Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2684/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores: BENEFÍCIO FISCAL;
MECENATO;
IRC;
DOTAÇÃO INICIAL A FUNDAÇÃO.
Sumário:I - O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.

II - Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos - este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da Fundação.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Z.... – S...., S.A., com referência liquidação de IRC do exercício de 2004.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I - A impugnante interpôs a presente impugnação judicial visa sindicar a legalidade do despacho que indeferiu o recurso hierárquico, apresentado contra a decisão que indeferiu reclamação graciosa, apresentada pela impugnante, do acto de autoliquidação de IRC, ano de 2004.
II – Conforme parecer do digníssimo magistrado do Ministério Público, a questão central a decidir nos autos é a de saber se a impugnante tem ou não direito a deduzir, em sede de IRC, os donativos concedidos à Fundação PT, no ano de 2004.
III - Em sede de reclamação graciosa, foi decidido indeferir o requerido, “por se comprovar que à data de 2004.12.21 não estavam reunidos os pressupostos para a aceitação do custo e por conseguinte da majoração”, fls. 76, do PAT, apenso.
IV - Mostram-se assentes, em termos essenciais, os seguintes factos:
“A Fundação PT foi constituída em 11/3/2003. Em 12/7/2004, foi-lhe atribuída personalidade jurídica. Em 4/3/2005, foi-lhe reconhecida o estatuto de utilidade pública. Em 13/7/2007, foi notificado à Fundação PT, da isenção em sede de IRC.
A liberalidade objecto dos presentes autos foi efectuada em 2004.
Por sua vez, o despacho documentado a fls. 79, limita os seus efeitos “a partir de 04/03/2005”.
V – Assim, conforme melhor exposto em sede de alegações resulta, que a liberalidade, efectuada no ano de 2004, não é fiscalmente dedutível.
VI – O acto objecto dos autos não viola qualquer disposição legal, motivo pelo qual o mesmo deverá ser mantido na ordem jurídica, termos em que a impugnação dever ser julgada improcedente.
VII - Ora, apesar da impugnante argumentar que a AT não aceitou a dedutibilidade fiscal do donativo em causa nos autos porque o mesmo não havia sido sujeito ao reconhecimento ministerial previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, o Tribunal a quo considerou que aquele reconhecimento ministerial não é exigível quando estão em causa donativos efectuados a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato, na redacção conferida pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro.
VIII – E no fundo a questão resume-se a saber se a isenção prevista no art.º 10.º/1-c) do CIRC retroage ou não à data da constituição da Fundação PT ou apenas à data da declaração de utilidade pública administrativa.
IX - Ora perante o supra exposto em sede de alegações surge a seguinte questão: poderia a Fundação Portugal Telecom ter obtido o reconhecimento automático da utilidade pública ao abrigo do DL 460/77, isto é, logo após o seu ato constitutivo? A resposta é negativa.
X – Tal resposta é dada pelo artigo 4.º/2 do próprio DL 460/77, na sua versão originária dado que o mesmo só foi alterado por via da Lei 40/2007, de 24 de Agosto, e do Decreto-Lei 391/2007, de 13 de Dezembro, ou seja, diplomas legais posteriores à própria concessão do estatuto de utilidade pública à Fundação Portugal Telecom: “As restantes associações ou fundações só podem ser declaradas de utilidade pública ao fim de cinco anos de efectivo e relevante funcionamento, salvo se especialmente dispensadas deste prazo em razão de circunstâncias excepcionais.”
Mas sempre apenas a partir desse momento.
XI - Ora no caso subjudice verifica-se que a Fundação Portugal Telecom beneficiou de uma atenuação do prazo geral, já que entre a sua constituição em 2004-07-12 e, a data de declaração de utilidade pública 2005-03-04 não mediaram 5 anos.
Ora estamos perante dois conceitos completamente distintos o benefício de atenuação do prazo geral de 5 anos e, a declaração de entidade pública sem que isso signifique que tal declaração retroaja à data da sua constituição.
XII – E, ademais a impugnante labora em erro quanto à data da constituição da PT, indicando a data de 2003-03-11, ou seja, a data de outorga da escritura pública.
Ora tal não é exacto uma vez que a Fundação PT apenas viu reconhecida a sua personalidade jurídica em 2004-07-12.
XIII - Sendo o reconhecimento um dos elementos constitutivos da pessoa colectiva de que depende a atribuição da personalidade jurídica, não estando a autora (na acção) ainda reconhecida pela autoridade competente, não dispõe ela de personalidade jurídica nem de personalidade judiciária.
XIV - Como se conclui, de acordo com a citada jurisprudência entre 2003-03-11- data da outorga da escritura pública) e 2004/07/12 (data do reconhecimento pelo Secretário de Estado da Administração Interna), a Fundação PT não possuía personalidade jurídica.
XV - Apesar da impugnante argumentar que a AT não aceitou a dedutibilidade fiscal do donativo em causa nos autos porque o mesmo não havia sido sujeito ao reconhecimento ministerial previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, o Tribunal a quo considerou que aquele reconhecimento ministerial não é exigível quando estão em causa donativos efectuados a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato, na redacção conferida pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro.
Termos em que a decisão recorrida não se pode manter na ordem jurídica, por padecer de erro de facto e de direito, devendo como tal ser revogada por outra que reponha a justiça.
Porém, com melhor entendimento V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) Constitui objecto do presente Recurso, interposto pela Fazenda Pública, a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 20 de Fevereiro de 2019, no âmbito do processo de Impugnação Judicial n.° 2684/10.2BELRS e que considerou totalmente procedente o pedido formulado pela RECORRIDA.
B) Em discussão nos referidos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da RECORRIDA em ver promovida uma correcção ao lucro tributável apurado no exercício de 2004 pelo Grupo NOS (à data dos factos, Grupo PT Multimédia), de modo a reflectir a dedutibilidade fiscal dos donativos concedidos à Fundação PT no valor de € 525.000,00 e respectiva majoração, correspondente a € 735.000,00 (140% de € 525.000,00).
C) Para o efeito, constituiu objecto dos autos de Impugnação Judicial (i) o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2004 e, bem assim, (ii) o Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico proferido ao abrigo de poderes subdelegados pela Exma. Senhora Directora de Serviços do IRC, em 27 de Julho de 2010.
D) De acordo com o entendimento da RECORRIDA - e que foi integralmente, sufragado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida -, o referido acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2004 deveria ser alterado no sentido de incluir o custo com a doação efectuada à Fundação PT no valor de € 525.000 e a respectiva majoração, por se verificarem os pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicação do benefício previsto na alínea d) do número 1 do artigo l.° da Lei do Mecenato.
E) Por seu turno, a Fazenda Pública entende, indevidamente, que o benefício pretendido pela RECORRIDA não é susceptível de se reportar às dotações efectuadas em momento anterior ao da obtenção, pela Fundação PT, do estatuto de utilidade pública, no ano de 2007, devendo nessa medida ser revogada a Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo e mantido na ordem jurídica o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2004 e, bem assim, o Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico proferido ao abrigo de poderes subdelegados pela Exma. Senhora Directora de Serviços do IRC, em 27 de Julho de 2010.
F) Ora, conforme ficou comprovado em sede de Impugnação Judicial, a Fundação PT é uma pessoa colectiva de direito privado sem fins lucrativos, constituída por escritura pública pela ora RECORRIDA e pelas sociedades Portugal Telecom SGPS, T… - T…, S.A., Portugal Telecom, I…. S.A e pela P…. S.A., em 11 de Março
de 2003, como instrumento fundamental para concretizar o compromisso. Q1
G) Em 4 de Março de 2005, foi publicado em Diário da República (2ª série, n.° 45), o Despacho n.° 46/2005 do Primeiro-Ministro, reconhecendo, ao abrigo do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 460/77, de 7 de Novembro, o estatuto de utilidade pública à Fundação PT.
H) No seguimento do reconhecimento da isenção de IRC e encontrando-se à data precludido o prazo para entrega de declarações de substituição (cfr. artigo 114.°, n.° 2, do Código do IRC), a RECORRIDA deduziu Reclamação Graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2004, por forma a beneficiar da dedução (e respectiva majoração) à sua matéria colectável do valor dos donativos concedidos à Fundação PT.
I) Tendo a referida Reclamação Graciosa, e o subsequente Recurso Hierárquico sido indeferidos, foi apresentada Impugnação Judicial, tendo, nesse âmbito, sido proferida a Sentença ora recorrida, cujo teor - favorável à RECORRIDA -, assentou na jurisprudência estabilizada do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, no Acórdão proferido em 23 de Outubro de 2013, no âmbito do processo n.° 0471/13.
J) Neste sentido, a Sentença proferida, em consonância com o que tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo e transcrevendo o entendimento perfilhado por aquele Tribunal, decidiu que: “os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d) do n.° 1 do artigo 1. ° do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente provada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2004, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à (...) deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2004, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11º (actual 12º) do Código do IRC”.
K) Assim, como bem resulta da Sentença ora recorrida e em sintonia com o defendido pela RECORRIDA: “resulta com mediana clareza do n. °3 do artigo 1. ° do Decreto Lei n. ° 74/99 de 16 de Março, que o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.° 1 do Estatuto do Mecenato é em, regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a Fundação destinatária for uma pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção para efeitos de IRC”.
L) Conforme resulta dos autos, a RECORRIDA optou por aguardar pelo despacho de reconhecimento de isenção em sede de IRC, notificado à Fundação PT por Ofício n.° 5870 da Direcção de Serviços do IRC, em 13 de Março de 2007, de modo a poder beneficiar da excepção ao reconhecimento casuístico prévio exigido no artigo l.°, número 1 do Estatuto do Mecenato.
M) Porém, a Fazenda Pública persiste em considerar que a RECORRIDA não preenche os requisitos legalmente estabelecidos para poder beneficiar da dedução (e majoração) como custo fiscal do valor atribuído a título de dotação inicial à Fundação PT, no exercício de 2004, ainda que tal entendimento resulte de forma evidente da jurisprudência dos tribunais superiores, que tem vindo a entender que o procedimento adoptado pela RECORRIDA está de acordo com as normas que prevêem a concessão deste benefício.
N) A este respeito, atente-se no teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que serviu de fundamento a Sentença recorrida, datado de 23 de Outubro de 2013 e proferido no processo n.° 0471/13 de onde resulta de forma clara que: “(...) o direito ao benefício, obtido de forma automática a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal de exercício de 2004, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11º (actual artigo 12. °) do Código do IRC." (sublinhado da RECORRIDA).
O) E, bem assim, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.° 401/17-50STA, datado de 27 de Fevereiro de 2019, onde foi Recorrente a ora RECORRIDA e no âmbito do qual é decidida, de forma definitiva, a mesma situação de facto e de direito mas com referência ao exercício de 2003 e de onde resulta de forma clara que: “(...) o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos - ct artigo 4. °, n. °2 do EBF (actual 5, °, n°2)”.
P) Acabando assim por concluir o Supremo Tribunal Administrativo, neste âmbito, que: “ora como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d) do n. °1, do artigo 1º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação iniciai de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2003, razão pela qual o direito obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2003”i
Q) Na verdade, este entendimento decorre, também, de forma literal do preceito que regula o benefício em apreço, pois, estatui o artigo l.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 460/77, de 7 de Novembro, que “são pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública,»”.
R) Sendo que, complementarmente, determina o artigo 9.° daquele diploma que “ as pessoas colectivas de utilidade pública gozam das isenções fiscais que forem previstas na lei”.
S) Não existindo, tanto quanto resulta da leitura conjugada de ambos os preceitos legais, qualquer limitação temporal aos efeitos decorrentes da declaração de utilidade pública, nomeadamente no que se refere à data a que retroagem os seus efeitos legais.
T) Pelo contrário, resulta do teor literal do diploma que, ao utilizar reiteradamente os termos “declaração” e “processo de reconhecimento da utilidade pública”, foi intenção do legislador atribuir àquele acto administrativo efeitos meramente declarativos e, portanto, não constitutivos, como parece curial que se conclua, reportados à data de verificação dos respectivos pressupostos.
U) A este propósito, também a doutrina mais reputada se pronuncia no sentido da retroactividade do benefício, que entende que o acto ou acordo, através do qual o reconhecimento se concretiza, tem uma eficácia meramente declarativa, reportando, por isso, os seus efeitos à data da verificação dos pressupostos.
V) Refira-se, também, que é a própria Administração tributária, através da Circular n.° 13/2003, de 25 de Setembro, emitida pela Direcção de Serviços do IRC quem, determina que "o nascimento do direito ao benefício fiscal deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais, a saber, genericamente, por um lado, a atribuição do donativo ao sujeito passivo (...) e, por outro lado, a integração da entidade beneficiária e medidas a desenvolver num dos tipos de entidades e medidas elencadas nos artigos l.° a 4.° do Estatuto do Mecenato". (sublinhado da RECORRIDA).
W) Acrescenta, ainda, a mesma Circular que “o benefício fiscal tem a sua fonte, não no acto de reconhecimento, mas, na própria lei (...) uma vez praticado este acto de reconhecimento, os seus efeitos retroagem à data da verificação histórica dos respectivos pressupostos do benefício fiscal”.
X) Ora, é precisamente por essa razão que a referida Circular refere, expressamente, que, no caso de o sujeito passivo não considerar o benefício fiscal no exercício a que o mesmo respeita, em virtude de o respectivo despacho de reconhecimento do carácter de utilidade pública ainda não ter sido emitido à data da entrega da declaração de rendimentos, o sujeito passivo poderá posteriormente, após a emissão do referido despacho, reclamar graciosamente do acto de autoliquidação (caso o prazo para entrega de declaração de substituição tenha já terminado) por forma a obter o benefício fiscal não reconhecido no exercício a que respeita.
Y) E nem se venha alegar, neste sentido, como faz a Fazenda Pública que a Fundação PT era apenas uma “massa de bens doados sem um titular definido e sem personalidade tributária”, e nessa medida inapta a preencher os requisitos previstos na Lei do Mecenato, pois, de acordo com a Jurisprudência dos tribunais superiores, em especial do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.° 401/17-50STA, datado de 27 de Fevereiro de 2019, em que foi parte a RECORRIDA e que se refere à mesma situação de facto e direito relativa ao exercício de 2003, refere-se que: “sempre no sentido de estando em causa um benefício automático para o mecenas/fundador por força da declaração de utilidade pública de reconhecimento de isenção de IRC da fundação, esse benefício retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi art. °11. ° (actual art.12. °) do EBF, ou seja, retroage à data em que o fundador efectuou o donativo destinado à dotação inicial da fundação."
Z) E, se o Supremo Tribunal Administrativo considerou esta realidade como inquestionável para o ano de 2003, então, por maioria de razão tal situação ter-se-á que aplicar para o exercício de 2004, devendo assim improceder o entendimento preconizado pela Fazenda Pública, indeferindo-se o peticionado e mantendo-se a Sentença proferida pelo douto Tribunal aquo.
AA) Razão pela qual, em conformidade com a argumentação de facto e de direito que infra elenca entende a ora RECORRIDA que deverá este Tribunal manter na ordem jurídica, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, determinando assim a improcedência do presente Recurso.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, QUE DETERMINA A PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA CONTRA O ACTO DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC DO EXERCÍCIO DE 2004.”
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer tendo suscitado a questão prévia da incompetência absoluta em razão da hierarquia.

Notificadas as partes da questão prévia suscitada, nada disseram.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter considerado como custo os donativos atribuídos pela Recorrida, no ano de 2004, à Fundação PT.
Previamente importa decidir a questão da incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15. ° Cartório Notarial de Lisboa foi instituída a Fundação Portugal Telecom, pessoa colectiva de utilidade pública, sem fins lucrativos – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
2. A Impugnante, na designação que era sua firma à época, foi um dos fundadores da Fundação referida em 1. – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
3. Nos estatutos da Fundação referida em 1. foram inscritos como fim e objecto desta “... exprimir e concretizar o compromisso de intervenção social e apoio ao desenvolvimento por parte do Grupo Portugal Telecom, promovendo e apoiando, em Portugal e no resto do Mundo onde o Grupo opera, e em particular nos países de expressão portuguesa, programas de acção, iniciativas e actividades que visem ou favoreçam os avanços da Sociedade de Informação, os usos sociais dos meios e tecnologias de comunicação e informação, designadamente para a promoção da educação e formação tecnológica e cultural do combate à infoexclusão nas suas diferentes vertentes, bem como as que promovam a inovação e o desenvolvimento na promoção da saúde, da cultura e do desporto, e outras, directa ou em parceria com outras entidades que visem fins idênticos e, em particular, aquelas em que o Grupo detenha participações…” – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
4. De acordo com os estatutos da mesma, as entidades fundadoras participam na Fundação referida em 1. com uma dotação inicial de € 25.000.000,00, a qual seria realizada nos seguintes moldes: € 10.000.000,00, em 2003; € 5.000.000,00, em 2004; €5.000.000,00, em 2005; e €5.000.000,00, em 2006 – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
5. Nos termos dos estatutos da Fundação referida em 1. (artigo 5º, n.º 2, alínea d) dos mesmos), a Impugnante era responsável pela realização de 10,5% do valor da dotação inicial da Fundação – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
6. Entre os anos de 2003 e 2005 a Impugnante concedeu donativos à Fundação referida em 1. no montante global de 2.100.000,00€.
7. O montante referido em 6. correspondente ao ano de 2004, no valor de 525.000,00€, foi entregue pela Impugnante à Fundação referida em 1. para a constituição do património inicial da Fundação – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial a fls. 76 dos presentes autos.
8. A 12/07/2004, a Fundação referida em 1. obteve reconhecimento, pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, n.º 162, de 12/07/2004 – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial a fls. 74 dos presentes autos.
9. Pela Declaração n.º 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação referida em 1. – cfr. doc. n.º 5 junto com a petição inicial junto a fls. 75 dos presentes autos.
10. No dia 13/03/2007, a Fundação referida em 1. recebeu notificação do deferimento, em 07/03/2007, por parte do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do pedido de reconhecimento de isenção de IRC por aquela requerido – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial fls. 77 a 79 dos presentes autos.
11. O despacho referido em 10. refere que tal “isenção aplica-se a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública no DR II Série n.° 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10.° do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial fls. 77 a 79 dos presentes autos.
12. A impugnante não considerou os custos com a dotação para a Fundação referida em 1. como sendo fiscalmente dedutíveis na declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2004, tendo-os declarado no campo 210 da declaração Modelo 22 de 2004 – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 54 a 58 dos presentes autos.
13. A 31 de Maio de 2007 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2004 com o intuito de beneficiar da dedução à matéria tributável do valor correspondente aos donativos concedidos à Fundação referida em 1. no ano de 2004, no valor 525.000,00€ e respectiva majoração legal – cfr. fls. identificadas como 3 a 8 do processo administrativo junto aos presentes autos.
14. A reclamação referida em 13. foi alvo de informação elaborada pela Divisão de Justiça da Direcção de Finanças de Lisboa com o seguinte conteúdo no que diz respeito aos donativos de 2004: “… Conclusão e Proposta de decisão: 15. No tocante à liberalidade realizada pelo reclamante em 21 de Dezembro de 2004, e um vez que a Fundação Portugal Telecom apenas adquire o estatuto de utilidade pública no dia 04 de Março de 2005…será de indeferir em virtude de não se encontrarem reunidos os pressupostos necessários para a aceitação desse custo…” – cfr. fls. identificadas como 45 a 50 do processo administrativo junto aos presentes autos.
15. A Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia, através de carta a si dirigida com data de 28/11/2008, tendo a Impugnante exercido tal direito – cfr. fls. identificadas como 51 a 58 do processo administrativo junto aos presentes autos.
16. A decisão final da reclamação referida em 13. obteve informação por parte dos serviços de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa que relativamente à informação referida em 14. acrescentou o seguinte: “…Não obstante o sujeito passivo não apresente factos novos a contrariar o disposto pela Administração Fiscal, procedeu-se à análise das alegações apresentadas pelo sujeito passivo. Vejamos: Da análise do conteúdo da Circular n.º 13/2003, de 25 de Setembro da DSIRC…Pela análise dos Estatutos da entidade beneficiária (Fundação PT) não existe dúvida que o objecto da sua actividade se enquadra nas medidas preconizadas, em concreto na al. D) do n.º 1 do artigo 1º do Estatuto do Mecenato…Porém a mesma entidade beneficiária só assume a condição… de entidade isenta, nos termos do artigo 10º do CIRC, em 2005.03.04… Note-se, que no reconhecimento obtido em 2007.03.07, é clarificado que esta isenção apenas retroage à data de 2005.03.04, e não à data da constituição da fundação como pretende invocar o sujeito passivo, porque, tal como é determinado no próprio Despacho, esta é a data em que a entidade beneficiária é reconhecida como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública. Ora, no Despacho de reconhecimento está clarificado que a condição de entidade isenta nos termos do artigo 10º do Código do IRC só se aplica a partir de 2005.03.04, pelo que só os donativos concedidos a partir desta data podem beneficiar do benefício fiscal pretendido pelo sujeito passivo. Proposta de decisão: Face ao exposto mantém-se a proposta de decisão: - Relativamente ao donativo efectuado no exercício de 2004, no montante de € 525.000,00, propõe-se o indeferimento por se comprovar que à data de 2004.12.21 não estão reunidos os pressupostos para a aceitação do custo e por conseguinte da majoração…” – cfr. fls. identificadas como 69 a 76 do processo administrativo junto aos presentes autos.
17. A reclamação referida em 13. foi alvo de decisão final pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa com o seguinte conteúdo: “…Concordo, pelo que, convolo em definitivo o projecto de decisão com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação, defiro parcialmente o pedido da reclamante, nos termos em que vem proposto.
Notifique-se….” – cfr. fls. identificadas como 69 do processo administrativo junto aos presentes autos.
18. Em 19/03/2009 a Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão referida em 17. – cfr. fls. identificadas como 33 a 39 do processo administrativo junto aos presentes autos.
19. O recurso referido em 18. foi alvo de informação por parte dos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…As dotações iniciais da entidade requerente não poderão usufruir da majoração prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 1º do estatuto do mecenato, uma vez que, em caso de extinção da Fundação Portugal Telecom, o n.º 2 do artigo 22º dos seus estatutos não estabelece que, os bens da entidade requerente revertam para o Estado ou, em alternativa, poderem ser cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º (actual 10º) do Código do IRC… Quanto ao seu enquadramento, no âmbito do EM, foi por despacho de 18 de Fevereiro de 2005 do primeiro Ministro, publicado no DR-II Série n.º 45, de 4 de Março de 2005, o reconhecimento à respectiva Fundação do Estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública. Por despacho de 7 de Março de 2007, do SEAF, por delegação de competências foi reconhecida à Fundação Portugal Telecom a isenção de IRC, nos termos do artigo 10º do Código do IRC (com efeitos a partir de 4.03.2005). face aos motivos expostos, conclui-se ser de reiterar a decisão dado em sede de procedimento anterior, não se aceitando a dotação efectuada em 2004 por não reunir a Fundação, àquela data, os requisitos que permitissem a pretensão favorável ao ora recorrente. Não tendo aplicação a Circular invocada…não reunir a Fundação àquela data, os requisitos necessários e designadamente o estatuto de utilidade pública, para que pudesse receber o respectivo donativo. Sendo nestes termos de reiterar a decisão dada no procedimento anterior, indeferindo-se o presente recurso. Direito de Audição. Tendo em conta que anteriormente já foi exercido o direito de audição a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 60º da Lei Geral Tributária, e, não havendo nesta fase de procedimento elementos novos de pronúncia, é de dispensar, em conformidade com a alínea a) do n.º 3 da Circular 13/99, de 8 de Julho, nova audição…” – cfr. fls. identificadas como 79 a 82v do processo administrativo junto aos presentes autos.
20. O recurso referido em 18. obteve a seguinte decisão “Concordo. Indefiro o recurso com os fundamentos invocados.” – cfr. fls. identificadas como 79 do processo administrativo junto aos presentes autos.
21. A decisão referida em 20 foi enviada via correio registado com aviso de recepção à Impugnante – cfr. fls. identificadas como 84 a 86 do processo administrativo junto aos presentes autos.
22. O aviso de recepção referido em 21. foi assinado com data de 24/08/2010 – cfr. fls. identificadas como 84 do processo administrativo junto aos presentes autos.
23. A Fundação referida em 1. realizou uma alteração aos seus estatutos, alterando o n.º 2 do artigo 22º dos mesmos que passou a ter a seguinte redacção “2. Em caso de extinção da Fundação, o seu património reverterá para o Estado ou, em alternativa, será concedido às entidades abrangidas pelo artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas”, sendo a alteração realizada por escritura pública outorgada em 13/04/2010 – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 59 a 73 dos presentes autos.
24. A presente acção deu entrada em 18/11/2010.
Factos não provados.
Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.
Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no PA apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre, antes de mais, decidir da questão prévia que foi suscitada pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer, quanto à competência deste Tribunal Central Administrativo Sul em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo certo que a infracção às regras de competência em razão da hierarquia determina, nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, sendo-lhe aplicáveis as alterações introduzidas no CPPT e no ETAF, respetivamente, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro.

As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra questão, e pode ser arguida por qualquer interessado, Fazenda Pública e suscitada pelo Ministério Público (cf. art.º 16.º, n.º 2, do CPPT).

Por conseguinte, a competência do Tribunal em razão da hierarquia constitui questão que o tribunal deve conhecer oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. Ac. do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0161/14).

Assim, é competente para conhecer dos recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (art. 26.º, al. b), do ETAF), sendo competente a Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo nos demais casos (art. 38.º, al. a), do ETAF).
Igualmente consagra o art. 280.º, n.º 1 do CPPT que das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões, uma vez que estas fixam o objeto do recurso nos termos do disposto no art. 635.º, n.º 4, do CPC.

No caso em apreço a decisão recorrida configura uma decisão de mérito, na medida em que julgou a impugnação procedente. E, atentas as conclusões de recurso que delimitam o objeto do mesmo, resulta que, embora a Recorrente não tenha emitido qualquer discordância com a decisão proferida sobre a matéria de facto, no entanto, o presente recurso não versa unicamente sobre matéria de direito, porquanto a Recorrente expressamente suscita errónea valoração da matéria de facto assente nos autos (veja-se a conclusão IV) e conclusão XII), o que releva para a decisão dos autos dado a Recorrente divergir das ilações de facto que se devem retirar da factualidade provada, pelo que é competente para conhecer do presente processo, o Tribunal Central Administrativo.

Face ao exposto, não se verifica a excepção suscitada pelo Magistrado do Ministério Público.

Prosseguindo.

Como resulta dos autos, o Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial do acto de liquidação de IRC do exercício de 2004 na medida em que, aderindo aos fundamentos vertidos no Acórdão do STA de 23/10/2013, no processo nº 0471/13, considerou ser de aceitar como custo daquele exercício os donativos que a impugnante atribuiu à Fundação PT no ano de 2004, no valor de 525.000€ e respectiva majoração de 140% nos termos do artigo 1º n.º 3 do Estatuto do Mecenato.

Contra o assim decidido vem a Fazenda Pública recorrer alegando que importa determinar se a isenção prevista no art.º 10.º/1-c) do CIRC retroage ou não à data da constituição da Fundação PT ou apenas à data da declaração de utilidade pública administrativa. Em defesa da improcedência da impugnação invoca que sendo o reconhecimento um dos elementos constitutivos da pessoa colectiva de que depende a atribuição da personalidade jurídica, e, tendo a Fundação PT sido reconhecida apenas em 12/07/2004, conclui que no período entre 11/03/2003 (data da outorga da escritura pública) e 12/07/2004 (data do reconhecimento pelo Secretário de Estado da Administração Interna) a Fundação PT não possuía personalidade jurídica, não se podendo retroagir os efeitos da declaração de utilidade pública à data de 11/03/2003.

A Recorrida nas suas contra-alegações defende, em síntese, que a sentença recorrida não padece de qualquer vício sendo de manter o decidido, invocando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e em concreto o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.° 401/17-50STA, datado de 27 de Fevereiro de 2019, onde foi Recorrente e no âmbito do qual é decidida, a mesma situação de facto e de direito mas com referência ao exercício de 2003 e de onde resulta de forma clara que: “(...) o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos - ct artigo 4. °, n. °2 do EBF (actual 5, °, n°2)”.

A questão a decidir prende-se assim com a dedução como custo no exercício de 2004, dos donativos atribuídos à Fundação PT e, mais concretamente determinar se a isenção prevista no art. 10º, nº 1, alínea c) do CIRC retroage ou não à data da constituição da Fundação PT ou apenas à data da declaração de utilidade pública administrativa.

Resultou da factualidade supra que em 11/03/2003 foi outorgada a escritura pública referente à constituição da Fundação Portugal Telecom, pessoa colectiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, da qual a Recorrida foi um dos fundadores (cfr. ponto 1 e 2 da matéria assente). E, no ano de 2004 a Recorrida procedeu à entrega à Fundação do montante de € 525.000,00 para a constituição do seu património inicial (cfr. ponto 7 da matéria assente).

Mais resultou assente que em 12/07/2004, a Fundação foi reconhecida, pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, n.º 162, de 12/07/2004, sendo que pela Declaração n.º 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação (cfr. ponto 8 e 9 da matéria assente).

Em 07/03/2007 foi reconhecida à Fundação a isenção de IRC constando do respectivo despacho que a “isenção aplica-se a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública no DR II Série n.° 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10.° do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição”. (cfr. pontos 10 e 11 do probatório).

A Recorrida na declaração mod. 22 do exercício de 2004 não considerou os custos com a dotação para a Fundação e, em 31 de Maio de 2007 apresentou reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC com o intuito de beneficiar da dedução à matéria tributável do valor correspondente aos donativos concedidos à Fundação, no valor € 525.000,00 e respectiva majoração legal, reclamação graciosa que foi indeferida, bem como o subsequente recurso hierárquico (cfr. pontos 12 a 20 da matéria assente).

De salientar que as questões colocadas no presente recurso, foram já decididas no Acórdão do STA de 23/10/2013 – proc. 0471/13 a que a sentença recorrida faz referência e acompanhou na sua fundamentação jurídica, mas também no Acórdão deste Tribunal de 05/03/2020 - proc. 1198/12.0BELRS.

E ainda no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 27/02/2019 – Proc. 02686/10.9BELRS, que seguiremos muito de perto e atentas as necessárias adaptações, onde claramente se afirma o seguinte:
A primeira questão a resolver é a de saber se o benefício fiscal concedido pelo artigo 1.º, alínea d), n.º 1 do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, na redacção da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, aos fundadores de fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, e que consiste na dedução como custo fiscal do donativo efectuado para a dotação inicial da fundação, é automático ou, pelo contrário, exige reconhecimento prévio.

Da simples leitura do preceito resulta que são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos a fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial [alínea d) do n.º 1], e que só os benefícios fiscais previstos no n.º 2 dependem de acto de reconhecimento por despacho conjunto dos ministros das finanças e da tutela. O que se compreende, na medida em que os donativos previstos na alínea d) do nº 1 se destinam necessariamente à constituição da dotação inicial da fundação, indispensável à prossecução dos seus fins estatutários (cfr. art.º 188.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil).

Deste modo, e considerando que na interpretação do sentido e alcance da norma jurídica há que atender, antes de mais, ao elemento gramatical (o texto ou letra da norma), logo seríamos levados a considerar que se trata de um benefício automático. O que é confirmado pelo elemento histórico, pois, como se deixou frisado no acórdão desta Secção de 1/02/2017, no proc. nº 01115/13, a história evolutiva do regime jurídico do mecenato e os respectivos trabalhos preparatórios apontam claramente nesse sentido.
«De facto com a alteração produzida pela Lei n.º 160/99, de 14 de setembro, ao artigo 1º do Estatuto do Mecenato, foi aditada uma nova al. d) com vista incluir-se no normativo as fundações de iniciativa privada e natureza predominantemente social ou cultural, por forma a que estes casos passassem a dar origem ao benefício fiscal sem necessidade de reconhecimento, tendo sido incluída uma ressalva final no sentido de tal apenas se reportar «à dotação inicial.
O sentido útil desta alteração legal é manifesto: as entidades elencadas nas alíneas a), b) e c) - Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, Associações de municípios e de freguesias e Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial, têm direito ao beneficio fiscal (de consideração como custos em IRC, na sua totalidade), sem necessidade de reconhecimento, relativamente a todos os donativos efectuados, independentemente de serem dotações iniciais ou outro tipo de donativos.
Já os donativos efectuados às entidades referidas na alínea d) - Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, como é o caso da recorrente, dão lugar a idêntico benefício fiscal, sem necessidade de reconhecimento administrativo, mas apenas nos casos em que o donativo corresponda à dotação inicial.».
No caso vertente, a declaração de reconhecimento da utilidade pública da Fundação Portugal Telecom, proferida pelo Primeiro-Ministro, foi publicada no Diário da República de 4/03/2005, pelo que a questão que se coloca consiste em saber se relativamente ao donativo que a sociedade fundadora lhe concedera em 2003 para dotação inicial (altura em que ela ainda não detinha esse estatuto) pode esta sociedade pretender corrigir o lucro tributável apurado nesse exercício de 2003 na parte correspondente ao donativo concedido e respectiva majoração.
E a resposta correcta é, salvo o devido respeito, a que tem sido dada pelo Supremo Tribunal Administrativo, tanto no acórdão fundamento (de 23/10/2013, no proc. nº 0471/13), como nos acórdãos posteriores (de 15/01/2014, no proc. nº 0148/13, e de 1/02/2017, no proc. nº 01115/13), sempre no sentido de que estando em causa um benefício automático para o mecenas/fundador por força da declaração de utilidade pública e reconhecimento de isenção de IRC da fundação, esse benefício retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi art.º 11.º (actual art.º 12.º) do EBF, ou seja, retroage à data em que o fundador efectuou o donativo destinado à dotação inicial da fundação.
«Os pressupostos substantivos deste benefício são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga finda de natureza predominantemente social ou cultural.
Sabido que os benefícios fiscais, quanto ao modo pelo qual operam, são automáticos, quando resultam directa e imediatamente da lei, ou dependentes de reconhecimento, quando pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento, impõe-se averiguar como opera o benefício fiscal em causa.
Ora, resulta com mediana clareza do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99 de 16/3, que o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
Daí que se os fundadores quisessem, na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2003, deduzir integralmente como custo os donativos que efectuaram para a dotação inicial da Fundação, teriam de ter pedido o reconhecimento de tal benefício fiscal, o que não fizeram.
O que fizeram foi, a partir do momento em que adquiriram, de forma automática, o direito ao benefício fiscal de deduzir os custos com os donativos destinados à «dotação inicial» desta Fundação «de iniciativa exclusivamente privada e que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural», reclamar da autoliquidação de IRC do exercício de 2003 na parte tocante aos custos, pretendendo que o benefício, que agora lhes é reconhecido pela lei (benefício automático), estendesse os seus efeitos à data em que começou a entregar os donativos destinados à dotação inicial daquela Fundação.
E bem, assim o julgamos.
É que, nos termos do então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo».
Ou seja, salvo nos casos em que a lei disponha de outro modo – o que não é o caso dos autos –, o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos – cf. artigo 4.º nº 2 do EBF (actual 5.º, n.º 2).
Ora, como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2003, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automático a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2003, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Código do IRC».

Atenta a similitude da situação fáctico-jurídica acima exposta e a dos presentes autos, conclui-se que efectivamente a Recorrida poderia ter deduzido como custo os donativos concedidos à Fundação PT, conforme fundamentação constante no transcrito Acórdão.

Pelo exposto conclui-se, sem mais considerações por desnecessárias, que não assiste razão à Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 735.000,00, sendo ainda de destacar que as questões em causa nos presentes autos já foram objeto de apreciação quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, quer por este TCAS, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça

V- DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, dispensando-se do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto