 393-A/99, a qual, de resto, tem praticamente o mesmo teor). O que quer dizer que a partir da publicação desta lei os referidos atletas passaram a ter obrigações semelhantes à de todos os outros estudantes e, como eles, a ter de fazer os exames nacionais e obter neles notas superiores aos limites mínimos fixados pelo estabelecimento de ensino a que pretendiam aceder, visto tais notas passarem a ser tidas em conta e a serem ponderadas com a média do ensino secundário.
Ou seja, o DL n.° 272/2009 veio dispor directamente sobre o conteúdo da relação jurídica estatutária da Autora existente à data da sua entrada em vigor, nela introduzindo significativas alterações, e, por isso, deve entender-se que, de acordo com o previsto na 2.ª parte do art. 12°-2 do C. Civil, o mesmo, em princípio, lhe é aplicável.
Só assim não será se se entender que as referidas alterações constituem uma restrição ilegal de direitos, liberdades e garantias (v. art. 18º CRP (16)) ou se traduzem na violação do princípio da confiança constitucionalmente consagrado, dado que, nessa hipótese, se deve rejeitar a sua aplicação (art.º 204.º CRP (17)).A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar os outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (art.º 18.º-2 da CRP) sendo certo, por outro lado, que essas leis restritivas “têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” (n.º 3 do mesmo preceito). O que quer dizer que, muito embora não haja uma proibição absoluta de tais leis, certo é que elas só têm respaldo constitucional quando se limitem a concretizar limites já imanentes na Constituição e se revelem como o único meio de harmonizar os direitos ou interesses nela protegidos, tendo de revestir carácter geral e abstracto e não ter efeito retroactivo nem restritivo do conteúdo essencial de outras normas constitucionais.
Todavia, a proibição daquela restrição está, como se pode ver pela sua inserção sistemática, apenas focalizada nos direitos, liberdades e garantias e, por isso, a sua aplicação ao caso dos autos só tinha justificação se o direito de acesso ao ensino superior pudesse ser qualificado como um direito, liberdade e garantia ou como um direito análogo. Só nessas circunstâncias é que a decisão do Requerido em aplicar o disposto no DL 272/2009 à situação da Requerente poderia, eventualmente, ser considerada como uma afronta ao preceituado naquela norma constitucional.
Ora, temos como certo que o referido direito pode ser qualificado como um direito fundamental, como resulta claro do texto da CRP, mas não é um DLG ou um direito análogo a DLG.
A recorrida tem, assim, direito a reclamar que o seu acesso à universidade (direito fundamental social e cultural) se processe de acordo com a CRP e a lei, constituindo esse direito uma base suficiente para que ela possa reagir em juízo contra qualquer ilegalidade lesiva.
Ainda que assim não fosse e que, à semelhança do Tribunal Constitucional (Vd. Acórdão de 12-07-2007, proc. 347/07), se entendesse que o acesso ao ensino superior pode ser visto como uma concretização do direito fundamental de igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, nada impedia que o legislador ordinário o pudesse regular de acordo com “as necessidades em quadros e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país” (art.º 76.º-2 da CRP) e que dessa regulamentação resultassem condicionamentos ou mesmo restrições a esse acesso. Ponto era que estas se limitassem ao necessário para salvaguardar os outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, revestissem carácter geral e abstracto e não tivessem efeito retroactivo nem diminuíssem a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Como, de resto, aconteceu. Com efeito, se em ordem à elevação do nível educativo e científico do país, o legislador do DL 272/2009 entendeu que os mencionados atletas não podiam beneficiar de vantagens indevidas no acesso ao ensino superior e se, à semelhança do legislado para todos os outros estudantes, exigiu que eles tivessem de fazer exames nacionais e neles obtivessem as notas mínimas exigidas e que estas fossem ponderadas com a nota obtida no final secundário, não foi violado o art.º 18.º da CRP.
O Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado que o Estado de Direito consagrado no art.º 2° da CRP envolve "uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas", razão pela qual "a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica". – Acórdão n.º 556/03, de 12-11-2003.
O apontado normativo constitui, assim, um limite à liberdade conformativa do legislador ordinário, visto fazer depender a constitucionalidade das suas estatuições à sua harmonização com aquele princípio e, se assim é, as leis ou suas interpretações que se traduzam numa afectação inadmissível, arbitrária, demasiado opressiva ou excessivamente onerosa das expectativas jurídicas criadas, serão inconstitucionais. Mas, aquele Tribunal também tem dito que a violação destas expectativas só determinará a inconstitucionalidade da lei quando ela:
“a) constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda,
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.° 2 do artigo 18° da Constituição, desde a 1.ª revisão)" – Acórdão n.° 287/90 do Tribunal Constitucional.
Importa, por isso, nesta matéria, proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos fundadas no princípio do Estado de Direito e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador democraticamente legitimado, visto esta legitimação, por um lado, lhe garantir uma ampla liberdade conformativa e, por outro, o vincular à prossecução do interesse público o qual pode exigir o sacrifício dos interesses e expectativas legítimas dos particulares. “Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que actue o subprincípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, para que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar. Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas "que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável" (cfr. Acórdão n.° 365/91 no DR, 2.ª Série, de 27-08-1991), ou se não perspectivem como consistentes, não se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático." – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 156/95.
O que quer dizer que “não é suficiente que se demonstre que um novo regime legal vem afectar expectativas dos seus destinatários para que, automaticamente, se conclua pela sua inconstitucionalidade por violação do referido princípio da confiança jurídica. Essencial é ainda que essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses público e particular em confronto, aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. art°18°, n.° 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas" – Vd. o já citado Acórdão n.º 556/03 (no mesmo sentido podem, ainda, ver-se os Acórdãos n.º 625/98, n.º 684/98, n.º 160/00, n.º 109/02 e n.º 128/02).
Aqui chegados, a interrogação a que urge responder é de saber se a alteração introduzida pelo DL 272/2009 na relação estatutária da Autora, que, em princípio, lhe era aplicável, atento o disposto na 2.ª parte do art. 12°-2 do C. Civil, deverá ser desaplicada por a mesma se traduzir na violação do princípio da confiança, parte essencial do regime geral dos D.F.
E a resposta a essa interrogação tem de ser positiva.
Vejamos porquê.
A nova lei entrou em vigor quando a Autora se encontrava a frequentar o 12° ano e, se assim foi, e se aquela, contrariando o legislado no DL 393-A/99, estatuiu que o acesso da Autora ao ensino superior dependia da realização de exames nacionais e da obtenção de notas superiores ao limite mínimo fixado pelo estabelecimento de ensino que pretendia frequentar, ponderados com a média do ensino secundário, é manifestamente evidente que ela introduziu uma significativa e desfavorável alteração na sua situação estatutária.
O Recorrente sustenta, porém, que essa alteração não configura uma violação do princípio da confiança, uma vez que o DL 272/2009 entrou em vigor quando a Autora estava a iniciar o ano de 2010/2011 e a frequência do 12.º ano (menos de um mês após esse início) e, por isso, em momento em que ela ainda não tinha prestado todas as provas de ingresso pelo que dispunha de um ano quase completo para conformar o seu comportamento às novas regras fazendo, se necessário, a melhoria das notas obtidas nos exames realizados no 11.º ano. E sustenta, ainda, que a razão da alteração legislativa teve em vista garantir que todos os candidatos à frequência do ensino superior tivessem a indispensável preparação académica.
Mas essa argumentação não colhe.
Desde logo, porque ainda que a Autora dispusesse de um ano lectivo quase completo para conformar o seu comportamento à nova realidade legislativa, fazendo, se necessário, a referida melhoria de notas, também era certo que o esforço que isso a iria obrigar poderia comprometer (certamente comprometeria) as notas que ela precisava de obter nesse 12.º ano.
Acresce que a Autora, não adivinhando que as regras que lhe eram aplicáveis iriam ser subitamente modificadas e, por isso, estando convencida de que o seu acesso ao ensino superior se faria de acordo com as facilidades concedidas pelo DL 393-A/99, poderia até ter descurado a sua preparação académica em proveito de uma mais intensa prática desportiva e, por causa disso, não ter obtido as notas que, não fora essa circunstância, poderiam estar ao seu alcance e que, agora, lhe eram essenciais.
A mudança superveniente das regras que regulamentavam a sua situação e a forma inopinada como ela surgiu não lhe deu a “possibilidade de, de forma adequada, se preparar para tais exames definindo metas e estratégias de trabalho em função das regras a aplicar”. Sendo certo, em qualquer caso, não ser aceitável que as regras pudessem ser modificadas quando a Autora já se encontrava a meio do percurso que a iria conduzir ao ensino superior e num momento em que já tinha concluído uma parte das provas essenciais ao acesso dessa via académica.
Finalmente, e ainda que se tenha por boa a finalidade que levou o legislador do DL 272/09 a modificar as regras de acesso ao ensino superior para os atletas de alta competição, certo é que essa finalidade não o desobrigava de agir em consonância com os princípios constitucionais estabelecidos, maxime com o respeito dos princípios da segurança jurídica e da confiança.
Deste modo, e na medida em que a referida modificação legislativa constituiu uma inesperada mutação da ordem jurídica com a qual a Autora, já na recta final do seu percurso de acesso ao ensino superior, “não podia razoavelmente contar e que destrói o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal e os seus planos de vida, sem que se veja que a afectação da sua relação jurídica já constituída, tenha sido ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes” (Acórdão cit. do STA proferido no processo 345/11), ter-se-á de concluir pela ilegalidade daquela alteração por ela violar os mencionados princípios, que são parte essencial do regime geral dos D.F.
Em conclusão: sendo que as regras que ditavam o acesso ao ensino superior dos atletas de alta competição de ser estáveis, conhecidas no início da sua frequência do 12.º ano, pois que só assim se garantia a segurança jurídica e se respeitava o princípio da confiança, é forçoso concluir que a alteração introduzida pelo DL 272/09 e a sua aplicação à situação em que a Autora se encontrava traduziu-se numa violação dos mencionados princípios, com referência ao D.F. social e cultural “direito de acesso ao ensino” consagrado no art. 74º e 76º-1 da CRP.
Daí advém a inconstitucionalidade da aplicabilidade daquela alteração a casos com este contexto e a sua consequente inaplicabilidade ao caso dos autos (art.º 204.º da CRP).
III- DECISÃO
Pelo que, com esta fundamentação, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em declarar nula a decisão recorrida, convolar o processo para o tipo de processo previsto nos arts. 109º ss CPTA e julgar procedente o pedido, intimando o R. a aceitar de imediato e definitivamente o requerimento de matrícula e inscrição da Requerente no par de “curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa” e “curso de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa”, aplicando as normas do DL 393-A/99 antes da alteração legislativa operada pelo DL nº 272/2009.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 12-1-2012

Paulo Pereira Gouveia, relator

Cristina dos Santos

António Vasconcelos


(1) SECÇÃO VI
Atletas com estatuto ou percurso de alta competição

Artigo 19.º Cursos para que podem requerer a matrícula e inscrição
Os estudantes abrangidos por este regime podem requerer a matrícula e inscrição em par estabelecimento/curso de ensino superior para que satisfaçam ao disposto no artigo 5.º
Artigo 5.º Titulares de um curso de ensino secundário português
Os estudantes que requeiram a matrícula e inscrição invocando a titularidade de um curso de ensino secundário português só o podem fazer para par estabelecimento/curso para que comprovem aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas no ano em causa.
(2) Foram feitos contactos procurando saber qual o entendimento adoptado, designadamente exposição ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto, a 2.3.2010 (cfr. doc. n.º 18) ou ao Presidente da Republica a 23.4.2010 (cfr. doc. n.º 19 PI).
(3) SECÇÃO VI
Atletas com estatuto ou percurso de alta competição

Artigo 19.º Cursos para que podem requerer a matrícula e inscrição
Os estudantes abrangidos por este regime podem requerer a matrícula e inscrição em par estabelecimento/curso de ensino superior para que satisfaçam ao disposto no artigo 5.º
Artigo 5.º Titulares de um curso de ensino secundário português
Os estudantes que requeiram a matrícula e inscrição invocando a titularidade de um curso de ensino secundário português só o podem fazer para par estabelecimento/curso para que comprovem aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas no ano em causa.
(4) Artigo 19.º Cursos para que podem requerer a matrícula e inscrição
Os estudantes abrangidos por este regime podem requerer a matrícula e inscrição em par estabelecimento/curso de ensino superior para que tenham realizado as provas de ingresso respectivas e tenham obtido as classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso.
(5) I – De acordo com o regime especial de acesso ao ensino superior aprovado pelo DL nº 393-A/99, de 2/10 – que vigorou até ao dia 6 de Outubro de 2009 –, o acesso de estudantes atletas com estatuto ou percurso de alta competição baseava-se apenas na nota da conclusão do ensino secundário, não contando assim a nota obtida nos exames nacionais de acesso ao ensino superior, a realizar no final desse ano lectivo [cfr. artigos 19º e 5º do DL nº 393-A/99].
II – No dia 6 de Outubro de 2009, quando a recorrente ainda se encontrava a frequentar o 12º ano, entrou em vigor o DL nº 272/2009, de 1/10, que veio estabelecer medidas específicas de apoio ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento e, no desenvolvimento dessas medidas, alterou o regime previsto no DL nº 393-A/99, concretamente o regulado no seu artigo 19º.
III – Face a esse novo regime, os candidatos ao ensino superior, no âmbito do regime especial de atletas praticantes de alta competição/alto rendimento, passaram a ter de realizar exames nacionais, sendo que os resultados obtidos passaram a contar duplamente, posto que a nota obtida nesses exames teria de ser superior ao limite mínimo fixado pelo estabelecimento de ensino superior e ponderada com a média do ensino secundário, além do que o resultado obtido também teria de ser superior a um limite mínimo fixado pelo estabelecimento de ensino superior ao qual concorressem.
IV – Se no momento em que ocorreu a alteração legislativa introduzida pelo DL nº 272/2009, a recorrente já se encontrava a frequentar o 12º ano, passando a relevar no regime de acesso ao ensino superior a classificação das provas de ingresso realizadas no ano lectivo anterior, isto é as provas específicas de Biologia/Geologia e Físico-Química realizadas no 11º ano, a aplicação do novo regime legal de acesso ao ensino superior viola o disposto no artigo 18º, nº 3 da CRP, que impede que as leis restritivas de direito, liberdades e garantias possam ter efeitos retroactivos e o princípio da protecção da confiança, pondo em causa o seu direito de acesso ao ensino superior em condições de igualdade referido nos artigos 74º, nº 1 e 76º, nº 1 da CRP, pois que tal novo regime legal de acesso aplica-se a factos/provas de ingresso realizadas no passado e em momento em que segundo a lei vigente não era relevante a classificação obtida em tais provas de ingresso, pelo que o novo regime legal introduzido pelo DL nº 272/2009 não poderá ser aplicado à candidatura da recorrente, sob pena de ocorrer violação da Constituição.
V – Deste modo, a recorrente tem direito a ser admitida no Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, no presente ano lectivo, por lhe ser aplicável o regime de acesso ao ensino superior constante do DL nº 393-A/99, antes da alteração legislativa introduzida pelo DL nº 272/2009, o que será feito através da criação de uma vaga nesse curso.
(6) I - De acordo com o regime especial de acesso fixado pelo DL nº 393-A/99, de 2/10 que vigorou até a dia 6/10/2009, os atletas de alta competição acediam ao ensino superior desde que comprovassem aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso exigidas no ano em causa, portanto, apenas com a conclusão do ensino secundário, sem ponderação da nota obtida nos exames nacionais a realizar no final do ano.
II - Com a nova redacção do DL n° 393-A/99, de 2/10, introduzida pelo DL nº 272/2009, de 1/10, a nota dos exames nacionais passou a ser tomada em linha de conta, em duas medidas: (i) a nota obtida tem de ser superior ao limite mínimo fixado pelo estabelecimento de ensino superior; (ii) será ponderada com a média da frequência do secundário, sendo que o resultado dessa ponderação também terá de ser superior ao limite mínimo fixado pelo estabelecimento de ensino superior.
III - A aplicação do novo regime legal à situação jurídica da autora, quando esta, à data do início da vigência da lei, estava já a frequentar o 12° ano, impõe a ponderação das médias dos anos lectivos passados e da classificação das provas de ingresso realizadas no ano lectivo anterior, isto é, as provas específicas de Biologia/Geologia e Físico - Química realizadas no 11.º ano.
IV - Sem qualquer norma transitória que exclua a situação jurídica da autora do seu âmbito de aplicação e tomando em consideração factos relevantes anteriores à sua entrada em vigor, a lei nova restringe o direito especial da autora, de acesso ao ensino superior, que lhe foi conferido pelo estatuto de alta competição regulado pelo DL n.° 125/95.
V - Nessa medida, a lei nova viola os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, dado que a restrição se apresenta como excessivamente onerosa, portanto inadmissível, porque afecta, em sentido desfavorável, as expectativas da autora constituindo uma mutação da ordem jurídica com que aquela já na recta final do seu percurso de acesso ao ensino superior não podia razoavelmente contar, que destrói o seu investimento de confiança na manutenção do regime legal e os seus planos de vida, sem que se veja que a afectação da sua relação jurídica já constituída, tenha sido ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes.
(7) 1- Estando em causa o direito ao acesso ao ensino superior dos recorridos, considerando que a questão tem de ser resolvida definitivamente o mais depressa possível de forma aos recorridos poderem ter certezas jurídicas sobre o seu futuro académico, temos de concluir que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é o meio próprio.
2- As normas jurídicas são compostas por princípios e regras. A diferença entre princípios e regras não é uma diferença de grau, mas de qualidade. Enquanto as regras se aplicam ou não (como num esquema de linguagem binária, de zeros e uns), os princípios distinguem-se das regras por serem elásticos, por umas vezes se aplicarem mais e outras vezes se aplicarem menos. Terão é sempre uma vocação de optimização em relação às suas possibilidades jurídicas e fácticas.
3- Os princípios jurídicos trespassam verticalmente todo o edifício legal, nos seus diversos patamares hierárquicos, sendo directamente aplicáveis e, podem, de acordo com as circunstâncias, permitir, impedir ou impor (os três operadores deônticos do direito) a aplicação das regras, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais.
4- A portaria 325/2010 de 16/06 ao vir restringir critérios que não constavam do regime anterior nem do regime legal que regulamentou, sem criar um regime transitório para os alunos que já tinham iniciado o seu percurso académico-desportivo ao abrigo do regime anterior, viola o princípio da confiança.
(8) Artigo 109.º Pressupostos
1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º
2 - A intimação também pode ser dirigida contra particulares, designadamente concessionários, nomeadamente para suprir a omissão, por parte da Administração, das providências adequadas a prevenir ou reprimir condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do interessado.
3 - Quando, nas circunstâncias enunciadas no n.º 1, o interessado pretenda a emissão de um acto administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um acto administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do acto devido.
(9) GOMES CANOTILHO et al., CRP Anot., 3ª ed., p. 111-112.
(10) Idem.
(11) Idem.
(12) 1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.
2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:
a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;
c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;
d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística;
e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;
f) Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais;
g) Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário;
h) Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades;
i) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa;
j) Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino.
(13) 1. O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.
(14) JOSÉ MELO ALEXANDRINO, D. Fundam…., 2ª ed., p. 45, quadro 2 na p. 68 e p. 155-156
(15) V. Acs. do TC nº 188/2009 e 154/2010.
(16) Artigo 18º (Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
(17) Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.