Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04065/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/22/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:AQUISIÇÃO DE VIDEOCLIPS
FORMATOS TELEVISIVOS
ENTIDADES ESTRANGEIRAS
SUJEIÇÃO DOS RENDIMENTOS A IRC
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:Os rendimentos pagos a entidades estrangeiras por aquisição de videoclips e formatos televisivos destinados a exibição em Portugal devem ser enquadrados no disposto nos artºs 69º, nº 2, alínea a) e 75º, nº 1, alínea a), ambos do CIRC, e, como tal, estão sujeitos a retenção na fonte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A...- A..., Lda, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 25 de Setembro de 2009, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1993 e 1994 (números 6420006126 e 6420006127, respectivamente), apresentando as seguintes conclusões:
1. A aquisição pela recorrente, como empresa de produção televisiva, de formatos e vídeo clips anónimos e amadores, configura uma aquisição de um produto específico da actividade regular da empresa e da realização do seu objecto social.
2. O pagamento do preço de mercado de tal mercadoria ou "matéria-prima" não configura nem integra o pagamento de quaisquer direitos de autor.
3. Os contratos escritos e as próprias facturas de aquisição, junto aos autos, não só não contemplam qualquer pagamento a título de direitos de autor ou de direitos da propriedade intelectual como ainda explicitam que os produtos são vendidos livres de quaisquer direitos (licence free).
4.Pelo que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se trata da aquisição, ou, sequer, da utilização, pela ora recorrente, de um qualquer nome registado, nem de uma marca, nem de uma patente, nem de qualquer outra realidade geradora de direitos de autor ou de direitos de propriedade intelectual.
5.Os produtos televisivos adquiridos não revestem a natureza de "obra" nem, tão-pouco, são objecto de quaisquer direitos de propriedade intelectual nem perante a nossa lei nem à face da lei de origem. Nem constituem produtos ou direitos registáveis ao abrigo da Convenção de Berna, de que fazem parte Portugal e todos os Estados de origem dos fornecedores de tais bens à ora recorrente.
6.O próprio Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos não reconhece estes produtos televisivos como merecedores de protecção intelectual, por força do seu art." 1°, n° 2: "As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código ".
7.Segundo a doutrina publicada de OLIVEIRA ASCENSÃO: "Também não podem ser tutelados os processos, seja de que género forem (...) O problema tem sido muito discutido a propósito de esquemas publicitários, de guiões para concursos de televisão, etc. Mas essa protecção,... não se admite, (in "Direito de Autor e Direitos Conexos", Coimbra Editora, 1992, pág. 59). E, mais adiante: "... tudo o que for transposição automática não é protegido. (...) o videograma é também um mero veículo. Não é pelo facto de se fixarem imagens num suporte material que passa a haver uma obra videográfica. ...Um videograma pode conter...imagens (e sons) que não sejam obra audiovisual", (obra cit. Págs. 78 e 83,
8.Nenhum daqueles produtos televisivos se pode confundir com direitos de exploração de material cinematográfico. Nem, sequer, a recorrente exerce a actividade de distribuição e exploração de filmes para exibição cinematográfica.
9.Sendo a própria recorrente a autora e produtora do produto final o programa televisivo - a aquisição de meros "formatos" e "vídeoclips" nunca pode configurar o pagamento de rendimentos a título de direitos de autor.
10. Não lhe podendo ser aplicável um enquadramento fiscal que a lei apenas prevê para os pagamentos de rendimentos provenientes da propriedade intelectual e, por isso, sujeitos a retenção na fonte, como é o caso dos rendimentos pagos pelas empresas que têm por objecto "a aquisição de direitos de distribuição e exploração de filmes para exibição cinematográfica", que não é o caso da ora recorrente.
11. Pelo que, o enquadramento jurídico dos factos não é subsumível nos art°s 69°, n" 2, alínea a) e 75°, nº1, alínea a) e nº 6, do Código do IRC, nem no artº 6º, n°1, alínea m), do Código do IRS (nas redacções então em vigor).
12. Tão-pouco a situação "sub judicio" se pode reconduzir a qualquer tipo de "prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando não auferidos pelo respectivo autor ou titular originário, bem como os derivados de assistência técnica " prevista no art° 6°, nº1, alínea m), do Código do IRS (na redacção então em vigor). Porque o pagamento do preço não pode ser considerado uma contrapartida de qualquer "prestação de informações" nem de qualquer tipo de "assistência técnica" que integram a previsão daquela norma de incidência tributária, mas que são factos, a todos os títulos, inexistentes nos autos.
13. Não existindo, por isso, qualquer obrigação legal de retenção na fonte de IRC sobre o pagamento do respectivo preço de aquisição dos referidos produtos televisivos pela ora recorrente, pelo que as liquidações impugnadas são ilegais e como tal devem ser anuladas.
14. Ao não julgar ilegais as liquidações impugnadas, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o recurso e determine a anulação das liquidações impugnadas, por ilegalidade.
15. Normas jurídicas violadas:
- artº 69°, nº 2, alínea a) e art° 75°, n°1, alínea a) e n° 6, ambos do CIRC, e artº 6°, n°1, alínea m) e art° 8°,n° 3, alínea a), ambos do CIRS (nas redacções então em vigor).
Nos termos sobreditos e noutros que V. Exas., doutamente, suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso por provado, pelo que a douta sentença recorrida, enfermando de erro de julgamento, não pode manter-se na ordem jurídica, devendo, pois, ser anulada e, com ela, as liquidações impugnadas, por ilegais, com todos os demais efeitos, nomeadamente, com o pagamento, que se requer, dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
Não houve contra -alegações.
O MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls. 224/225).
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. – Dos Factos:
Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A. As liquidações ora impugnadas, nos montantes de 36 025 062$00 e 66 399 589$00, resultam de uma acção de fiscalização a empresas que adquiriram direitos de exploração de filmes para exibição cinematográfica - fls. 20 e ss;
B. Durante a acção de fiscalização referida em A, conclui-se que a Impugnante, durante os exercícios de 1993 e 1994, efectuou pagamentos, a entidades não residentes, de rendimentos de propriedade intelectual ou direitos de autor - fls 20 ess;
C. Durante os anos de 1993 e 1994, a Impugnante efectuou pagamentos a entidades não residentes em Portugal, relativamente à aquisição de formatos de programas televisivos e filmes, para utilização na sua actividade comercial - facto admitido;
D. Na sequência da conclusão referida em B, foram efectuadas as liquidações n°s. 6420006126 e 6420006127 relativas a retenção de imposto sobre o Rendimento dos anos de 1993 e 1994, respectivamente, à taxa de 15% - fls. 80.
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Inexistem factos alegados e não provados.
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2.2. – Do Direito:
Esquematizados os factos provados e delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação da recorrente - artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al. f) do artº 2º e artº 169º, estes do CPT- verifica-se que a questão decidenda consiste em saber se as liquidações referidas em D dos factos provados, são ilegais, já que as aquisições referidas em C dos factos provados não devem ser sujeitas a liquidação de IRC, por não implicarem, ao contrário do que se entendeu na fiscalização efectuada (B dos factos provados) qualquer remuneração a título de direitos de propriedade intelectual.
Pronunciando-se sobre o mérito da causa, a sentença recorrida fundamentou que:
“As liquidações impugnadas foram efectuadas de conformidade com o disposto no ponto 3 da alínea c) do n.º 3 do art 4.° do CIRC, que determina a tributação, no território nacional, sempre que o devedor tenha nele a sua sede, dos seguintes rendimentos:« ... os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico...»vulgo royalties, Know-how, etc..
A questão a decidir consiste, então, em saber se os pagamentos referidos em C dos factos provados se enquadram nos citados rendimentos.
A Impugnante alega a errónea qualificação dos rendimentos em causa, por entender que não configuram direitos de autor ou rendimentos de propriedade intelectual, em virtude de não existir criação artística susceptível de gerar urna verdadeira obra.
O Prof. Alberto Xavier, a pgs. 483 a 492, da sua obra «Direito Tributário Internacional» define royalties como remunerações de qualquer natureza pagas pele uso ou pela concessão do uso de direitos, compreendendo os intelectuais, vulgo direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, produção industrial de um produto ou processo, directamente e sob as mesmas condições.
Sendo relativos à aquisição de formatos de programas televisivos e filmes, para utilização na actividade comercial da Impugnante, é de concluir que os rendimentos pagos pela Impugnante, subjacentes às liquidações impugnadas, são rendimentos da propriedade intelectual, e, portanto, sujeitos à retenção de Imposto sobre o Rendimento à taxa de 15% de acordo com o art. 69.°, n.º 2, al. a) e art. 75.°, n.º 1, al. a) e n° 6, ambos do CIRC, e art. 6.°, n.1, al. m) conjugado com o art. 8.°, nº3, al. a) ambos do CIRS.”
Consequentemente, foi julgada improcedente a impugnação.
O assim fundamentado e decidido mercê a nossa inteira concordância na senda, aliás, do Acórdão de 09-05-2007, da Secção CT - 2.º Juízo, no Recurso no 1104/06, publicado in http://www.dgsi.pt/ e em que intervieram como adjuntos o relator e o 1º adjunto desta formação pelo que, data venia,se passa a adoptar a fundamentação ali gizada.
Assim:
A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se os rendimentos pagos pela impugnante relativos a aquisição de videoclips, formatos televisivos e direitos de exibição podem ou não qualificar-se como rendimentos da propriedade intelectual ou industrial, estando por isso sujeitos a retenção na fonte à taxa de 15%, de acordo com os artºs 69º, nº 2, alínea a) e 75º, nº 1, alínea a) e 6 do CIRC e 6º, nº 1, alínea M) conjugado com o artº 8º, nº 3, alínea a) do CIRS.
Entende a recorrente, em resumo, que:
A aquisição, como empresa de produção televisiva, de formatos e vídeo clips, configura, claramente, uma normal compra de mercadoria ou de matéria-prima necessárias à actividade regular da empresa e à realização do seu objecto social.
Por contrapartida de tal mercadoria ou matéria-prima comprada, pagou o respectivo preço de mercado, que corresponde, efectivamente, ao custo de aquisição do bem e não ao pagamento de quaisquer direitos de autor.
Os contratos escritos e as próprias facturas de aquisição, juntos aos autos, não só não contemplam qualquer pagamento a título de direitos de autor ou de direitos de propriedade intelectual como, ainda, explicitam que os produtos são vendidos livres de quaisquer direitos (license free). Pelo que, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, não se trata da aquisição ou, sequer, da utilização, pela ora recorrente, de um qualquer nome registado, nem de uma marca, nem de uma patente, nem de qualquer outra realidade geradora de direitos de autor ou de direitos de propriedade intelectual.
Os produtos televisivos adquiridos não revestem a natureza de obra nem, tão-pouco, são objecto de quaisquer direitos de propriedade intelectual nem perante a nossa lei nem à face da lei de origem. Nem constituem produtos ou direitos registáveis ao abrigo da Convenção de Berna, de que fazem parte Portugal e todos os Estados de origem dos fornecedores de tais bens à ora recorrente.
Não existe na lei fiscal, nem em qualquer outra, nenhuma disposição que permita qualificar o mero pagamento do preço de aquisição de tais produtos como sendo o pagamento de rendimentos da propriedade intelectual.
O próprio Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos não reconhece estes produtos televisivos como merecedores de protecção intelectual, por força do seu art° 1°, n° 2: "As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código".
Na decisão recorrida, por sua vez, decidiu-se o seguinte:
“No caso sub judice, a ora impugnante defende que seja julgada procedente a impugnação, por provada, e, em consequência, sejam anuladas as liquidações em causa, por se entender que as mesmas são ilegais, dado que "as aquisições feitas às empresas não residentes [...] não devem ser sujeitas a liquidação de IRC, por não implicarem, ao contrário do que se entendeu na fiscalização levada a cabo, qualquer remuneração a título de rendimentos de direitos de propriedade intelectual."
Quanto ao mérito:
Como se refere no parecer constante de fls. 43 do processo apenso aos autos, "1. A tributação dos rendimentos controvertidos foi efectuada de conformidade com o disposto no ponto 3 da alínea c) do n.° 3 do art. 4.° do CIRC, que determina a tributação, no território nacional, sempre que o devedor tenha nele a sua sede, dos seguintes rendimentos: «... os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico...», vulgo royalties, konw-how, etc.. 2. A matéria controvertida consiste em saber se os rendimentos pagos pela impugnante se enquadram nos citados rendimentos. 3. A impugnante alega a errónea qualificação dos rendimentos em causa, pois, tratando-se da aquisição de video clips, de formatos televisivos e de direitos de exibição, estes não qualificam a figura de direitos de autor ou rendimentos de propriedade intelectual, em virtude de não existir criação artística susceptível de gerar uma verdadeira obra. 4. No que respeita aos rendimentos pagos pela aquisição do direito de exibição de filmes, é o próprio contribuinte que reconhece que os pagou por forma a obter o direito a exibi-los, não sendo relevante para o caso se a impugnante fez uso desses direitos ou não, pois o facto gerador do imposto é o pagamento desses direitos. Se foram adquiridos os direitos de exibição é porque de alguma forma eles estavam protegidos nesses direitos, razão pela qual não pode existir qualquer dúvida quanto à sua tributação. 5. No que respeita aos restantes rendimentos, o seu enquadramento fiscal não pode, nem deve ser feito apenas por recurso aos conceitos vertidos no Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, pois o que está em causa é a sua vertente fiscal, ou seja, saber-se se os citados rendimentos se enquadram nos conceitos expressos na parte final do ponto l deste parecer e que se encontram vertidos nas convenções sobre dupla tributação. 6. Refere o Prof. Alberto Xavier, a págs. 483 a 492, do seu livro «Direito Tributário Internacional» [...], que a noção de royalties -remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de direitos - compreende os royalties intelectuais, vulgo direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, e os royalties industriais, nos quais se incluem, entre outros, as patentes, as marcas de fabrico ou comércio, os modelos, os planos, etc., e que a noção de know-how compreende toda a informação técnica não divulgada, susceptível ou não de ser patenteada, que seja necessária para a produção industrial de um produto ou processo, directamente e sob as mesmas condições, ou seja, o que caracteriza o know-how é o facto de uma das partes fornecer à outra o seu especial conhecimento e experiência para que este o use por sua própria conta. 7. Analisando os rendimentos pagos pela impugnante constatamos assim que têm pleno enquadramento nas figuras abordadas no ponto anterior, encontrando-se por isso dentro das normas de incidência prevista no art. 4.° do CIRC, pelo que as liquidações efectuadas são legais, devendo manter-se".
Com efeito, verifica-se, pela leitura dos autos, que as correcções foram feitas com os seguintes fundamentos: "[os] rendimentos referem-se a video clips e formatos de programas registados em países dentro da Comunidade Europeia e fora dela. Todos os documentos [...] referenciados contêm a expressão «License free» e «direitos de transmissão autorizados». Embora o programa seja feito com autores portugueses, com textos portugueses e com características da cultura portuguesa, necessita de autorização do autor original do tipo de programa." (vd. fls. 24 e 26 dos presentes autos).
Conclui-se, deste modo, que a impugnante pagou rendimentos de propriedade intelectual ou direitos de autor - tendo em conta que é necessária a autorização do autor original do tipo de programa; e que os video clips, equiparados pela ora impugnante a "fixação de imagens em suporte material", pressupõem uma autoria pela sua produção (os video clips foram, aliás, adquiridos nesse pressuposto) -, os quais estão sujeitos à retenção de Imposto sobre o Rendimento à taxa de 15% de acordo com o art. 69.°, n°2, al. a) e art. 75°, n°1, al. a) e n.° 6, ambos do CIRC, e art. 6.°, nº1 1, al. m) conjugado com o art. 8.°, n.° 3, al. a) ambos do CIRS.
Assim, no mesmo sentido, vd., v.g., o seguinte aresto: "Os rendimentos relativos à prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida («know-how») foram, pela primeira vez, qualificados como «rendimentos de capital» pelo Decreto-Lei n.° 49483, de 30 de Dezembro de 1969, que passou a tributar pelo então imposto de capitais os rendimentos da propriedade industrial [até aí taxados por imposto profissional, juntamente com os rendimentos da propriedade intelectual - artigo l.°, § 2.°, alínea a) do Código do Imposto Profissional], bem como os rendimentos do «know-how» (Cfr. PAULO DE PITTA E CUNHA, O tratamento tributário dos rendimentos da propriedade industrial e intelectual. Revista da Faculdade de Direito de Lisboa XXII (1970) (separata); M. H. DE FREITAS PEREIRA, Aspectos fiscais relativos a "royalties" e transferências de tecnologia - um comentário, Fisco 30 (1991), 30 (31)). [...]. O contrato de «know-how» tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma da cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria, sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado (Cfr. FRANÇOIS MAGNIN, Know-how et propriété industrielle, Paris 1974; RUGGIERO CAFARI PÂNICO, // transferimento internazionale di know how, Milão 1985; ALDO FRIGNANI, Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, Leveredged by-out; Hardship clause, Countertrade, Cash andcarry, Merchandising, Knov how, Turim 1983, 508 ss.)." (Ac. TCAS de 29/3/2005, Proc. 002113/99)”.
Não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida.
Na verdade, como aí se refere, “embora o programa seja feito com autores portugueses, com textos portugueses e com características da cultura portuguesa, necessita de autorização do autor original do tipo de programa”.
Trata-se, portanto, da aquisição de uma ideia, de um formato e não apenas de uma vulgar mercadoria capaz de ser adquirida por qualquer cidadão e útil no seu dia a dia.
A não ser assim, se a ideia ou o conhecimento adquirido e transmitido não merecesse o epíteto de “Know-how”, qualquer televisão poderia exibir programas copiados e adaptados à realidade nacional, sem necessidade de qualquer autorização de quem quer que fosse.
Ora, a verdade é que um cidadão atento sabe que todos os “reality shows”, por exemplo, resultam de uma ideia de empresas que a vendem às várias cadeias de televisão. Aliás, é hoje frequente ver na televisão portuguesa programa com formatos adaptados à realidade nacional e pelos quais, naturalmente, a empresa “inventora” cobra os seus direitos. Isto independentemente de os referidos programas serem vendidos em feiras, como se de uma vulgar mercadoria se tratasse.
Acresce que, como salienta o EPGA no seu douto parecer, “…, o ónus da prova cabia à recorrente, nos termos do art° 74°, n°s 1 e 2 da LGT, por se tratar de factos constitutivos dos direitos da administração tributária que foi quem os invocou, competindo-lhe a respectiva demonstração o que até agora ainda não fez, nem muito particularmente com a invocação genérica das alegadas censuras ao decidido e baseando-se nos factos provados documentação processual, mas esquecendo o princípio da livre apreciação da prova e em concreto, qualquer censura objectiva ao julgado, ficando-se pela afirmação gratuita e absurda de não serem devidos direitos.
Aliás, a aceitar a tese da recorrente, então nada deveria ter pago pelo videoclips adquiridos, por não terem qualquer valor e nem gerarem valor algum. Todavia e quando muito, a recorrente devia ter demonstrado, por exemplo, a não obtenção de rendimentos e em particular que não seria devida tributação, por força de convenção destinada a evitar a dupla tributação, como julgou o Ac. do STA de 24.2.10, R. 0732/09: "I - Quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação, a competência para tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os rendimentos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada, não existe obrigação de retenção na fonte de IRC (art°. 90.°-A, n.° l, do CIRC, na redacção dada pela Lei n.° 67 A/2007, de 31 de Dezembro). II - Os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido (n.° 2 do mesmo artigo). Ill - Quando tal prova não seja efectuada, o substituto tributário que não tenha efectuado a retenção fica desobrigado da entrega do imposto que deveria ter sido deduzido, desde que comprove com o documento a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção. IV -Este regime é de aplicação retroactiva, por força do disposto no n.° 4 do seu art. 48.° da Lei n.° 67-A/2007."
Aliás, a tributação das empresas deve fazer-se pelo lucro real, sendo regra geral a da determinação do lucro tributável com base na respectiva declaração de rendimentos, a qual, por sua vez, assenta na contabilidade, cfr. Ac. do TCA de 25.5.04, R. 06612/02, pelo que o entendimento da recorrente é grosseiramente ilegal e viola o princípio constitucional da tributação do rendimento das sociedades pelo lucro real, decorrente do n°2 do artigo 104° da CRP.”
Em face do que ficou dito, improcedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.
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3. DECISÃO:
Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em quatro UCs.
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Lisboa, 23/06/2010

(Gomes Correia)

(Pereira Gameiro)

(Aníbal Ferraz)