Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1457/12.2BELSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DISPOSITIVO, ÓNUS, DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I – Do princípio dispositivo (artigo 5º CPC) e dos vários ónus processuais existentes no CPC ou licitamente “fixados” pelo tribunal descobre-se o princípio processual civil da autorresponsabilidade das partes.
II - Por outro lado, se a inércia processual ou alheamento da parte face ao andamento do processo não for imputável a terceiros ou a força maior, havendo necessidade de impulso processual dessa parte (por expressa previsão legal ou por decisão do juiz sem discordância da parte, caso este abrangível pelo artigo 195º CPC), haverá negligência processual da parte. As normas jurídico-processuais violadas serão, obviamente, (1) as que explicam o princípio da autorresponsabilidade das partes, a que já aludimos, (2) além de outras concretamente fixadas na lei.
III - O tribunal, (i) sem se substituir à vontade e aos deveres e ónus processuais das partes, (ii) deve promover ativamente a marcha do processo, (iii) deve recusar o que não interessar materialmente ao mesmo e (iv) deve simplificar e agilizar o rito previamente fixado na lei. Nada mais.
IV - É dever de todos os sujeitos processuais colaborarem entre si de modo a todos fazerem andar o processo para se poder resolver o litígio dentro de um prazo razoável. Logicamente, sem prejuízo da autorresponsabilidade das partes.
V - Não existe o ónus ou a preclusão de comprovar a notificação à parte contrária, nem de a parte dizer o que tiver por conveniente sobre uma questão processual. O 1º aspeto sempre poderia ser suprido pelo tribunal, com multa a cargo da parte inadimplente, e o 2º aspeto refere-se a uma mera faculdade da parte, mas não a um verdadeiro ónus processual.
VI – Na previsão legal-processual da deserção da instância, negligência significa falar-se de uma simples consequência (causal) da paragem do processo por falta de impulso, pois estamos perante um mero ónus processual de atividade subsequente da parte processual (arts. 6.º/1, ressalva, e 7.º/1 do CPC).
VII - A conduta negligente é, assim, a omissão não subtraída à vontade da parte, isto é, a omissão que não resulta de facto de terceiro (estranho à parte) ou de força maior que impede o demandante de praticar o ato. A deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. Por exemplo, ainda que não se censure o autor por, antes de praticar o ato em falta, passar largos meses tentando chegar a acordo com o réu – o que se admite, embora sem conceder, pois as demoradas tentativas de acordo devem ser ensaiadas antes de se provocar o funcionamento da pesada e onerosa máquina judiciária –, tal comportamento será de qualificar como negligente, para os efeitos que nos ocupam.
VIII - Resulta do exposto que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal.
IX - Aqui, a ora recorrente não violou no TAC nenhum dever processual essencial ou ónus processual de impulsão, tendo, num caso, omitido uma simples notificação entre mandatários, suprível pelo tribunal de um modo específico, e, noutro caso, tendo a ora recorrente considerado não ter conveniência em dizer algo mais do que tinha dito, dito antes do convite feito pelo tribunal a quo
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO
M... -...., S.A., interpôs no T.A.C. de Lisboa uma Injunção (n.º 74997/12.lYIPRT) com vista à condenação da ACSS - ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DOS SISTEMAS DE SAÚDE, I.P. ao pagamento à A. da quantia total de € 1.023. 296,77 (capital e juros), por incumprimento contratual da R. no pagamento à A. de fàcturas que tiveram origem em contrato de fornecimento de bens e serviços, outorgado em 12/04/2011.
Na ação administrativa comum subsequente veio a autora aos autos requerer a redução do pedido e a parcial inutilidade superveniente da lide, face ao pagamento das fàcturas em causa, excepto uma (Fatura n° 800012491, emitida em 30/11/2011, no valor de € 494.534,19, entretanto parcialmente reduzida para a quantia de € 384.636,60.
Por despacho de 15-05-2017, o T.A.C. decidiu declarar totalmente extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide (parcial) e por deserção (cfr. art.º 277.º/d) e e)/CPC, ex vi art.º 1.º/CPTA).
*
Inconformado com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. Em 18.05.2017, o Tribunal de 1° Instância proferiu sentença, declarando a instância extinta, por deserção. nos termos do disposto no art. 277, allnea d} e e} do CPC, por falta de impulso processual da M...., há mais de 6 meses, por não pronúncia a um despacho proferido em 2015 (fls.1035 do SITAF).
B. No entanto, e no mesmo Despacho, o próprio Tribunal reconhece que é intenção da A (M...) manter os autos quanto a factura n.0 800012491, da qual se intitula credora - existindo assim efetiva, real e expressa manifestação da intenção no prosseguimento dos autos.
C. Salvo o devido respeito, esta decisão não merece acolhimento, pois afigura-se manifestamente errada, considerando-se pois que não estavam preenchidos os pressupostos substantivos e materiais necessários para considerar a instância deserta (em conformidade com o preceituado no art.0 281°, nº 1 e 4 do CPC, começando desde já pela inexistência de atuação negligente da M....
D. Para a instância ser declarada deserta, por falta de impulso processual, não bastará o decurso do tempo legalmente imposto e um despacho meramente discricionário que declare sem mais, a deserção da instância: impõem-se também uma conduta negligente das partes, assim como uma audição prévia pelas partes que permita ao juiz, no caso concreto, indagar acerca do comportamento negligente das partes, o que não ocorreu nos presentes autos!
E. Analisado mais atentamente o disposto no art. 281 nº 1 do C.P.C. constata-se que o que determina a deserção da instância é, portanto. não só o processo estar parado há mais de seis meses (tempo), mas também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o ser andamento. O comportamento omissivo da parte tem, assim, de ser apreciado e valorado, o que, e mais uma vez se reitera, não aconteceu no caso sub judice:
F. Na verdade, a M..., ao longo do processo judicial, teve sempre uma conduta diliqente, reveladora de cuidado e efetivo interesse no prosseguimento dos autos, pronunciando­se sempre que oportuno e admissível, juntando toda a prova documental e rol de testemunhas, não existindo quaisquer dúvidas quanto ao interesse desta na lide e prossecução da mesma, conforme o próprio Tribunal conflrma na sentença datada de 18.08.2017.
G. Dito isto, é certo que em 02.07.2015, o Tribunal notificou a M... para:
Juntar o comprovativo de notificação em falta e
Requerer o que tiver por conveniente em matéria de modificacão subjetiva da instância.
H. No entanto, importa atentar no teor do Despacho ora em discussão, ao qual a M... não se pronunciou e que motivou a decisão de deserção da presente instância, considerando a M..., muito humildemente, que foi um incidente dilatório criado pelo próprio Tribunal, não devendo ser a lide prejudicada.
I. Assim como também sublinhar que o objecto dos presentes autos é urna fatura peticionada à Ré ACSS, pelo valor elevado de €384.636,60 (trezentos e oitenta e quatro mil seiscentos e trinta e seis euros e sessenta cêntimos), valor respeitante aos serviços prestados, e não pagos, a este Instituto Público, que gere e coordena o Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que, o juiz do Tribunal a quo deveria também, como lhe competirá enquanto gestor do processo (nos termos do preceituado no art. 6º do CPC, ponderar a desproporcionalidade existente entre o objecto que ora se discute e a alegada conduta negligente da Autora - o que não foi considerado. conforme leitura da sentença que ora se recorre. Senão vejamos:
J. Em primeiro lugar, no requerimcnto enviado em 19.05.2015, a M... já tinha junto aos autos o comprovativo de notificação ao mandatário da parte contrária.
K. Em segundo lugar, e no que diga respeito à sua legitimidade. a M... nada tinha a requerer, pois ja havia informado, como lhe compete, o douto Tribunal da fusão, por incorporação, existente entre a PT Comunicações, SA e M... - ....e .... S..A.., e pela alteração de denominação social, de forma a não existirem dúvidas face a legitimidade activa desta, juntando para o efeito o código de certidão permanente atualizado n.0 1448.....
L. Fícando, assim, também prejudicado qualquer impulso que a A. devesse dar, posto que, em tempo oportuno, a mesma já se havia pronunciado, uma vez que resultava dos autos que a mesma é parte legítima.
M. Assim sendo, mesmo que a M... não se tenha pronunciado quanto ao teor do despacho, notificado pelo Tribunal em 02.07.2015, o mesmo acaba por não ser, na humilde opinião desta, útil e essencial ao processo e ao prosseguimentos dos autos, pois em última instância, e na prática, a A. iria repetir e reiterar informação já facultada nos autos, não podendo, por isso, ser a lide prejudicada, com alegada falta de impulso processual e negligênda da M..., e consequente ser declarada extinta a lnstâncía, por deserção.
N. Pelo que, qualquer omissão na pronúncia ao aludido Despacho estaria sanada, e não poderia ser qualificada como atuação negligente. pois seria somente uma repetição de atos dilatórios já praticados, não dependendo o impulso processual da sua atuação.
O. Em concreto, qualquer requerimento que a Autora dirigisse aos autos, em cumprimento dos despachos de 02.07.2015 e 23.11.2015, não iria promover o andamento dos mesmos, porque náo estaria em causa nenhuma modificação subjetiva da instância, facto este já do conhecimento do próprio do Tribunal, por referência ao teor da certidão permanente indicada anteriormente pela Autora.
P. Sendo certo ainda que aguardavam as partes que o próprio Tribunal se pronunciasse sobre o pedido de redução do pedido feito em 2015, despacho esse que só foi proferido em 18.05.2017, data em que também julgou a instância deserta, por falta de impulso da M....
Q. Não pode, por isso, afirmar-se que os autos se encontrav9m a aguardar o impulso processual da M... há mais de seis rneses, por negligência da sua parte.
R. É certo que o sistema de justiça português rejeita a paragem negligente dos termos do processo, mas também rejeita a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente desaproveitamento de toda a atividade processual pretérita, obrigando {desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada,
S. Decorre com clareza da norma contida no n.0 l do art. 6.0 do CPC que cumpre ao juiz o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere.
T. Para além de se entender que não estavam reunidos os pressupostos para a instância ser declarada deserta, pois não houve atuação negligente da M..., esta circunstáncia processual deveria também ter sido claramente declarada nos autos, ficando os contendores notificados e plenamente conscientes de que a demanda aguardava o seu impulso pelo prazo de deserção, o que no caso em concreto não aconteceu!
U. Em conformidade com o preceituado no art. 6° do CPC, existindo orientação de jurisprudência nesse sentido, deveria o juiz, promovendo oficiosamenta as diligências necessárias, fazer uma advertência prévia ao decurso do prazo de deserção e esclarecer os sujeitos processuais sobre o estado dos autos, despachando no sentido de os informar que o processo aguardava o impulso do demandante, esclarecendo sobre os efeitos da sua conduta.
V. In casu, o juiz do tribunal a quo limitou-se a notificar a recorrente M... da decisão de deserção da instància, sem que previamente tenha ouvido as partes e indagado se o seu comportamento foi ou não negligente e se os autos efetivamente aguardavam pelo seu impulso.
W. Pelo que não foi dada a oportunidade à M... de se pronunciar previamente quanto a urna qualquer radicação da paragem do processo em negligência da sua parte.
X. O Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação do artigo 281.0 do Código de Processo Civil, designadamente dos seus números 1 e 4, pois a correcta interpretação deste artigo e a subsunção dos factos ora alegados ao direito aplicável. designadamente em face dos seus diversos requerimentos carreados aos autos, deveria ter-se conduído pelo prosseguimento do presente processo e não pela deserção da instància, que cornina na sua extinção.
Y. Sublinhe-se que, aquando do despacho de 02.07.2015, a Autora nada tinha a promover quanto ao andamento do processo, porquanto já havia comunicado aos autos ser a mesma parte legítima, assim como já havia junto o comprovativo de notificação à parte contrária.
Z. Havia sim negligencia, caso se impusesse efetivamente urna modificação subjetiva da instância (note-se, suscitada pelo Tribunal a quo, por conhecimento de uma sociedade adquirente da PT - A...}, o que não acontece in casu, tendo para o efeito, já junto aos autos o número de certidão permanente, nada mais tendo a requerer a esse respeito!
AA. Posto isto. o Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, não decidiu em conformidade, não devendo por isso ter sido considerada a instância deserta e consequentemente extinta. nos termos e conforme o disposto no art. 277°, alínea d) e e} do CPC, ex vi art. 1º do CPTA, devendo a acção prosseguir seus termos ate decisão final de mérito, quanto á fatura nº n.0 800012491, peticionada pelo valor de €384.636.60.
BB. Sendo inequívoco, por isso, que errou o Tribunal a quo, devendo a decisão recorrida ser revogada.
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O recorrido contra-alegou, concluindo longamente assim:
I. Os presentes autos têm origem em procedimento de injunção do dia 09.05.2012, apresentado pelo recorrente dos presentes autos, no âmbito do qual o ali requerente peticiona o pagamento do montante global de € 1.023.296,77 (um milhão e vinte e três mil, duzentos e noventa e seis euros e setenta e sete cêntimos).
II. Na sequência da oposição à injunção apresentada pela ora recorrida, e distribuição dos autos, o ora recorrente, reconhecendo o efetivo pagamento pugnado pela ora recorrida, a 06.05.2013, requereu a redução do pedido, para o montante de € 848.348,79 (oitocentos e quarenta mil, trezentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos) e, ainda, a intervenção principal provocada de terceiro (SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE). Na sequência do qual, a 30.10.2013, a ora recorrente ofereceu o merecimento dos autos.
III. Chegados a 19.05.2015, foi junto aos autos quer as notificações aludidas, quer o acordo extrajudicial celebrado no dia 21.04.2014 entre as empresas PT e M..., por um lado, e a ACSS e a SPMS, por outro. Em consequência, foi, novamente, requerida pelo autor a redução do pedido, desta feita, para o montante de € 384.636,60 (trezentos e oitenta e quatro mil, seiscentos e trinta e seis euros e sessenta cêntimos).
IV. Tendo, ainda nesta sede, o Autor suscitado a seguinte «questão prévia»: A A. M... -……., S.A resulta da fusão por incorporação da M... -….., S.A (a qual tinha como anterior denominação: T…. -…., SA) na P…, S.A., e da alteração de denominação social desta, conforme código de certidão permanente nº 144……, NIPC 50…...
V. Posteriormente, a 26.06.2015, foi proferido, e reiterado, a 09.11.2015, pelo Tribunal a quo Despacho no sentido de o autor, ora recorrente, juntar aos autos o comprovativo da notificação entre mandatários do requerimento do dia 19.05.2015 e, ainda, esclarecer o que entendesse por conveniente quanto à possível necessidade de incidente de habilitação da empresa A….. na qualidade de autor, tendo em consideração a conclusão, datada de 02.06.2015, da compra da PT (autor originário) pela aludida empresa.
VI. Ou seja, a 26.06.2015, e na sequência do requerimento datado de 19.05.2017, foi o autor notificado no sentido da eventual necessidade de ser suscitado o incidente de modificação subjetiva da instância, para habilitação do novo autor, M... ou A…., em substituição do autor originário P.. Comunicações, S.A., bem como, para juntar aos autos o comprovativo de notificação ao mandatário da Ré ACSS desse mesmo do requerimento datado de 19.05.2017.
VII. Contudo, o autor, duas vezes notificado para o efeito, optou por não se pronunciar. Tendo, aliás, ocorrido uma absoluta inércia por parte do recorrente nos autos pelo período de quase 2 (dois) anos!
VIII. Com efeito, apenas após a prolação da sentença do dia 18.05.2017, é que o mesmo veio explanar (sem qualquer rigor, diga-se) o seu entendimento quanto à inexistência de necessidade de habilitação da M... ou da A... na qualidade de (novo) autor.
IX. Ora, nos termos do disposto no artigo 291º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, «(. ...) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
X. Neste contexto, foi no exercício do dever de gestão processual e de acordo com o princípio da cooperação (cfr. artigos 7º- A e 8º do CPTA e artigos 6º e 7º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA), estes invocados pelo próprio recorrente, e, portanto, tendo em vista o regular desenvolvimento da instância, que o Tribunal a quo notificou o autor para se pronunciar.
XI. Pois, ressuma do quadro legal vigente que o critério para aferir da legitimidade, in casu, ativa, prende-se com o «interesse direto em demandar» traduzido na utilidade derivada da procedência da ação enquanto sujeito da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor (Cfr. artigos 9º do CPTA e 26º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA).
XII. Não obstante, em defesa da sua tese, o recorrente diz que não se verifica negligência do autor na medida em que a falta de impulso processual em causa poderia ser sanada oficiosamente e, portanto, não se encontrava dependente de impulso do mesmo.
XIII. Contudo, não é função do Tribunal a quo, conforme acima exposto, sanar uma possível exceção de ilegitimidade ativa, substituindo-se ao autor, mas o seu oposto (cfr. artigos 577º e 578.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA).
XIV. Mais, se é o próprio Tribunal a quo quem vem suscitar a questão, pugnando pela necessidade de esclarecimentos por parte do autor, com certeza que tal questão não será suscetível de ser esclarecida pelo mesmo Tribunal ... Tão pouco, poderá o mesmo Tribunal juntar aos autos o comprovativo de notificação entre mandatários ...
XV. No mesmo sentido pronuncia-se, aliás, a jurisprudência portuguesa, e, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte do dia 11.09.2015 (proferido no âmbito do processo n.º 01312/05.2BEBRG e disponível em www.dsgi.pt) cujo sumário professa o seguinte:
«(...) IX - A conduta omissiva das partes em violação do dever de remoção das causas da suspensão e a violação do dever de cooperação na modalidade do dever de informar nos autos a ocorrência de circunstâncias impeditivas da prática atempada do ato processual, com preterição da faculdade providenciada pelo nº 4 do artigo 7° do CPC de 2013, é suficiente para caracterizar a negligência a que aludem os nºs 1 e 3 do artigo 281° do CPC de 2013, pois tais causas, que apenas dependem de si, lhe são imputáveis, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade. Gerir o processo, no âmbito do dever ínsito no nº 1 do artigo 6° do CPC de 2013, não implica que o juiz deva substituir as partes nos deveres que sobre elas impendem, nem afasta o princípio da autorresponsabilidade das partes que a ressalva do nº 1 do artigo 6° e o artigo 7.º, nº 1, continuam a prever. Se sobre o juiz impende o dever de gestão do processo, não menos sobre as partes impende o dever de cooperação e de proatividade na prática dos atos processuais impulsionadores do processo, especialmente quando a lei prevê expressamente os passos, incidentais ou outros, que devem ser seguidos, segundo pauta processual definida, e quando a lei de forma igualmente expressa comina com a deserção a sua inércia.». (Destaque nosso)
XVI. Acresce ainda que, na senda do supra exposto, «[d]a conjugação do n.º 2 e 3 do artigo 266º (atual art. 7º) do CPC resulta que as partes, seus representantes ou mandatários judiciais são obrigadas a prestar os esclarecimentos que lhe forem pedidos.», Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte do dia 24.11.2016 (proferido no âmbito do processo n.º 01957/11.1 BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
XVII. Com efeito, o autor, ora recorrente, poderia ter optado por responder em conformidade com o solicitado pelo Tribunal, pronunciando-se como entendesse por conveniente quanto à possível necessidade de modificação subjetiva da instância, ou, até mesmo, sustentando o que alega no seu recurso. Contudo, assim optou por não proceder.
XVIII. Certo é ainda que, estamos em crer que, em conformidade aliás com o disposto no artigo 130.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, não estaria o Tribunal a quo a praticar, ou a suscitar a prática de atos inúteis... Com efeito, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (cfr. artigo 8 do CPTA e artigo 7 do CPC aplicável ex vi do artigo 1 do CPTA).
XIX. E, ainda que assim não se entenda, o que não se concede, igualmente certo será que a parte, ora recorrente, tem conhecimento das regras processuais aplicáveis ao litígio dos autos, vigente desde o ano de 2013, sobre as quais não necessitará de «aviso prévio», entre os quais, a disposição do artigo 291 do CPC aplicável ex vi do artigo 1 do CPTA. Esta que, por seu turno, não impõe qualquer audiência prévia à sentença que decreta a deserção da instância.
XX. É, portanto, de se reputar por causal, culposa e sancionável com a deserção da instância, por incumprimento do ónus de impulso processual pelo autor, ora recorrente, a paragem do processo por mais de 6 (seis) meses. E, claro está, sem qualquer necessidade de audição prévia.
XXI. Sendo que, à presente data, a deserção não opera «automaticamente», isto é, por mero efeito do decurso do tempo, porquanto carece de despacho judicial ou sentença, para que os seus efeitos (da deserção) se produzam.
XXII. Destarte, «(...) decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281 do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.», Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do dia 14.12.2016, proferido no âmbito do processo n.º 105/14.0TVLSB.G1 .S1 e disponível em www.dgsi.pt.
XXIII. Assim, [c]onsiderando que a deserção da instância per se não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes. decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância, Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do dia 14.12.2016, proferido no âmbito do processo n.º 105/14.0TVLSB.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt. (Destaque e sublinhados nossos)
XXIV. A todo o exposto, e salvo o erro, acresce ainda que em momento algum juntou aos autos, conforme solicitado pelo Tribunal a quo, o comprovativo de notificação entre mandatários do requerimento datado de 19.05.2015.
XXV. Por todo o exposto, entende a ora recorrida que andou bem o Tribunal a quo ao considerar «(...) que a falta de impulso processual por parte da A se verifica desde há mais de um ano, sendo a primeira notificação datada de 02/07/2015 (cfr. fls. 1037 do SITAF), renovada em 23/11/2015 (cfr. fls. 1043 do SITAF), indiciando o seu desinteresse pela prossecução da lide», Cfr. Sentença do dia 18.05.2017.
XXVI. Andou igualmente bem o Tribunal a quo ao declarar, em consequência, e «(...) sem necessidade de mais considerandos ...», «(...) totalmente extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide (parcial) e por deserção (cfr. art.º 277/d) e e)/CPC, ex vi art.º 1/CPTA).», Cfr. Sentença do dia 18.05.2017.
XXVII. Nesta senda, e conferindo maior autoridade ao supra aduzido, entendeu, em conformidade o douto Tribunal Central Administrativo do Sul do dia 18.05.2017, proferido no âmbito do processo nº 2573/08.0BELSB e disponível em www.dgsi.pt, esclarece o seguinte:
« (.. . ) Por outro lado, para chegar à conclusão a que chegou, o Tribunal a quo não necessitava de ouvir previamente os AA.
Com efeito, não desconhecendo a existência de jurisprudência dos Tribunais de 2ª instância em sentido oposto, o certo é que posteriormente à mesma, em recente aresto datado de 20 de Setembro de 2016, o STJ pronunciou-se expressamente sobre a questão, num caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, ou seja, no sentido de que inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem incumbe o ónus do impulso processual.
Assim, perfilhando esse entendimento prescrito no citado Acórdão do STJ de 20 de Setembro de 2016, in Proc. nº 1742/09.0 TBBNV-H, disponível em www.dgsi.pt passamos a transcrever a respetiva fundamentação, na parte que ao caso importa e para a qual remetemos os nossos fundamentos: incumpriu assim a Autora o dever de promoção necessário à retoma do andamento normal do processo, cuja instância estava suspensa por falecimento do referido Réu CC, dever esse que, com as devidas adaptações, emerge também do nº 1 do art. 3° e do nº 1 do art. 5°, ambos do C.P.Civil. E cabendo às partes o ónus do impulso processual, nada podia o tribunal promover em ordem à dita retoma (v. nº 1 do art. 6° do C.P. Civil: ". ...sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes . . .''.) (...). Ora, contrariamente à ideia que a Recorrente quer fazer passar, continua a vigorar no processo civil atual o princípio da autorresponsabilização das partes (estreitamente ligado ao princípio da preclusão). Como se diz no acórdão da Relação de Guimarães de 2 de fevereiro de 2015 (processo nº 990/14.6TBBRG.G1) em caso paralelo ao vertente, "Atribui­ se (...) ao juiz o poder de direção do processo, deferindo-lhe a competência para, em superação da omissão da parte, providenciar pelo suprimento dos pressuposto processuais suscetíveis de sanação e convidar as partes a praticar os atos necessários à modificação subjetiva da instância, quando isso se torne necessário, reforçando-se o princípio do dispositivo. Não obstante, nem por isso se eliminou o princípio da autorresponsabilidade das partes". A inércia processual das partes (seja por inépcia ou impreparação sua em termos técnico-processuais, seja intencionalmente em função de uma certa interpretação do direito aplicável) produz consequências negativas (desvantagens ou perda de vantagens) para elas, só havendo lugar à desvalorização do princípio da sua autorresponsabilização mediante a intervenção tutelar, assistencial ou corretiva do tribunal quando a lei o preveja, e não é o caso. E como nos diz ainda Lebre de Freitas (ob. cit., p. 183), em asserção em torno precisamente dos princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, a omissão continuada da atividade da parte quando a esta cabe um ónus especial de impulso processual subsequente. tem efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância.
De igual forma, António Júlio Cunha (ob. cit., p. 89) aduz que "As partes, em regra, não se encontram obrigadas a adotar certos comportamentos, mas se o não fizerem não obterão determinadas vantagens ou daí poderá decorrer um prejuízo. Mas se assim é (...) são as mesmas que respondem pelos resultados negativos (para os seus próprios interesses) da sua conduta". Do que fica dito resulta que a Autora incumpriu o seu dever de promoção processual, sendo-lhe por isso imputáveis, e não ao tribunal, as respetivas consequências. Se o fez, prevenida ou desprevenidamente, por esta ou aquela razão, sibi imputai. (Itálico no original, destaque e sublinhados nossos)
XXVIII. Atento todo o exposto, entende a ora recorrida que o Tribunal ad quem, deve manter integralmente o teor da Sentença da 1.ª Instância proferida no âmbito dos presentes autos e, em consequência, declarar extintos os presentes autos, por deserção da instância.
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (não fixados pelo TAC):
1
A p.i. de injunção foi apresentada pela P… …., SA, contra ACSS, IP, tendo este deduzido oposição.

2
Em 06-05-2013, a A requereu a intervenção principal da SPMS, EPE, abrigo do artigo 328º/2 do CPC.

3
Em 14-11-2014, o TAC emitiu e notificou às partes o seguinte despacho:
“Requerimento probatório da R. ACSS, IP, de fls. 205 e segs.: Que fique nos autos (cfr. despacho que antecede), mostrando-se assegurado o contraditório (cfr. comprovativo junto).
Requerimento probatório da A. de fls. 209 e segs./217 e segs.: Que fique nos autos (cfr. despacho que antecede).
Verifica-se, porém, que a parte não requereu a notificação das testemunhas que não são a apresentar (n.ºs 1. a 4. e 7. do Rol), como compete (art.º 507º/2/CPC vigente, ex vi art.º 42.º/1/CPTA), pelo que, nada dizendo, as mesmas serão apresentadas pela parte (cfr. art.º 507º/2 e 3/CPC vigente).
Também não juntou comprovativo de notificação do presente requerimento à contraparte, o que, desde já, se determina (cfr. art. ºs 221.º e 255.º/CPC, ex vi art.º 25.º/CPTA).
Notifique a A para o efeito, no prazo de 10 dias.
*
Não obstante, desde já admito os róis de testemunhas apresentados pelas partes e, bem assim, a gravação da audiência final (aqui requerida por ambas as partes), que se impõe, de acordo com o disposto no art.º 155.º do novo CPC, ex vi art.º 42.º, n.º1, do CPTA.
Da junção de 19 documentos pela A., foi já a contraparte notificada, e nada disse ou requereu. Não tendo os mesmos sido presentes nesta data (pese embora o termo de apensação de fls. 226), não é possível decidir da sua admissão nos autos, atento o disposto no art.º 423.º/CPC, ex vi art.º42.º/1/CPTA, o que oportunamente se fará.”

4
Em 18-03-2015, o TAC emitiu e notificou às partes o seguinte despacho:
“Requerimento da P.. …., SA de fls. 40 e segs. (do SITAF): Que fique nos autos.
Todavia, não juntou comprovativo de notificação à contraparte, nem do presente, nem do requerimento probatório anterior (cfr. despacho que antecede), pelo que notifique a A. para o efeito. Deve igualmente juntar cópia do acordo extrajudicial alegado no art.º 1.º do presente requerimento e, bem assim, dizer se mantém o pedido de intervenção principal provocada do SPMS, EPE (cfr. seu requerimento de fls. 118 e segs. dos autos em suporte de papel), atenta a data de emissão da fatura ainda por regularizar (de 30/11/2011), na pendência da assumida relação contratual entre R. e A. (até 16/12/2011 - cotejado o art.º 10.º do requerimento de fls. 118 e segs.).
Prazo: 10 dias.”.

5
Em 19-05-2015, a autora fez o seguinte requerimento:
“M... -....., S.A, A nos autos supra identificados em que são R. ACSS - ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAUDE, I.P e SPMS - SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAUDE, E.P.E. notificada de despacho de fls., vem pronunciar-se, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Questão Prévia:
A A M... -......., S.A resulta da fusão por incorporação da M... - Serviços de .....Multimédia, S.A (a qual tinha como anterior denominação: T.... - ..... Nacionais, SA) na P.... ...., S.A., e da alteração de denominação social desta, conforme código de certidão permanente n.0 1448-....., NIPC 504......
A. DA NOTIFICAÇAO À PARTE CONTRÁRIA
Penalizando-se pelo lapso, vem agora a A. juntar aos autos o comprovativo de notificação à contraparte do requerimento, remetido em 11.02.2015 e do requerimento probatório enviado anteriormente - doe. 1 e 2 que ora junta.
B. ACORDO EXTRAJUDICIAL CELEBRADO ENTRE AS PARTES
Em conformidade com o solicitado, vem a A. juntar cópia do acordo extrajudicial celebrado entre as partes - doe. 3 que ora se junta.
C. DO PEDIDO DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA DO SPMS, EPE

Pelo supra exposto, mantem a A o pedido de intervenção principal provocada da SPMS, EPE.”.

6
Em 29-06-2015, o TAC emitiu e notificou o seguinte despacho:
“Requerimento da M..., SA, de fls. 1023 e segs. (do SITAF): Que fique nos autos (cfr. despacho que antecede). Como «(…)
(Texto na Original)
Juntou os comprovativos de notificação em falta e, bem assim, o acordo extrajudicial.
Todavia, não se evidencia a notificação do presente requerimento à contraparte, sendo que se configura aqui uma modificação subjetiva da instância (cfr. art.º 262.º/a)/CPC), com eventual habilitação da adquirente (face à recente alienação da PT à A... – facto notório, cfr. art.º 412.º/1/CPC) – art.º 263.º/CPC, ex vi art.º 42.º/1/CPTA – e junção de nova procuração aos autos.
Assim, antes de mais, notifique-se a parte para juntar o comprovativo de notificação em falta, e requerer o que tiver por conveniente em matéria de modificação subjetiva da instância.
Prazo: 10 dias.”.

7
Em 09-11-2015, o TAC emitiu e notificou o seguinte despacho:
“Renovo o despacho que antecede, do qual foi a parte regularmente notificada, e não mais veio aos autos.
Notifique (com cópia do aludido despacho).”.

8
Em 15-05-2017 (no SITAF: 11-05-2017), o TAC emitiu o despacho aqui recorrido:
“«A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.» (cfr. José Lebre de Freitas e Outros, in CPC Anotado, Vol. l.º, Coimbra Ed., p. 512).
Ora, considerando que na presente acção a A visava a condenação da R. no pagamento da facturação em falta e discriminada no requerimento de injunção, no valor total de € 1 023 296, 77 ( capital e juros),
Mais considerando que, por virtude de acordo extrajudicial (cfr. doc. 3 junto com o requerimento de fls. 1023 e segs. do SIT AF, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido), logrou a A. obter o desiderato pretendido com a presente acção, com ressalva da fàctura n.º 800012491, no valor de€ 494 534,19, cujo valor foi reduzido para€ 384 636,60, assumindo a A que, no mais, a dívida foi regularizada,
Considerando, ainda, que a (im)possibilidade/(in)utilidade da lide nada tem que ver com o mérito da acção, nem está condicionada pela procedência da pretensão substantiva nela deduzida, tratando-se de uma (im)possibilidade/(in)utilidade da lide apreciada na sua vertente jurídica, em que «( ... ) A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artº 287 /e) do Cód. Proc. Civil, pressupõe, como resulta directamente dessa disposição, que a inutilidade no prosseguimento da lide seja absoluta ou total, não podendo por isso ser decretada quando, por uma ou outra razão, existe eventual interesse digno de tutela jurídica para o administrado, no prosseguimento e decisão de mérito do recurso. ( ... ) - cfr. Ac. do Pleno da Secção de e. A. do STA de 18/09/2007, proferido no P.º n.º 01273/05, em matéria relativa a concurso público/contrato administrativo),
Considerando, por último, que a própria A reconhece que se verifica a inutilidade superveniente da lide (cfr. requerimento de fls. 1015 e segs. do SITAF), ainda que parcial, porquanto pretende o prosseguimento dos autos quanto à factura n.º 800012491, com a consequente redução do pedido,
Impõe-se concluir que, in casu, se verifica a inutilidade superveniente da lide, ainda que parcial, nos termos do art.º 277.º, al e), do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, com a consequente extinção da presente instância, havendo os autos que prosseguir para conhecimento da obrigação de pagamento da factura n.º 800012491, agora no valor de € 384 636,60, se a tanto nada obstasse.
Ora, considerando a "Questão Prévia" suscitada no requerimento de fls. 1023 e segs. do SITAF e o teor dos antecedentes despachos, no cotejo com o disposto nos art.ºs 262.º/a) e 263.º, ambos do CPC, ex vi art.ºs 1.0 e 42.º/l/CPTA (à data vigente - atento o art.º 15.º/2 do DL n.º 214-G2015, de 02/10), traduzindo-se a conduta negligente da A na falta de impulso processual, que aqui releva,
Considerando, também, que à luz do art.º 281.º/1 do CPC vigente (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6 e aplicável aos processos pendentes - cfr. art.º 5.º da referida Lei), considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. (N/Sublinhado), o que se evidencia verificar-se in casu, no cotejo com o disposto no art.º 279.º do Código Civil (quanto à contagem deste prazo de seis meses, mais curto que o anterior - três anos sobre a paragem do processo, sem que a parte tenha promovido o andamento dos autos, promovendo o incidente tendente à habilitação da sociedade adquirente da PT, SA, a A. nestes autos, operando-se a necessária modificação subjectiva da presente instância),
Mais considerando que a falta de impulso processual por parte da A. se verifica desde há mais de um ano, sendo a primeira notificação datada de 02/07/2015 (cfr. fls. 1037 do SITAF), renovada em 23/11/2015 (cfr. fls. 1043 do SITAF), indiciando o seu desinteresse pela prossecução da lide,
Impõe-se concluir que, nos termos legais supra referidos (art.º 281.º/1 e 4/CPC vigente), a falta de impulso processual por parte da A., há mais de seis meses, impõe que, quanto à peticionada condenação da R. no pagamento da factura n. º 800012491, agora no valor de € 384 636,60, a presente instância seja declarada extinta, por deserção.
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos (e considerando prejudicada qualquer questão prévia - como seja, a requerida intervenção principal provocada da SPMS, EPE, mantido pela M... no seu requerimento de fls. 1023 e segs. do SITAF - que aqui coubesse conhecer), declaro totalmente extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide (parcial) e por deserção (cfr. art.º 277.º/d) e e)/CPC, ex vi art.º 1.º/CPTA)”.
*
O DIREITO
A)
O TAC fundamentou assim o por si decidido:
“«A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.» (cfr. José Lebre de Freitas e Outros, in CPC Anotado, Vol. l.º, Coimbra Ed., p. 512).
Ora, considerando que na presente acção a A visava a condenação da R. no pagamento da facturação em falta e discriminada no requerimento de injunção, no valor total de € 1 023 296, 77 ( capital e juros),
Mais considerando que, por virtude de acordo extrajudicial (cfr. doc. 3 junto com o requerimento de fls. 1023 e segs. do SIT AF, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido), logrou a A. obter o desiderato pretendido com a presente acção, com ressalva da fàctura n.º 800012491, no valor de€ 494 534,19, cujo valor foi reduzido para€ 384 636,60, assumindo a A que, no mais, a dívida foi regularizada,
Considerando, ainda, que a (im)possibilidade/(in)utilidade da lide nada tem que ver com o mérito da acção, nem está condicionada pela procedência da pretensão substantiva nela deduzida, tratando-se de uma (im)possibilidade/(in)utilidade da lide apreciada na sua vertente jurídica, em que «( ... ) A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artº 287 /e) do Cód. Proc. Civil, pressupõe, como resulta directamente dessa disposição, que a inutilidade no prosseguimento da lide seja absoluta ou total, não podendo por isso ser decretada quando, por uma ou outra razão, existe eventual interesse digno de tutela jurídica para o administrado, no prosseguimento e decisão de mérito do recurso. ( ... ) - cfr. Ac. do Pleno da Secção de e. A. do STA de 18/09/2007, proferido no P.º n.º 01273/05, em matéria relativa a concurso público/contrato administrativo),
Considerando, por último, que a própria A reconhece que se verifica a inutilidade superveniente da lide (cfr. requerimento de fls. 1015 e segs. do SITAF), ainda que parcial, porquanto pretende o prosseguimento dos autos quanto à factura n.º 800012491, com a consequente redução do pedido,
Impõe-se concluir que, in casu, se verifica a inutilidade superveniente da lide, ainda que parcial, nos termos do art.º 277.º, al e), do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, com a consequente extinção da presente instância, havendo os autos que prosseguir para conhecimento da obrigação de pagamento da factura n.º 800012491, agora no valor de € 384 636,60, se a tanto nada obstasse.
Ora, considerando a "Questão Prévia" suscitada no requerimento de fls. 1023 e segs. do SITAF e o teor dos antecedentes despachos, no cotejo com o disposto nos art.ºs 262.º/a) e 263.º, ambos do CPC, ex vi art.ºs 1.0 e 42.º/l/CPTA (à data vigente - atento o art.º 15.º/2 do DL n.º 214-G2015, de 02/10), traduzindo-se a conduta negligente da A na falta de impulso processual, que aqui releva,
Considerando, também, que à luz do art.º 281.º/1 do CPC vigente (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6 e aplicável aos processos pendentes - cfr. art.º 5.º da referida Lei), considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. (N/Sublinhado), o que se evidencia verificar-se in casu, no cotejo com o disposto no art.º 279.º do Código Civil (quanto à contagem deste prazo de seis meses, mais curto que o anterior - três anos sobre a paragem do processo, sem que a parte tenha promovido o andamento dos autos, promovendo o incidente tendente à habilitação da sociedade adquirente da PT, SA, a A. nestes autos, operando-se a necessária modificação subjectiva da presente instância),
Mais considerando que a falta de impulso processual por parte da A. se verifica desde há mais de um ano, sendo a primeira notificação datada de 02/07/2015 (cfr. fls. 1037 do SITAF), renovada em 23/11/2015 (cfr. fls. 1043 do SITAF), indiciando o seu desinteresse pela prossecução da lide,
Impõe-se concluir que, nos termos legais supra referidos (art.º 281.º/1 e 4/CPC vigente), a falta de impulso processual por parte da A., há mais de seis meses, impõe que, quanto à peticionada condenação da R. no pagamento da factura n. º 800012491, agora no valor de € 384 636,60, a presente instância seja declarada extinta, por deserção.
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos (e considerando prejudicada qualquer questão prévia - como seja, a requerida intervenção principal provocada da SPMS, EPE, mantido pela M... no seu requerimento de fls. 1023 e segs. do SITAF - que aqui coubesse conhecer), declaro totalmente extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide (parcial) e por deserção (cfr. art.º 277.º/d) e e)/CPC, ex vi art.º 1.º/CPTA)”.

B)
A recorrente imputa à decisão recorrida, em rigor a propósito apenas da questão da DESERÇÃO DA INSTÂNCIA (cf. artigo 281º/1/4 CPC atual), os seguintes fundamentos de ilegalidade:
i) o TAC não valorou a conduta omissiva da parte, para efeitos de concluir pela negligência (violação objetiva de uma norma por inobservância de deveres de cuidado) da confessada inércia processual da A.;
ii) o TAC deveria tê-la ouvido previamente e alertado para a possibilidade da deserção; aqui estará a recorrente a se referir ao contraditório;
iii) tal decorreria do dever de gestão processual pelo juiz (cf. artigo 6º/1/4 CPC atual);
iv) o despacho que está na origem da inércia processual da autora recorrente (datado de 02-07-2015) foi um despacho inútil, tornando assim irrelevante (ou sanada, como diz) a citada inércia da autora.
C)
O despacho de 2015 a que a autora não respondeu, durante muito mais de 1 ano até ao despacho ora recorrido de 15-05-2017 (e não 11 ou 18-05-2017), tem o seguinte teor:
“Notifique a A. para (1) juntar o comprovativo de notificação em falta e (2) requerer o que tiver por conveniente em matéria de modificacão subjetiva da instância.”.
Este despacho foi notificado às partes e não foi impugnado.
Aliás, era já um despacho de insistência, igual a outro anterior.
D)
Do princípio dispositivo (artigo 5º CPC) e dos vários ónus processuais existentes no CPC ou licitamente “fixados” pelo tribunal, decorre, ou melhor, descobre-se o princípio processual civil da autorresponsabilidade das partes.
De acordo com o artigo 281º/1/4 do CPC, considera -se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (cf. artigo 277º/c) CPC).
Daí que o não absoluto princípio do contraditório possa ser aqui eventualmente inoperante.
Por outro lado, se a inércia processual ou alheamento da parte face ao andamento do processo não for imputável a terceiros ou a força maior, havendo necessidade de impulso processual dessa parte (por expressa previsão legal ou por decisão do juiz sem discordância da parte, caso este abrangível pelo artigo 195º CPC), haverá negligência processual da parte. As normas jurídico-processuais violadas serão, obviamente, (1) as que explicam o princípio da autorresponsabilidade das partes, a que já aludimos, (2) além de outras concretamente fixadas na lei.
De acordo com o artigo 6º/1 do CPC (dever de gestão processual), cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Ou seja, sem prejuízo da autorresponsabilidade das partes, é dever do juiz fazer andar o processo para se poder resolver o litígio dentro de um prazo razoável.
Na verdade, trata-se essencialmente (i) de um poder-dever de adequação formal da tramitação processual e (ii) de um elemento de interpretação de algumas disposições legais de processo (cf. Lebre de Freitas, Introdução…, 4ª ed., p. 229).
Para tal, o tribunal, (i) sem se substituir à vontade e aos deveres e ónus processuais das partes, (ii) deve promover ativamente a marcha do processo, (iii) deve recusar o que não interessar materialmente ao mesmo e (iv) deve simplificar e agilizar o rito previamente fixado na lei. Nada mais.
De acordo com o artigo 7º/1 do CPC atual, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Ou seja, é dever de todos os sujeitos processuais colaborarem entre si de modo a todos fazerem andar o processo para se poder resolver o litígio dentro de um prazo razoável. Logicamente, sem prejuízo da autorresponsabilidade das partes.
Como se viu e é pacífico há muitas décadas, com o apoio aliás de todas as profissões judiciárias, não cabe ao juiz cumprir os deveres legais das partes processuais, como se elas não estivessem representadas por advogados. É o elementar do processo civil antigo e atual, sem prejuízo do importante princípio inquisitório.
Mas, vejamos mais.
D)
Não é correto dizer que o TAC não valorou a conduta omissiva da parte, para efeitos de concluir pela negligência da confessada inércia processual da A. O TAC fê-lo ao apontar, com referência aos 2 despachos de 2015, a dilação de tempo ocorrida. Tanto bastará num certo sentido, como veremos.
Não tem o tribunal de, como regra, perguntar, ao fim de mais de 1 ano e de uma insistência, se a parte foi ou não vítima de algum facto impeditivo não controlável por ela. E tal consulta à parte não decorre do dever de gestão processual pelo juiz que já explanámos (cf. artigo 6º/1/4 CPC atual).
Também parece exagerado, processualmente irracional e menorizante dos advogados a recorrente dizer que o TAC deveria tê-la ouvido previamente e alertado para a possibilidade da deserção.
Por outro lado, caso a autora estivesse por algum modo impedida de impulsionar o processo durante um tão longo prazo (sendo de 6 meses o máximo admitido, iniciado com o prazo geral de 10 dias), tinha o dever de o comunicar ao tribunal.
Por outro lado, ainda, do dever de gestão processual pelo juiz (cf. artigo 6º/1/4 CPC atual), como o definimos, não resulta que o tribunal tenha sempre de fazer uma audição prévia da parte, por causa de um incumprimento reiterado de um despacho notificado, não impugnado e eventualmente declarativo ou constitutivo de um verdadeiro ónus processual.
E)
E.1)
Finalmente, alega a recorrente que o despacho que está na origem da sua inércia processual da autora foi um despacho inútil, tornando assim irrelevante (ou sanada, como diz) a citada inércia da autora.
Dada a matéria fáctica provada, descortina-se, com efeito, essa inutilidade do despacho de 2015. Ou melhor, que o mesmo se insere numa dilação processual iniciada pelo tribunal a quo.
É que não existe o ónus ou a preclusão de comprovar a notificação à parte contrária, nem de a parte dizer o que tiver por conveniente sobre uma questão processual. O 1º aspeto sempre poderia ser suprido pelo tribunal, com multa a cargo da parte inadimplente, e o 2º aspeto refere-se a uma mera faculdade da parte, mas não a um verdadeiro ónus processual.
Vejamos melhor.
E.2)
Prescreve a al. c) do art. 277.º que a instância se extingue com a deserção.
Por seu turno, esclarece o enunciado do n.º 1 do art. 281.º que “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Com efeito, ao sistema de justiça estadual repugna a paragem negligente dos termos do processo, mas também repugna a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente desaproveitamento de toda a atividade processual pretérita, obrigando (desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada.
Na perspetiva de uma justiça célere e cooperada, prevê a lei mecanismos para obstar à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo. Sobre o atual regime da deserção da instância vd., i.a., os Acs. do TRL de 09-09-2014 pr. Nº 10040/90.0TVLSB.L1-7, e de 06-03-2014, pr. nº 1617/05.2TCSNT.L1-8.
O instituto da deserção da instância foi introduzido no nosso ordenamento jurídico através do Código de Processo Civil de 1939, pela mão de Manuel Rodrigues, tendo logo um conteúdo distinto daquele que tinha a antiga perempção (art. 202.º do CPC de 1876). O fundamento invocado pelo então Ministro da Justiça foi objetivo: não interessa à boa ordem dos serviços que os processos pendam em tribunal, parados indefinidamente. Para além de facilitar a gestão administrativa do tribunal, esta modalidade de extinção da instância promove a celeridade processual – sempre perseguida pelo sistema de justiça –, tendo um claro escopo compulsório.
A deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo, situação indesejada que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal.
Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos:
-a omissão de um ato processual que só à parte cabe praticar, sem que o tribunal se lhe deva substituir;
-essa omissão não é alheia à vontade da parte processual onerada.
A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator (art. 281.º/4), produzindo-se, pois, o seu reconhecimento ope judicis, e não ope legis como ocorria no direito imediatamente anterior. Tal intervenção jurisdicional necessária empresta à decisão, forçosamente, uma dimensão constitutiva para o processo.
Aliás, a intenção do legislador, ao impor a prolação de um despacho declarativo da deserção da instância, terá sido, apenas, alertar a parte para a deserção por ela já provocada, de modo a poder acautelar o eventual reinício dos prazos de prescrição ou de caducidade a que o exercício do seu direito substantivo ainda se encontre sujeito, instaurando uma nova ação em tempo. E porque apenas este mero alerta para a deserção pretérita terá sido visado pelo legislador – e não a satisfação de um qualquer princípio transversal a todo o processo civil –, não causa estranheza o surgimento da norma contida no n.º 5 do art. 281.º, dispensando o julgamento da deserção da instância executiva pelo juiz – já que tal intervenção não é naturalmente essencial à deserção –, em harmonia com as restantes causas de extinção da execução (art. 849.º), mas não a verificação de qualquer dos pressupostos da deserção.
Assim, o julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia.
O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo.
O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto.
Confrontando os enunciados das als. a) e c) do art. 277.º, nota-se que a lei não estabelece que a instância se extingue por força do julgamento da deserção, embora ele seja necessário para que esta tenha repercussões processuais.
Enfim, num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º/1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efetiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os atos que que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe.
Mas a lei não caracteriza a conduta omissiva como sendo um ilícito processual, não a reprovando com a previsão da aplicação de uma multa, por exemplo. Por isso, aqui, negligência significa falar-se de uma simples consequência (causal) da paragem do processo por falta de impulso, pois estamos perante um mero ónus processual de atividade subsequente da parte processual (arts. 6.º/1, ressalva, e 7.º/1).
A conduta negligente é, assim, a omissão não subtraída à vontade da parte, isto é, a omissão que não resulta de facto de terceiro (estranho à parte) ou de força maior que impede o demandante de praticar o ato. A deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. Por exemplo, ainda que não se censure o autor por, antes de praticar o ato em falta, passar largos meses tentando chegar a acordo com o réu – o que se admite, embora sem conceder, pois as demoradas tentativas de acordo devem ser ensaiadas antes de se provocar o funcionamento da pesada e onerosa máquina judiciária –, tal comportamento será de qualificar como negligente, para os efeitos que nos ocupam.
Resulta do exposto que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal.
Parece-nos, contudo, que nos casos normais representa uma perda de tempo e uma contradição exigir que o juiz esclareça os restantes sujeitos processuais sobre o estado dos autos, despachando no sentido de os informar que: a) o processo aguarda o impulso do demandante; b) a inércia deste determinará a extinção da instância (em data que indicar, ou decorridos seis meses sobre a data que indicar); c) não haverá novo convite à prática do ato, sendo declarada deserta a instância, logo que decorrer o prazo apontado (art. 281.º/1-d)) qualquer circunstância que impeça o autor de praticar o ato deverá ser imediatamente comunicada ao tribunal.
Nas situações comuns não haverá, pois, uma decisão-surpresa.
E.3)
Portanto, a deserção da instância tem como pressuposto lógico que recaia sobre uma parte um verdadeiro ónus de impulso processual em concreto. E, depois, que a paragem do processo não seja imputável a um terceiro.
Tudo dito, parece-nos que, aqui, a ora recorrente não violou no TAC nenhum dever processual essencial ou ónus processual de impulsão, tendo, num caso, omitido uma simples notificação entre mandatários, suprível pelo tribunal de um modo específico, e, noutro caso, tendo a ora recorrente considerado não ter conveniência em dizer algo mais do que tinha dito, dito antes do convite feito pelo tribunal a quo.
Ou seja, não existia sobre a ora recorrente um verdadeiro ónus de impulso processual. Pelo que o silêncio ou omissão da ora recorrente não é fundamento de deserção da instância.
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III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, devendo prosseguir os autos.
Custas a cargo da recorrida.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 11-07-2018


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator


Catarina Jarmela


Conceição Silvestre