Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:144/09.3BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:REGIME DE INTRANSMISSIBILIDADE DE HABITAÇÃO A CUSTOS CONTROLADOS
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Sumário:I. Desde a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, ocorrida em 24/03/2007, em consequência da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 9/2007/A, de 23/03, entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, que se encontra revogado o regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, por expressa previsão do artigo 26.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.
II. À fração adquirida em 24/10/1996 e cuja segunda alienação ocorreu em 29/10/2007 não se aplica o regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, que previa o pagamento do custo do terreno infraestruturado à Região Autónoma, como condição da segunda transmissão do imóvel edificado sob o regime de habitação a custos controlados, por ter sido revogado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

L....e P…, devidamente identificados nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, datada de 18/01/2016, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma sumária, instaurada contra a Região Autónoma dos Açores, julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido de condenação ao pagamento do montante de € 10.493,03, acrescido de juros vencidos, no valor de € 2.623,26, totalizando a quantia de € 13.116,29, acrescida dos juros vincendos, desde a data da citação, pagos pelos Autores como contrapartida do levantamento do regime de intransmissibilidade que incidia sobre a fração autónoma alienada.


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Formulam os aqui Recorrentes nas respetivas alegações (cfr. fls. 82 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida que julgou a ação improcedente, absolvendo a Região Autónoma dos Açores do pedido formulado pelos ora recorrentes;
2. Entendeu o Tribunal a quo que o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 3 de agosto não era aplicável à situação dos recorrentes quando estes, em 29.10.2007, alienaram a fração acima descrita, uma vez que “Caso acolhêssemos a tese dos Autores, todas as construções a custos controlados adquiridos no âmbito do antigo regime veriam o ónus de inalienabilidade a aumentar para o dobro, o que seria manifestamente inconstitucional por violação da segurança jurídica e da garantia de efetivação dos direitos e confiança, integradores do Estado de Direito Democrático (…)”. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não lhe assiste qualquer razão;
3. Não se trata de discutir a retroatividade do aumento do prazo do ónus de inalienabilidade previsto pelo artigo 19º, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03.08, onde, ao invés dos cinco anos anteriormente fixados, passa a constar dez anos a contar da data de aquisição ou de emissão da licença de utilização no caso de se destinarem a habitação própria permanente do construtor ou a arrendamento. O ónus de inalienabilidade mantém- se em ambos os diplomas;
4. O objeto destes autos reside noutro patamar: A impossibilidade de segunda transmissão após o decurso do período do ónus de inalienabilidade, sem que seja liquidado o preço de infraestruturação do terreno. E, neste caso concreto, tal impossibilidade foi revogada com a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 3 de agosto [cfr. artigo 26º];
5. Quando em 29.10.2007 os recorrentes outorgaram a escritura pública de venda da sua fração, portanto na vigência deste diploma legal, a impossibilidade de segunda transmissão sem que fosse pago o preço de infraestruturação já havia sido expressamente revogada dois anos antes;
6. Pelo que, na data de outorga da escritura que titula a segunda transmissão, em 29.10.2007, o ordenamento jurídico em vigor (seja regional ou nacional) não previa nem impunha qualquer limitação ao nível de liquidação do preço de infraestruturação do terreno;
7. Neste sentido, entre outros, «O estatuto do contrato é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato, sempre que, porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga e por estas consideradas válidas briguem com as disposições da lei nova com incidência sobre os efeitos do contrato (e não sobre a validade destes), sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturados de ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas. Enquanto ordenadoras do estatuto legal das pessoas e dos bens tais disposições regulam problemas para os quais a lei competente é a lei nova.» (in J. Baptista Machado, Introdução ao Dir. e ao Discurso Legitimador, 1983, 242);
8. Na data de outorga da escritura pública (29.10.2007), a exigência de pagamento do preço de infraestruturação do terreno, como condição para efetivação de uma segunda transmissão, já havia sido expressamente revogada pelo legislador com a publicação do DLR n.º 21/2005/A, pelo que se sobrepõem os princípios de ordem pública da livre circulação de bens, característica essencial do regime de propriedade;
9. Caso assim não fosse, estariam os recorrentes sujeitos a uma autêntica cláusula de inalienabilidade perpétua e, como é sabido, o direito português se revela hostil às cláusulas de inalienabilidade perpétua. Elas violam, desde logo, o princípio da ordem pública, da livre circulabilidade ou da livre disposição dos bens, a que o legislador subordina o estatuto da propriedade" (" Cláusulas de Inalienabilidade" por Almeida e Costa, R.L.J., Ano 124.º, pág. 329/333, 356/359, Ano 125.º, 8-10, 43-46;
10. Os recorrentes não se manifestam contra o pagamento do preço de infraestruturação do terreno em resultado de uma segunda transmissão concretizada antes da entrada em vigor do DLR n.º 21/2005/A. Pelo contrário, quando em 29.10.2007 os recorrentes outorgam a respetiva escritura de compra e venda tal limitação legal já havia sido expressamente revogada, pelo que dúvidas não podem restar que o valor de € 10.493,03 (dez mil quatrocentos e noventa e três euros e três cêntimos) pagos como contrapartida do ato de levantamento do regime de intransmissibilidade que incidia sobre a referida fração (guia n.º 8336, de 12.10.2007), e que aqueles efetivamente liquidaram uma vez que o não pagamento inviabilizaria a outorga da escritura, é manifestamente ilícito e violador dos mais elementares princípios jurídicos, devendo a região Autónoma dos Açores, em consequência, ser condenada a devolver esse montante, acrescido dos respetivos juros de mora legais.
11. Sempre com o devido respeito, a douta sentença recorrida não fez a melhor interpretação do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22.08, do DLR n.º 21/2005/A, de 03.08, e artigos 12º e 1305º, ambos do Código Civil, devendo, em consequência, ser a mesma revogada e substituída por outra que julgue procedente a ação interposta e a Região Autónoma dos Açores condenada a pagar aos Recorrentes o montante de € 10.493,03 (dez mil quatrocentos e noventa e três euros e três cêntimos), acrescido dos juros vencidos à taxa legal em vigor, no valor de € 2.623,26 (dois mil, seiscentos e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos), totalizando a quantia global de € 13.116,29 (treze mil, cento e dezasseis euros e vinte e nove cêntimos), bem como dos respetivos juros vincendos desde a data de citação da presente ação até efetivo e integral pagamento da quantia indevidamente cobrada.”.

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A ora Recorrida, Região Autónoma dos Açores, notificada da admissão do recurso, não apresentou contra-alegações, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelos Recorrentes resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

Erro de julgamento de direito, por violação do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 e dos artigos 12.º e 1305.º do CC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A. Factos Provados
1. Os Autores eram donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida P…., freguesia de S. José, concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº 1…/C, e inscrito na respetiva matriz predial urbana, por compra efetuada mediante escritura pública outorgada a 24/10/1996.
2. Tal prédio foi construído pela sociedade Eng.º L…., Lda., na qualidade de promotora, em terreno que lhe foi cedido pela Região Autónoma dos Açores e com financiamento contratualizado sob a forma jurídica de contrato de desenvolvimento para habitação (CDH), com o Instituto Nacional de Habitação, ficando inserido na tipologia de habitação social em regime de custos controlados.
3. Tal fração destinou-se exclusivamente a habitação própria permanente dos Autores e não podia ser objeto de segunda transmissão antes de decorrido um prazo de cinco anos subsequentes à aquisição.
4. Consta da escritura pública de compra e venda outorgada a 24/10/1996, que, numa segunda transmissão do direito imobiliários dos Autores, mesmo após os cinco anos, passava a reverter para Região Autónoma dos Açores o preço de custo do terreno infraestruturado, correspondente à fração adquirida pelos Autores, atualizado à data da transmissão, fixado pela Secretaria Regional da Habitação, Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
5. Os Autores alienaram, mediante escritura pública de compra e venda outorgada a 29/10/2007, a fração acima identificada.
6. Para a concretização da escritura, a Ré exigiu aos Autores o pagamento da quantia de € 10.943,03 como contrapartida do ato de levantamento do regime de intransmissibilidade que incidia sobre a respetiva fração.
7. Os Autores pagaram tal montante.

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B. Factos Não Provados
Com relevo para a decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos.
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Consigna-se que o Tribunal só atendeu aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos na instrução, se mostraram relevantes para a resolução do litígio, não se pronunciado sobre factos que se mostraram inequivocamente desnecessários para tal efeito, nem sobre factos conclusivos.
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C. Motivação de facto
A prova dos factos resulta do acordo entre as partes (cf. artigo 1º da contestação), bem como dos elementos documentais juntos aos autos, mormente, escrituras públicas de compra e4 venda, bem como certidão da Direção Regional da Habitação (fls. 48).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, por violação do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 e dos artigos 12.º e 1305.º do CC

Sustentam os Recorrentes no presente recurso o erro de julgamento da sentença recorrida quanto à interpretação e aplicação do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 e das normas dos artigos 12.º e 1305.º do Código Civil, defendendo que quando, em 29/10/2017, outorgaram a escritura de compra e venda da fração autónoma, já havia sido revogado o regime previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, que previa a impossibilidade de segunda transmissão após o decurso do período do ónus de inalienabilidade, sem que seja liquidado o preço de infraestruturação do terreno, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.

Alegam que não está em causa a retroatividade do aumento do prazo do ónus de inalienabilidade previsto no artigo 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, por ao invés de 5, passar a ser de 10 anos esse ónus, mas antes determinar a lei aplicável à data da outorga da escritura de compra e venda da fração.

Sustentam que nessa data já havia sido revogada a exigência de pagamento do preço de infraestruturação do terreno como condição para efetivação de uma segunda transmissão.

Vejamos.

Tendo presente os factos provados nos autos, extrai-se com relevo para a questão ora em análise que os Autores, ora Recorrentes adquiriram, por escritura pública, outorgada em 24/10/1996 a fração autónoma designada pela letra C de um prédio constituído em propriedade horizontal, construído por uma sociedade promotora, em terreno cedido pela Região Autónoma dos Açores e com financiamento contratualizado sob a forma de contrato de desenvolvimento para habitação (CDH), com o Instituto Nacional da Habitação, ficando sob o regime de habitação social em regime de custos controlados.

Da escritura pública de compra e venda outorgada em 24/10/1996 consta que numa segunda transmissão do direito, mesmo após os cinco anos subsequentes à aquisição, o preço do custo do terreno infraestruturado, atualizado à data da transmissão, passava a reverter para a Região Autónoma dos Açores.

Os Autores vieram a alienar a referida fração autónoma, por escritura outorgada em 29/10/2007.

Para concretização da escritura, a Região Autónoma dos Açores exigiu aos Autores o pagamento da quantia de € 10.943,03, como contrapartida do ato de levantamento do regime de intransmissibilidade que incidia sobre a fração, valor esse que os Autores pagaram.

Em face da factualidade apurada, a sentença recorrida veio a decidir o seguinte, que ora se reproduz na parte relevante para o fundamento do recurso:

Conforme consta da escritura pública celebrada, o terreno foi cedido pela Região Autónoma dos Açores e com financiamento contratualizado na forma jurídica CDH, regulado pelo Decreto-Lei nº 165/93, de 27 de Maio.

Tal diploma veio regular a concessão de financiamentos a empresas privadas de construção civil para a construção de habitação a custos controlados ao abrigo de contratos de desenvolvimento para habitação (artigo 1º).

O mencionado Decreto-Lei foi objeto de adaptação nesta Região Autónoma dos Açores pelo Decreto Legislativo Regional nº 14/95/A, de 22 de Agosto, o qual veio definir quais os apoios a conceder pelo Governo Regional.

Um dos apoios concedidos pelo Governo Regional foi a cedência de solos [artigos 2º, alínea c) e 12º do mencionado Decreto Legislativo Regional] e foi nesse âmbito que o prédio, onde se insere a fração adquirida pelos Autores, foi construído.

Tais diplomas, que regulam a aquisição de habitação de contratos de desenvolvimento para habitação, estabeleciam contrapartidas pela aquisição dos imóveis a preços inferiores ao mercado, sendo que, as dos beneficiários de habitações resultantes da cedência de solos, tinham, entre outras, as seguintes obrigações:

a) Ónus de inalienabilidade pelo período de cinco anos a contar da data da licença de utilização da habitação [artigo 15º, alínea d) do Decreto Legislativo Regional];

b) No caso de segunda transmissão, mesmo depois de decorrido o período de

5 anos, reversão, para a Região Autónoma dos Açores, do preço de infraestruturação do terreno correspondente à tipologia em causa [artigo 15º, alínea e) do Decreto Legislativo Regional].

Posteriormente, o Decreto Legislativo Regional nº 21/2005/A, de 3 de Agosto, que estabeleceu o regime jurídico dos apoios à construção de habitação própria e à construção de habitação de custos controlados na Região Autónoma dos Açores, revogou o capítulo IV do Decreto-Lei nº 14/95/A, de 22 de Agosto, capítulo onde se insere, precisamente, a norma contestada pelos Autores, o artigo 15º.

Pese embora tenha, assim, desaparecido, a obrigação de pagamento do preço de infraestruturação do terreno correspondente à tipologia em causa, aumentou o período da inalienabilidade, de 5 para 10 anos (artigo 19º, nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 21/2005/A, de 3 de Agosto).

Aqui chegados, podemos responder à questão em discussão: o novo diploma é aplicável à fração adquirida pelos Autores?

Dispõe o artigo 27º do Decreto Legislativo Regional nº21/2005/A, de 3 de Agosto, que o regime previsto no presente diploma produz efeitos a partir da data de entrada em vigor do diploma regulamentar previsto no artigo 25 º, o que aconteceu a 23 de Março de 2007 com a publicação do Decreto Regulamentar Regional nº 9/2007/A.

Atenta a data da entrada em vigor do novo Decreto Legislativo Regional (23/03/2007) e a data de celebração da escritura pública (29/10/2007), os Autores defendem que não era devido o pagamento do preço de custo do terreno, previsto no artigo 15º, alínea e) do Decreto Legislativo Regional 14/95/A, de 22 de Agosto.

Vejamos.

O Decreto Legislativo Regional nº21/2005/A, de 3 de Agosto, veio estabelecer um novo regime jurídico de apoios à construção de habitação própria e à construção de habitação de custos controlados na Região Autónoma dos Açores.

Acerca da aplicação das leis no tempo, dispõe o artigo 12º do Código Civil que:

(…)

De tal norma ressaltam dois princípios: o da não retroatividade da lei e o da sua aplicação imediata (Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 10ª Edição, Almedina, página 543).

A lei nova, em princípio, só tem eficácia para o futuro, pelo que, como regra, apresenta eficácia prospetiva, constituindo exceção os casos de eficácia retroativa. O fundamento do princípio da não retroatividade é geralmente encontrado na necessidade de segurança jurídica, na proteção da confiança, na estabilidade do direito, podendo também encontrar apoio na ideia de que a lei só é obrigatória depois de regularmente elaborada e publicada.

No nº 2 do artigo 12º estabelece-se o seguinte: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).

Em face do exposto, não podemos, de todo, concordar com a tese dos Autores de que a nova lei é aplicável à aquisição que fizeram em 1996, pois esta foi feita com condições previstas pelo Decreto Legislativo Regional 14/95/A, de 22 de Agosto e não no âmbito do novo Decreto Legislativo Regional nº21/2005/A, de 3 de Agosto, não se enquadrando a situação trazida a Tribunal no nº2 do artigo 12º do Código Civil.

Caso acolhêssemos a tese dos Autores, todas as construções a custos controlados adquiridas no âmbito do antigo regime veriam o ónus de inalienabilidade a aumentar para o dobro, o que seria manifestamente inconstitucional por violação da segurança jurídica e da garantia de efetivação dos direitos e confiança, integradores do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa).”.

Em face da factualidade apurada em juízo e dos normativos aplicáveis ao caso, não se pode manter o julgamento supra expendido, apresentando-se incorreto e em errada interpretação e violação das normas legais invocadas pelos Recorrentes.

Senão vejamos.

Apresenta-se inequívoco que à data da outorga da escritura pública de aquisição da fração autónoma, em 24/10/1996 se encontrava em vigor o Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, que visou adaptar para a Região Autónoma dos Açores o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 165/93, de 27/03, no que concerne ao regime de habitação social sob custos controlados e aos ónus incidentes sobre as transmissões desses imóveis.

A questão material controvertida consiste em saber qual o regime legal aplicável à segunda transmissão, ocorrida em 29/10/2007 e se nessa data se aplicam ou não os anteriores ónus de transmissibilidade da fração, considerando a sucessão de regimes legais ocorrida por força da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.

Ora, a questão identificada e suscitada pelos Recorrentes no presente recurso exige que se interprete corretamente os regimes legais em causa, afim de neles compreender se se mantém em vigor o ónus de pagamento do preço de insfraestruturação do terreno, nos termos que foi exigido aos ora Recorrentes, mas cuja resposta se adianta desde já ser negativa, como ora se passa a explanar.

Não existem dúvidas, nem essa matéria é questionada no presente recurso, que o regime aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08 é aplicável à fração autónoma objeto de transmissão onerosa, nos termos da escritura outorgada em 24/10/1996.

Estabelecia esse regime legal, no seu artigo 15.º, inserido no Capítulo IV do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, de entre as demais obrigações a cargo dos cessionários ou beneficiários, as seguintes:

d) As construções edificadas nos lotes cedidos não podem ser alienadas durante cinco anos a contar da data da licença de utilização de habitação das mesmas, excepto se por morte ou invalidez permanente e absoluta do adquirente ou do respectivo cônjuge, por comprovadas razões de mobilidade profissional, por inadequação da habitação ao agregado familiar e execução de dívidas relacionadas com a construção de que o imóvel seja garantia;

e) Decorrido o prazo previsto na alínea anterior, o beneficiário poderá alienar livremente a habitação edificada no lote cedido, revertendo neste caso para a Região Autónoma dos Açores o valor de mercado do lote infra-estruturado à data da alienação, ficando o beneficiário impossibilitado de se voltar a candidatar a qualquer apoio à habitação;” (sublinhados nossos).

Porém, esse regime veio a sofrer as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, o qual estabelece o seguinte regime, com relevo para a solução a dar ao presente litígio:

Artigo 25.º

Regulamentação

O presente diploma é regulamentado no prazo de 90 dias.

Artigo 26.º

Norma revogatória

São revogados os capítulos II e IV do Decreto Legislativo Regional 14/95/A, de 22 de Agosto, com excepção das disposições que prevêem apoios às autarquias para construção de habitação social destinada a realojamento.

Artigo 27.º

Produção de efeitos

O regime previsto no presente diploma produz efeitos a partir da data de entrada em vigor do diploma regulamentar previsto no artigo 25.º.”.

Em face do disposto no artigo 27.º do citado Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, o seu respetivo regime entra em vigor a contar da data da entrada em vigor do diploma regulamentar previsto no artigo 25.º, o qual é o Decreto Legislativo Regional n.º 9/2007/A, de 23/03, entrado em vigor no dia seguinte à sua publicação, segundo o disposto no seu artigo 125.º.

Significa que o regime aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 entrou em vigor na ordem jurídica em 24/03/2007, o dia seguinte ao da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 9/2007/A, de 23/03.

Assim, não há dúvidas de que na data da celebração da escritura da segunda transmissão da fração autónoma, realizada em 29/10/2007, já se encontrava em vigor o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.

Aqui chegados, importa atender ao que estabelece este regime, com vista a responder à questão supra enunciada, de se manter ou não em vigor e ser aplicável ao caso dos autos o regime previsto no artigo 15.º, inserido no Capítulo IV, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08.

Nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 “São revogados os capítulos II e IV do Decreto Legislativo Regional 14/95/A, de 22 de Agosto, com excepção das disposições que prevêem apoios às autarquias para construção de habitação social destinada a realojamento.”, pelo que é manifesto que na data da celebração da segunda alienação da fração, em 29/10/2007 já havia sido revogado o regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08.

O Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08 não só veio a regular para o futuro o regime de habitação sob custos controlados, submetendo a um novo regime todos os imóveis cujos factos constitutivos ocorram desde a sua entrada em vigor, como veio fazer mais do que isso, pois ao invés de manter intacto o regime legal anterior, aplicável aos imóveis cujas transmissões ocorreram em momento anterior à sua vigência, veio conferir nova disciplina a esses prédios, passando a regular sobre situações cobertas pelo regime aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, pois veio revogar o regime legal anterior no que diz respeito à matéria regulada nos seus Capítulos II e IV, onde recai o citado regime das obrigações sobre os cessionários ou beneficiários, previsto no artigo 15.º.

Nestes termos, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, ao interpretar e decidir o presente caso no sentido da vigência e da aplicação do regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08 à transmissão onerosa da fração ocorrida em 29/10/2007, por nessa data e desde 24/03/2007 tal regime se encontrar revogado pelas disposições conjugadas dos artigos 25.º, 26.º e 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.

Assim, assiste inteira razão aos Autores quanto à pretensão deduzida na presente ação administrativa, relativamente à condenação da Região Autónoma dos Açores a restituir-lhes a verba paga como condição para a celebração da escritura de compra e venda do imóvel, no valor de € 10.943,03, acrescida de juros legais vencidos, no valor de € 2.623,26 e dos juros vincendos desde a data da citação, ocorrida em 13/11/2009 (cfr. fls. 58 dos autos – proc. físico), por o pagamento dessa verba não ser devido.

Em consequência, procedem totalmente os fundamentos do presente recurso, incorrendo a sentença recorrida em errada interpretação e aplicação do regime previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08 e no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, assim como das normas legais em matéria de interpretação e aplicação da lei, previstas no artigo 12.º do Código Civil, determinando a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.

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Pelo exposto, será de julgar procedente o erro de julgamento, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e em julgar a ação administrativa totalmente procedente.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Desde a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08, ocorrida em 24/03/2007, em consequência da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 9/2007/A, de 23/03, entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, que se encontra revogado o regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, por expressa previsão do artigo 26.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2005/A, de 03/08.

II. À fração adquirida em 24/10/1996 e cuja segunda alienação ocorreu em 29/10/2007 não se aplica o regime previsto no artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/95/A, de 22/08, que previa o pagamento do custo do terreno infraestruturado à Região Autónoma, como condição da segunda transmissão do imóvel edificado sob o regime de habitação a custos controlados, por ter sido revogado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e em julgar a ação administrativa totalmente procedente, condenando a Região Autónoma dos Açores a restituir aos Autores a quantia por eles paga, no valor de € 10.943,03, acrescida de juros vencidos, no valor de € 2.623,26 e dos juros vincendos, desde a citação ocorrida em 13/11/2009.

Custas na primeira instância pelo Réu e sem custas na presente instância de recurso.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Helena Canelas)