Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13483/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PSP
RETRIBUIÇÃO DURANTE AS FÉRIAS
SUPLEMENTO ESPECIAL DE SERVIÇO
Sumário:i) A atribuição do “suplemento especial de serviço”, previsto no art. 103.º do Estatuto da PSP, depende do exercício efectivo, em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado, de funções operacionais correspondentes às prestadas em missões de combate à criminalidade organizada ou altamente violenta, de segurança pessoal, de inactivação de engenhos explosivos, de manutenção da ordem pública e de investigação criminal, em unidades ou subunidades previstas na estrutura orgânica da PSP.

ii) A remuneração correspondente aos dias de férias não incluirá o montante devido a título de “suplemento especial de serviço”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério da Administração Interna (Recorrente) vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa que a Associação Sindical dos Profissionais de Polícia – ASPP/PSP (Recorrido), em representação dos seus associados José …………….., Valter …………….., José ……………. e Luís ………………, instaurou com vista a obter a condenação do ora Recorrente a reconhecer como devido e pagar àqueles o montante correspondente ao suplemento especial de serviço, omitido no período de férias nos anos de 2010 a 2013, acrescidos de juros.

Em sede de alegações, o Recorrente Ministério da Administração Interna concluiu do seguinte modo:

1. O Tribunal a quo reconheceu o direito dos representados da autora a percecionar o suplemento especial de serviço, e em consequência condenou a PSP a pagar aos representados da autora, o valor correspondente ao "suplemento especial de serviço", relativo ao mês de férias respeitante ao período entre janeiro de 2010 e dezembro de 2013, acrescidos dos juros de mora vencidos desde a citação.

2. Não dizendo o legislador o número de meses em que o SES pode/deve ser pago, no que e perante a exigência do exercício efetivo de funções operacionais, expressamente prevista para a sua atribuição, ou, como tal considerados por ato legislativo da Assembleia da República, mostra-se esse silêncio, apto a legitimar a interpretação da PSP no sentido de ser abonado nos onze meses em que se verifica aquele exercício efetivo de funções operacionais

3. A PSP configurou a sua interpretação dos normativos legais como a que melhor servia o interesse público, face à prática administrativa, à lei e ao direito aplicável.

4. Ainda que o percurso cognitivo espelhado na sentença ora impugnada se revele abrangente quanto às normas que se pretende regulem a matéria, com enfoque na lei geral, acaba por não ficar esclarecido afinal em que medida ficou salvaguardado o regime da lei especial.

5. Ainda que se admita a possibilidade de no caso concreto prevalecer a norma geral em detrimento da especial, com a consagração da solução aqui impugnada, entende-se que esta não se apresenta de forma inquestionável como exigido pelo disposto no artigo 7.º n.º 3 do Código Civil.

6. Donde a PSP, por todo o exposto, não considerar culposa a sua interpretação, pois que socorreu-se não só dos normativos aplicáveis como usou da diligência que um jurista atento e colocado perante o caso teria usado.

7. O suplemento especial de serviço é um suplemento de caráter excecional que só pode ser atribuído pelo exercício efetivo de funções operacionais ou nos casos em que a lei equipare ao exercício efetivo, caso das faltas por baixa médica devido a acidente em serviço, máxime durante os períodos de alta mas em regime de serviços moderados.

8. Nessa senda , deve merecer provimento o presente recurso que e salvo melhor juízo deve ser julgado totalmente procedente, ou caso assim não se entenda, julgar procedente a impugnação relativa à qualificação da interpretação das normas culposa e suas consequências já que ficou demonstrado que a interpretação da PSP em causa, configura uma pratica administrativa tendo como pressuposto o escrupuloso cumprimento da lei especial em detrimento da lei geral e consequentemente absolver-se nessa parte o Recorrente , assim se alcançando a tão almejada JUSTIÇA!

O Recorrido não apresentou contra-alegações



Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em saber se a sentença recorrida errou ao considerar que o suplemento especial de serviço, previsto no art. 103.º do Estatuto de Pessoal da PSP, era devido também em período de férias.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

No recurso interposto, invoca o Recorrente o erro de direito em que laborou a sentença do TAC de Lisboa e na qual se entendeu que a remuneração no período de férias devia incluir o valor do dito “suplemento especial de serviço”. Defende a Recorrente que a atribuição do “suplemento especial de serviço” depende do exercício efectivo de funções operacionais e que embora o artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, refira que durante o período de férias, o funcionário ou agente é abonado das remunerações a que teria direito se encontrasse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição, certo é que o suplemento em causa não se pode considerar abrangido pela norma daquele artigo 4.°, pois que o Decreto-Lei n.º 100/99, não deixa de configurar uma lei geral ao invés do Decreto-Lei n.º 299/2009, que representa lei especial.

Na sentença recorrida exarou-se o seguinte discurso fundamentador, o qual identifica devidamente a questão a decidir e traça com acerto e completude o quadro normativo de referência:

Importa, antes de mais, convocar o quadro jurídico aplicável ao caso dos autos, começando a análise pelo disposto no Decreto-Lei n.º 299/2009, que aprovou o Estatuto do Pessoal Policial da Polícia de Segurança Pública2, vigente à data dos factos, cujo regime entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 – cfr. artigo 125.º.

Com efeito, no capítulo IX referente ao «Regime de remunerações», Secção II, com a epígrafe «suplementos remuneratórios», encontra-se, desde logo, o artigo 101.º do referido diploma, que enumera o tipo de suplementos remuneratórios a que o pessoal policial tem direito, e estabelecia o seguinte:

“1 - O pessoal policial tem direito aos seguintes suplementos remuneratórios:

a) Suplemento por serviço nas forças de segurança;

b) Suplemento especial de serviço;

c) Suplemento de patrulha;

d) Suplemento de turno e piquete;

e) Suplemento de comando;

f) Suplemento de residência. (…)”

Por sua vez, dispunha o artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, com a epígrafe

«Suplemento especial de serviço», que:

“1 - O suplemento especial de serviço é um acréscimo remuneratório mensal atribuído ao pessoal policial habilitado com os cursos de especialização policiais adequados ao posto de trabalho, pelo exercício de funções em posto de trabalho em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado, correspondentes a funções operacionais em missões de combate à criminalidade organizada ou altamente violenta, de segurança pessoal, de inactivação de engenhos explosivos, de manutenção da ordem pública e de investigação criminal.

2 - A atribuição do suplemento especial de serviço depende do exercício efectivo de funções operacionais correspondentes às missões previstas no número anterior, em unidades ou subunidades previstas na estrutura orgânica da PSP.

3 - O suplemento especial de serviço policial é fixado nos seguintes montantes:

a) Funções operacionais de investigação criminal - (euro) 149,33; (…)”.

Determinava o artigo 93.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 299/2009, que “O pessoal policial está sujeito ao regime de remunerações aplicável aos trabalhadores que exerçam funções públicas, com as especificidades constantes do presente decreto-lei.”

Ou seja, em matéria de remunerações, é de aplicar ao pessoal policial o regime de remunerações aplicável aos trabalhadores que exerçam funções públicas, constante da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro3 - em vigor, atenta a data dos factos - sem prejuízo das especificidades constantes do referido diploma.

Neste âmbito, imporá, desde logo, chamar à colação o disposto no seu artigo 67.º, o qual determinava que “A remuneração dos trabalhadores que exerçam funções ao abrigo das relações jurídicas de emprego público é composta por: a) Remuneração base; b) Suplementos Remuneratórios; c) Prémios de Desempenho.”

Por sua vez, decorria do artigo 73.º da referida Lei, normativo que regula as condições de atribuição dos suplementos remuneratórios, o seguinte:

“1 - São suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.

2 - Os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.

3 - São devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores, em postos de trabalho determinados nos termos do n.º 1, sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes:

a) De forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou

b) De forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direcção.

4 - Os suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto perdurem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição.

5 - Os suplementos remuneratórios são apenas devidos enquanto haja exercício de funções, efectivo ou como tal considerado por acto legislativo da Assembleia da República. (…)

7 - Com observância do disposto nos números anteriores, os suplementos remuneratórios são criados e regulamentados por lei e ou no caso das relações jurídicas de emprego público constituídas por contrato, por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”.

Já em matéria de férias, dispunha o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, normativo que se mostra inserido no seu Capítulo II, referente aos «deveres e direitos do pessoal policial» o seguinte:

“O pessoal policial está sujeito ao regime de férias, faltas e licenças aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas em regime de nomeação, com as especificidades constantes do presente decreto-lei.”

Tal regime, à data dos factos, constava do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março4 - cfr. artigo 80.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 12-A/2008 - estabelecendo o seu artigo 4.º, n.º 1 que “Durante o período de férias, o funcionário ou agente é abonado das remunerações a que teria direito se se encontrasse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição.”.

Importa ainda considerar o disposto nos artigos 8.º, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, na redacção da Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, no qual se enumeram os preceitos do “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” (RCTFP) e do respetivo “Regulamento” que são aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos trabalhadores que exercem funções públicas na modalidade de nomeação.

E, para o que ao caso dos autos nos interessa, dispunha o artigo 8.º do referido RCTFP que:

“Sem prejuízo do disposto em lei especial, são aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas na modalidade de nomeação, com as necessárias adaptações, as seguintes disposições do RCTFP:

(…)

f) Artigos 171.º a 183.º e 208.º do Regime e 115.º a 126.º do Regulamento, sobre férias, remuneração do período de férias e fiscalização de doença durante as férias.

(…)” .

Estabelecia o artigo 208.º, n.º 1 do RCTFP que:

“A remuneração do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição.”.

Mais resultava do artigo 171.º do RCTFP o seguinte:

“1 - O trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil.

2 - O direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica do trabalhador e assegurar-lhe condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.

3 - O direito a férias é irrenunciável e, fora dos casos previstos na lei, o seu gozo efectivo não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação económica ou outra.

4 - O direito a férias reporta-se, em regra, ao trabalho prestado no ano civil anterior e não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 193.º”.

De regresso ao caso dos autos, provou-se que José ……………., Valter de ……………, José Augusto ………….. e Luís ……………….., são agentes principais da PSP, e que, entre Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013, desempenharam funções operacionais de investigação criminal (cfr. alínea A) da factualidade considerada provada).

Ficou ainda provado que, durante todo esse período, os indicados agentes auferiram mensalmente o valor de € 149,33, a título de “Suplemento Especial de Serviço” (cfr. alínea B) da factualidade considerada provada).

Sendo certo que tal suplemento foi pago apenas durante 11 meses, não tendo sido pago no respectivo período de férias (cfr. alíneas B) e C) da factualidade considerada provada).

No caso dos autos, as partes não questionam que os referidos agentes reuniam os pressupostos necessários para que lhes fosse atribuído o suplemento especial de serviço, a que os artigos 101.°, n.º 1, alínea a) e 103.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, se reportam.

As partes apenas divergem quanto ao período em que tal suplemento deve ser auferido pelos agentes policiais, isto é, se o mesmo deve ser (ou não) pago nas férias, ou seja, no 12.º mês.

E é aqui que reside o centro do presente litígio: saber se assiste aos agentes da PSP, representados da Autora, o direito de receber o “suplemento especial de serviço”, previsto nos citados normativos, quando aqueles se encontram no gozo do respectivo direito a férias, ou dito de outra forma, se a remuneração do período de férias deve incluir o valor do peticionado “suplemento especial de serviço”.

E tal resposta não pode resultar apenas do disposto no artigo 103.º do Decreto- Lei n.º 299/2009 - em particular os seus n.ºs 1 e 2 –, pois tal normativo regula as condições ou pressupostos de atribuição do próprio suplemento especial de serviço, nada dizendo quanto à remuneração do pessoal policial que dele beneficia durante o seu período de férias.

Pelo que, a resposta à questão que nos cumpre apreciar nestes autos, passa, também, pela interpretação que deve ser dada ao disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 100/99 e, bem assim, ao disposto no artigo 208.º do RCTFP - aqui aplicáveis como vimos - de acordo com os quais, a remuneração do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição.

Ora, o legislador nada dispôs sobre o número de vezes que este suplemento deveria ser pago, pelo que, o seu regime de pagamento deve ser encontrado nas normas gerais, no que não colida com as especificidades que o legislador lhe conferiu. Entendemos, assim, que a melhor interpretação a dar aos preceitos legais acabados de referir é a que considera que o legislador quis atribuir ao trabalhador em férias a mesma remuneração que ele receberia caso se encontrasse ao serviço, concretamente, o suplemento especial de serviço”, em causa nos presentes autos.

Com efeito, “(…) tenha-se presente que o n.º 1 do presente artigo não determina que a remuneração das férias seja idêntica à remuneração base auferida pelo trabalhador (como sucede com o subsídio de Natal ou de férias), antes assegurando que ele terá direito à remuneração que auferiria se estivesse em serviço efectivo, com excepção do subsídio de refeição. Significa isto que a remuneração a que se tem direito nas férias engloba não apenas a remuneração base mas ainda os suplementos remuneratórios a que o trabalhador teria direito se em vez de estar de férias estivesse a trabalhar ou numa situação equiparada, o que bem se compreende por o objectivo do legislador ser o de assegurar o gozo de férias e, portanto, o de pretender afastar qualquer possível incentivo ao não gozo das mesmas, como seguramente sucederia se naquele período de não trabalho a remuneração fosse inferior.

Assim, se quando está em serviço efectivo o trabalhador recebe, para além da remuneração base, um qualquer suplemento de natureza permanente (…), a remuneração que terá direito a auferir no período de férias será correspondente ao somatório daquela remuneração base e daquele suplemento remuneratório (…)”.

Este entendimento é, aliás, aquele que melhor se compagina com o disposto no artigo 73.º, n.º 5 da Lei n.º 12-A/2008, ao assegurar que os suplementos remuneratórios são devidos enquanto haja exercício efectivo de funções, ou, ainda que não o haja, seja como tal considerado por lei – cfr. os citados artigos 4.º do Decreto-Lei n.º 100/99 e 208.º do RCTFP.

Resta-nos, por isso, aferir se o suplemento especial de serviço assume a natureza de suplemento permanente.

E a resposta, adianta-se, desde já, é positiva.

Com efeito, o suplemento especial de serviço, a que o disposto no artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 299/2009 alude, consubstancia um acréscimo remuneratório mensal, o qual é pago para compensar o pessoal policial pelo exercício de funções em posto de trabalho em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado.

Não se desconsidera que a atribuição desse suplemento ao pessoal policial depende do exercício efectivo de funções operacionais correspondentes às missões de combate à criminalidade organizada ou altamente violenta, de segurança pessoal, de inactivação de engenhos explosivos, de manutenção da ordem pública e de investigação criminal, em unidades ou subunidades previstas na estrutura orgânica da PSP.

Ou seja, trata-se de um suplemento que, em rigor, não faz parte da carreira do pessoal policial.

Pois, reitere-se, trata-se de um suplemento cuja atribuição está dependente do exercício efectivo de funções operacionais que se enquadrem no âmbito das referidas missões, as quais implicam, por natureza, o exercício de funções em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado.

Não obstante, não é por tal suplemento estar dependente do exercício efectivo de determinadas funções operacionais que se poderá afastar, sem mais, o seu carácter permanente para os efeitos em análise.

Na verdade, preenchidas as condições a que alude o artigo 103.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 299/2009, o pessoal policial que dele beneficia – porque cumpre, a montante, com os pressupostos legalmente exigidos para esse efeito – passa a auferir tal suplemento, mensalmente, com carácter de regularidade.

Trata-se de remuneração efectivamente auferida, e que, por isso, passa a fazer parte da sua remuneração mensal (se e enquanto, claro está, os mesmos exercerem de forma efectiva as funções operacionais correspondente às missões que estiveram na base da atribuição do suplemento).

Em reforço do acima exposto, e a propósito da natureza que os suplementos remuneratórios podem revestir, vejamos o disposto no artigo 73.º, n.º 3, alíneas a) e b), da Lei n.º 12-A/2008, que previa:

“São devidos suplementos remuneratórios quando trabalhadores, em postos de trabalho determinados (…) sofram, no exercício das suas funções, condições de trabalho mais exigentes:

a) De forma anormal e transitória, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho; ou

b) De forma permanente, designadamente as decorrentes de prestação de trabalho arriscado, penoso ou insalubre, por turnos, em zonas periféricas, com isenção de horário e de secretariado de direcção.”

Ora, atenta a distinção entre as condições de trabalho sofridas pelo trabalhador “de forma anormal e transitória”, e “de forma permanente”, operada pelo citado preceito, imporá concluir que o suplemento especial de serviço aqui em apreciação cabe na alínea b) e não na alínea a).

Pois, a partir do momento que o pessoal policial preenche as condições necessárias para auferir tal suplemento, porque o mesmo se mostra intrinsecamente associado ao exercício de funções em condições de prestação de trabalho penoso ou insalubre, implicando ainda desgaste físico agravado, o mesmo passa a fazer parte da sua remuneração mensal, sendo pago com carácter de regularidade e não transitório.

E se é certo que os suplementos remuneratórios – e o suplemento especial de serviço não é aqui excepção - são devidos quando um posto de trabalho envolve um sacrifício funcional diferenciado relativamente aos demais postos de trabalho, como acontece com o exercício de funções operacionais em missão de investigação criminal - daí que seja devido enquanto durar o exercício efectivo de funções do concreto posto de trabalho - tal não contende, a nosso ver, com o gozo de férias, porque as férias são relativas às concretas funções que se exercem, exerceram e no caso sub iudice que continuaram a ser exercidas após o período de gozo de férias.

Daí que quando um trabalhador se encontra de férias estas respeitam às funções que efectivamente exerceu no período a que correspondem as mesmas.

Assim, atento tudo quanto acima foi exposto, concluímos que o suplemento especial de serviço reveste carácter permanente.

E, tratando-se de um suplemento de carácter permanente, atento o previsto nos citados artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 100/99 e artigo 208.º do RCTFP, não é de excluir da remuneração do período de férias o suplemento especial de serviço, a que alude o disposto no artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, assistindo, assim, aos agentes da PSP, representados da Autora, o direito de receber o “suplemento especial de serviço”, quando aqueles se encontrem no gozo das respectivas férias.

Por fim, refira-se que o Despacho n.º 22/GDN/2011, de 30 de Setembro de 2011, do Director Nacional, em substituição, mencionado pelo Réu não afasta as conclusões que antecedem, pois a Administração está vinculada ao princípio da legalidade no exercício da sua actividade administrativa.

Nesta conformidade, face ao disposto nos citados normativos, é devido aos associados da Autora supra identificados durante o período de férias, o valor corresponde ao suplemento especial de serviço, ou seja, é o mesmo devido 12 vezes por ano.

Pelo que, em consequência, deve o Réu proceder ao pagamento a cada um dos representados da Autora supra identificados, a título de suplemento especial de serviço (…).”

Como resulta do recurso interposto, questiona-se o acerto do sentido interpretativo extraído pelo Tribunal a quo do quadro normativo de referência, alegando o Recorrente que o suplemento em causa – contrariamente ao “suplemento por serviço nas forças de segurança” - exige o exercício efectivo de funções. Ou seja, faz depender a sua atribuição do exercício efectivo de funções operacionais. Para além de que o pessoal policial está sujeito ao regime de remunerações aplicável aos trabalhadores que exerçam funções públicas, mas com as especificidades legalmente previstas sobre regimes de férias e de remunerações, pelo que no confronto entre a lei geral e lei especial (Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março; Lei n.º 12-A/2008 , de 27 de Fevereiro e Lei n.º 59/2008 , de 11 de Setembro, por um lado e pelas disposições do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de Outubro, por outro) terá que prevalecer a lei especial, neste caso, as normas do Estatuto da PSP.

Vejamos.

A temática trazida a recurso foi de certo modo tratada – pois que não estava em questão o suplemento remuneratório aqui em causa - no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Gral da República (homologado pelo Secretário de Estado da Administração Interna). Trata-se do parecer 000922005, de 15-02-2007, onde foram colocadas as seguintes questões:

A. – Os suplementos remuneratórios de “turno”, “piquete”, “patrulha” e “comando” devem ser abonados durante os períodos de licença por maternidade ou por paternidade?

B. – Os referidos suplementos remuneratórios devem ser abonados, às funcionárias, durante o período de amamentação?

C. – Os mesmos suplementos remuneratórios devem ser abonados, durante os períodos de licença para assistência à família?

D. – Os mesmos suplementos remuneratórios devem ser abonados durante o período de doença?

E. – Os referidos suplementos remuneratórios devem ser abonados durante os períodos de férias?”

É a resposta a esta última questão que nos interessa.

No aludido parecer, após exaustiva descrição do regime legal e da identificação das muitas e diversas vicissitudes atinentes às especificidades das situações envolvidas, escreveu-se o seguinte:

A última questão que é posta na consulta diz respeito ao direito aos suplementos durante os períodos de férias.

Um aspecto do problema está resolvido directamente pela lei nos artigos 3.os dos Decretos-Leis sobre suplementos: «os suplementos não são considerados no cálculo do subsídio de férias» (n.º 2 de cada artigo 3.º).

Resta saber em que medida farão ou não farão parte da remuneração correspondente aos dias de férias.

Diz-nos o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, o seguinte sobre a matéria:


«Artigo 4.º
Retribuição durante as férias

1 – Durante o período de férias, o funcionário ou agente é abonado das remunerações a que teria direito se se encontrasse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição.»

A norma transcrita, tomada independentemente da consideração do caso que nos ocupa, pressupõe a reconstituição da situação remuneratória que existiria pelo tempo correspondente sem férias. E sendo assim, nessa reconstituição deveriam entrar em linha de conta também as remunerações correspondentes aos suplementos. No caso, todos eles, sem distinção entre suplementos permanentes e não permanentes, distinção que atrás, no ponto 17.1., foi introduzida, dessa vez por exigência do nº. 1 do artigo 112.º da Lei n.º 35/2004, que agora não é formulada no preceito transcrito.

No entanto, tal entendimento tem de ser confrontado com o conteúdo dos preceitos directamente aplicáveis aos suplementos que são objecto do presente parecer. Neles é dito que só serão devidos «quando se verificar prestação efectiva de serviço» (artigo 3.º, n.º 1, dos três Decretos-Leis que regulam os suplementos). Por sua vez, o transcrito artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/99 dispõe que em férias, que não são situações de prestação de serviço, o funcionário ou agente será abonado «das remunerações a que teria direito se se encontrasse em serviço efectivo».

O contraste entre as duas normas é patente [como no presente caso], e põe-se em termos de contraste entre norma geral – o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/99 – e norma especial, que deve então prevalecer, norma especial que no caso é o artigo 3.º dos Decretos-Leis referidos. Tal artigo 3.º destaca do âmbito da disciplina geral sobre retribuição durante as férias, na qual se integrariam os suplementos, um segmento a estes respeitante e nessa parte exige, para a atribuição dos suplementos, prestação efectiva de serviço, a qual, obviamente não se verifica durante as férias. Não se encontra aqui a relação de aplicabilidade em conjunto ou de complementaridade, que foi assinalada no ponto 16, entre as normas que estabelecem que determinadas situações são «consideradas como prestação efectiva de serviço para todos os efeitos» (artigo 107.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004) e aquelas normas que têm por objecto situações de prestação de serviço, que é efectiva, de facto.

Será de entender, nesta conformidade, que, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 212/98, de 16 de Julho, e dos Decretos-Leis n.os 181/2001 e 182/2001, ambos de 19 de Junho, os suplementos que são objecto da consulta não entrarão no cálculo da retribuição correspondente às férias.

Uma visão de conjunto do regime das licenças, dispensas e faltas, em matéria de retribuição, de que trata este parecer, revela um tratamento jurídico mais favorável conferido às situações (licenças por maternidade e por paternidade, faltas para assistência a netos previstas pelo artigo 41.º do Código e dispensas para amamentação ou aleitação) subsequentes ou mais próximas no tempo do nascimento do filho ou neto do trabalhador, no confronto com as de assistência à família, doença e férias. A diferença não deve surpreender nem pode ser arguida de excessiva, atento o valor social eminente que constitucionalmente é reconhecido à maternidade e à paternidade (artigo 68.º, n.º 2, da Constituição). Na doença e nas férias o legislador considera o trabalhador. Na maternidade e na paternidade, tem em conta o mesmo trabalhador mas, mais do que isso, tem-no em conta na qualidade de trabalhador chamado a assumir responsabilidades que transcendem o plano das relações de trabalho porque socialmente relevantes.

Isto para concluir: “A remuneração correspondente aos dias de férias não incluirá os suplementos e estes também não serão considerados no cálculo do subsídio de férias”.

E temos para nós que a posição acabada de transcrever é a correcta. Isto por duas ordens de razões: i) pela razão de ser e natureza do subsídio, em que a atribuição do “suplemento especial de serviço” tem a sua justificação em situações de prestação de serviço efectiva, de facto, concretamente do exercício efectivo de funções operacionais (art.103.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 299/2009, que aprova o Estatuto de Pessoal da PSP); e ii) por aplicação das regras de conflito entre lei geral e lei especial, concretamente no conflito entre a norma geral contida no artigo 4.º, n.º 1, Decreto -Lei n.º 100/99, e a norma especial contida no n.º 2 do artigo 103.º do referido Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de Outubro, devendo esta última prevalecer (art. 7.º do C. Civil).

Com efeito, na norma que consagra o “suplemento especial de serviço” (art. 103.º do Estatuto da PSP), diz-se que ele é atribuído “ao pessoal policial habilitado com os cursos de especialização policiais adequados ao posto de trabalho, pelo exercício de funções em posto de trabalho em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado” (n.º 1) e que a sua atribuição “depende do exercício efectivo de funções operacionais” (n.º 2). Ou seja, o legislador é aqui claro quando prevê num dos segmentos normativos de que faz depender a atribuição do suplemento remuneratório em causa a prestação efectiva de serviço; a qual, obviamente não se verifica durante as férias.

Aliás, como notado pelo Recorrente, o mesmo legislador, não deixou de referir no artigo imediatamente antecedente, em referência ao “suplemento por serviço nas forças de segurança”, que “o suplemento por serviço nas forças de segurança é considerado no cálculo dos subsídios de férias e de Natal (art. 102.º, n.º 4, do Estatuto da PSP). Em razão da (especial) condição policial, este é um – o único - suplemento remuneratório de natureza certa e permanente que é atribuído aos polícias, encontrando-se os demais suplementos sujeitos a pressupostos aplicativos específicos, que podem verificar-se ou não.

Na verdade, o suplemento em causa destina-se a remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado ou as particularidades que envolvem a sua execução: o “exercício de funções em posto de trabalho em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado”. A atribuição do suplemento decorre necessariamente da penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado inerente ao serviço a desempenhar e só se efectua o seu abono se o trabalhador prestar efectivamente o seu trabalho naquelas condições (cfr., neste sentido, Paulo Veiga e Moura, Função Pública, 1.º v., 2.ª ed., 2001, pp. 326-330).

Sendo que não existe norma expressa, para a PSP, que aponte para um direito à remuneração em férias que inclua o “suplemento especial de serviço”, independentemente de o agente policial estar a exercer ou não “funções em posto de trabalho em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado”. E durante as férias não estava, em princípio, a exercer essas funções, pelo que não mantém o direito ao suplemento.

Noutra perspectiva de análise, revestindo a norma directamente aplicável ao pessoal da PSP natureza especial, sempre deverá prevalecer sobre a demais legislação aplicável, em geral, ao funcionalismo público e demais servidores do Estado. O que equivale por dizer que a regra jurídica prevalente é a do art. 103.º, n.º 2, do Estatuto da PSP, que dispõe que “a atribuição do suplemento especial de serviço depende do exercício efectivo de funções operacionais [sublinhado nosso]”, em detrimento da constante do artigo 208.º, n.º 1 do RCTFP que estabelecia que “a remuneração do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, à excepção do subsídio de refeição”.

Por fim, terá que referir-se que o pressuposto de que parte a sentença recorrida de que a remuneração a que se tem direito nas férias engloba não apenas a remuneração base mas ainda os suplementos remuneratórios a que o trabalhador teria direito se em vez de estar de férias estivesse a trabalhar ou numa situação equiparada, apenas é valida para os casos em que esses suplementos remuneratórios não estejam dependentes do exercício efectivo, de facto, que justifica o suplemento. Para além de que não pode subscrever-se a premissa contida na sentença recorrida de que “bem se compreende por o objectivo do legislador ser o de assegurar o gozo de férias e, portanto, o de pretender afastar qualquer possível incentivo ao não gozo das mesmas, como seguramente sucederia se naquele período de não trabalho a remuneração fosse inferior”; é que o direito a férias não é configurado como um direito disponível, antes a garantia do seu gozo é constitucionalmente assegurada a todos os trabalhadores de acordo com o artigo 60.º, n.º 1, alínea d), da CRP.

O entendimento sufragado na sentença recorrida não se pode, pois, manter, uma vez que desconsidera a razão de ser do suplemento em causa e não atende ao segmento normativo que justifica o seu percebimento - não se contém na margem de tolerância do texto legal - o qual impõe o exercício efectivo, de facto, de determinadas funções.

Razões pelas quais, na sua procedência, terá que conceder-se provimento ao recurso e revogar-se a decisão recorrida. Em substituição, de acordo como o explanado supra, a acção será julgada improcedente, absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido.





III. Conclusões

Sumariando:

i) A atribuição do “suplemento especial de serviço”, previsto no art. 103.º do Estatuto da PSP, depende do exercício efectivo, em condições mais exigentes de penosidade, insalubridade e desgaste físico agravado, de funções operacionais correspondentes às prestadas em missões de combate à criminalidade organizada ou altamente violenta, de segurança pessoal, de inactivação de engenhos explosivos, de manutenção da ordem pública e de investigação criminal, em unidades ou subunidades previstas na estrutura orgânica da PSP.

ii) A remuneração correspondente aos dias de férias não incluirá o montante devido a título de “suplemento especial de serviço”.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,

- Julgar a acção improcedente e absolver a Entidade Demandada do pedido.

Sem custas (isenção legal subjectiva: art. 4.º, n.º 1, al. h), do RCP).

Lisboa, 2 de Março de 2017

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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos