Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:595/17.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
DESPEJO
ARRENDAMENTO APOIADO
FOGO MUNICIPAL
OCUPAÇÃO SEM TÍTULO
FUMUS BONI IURIS
FUMUS MALUS IURIS
Sumário:I – Perante uma situação de ocupação de habitação sem título a que alude o artigo 35º nº 1 da Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro, de acordo com o qual são consideradas sem título as situações de ocupação, total ou parcial, de habitações destinadas a arrendamento apoiado por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente, o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado na comunicação feita para o efeito, havendo lugar a despejo caso não seja cumprida voluntariamente.
II – Ao requerente de uma providência cautelar incumbe o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
III – Nada alegando ou consubstanciando o requerente no requerimento inicial da providência no sentido da invalidade do ato cuja suspensão de eficácia pretende obter, não pode, naturalmente, ter-se por demonstrado o requisito do fumus boni iuris, situação que configuraria, aliás, motivo para o requerimento inicial da providência cautelar ser liminarmente rejeitado ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, na medida em que seria possível constatar, logo perante o requerimento inicial da providência, pela manifesta falta de fundamento da pretensão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A... (devidamente identificada nos autos), requerente no Processo Cautelar que instaurou em 12/03/2017 no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa em que é requerida G… – G…. Lisboa, EM, SAno qual peticionou a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser a deliberação que aprovou a execução coerciva do despejo da requerente e dos seus filhos menores da habitação sita na R…, n.º .., 5ºA, Lisboa – inconformada com a sentença de 12/12/2017 do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido cautelar, dela interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. O processo cautelar tem uma finalidade própria que consiste em assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida a final;

2. Ora, no caso de o direito da Requerente não ser devidamente acautelado, poderá originar a produção de prejuízos de difícil reparação ou até mesmo uma situação de facto consumado, atentos os parcos rendimentos auferidos pela Requerente e a composição do seu agregado familiar.

3. A douta sentença suporta-se em todos os aspectos na prova documental, mas prova documental essa maioritariamente elaborada pela própria Requerida, pelo que não se poderá dizer ser de todo isenta;

4. O que é certo é que a Requerente desde logo fica impedida de demonstrar aquilo que alega se nem as suas testemunhas são ouvidas…

5. E tudo é logo decidido apenas com base nos documentos maioritariamente apresentados pela Requerida…

6. Ora, o processo cautelar tem uma finalidade própria que consiste em assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida a final;

7. A Requerente é mãe solteira, com dois filhos menores a seu cargo;

8. Não dispondo a Requerente, e os seus filhos de qualquer alternativa habitacional, ou de meios para a adquirir, em condições de dignidade e adequadas aos seus dois filhos;

9. Sendo que, a desocupação e despejo da requerente e dos seus dois filhos, onde vive nos últimos anos, pagando uma mensalidade elevada para os seus parcos rendimentos, agravaria uma injustiça, já de si mesmo, gritante;

10. E deixaria a Requerente e os seus filhos, ambos menores e totalmente dependentes da Requerente, sem qualquer local para viver, pelo que todos (a Requerente e seus filhos menores) teriam que começar a viver na rua;

11. São requisitos para a providência cautelar o “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, sendo que se encontra demonstrado receio da lesão grave e dificilmente reparável, mormente o sério risco que a Requerente tem de ter de ir viver para o meio da rua com as suas filhas menores;

12. Sendo certo que é evidente, por tudo o exposto, o periculum in mora;

13. O direito a habitação encontra-se consagrado no art.º 65º da CRP;

14. O acto administrativo impugnado é violador daquele art.º 65º da CRP

15. Sendo, entre outros, precisamente a violação do art.º 65º da CRP que a Recorrente invocou na sua PI, pelo que a douta sentença ao alegar que “não tendo o Requerente invocado quaisquer razões de direito que fundamentem a sua pretensão, o tribunal não a poderá conhecer por omissão de causa de pedir” deixou de apreciar questão que havia sido suscitada;

16. E não apenas deixou de a apreciar como invocou a inexistência de tal alegação;

17. Incorrendo assim a douta sentença em omissão de pronúncia que gera a sua nulidade;

18. A procedência da providência cautelar apenas se limita a assegurar os mais elementares direitos constitucionais da Requerente;

19. Até porque estando a renda a ser pontualmente paga, nenhum sério prejuízo tem a Requerida;

20. E isto porque destinando a Requerida o imóvel ao arrendamento, objectivamente sendo-lhe pagas mensalmente todas as rendas devidas pela utilização do imóvel verifica-se não ter a Requerida qualquer prejuízo;

21. Pelo que sempre deverá a providência cautelar proceder sob pena de violação do art.º 65º da CRP e do art.º 6º n.º 2 do Regulamento das Desocupações Habitacionais Municipais;

22. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.


A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, terminando a final com o seguinte quadro conclusivo:
1. Douta Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa que decidiu julgar improcedente a providência cautelar requerida pela Requerente com base no facto de que “com os fundamentos invocados pela Requerente não é provável a procedência da acção principal, não se verificando, assim, o requisito do fumus boni iuris, a que se refere o artigo 120º,nº 1, do CPTA”.

2. A Requerente/Recorrente não se conformando com esta decisão veio da mesma interpor recurso alegando em suma que:

a) “A douta sentença suporta-se em todos os aspectos na prova documental, mas prova documental essa maioritariamente elaborada pela própria Requerida, pelo não se poderá dizer de todo isenta”, parecendo querer alegar que existe violação do principio do contraditório;

b) O periculum in mora foi demonstrado;

c) O ato administrativo impugnado é violador do art. 65° da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) que consagra o direito à habitação;

3. Salvo o devido respeito e, salvo melhor opinião entende-se que nenhuma razão assiste ao Requerente/Recorrente, não estando a Douta Decisão recorrida ferida de qualquer vício de violação de lei.

4. Quanto à alegada violação do princípio do contraditório alegada pela Requerente cumpre dizer que a Douta sentença recorrida também se fundamentou em documentos juntos por aquela. Se a prova junta pela Requerente não foi suficiente isso é algo que só à Requerente pode ser imputado.

5. Acresce que, de acordo com o disposto no art. 118°, nºs 1 e 3 do CPTA compete ao Juiz considerar ou não a necessidade de produção de prova.

6. No caso em apreço, o Juiz do Tribunal a quo considerou que a prova documental junta aos autos era suficiente para a decisão da causa, não existindo qualquer violação do princípio do contraditório.

7. Quanto à alegação de que o periculum in mora foi demonstrado cumpre dizer que esquece-se a Requerente que este requisito tem de ser cumulado com o fumus boni iuris, ou seja, a aparência do bom direito. Não se verificando este último a demonstração do outro é irrelevante. Ora no caso sub judice a aparência do bom direito não se verifica, pelo que a demonstração ou não do periculum im mora é irrelevante.

8. Alega, ainda a Requerente nas suas Alegações de recurso que o direito que invoca é o direito à habitação constitucionalmente consagrado.

9. Por um lado, importa referir que o direito que poderia estar em causa com a ocupação feita pela Requerente não é um direito à habitação constitucionalmente consagrado, mas sim, um direito a habitação municipal de caris social. Mas este não é um direito que se encontre constitucionalmente consagrado. Existem é determinados Municípios que decidem afetar parte do seu património à habitação municipal.

10. Por outro lado, mesmo que, o que estivesse na base da ocupação feita pela Requerente fosse o direito à habitação constitucionalmente consagrado, o que não se concede, tal direito não é de aplicação direta e imediata, pressupondo a mediação do legislador ordinário que prevê um conjunto de exigências de que faz depender a atribuição do direito a utilizar a habitação social e as quais não foram cumpridas pela Requerente.

11. Não assistindo à Requerente, desta forma, qualquer fundamento na sua alegação de recurso.

12. Salvo melhor opinião, entende-se que a douta Decisão recorrida não sofre de qualquer vício de violação de lei, pelo que, não deverá ser revogada.


Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.

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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face das conclusões formuladas pela recorrente as questões essenciais a decidir no presente recurso são as de saber se ao contrário do entendido na sentença recorrida, se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris e se por haver também periculum in mora e feita a ponderação dos interesses em causa, deve a providência cautelar ser decretada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não foi impugnada no presente recurso.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
A recorrente instaurou em 12/03/2017 processo cautelar em que é requerida G… – G… Lisboa, EM, SA no qual peticionou a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser a deliberação que aprovou a execução coerciva do despejo da requerente e dos seus filhos menores da habitação sita na Rua…, n.º …-5º A.
Após dispensar a realização de diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, invocando o disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA, a Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida pela qual julgou improcedente o pedido cautelar.
Decisão que assentou na consideração de que não se encontrava preenchido o requisito do fumus boni iuris tal como enunciado no artigo 120º nº 1 do CPTA revisto (DL. n.º 214-G/2015).
Abstendo-se, concomitantemente, de proceder ao conhecimento do requisito do periculum in mora e à ponderação dos danos para os interesses em presença, que considerou prejudicado em face da natureza cumulativa dos requisitos necessários para a decretação de providências cautelares, à luz do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 120º do CPTA.
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2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 A recorrente peticionou no processo cautelar a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser a deliberação que aprovou a execução coerciva do despejo da requerente e dos seus filhos menores da habitação que identifica, sita em Lisboa.
Após dispensar a realização de diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, invocando o disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA, a Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida pela qual julgou improcedente o pedido cautelar.
Decisão que assentou na consideração de que não se encontrava preenchido o requisito do fumus boni iuris tal como enunciado no artigo 120º nº 1 do CPTA revisto (DL. n.º 214-G/2015).
Abstendo-se, concomitantemente, de proceder ao conhecimento do requisito do periculum in mora e à ponderação dos danos para os interesses em presença, que considerou prejudicado em face da natureza cumulativa dos requisitos necessários para a decretação de providências cautelares, à luz do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 120º do CPTA.
2.2 Ora tendo o Tribunal a quo julgado inverificado o requisito do fumus boni iuris, não se impunha que apreciasse os demais requisitos previstos no artigo 120º do CPTA para o decretamento da providência, mormente o do periculum in mora, cujo conhecimento ficou prejudicado, já que em face do seu caráter cumulativo a falta da verificação de um deles implica necessariamente a improcedência da providência.
Lembre-se que à luz do comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC novo (Lei nº 41/2013), aplicável aos processos cautelares nos tribunais administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, o juiz só tem que resolver as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação cuja decisão não tenha ficado prejudicada para a solução dada a outras. Do que, aliás, a jurisprudência tem feito reiterada e uniforme uso no âmbito dos processos cautelares, sempre que se revele infrutífera a apreciação dos demais requisitos da concessão da providência face ao não preenchimento de um deles – (vide, a título ilustrativo, os acórdãos deste TCA Sul de 10/01/2017, Proc. n.º 613/16.9BELRA; de 02/02/2017, Proc. nº 1259/16.7BELSB; de 22/06/2017, Proc. n.º 708/16.9BEBJA-B; de 05/07/2017, Proc. n.º 293/17.4BELRA; de 09/11/2017, Proc. n.º 55/15.3BEPDL).
2.3 Isto implica que a questão de saber se se encontra (ou não) verificado o requisito do periculum in mora, a que se refere o recorrente nas conclusões 1ª a 12ª das suas alegações de recurso, ficará apenas reservada para conhecimento em substituição nos termos do disposto no artigo 149º nº 2 do mesmo Código, de acordo com o qual “…se o Tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida”. E, portanto, apenas se for de concluir que a sentença recorrida deve ser revogada, por se verificar o requisito do fumus boni iuris.
2.4 Comecemos, pois, por ver se se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris nos termos propugnados pela recorrente.
2.5 A sentença recorrida verteu neste aspeto, no que para a utilidade do presente recurso releva, o seguinte, que se passa a transcrever (vide págs. 13-14 da sentença recorrida):
«a) Do fumus boni iuris:
Vejamos, então, ainda que, perfunctoriamente, se existe fumus boni iuris.
Nesta sede invoca a Entidade Requerida – e bem, diremos nós- a que a Requerente nenhum vício imputa ao acto suspendendo.
Com efeito, tem sido adoptado entre nós um conceito de causa de pedir conforme à teria da substanciação, devendo entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a acção – art.º 581º, n.º 4 do C.P.C.
Assim, o Requerente tem o ónus de alegar os factos que consubstanciam os vícios arguidos, sob pena de o Tribunal não os poder conhecer por carência de causa de pedir.
Por outro lado, nem tão pouco constitui forma atendível de efectuar a arguição de um vício de violação de lei, a mera invocação do preceito legal pretensamente violado, desacompanhada da especificação das razões pelas quais o Requerente sustenta que o acto impugnado violou essa disposição legal.
In casu, a Requerente acentuou a tónica do seu pedido apenas no periculum in mora, requerendo, de igual modo, a legalização da sua situação habitacional e da sua família, ao abrigo da “CRP, das Leis e dos Regulamentos Municipais em vigor”, sem assacar qualquer vício ao acto suspendendo.
O mesmo sucedendo nos autos de Acção Administrativa, registados sob o n.º 683/17.2 BELSB de que os presentes dependem.
Donde, não tendo o Requerente invocado quaisquer razões de direito que fundamentem a sua pretensão, o Tribunal não a poderá conhecer por carência de causa de pedir.
Em face do supra exposto, tem de se concluir que, com os fundamentos invocados pela Requerente não é provável a procedência da acção principal, não se verificando, assim, o requisito do fumus boni iuris, a que se refere o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.»

2.6 A recorrente sustenta nas conclusões 13ª a 22ª das suas alegações de recurso que o ato administrativo impugnado é violador daquele art.º 65º da CRP; que invocou precisamente no requerimento inicial da providência a violação do artigo 65º da CRP; que a douta sentença ao alegar que “não tendo o Requerente invocado quaisquer razões de direito que fundamentem a sua pretensão, o tribunal não a poderá conhecer por omissão de causa de pedir” deixou de apreciar questão que havia sido suscitada, incorrendo assim a douta sentença em omissão de pronúncia que gera a sua nulidade; que a procedência da providência cautelar apenas se limita a assegurar os mais elementares direitos constitucionais da Requerente; que estando a renda a ser pontualmente paga, nenhum sério prejuízo tem a Requerida; que destinando a Requerida o imóvel ao arrendamento, objectivamente sendo-lhe pagas mensalmente todas as rendas devidas pela utilização do imóvel verifica-se não ter a Requerida qualquer prejuízo, e que assim sempre deverá a providência cautelar proceder sob pena de violação do artigo 65º da CRP e do artigo 6º n.º 2 do Regulamento das Desocupações Habitacionais Municipais, os quais se mostram violados pela sentença recorrida.
2.7 Como é sabido, a respeito dos critérios de decisão das providências cautelares, dispõe o artigo 120º do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015), o seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

2.8 Se assim é, e como reiteradamente temos entendido, não se impõe em sede de tutela cautelar, à luz dos critérios de decisão ínsitos no artigo 120º do CPTA, a apreciação do mérito da ação principal, essa sim destinada a apreciar e decidir da existência ou não de vícios do ato ou norma e/ou da pretensão material dos interessados (vide, por todos, o acórdão deste TCA Sul de 19/01/2017, Proc. 13717/16, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas).
O que se exige do juiz cautelar é que afira da verificação (ou não) dos pressupostos para decretação da providência. O que no que tange ao critério do fumus boni iuris, tal como previsto no nº 1 do artigo 120º do CPTA, implica apenas a formulação de um juízo sobre a probabilidade da pretensão formulada ou a formular no processo principal vir a ser julgada procedente. O que significa que, estando em causa na ação principal uma pretensão impugnatória dirigida a um ato administrativo, a apreciação da existência das causas de invalidade do ato a ser feita no respetivo processo cautelar, em que a suspensão de eficácia é pretendida, será sempre uma apreciação sumária e perfunctória, destinada tão só e apenas a determinar da viabilidade (ou inviabilidade) da ação principal cujo efeito útil se pretende acautelar através de providência cautelar.
2.9 Isto sem prejuízo da conclusão, a que possa chegar-se, da inviabilidade da ação principal (fumus malus iuris), seja pela manifesta verificação de questão obstativa ao conhecimento do respetivo mérito, seja pela evidente improcedência da pretensão formulada.
2.10 Na situação dos autos a Mmª Juíza do Tribunal a quo, atendendo à invocação feita pela entidade requerida na sua oposição, de que ao longo de todo o requerimento inicial a requerente não imputou ao ato suspendendo qualquer vício (vide artigo 11º da Oposição), considerou que tendo sido adotado entre nós «… um conceito de causa de pedir conforme à teria da substanciação, devendo entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a ação – art.º 581º, n.º 4 do C.P.C.», cabia à requerente o ónus de alegar «…os factos que consubstanciam os vícios arguidos, sob pena de o Tribunal não os poder conhecer por carência de causa de pedir». E acrescentou não constituir «…forma atendível de efetuar a arguição de um vício de violação de lei, a mera invocação do preceito legal pretensamente violado, desacompanhada da especificação das razões pelas quais o Requerente sustenta que o ato impugnado violou essa disposição legal», dizendo que no caso «…a Requerente acentuou a tónica do seu pedido apenas no periculum in mora, requerendo, de igual modo, a legalização da sua situação habitacional e da sua família, ao abrigo da “CRP, das Leis e dos Regulamentos Municipais em vigor”, sem assacar qualquer vício ao ato suspendendo», e que «…não tendo a requerente invocado quaisquer razões de direito que fundamentem a sua pretensão, o Tribunal não a poderá conhecer por carência de causa de pedir», para concluir que «…com os fundamentos invocados pela Requerente não é provável a procedência da acção principal, não se verificando, assim, o requisito do fumus boni iuris, a que se refere o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA».
2.11 Ora não há dúvida de que ao requerente de uma providência cautelar incumbe, desde logo, o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir. E que não deixa de ser também explicitado no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA nos termos do qual deve o requerente de uma providência cautelar, no seu requerimento inicial, especificar os fundamentos do pedido.
2.12 O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e por conseguinte, a adoção da providência requerida – neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 114 ss. e, entre outros, os Acórdãos deste TCA Sul de 17/06/2004, Rec. nº 00166/04; de 10/08/2015, Rec. nº 12424/15 (Proc. 232/15.7BECTB-A), disponíveis in www.dgsi.jtca.pt e de 06/10/2016, Rec. nº 13.590/16 (Procº nº 53/16.0BEBJA), este ainda inédito.
2.13 Emerge dos autos que a requerente, ora recorrente, pretende com o processo cautelar, que instaurou previamente à respetiva ação principal (a ação administrativa instaurada no TAC de Lisboa em 21/03/2017, Proc. nº 683/17.2BELSB - cfr. L) do probatório), a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser a deliberação que aprovou a execução coerciva do despejo da requerente da identificada habitação, sita Lisboa.
2.14 A razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris).
Com efeito, nos termos do artigo 120º nº 1 do CPTA, na sua nova redação, dada pelo DL n.º 214-G/2015, “as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
2.15 Decorre do probatório que à recorrente foi determinada a desocupação da identificada habitação ao abrigo do artigo 4º nºs 1 e 2 do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais publicado no 2º Suplemento ao Boletim Municipal nº 937, de 2 de fevereiro de 2012, com as alterações introduzidas pela Proposta nº 490/CM/2012 (Deliberação nº 91/AML/2012), publicada no 2º Suplemento ao Boletim Municipal nº 980, de 29 de novembro de 2012, e republicado no 2º Suplemento ao BM nº 992 de 21/02/2013 e do nº 2 do artigo 35º da Lei nº 32/2016, primeira alteração à Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro, com fundamento na circunstância de a requerente da providência estar a ocupar aquela identificada habitação municipal sem autorização e à revelia da Câmara Municipal de Lisboa, e que perante a ocupação não autorizada de uma habitação vaga, como era o caso, se impunha determinar a respetiva desocupação.
Tratava-se, assim, de uma ocupação sem título, a que alude o artigo 35º nº 1 da Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro, de acordo com o qual são consideradas sem título as situações de ocupação, total ou parcial, de habitações destinadas a arrendamento apoiado por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente. Situação em que “…o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, na comunicação feita para o efeito, pelo senhorio ou proprietário, da qual deve constar ainda o fundamento da obrigação de entrega da habitação” (nº 2) havendo lugar a despejo nos termos previsto no artigo 28º daquele diploma caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação (nº 3).
2.16 A requerente não pôs em causa os pressupostos, de facto ou de direito, em que a entidade administrativa se suportou para ordenar a desocupação (precisamente a circunstância de se encontrar a residir naquela habitação municipal, que se encontrava vaga, sem a devida autorização) de facto e de direito, que, aliás, expressamente reconheceu como verdadeiros (vide artigo 11º do RI). O que invocou foi a necessidade de ali habitar, juntamente com os seus filhos, sustentando que a não suspensão do ato em causa, que lhe determinou a desocupação daquele fogo habitacional, lhe causa lesão grave e dificilmente reparável. Mas nada dizendo ou alegando com vista a sustentar qualquer ilegalidade (invalidade) daquela decisão administrativa, que efetivamente não consubstancia, como corretamente entendeu a Mmª Juíza do Tribunal a quo.
2.17 Nada alegando ou consubstanciando a requerente no sentido da invalidade do ato cuja suspensão de eficácia pretende obter, não pode, naturalmente, ter-se por demonstrado o requisito do fumus boni iuris.
2.18 Aliás, deve até dizer-se que se configuraria, no caso, motivo para o requerimento inicial da providência cautelar ter sido liminarmente rejeitado ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, na medida em que era possível constatar logo perante o requerimento inicial da providência, pela manifesta falta de fundamento da pretensão.
Relembre-se que o despacho liminar de rejeição previsto no artigo 116º do CPTA para os processos cautelares destina-se a eliminar ab initio processos cautelares que não reúnam condições mínimas de viabilidade, evitando o inútil prosseguimento de um processo inevitavelmente condenado ao insucesso (vide a este respeito, entre outros, Mário Aroso de almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 585). Podendo identificar-se, pelo menos, uma dupla função na rejeição inicial do processo cautelar prevista no artigo 116º nº 2 do CPTA: i) uma, a de favorecer a economia processual, obstando ao desenvolvimento dos trâmites processuais que se revelariam inúteis face à inevitabilidade do fracasso do pedido cautelar; ii) outra, a de evitar a utilização abusiva da tutela cautelar com vista a obter, injustificadamente, o benefício dos mecanismos de proteção provisória previstos na lei, mormente o da proibição provisória da execução de ato administrativo a que alude o artigo 128º do CPTA, quando é notório que a providência cautelar está votada ao fracasso.
Naturalmente, o requerimento inicial de uma providência cautelar apenas deve ser rejeitado ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA quando a falta de fundamento da pretensão cautelar formulada seja manifesta ou evidente. Mas se for de constatar logo perante o requerimento inicial da providência, pela manifesta falta de fundamento da pretensão, então impõe-se ao juiz que rejeite a mesma. Esse foi o sentido em que se decidiu no acórdão deste TCA Sul de 22/08/2017, Proc. n.º 569/17.0BELSB, ainda inédito, em situação idêntica à presente.
2.19 Não merece, pois, censura o entendimento feito na sentença recorrida no sentido de não se encontrar consubstanciado, e por conseguinte, verificado, o requisito do fumus boni iuris.
2.20 E porque o desfecho do pedido cautelar não pode ser outro que não o indeferimento por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris isso implica, concomitantemente, ser inútil e infrutífero aferir em sede de recurso se se encontram preenchidos os demais requisitos, atinentes ao periculum in mora e à ponderação dos interesses, necessários para a decretação da providência à luz do disposto no artigo 120º nºs 1 e 2 do CPTA revisto.
Questões que, ficando prejudicadas, nos abstemos de conhecer.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que demonstre beneficiar - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 10 de maio de 2018


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho