Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:540/11.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS;
UNIÃO DE FACTO;
JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS.
Sumário:I. Para ser admissível o exercício do direito de opção pela tributação segundo o regime dos sujeitos passivos casados o que é exigido é que a união de facto perdure há mais de dois anos.
II. O facto de não ter sido imediatamente comunicado o domicílio fiscal de um dos membros da união de facto não é impeditivo da demonstração da existência dessa mesma união.
III. A comunicação da alteração de domicílio fiscal não configura formalidade ad substanciam.
IV. Dispondo a AT de todos os elementos que permitiriam que a sua atuação não padecesse de vício de erro sobre os pressupostos, estamos perante uma situação de erro imputável aos serviços.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 31.10.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por H………. (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por H........, relativamente à liquidação efectuada em sede de Imposto s/ o Rendimento das pessoas Singulares, para os exercícios de 2008, no montante total de € 11.839,48 (onze mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e oito cêntimos).

II. A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que encontrando-se preenchidos os pressupostos da Lei 7/2001 de 11/5 (unidos de facto) podia o Impugnante optar, como fez, pela aplicação daquele regime à declaração de rendimentos em sede de IRS, entregue para o ano de 2008.

III. Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que esta ao ancorar-se no Douto Acórdão n.º 04550/11 de 07.04.2011 do TCA Sul procedeu à errónea interpretação numa primeira linha, dos factos e probatório constante dos autos, e numa segunda linha dos preceitos legais aplicáveis.

IV. Impõe-se assim com toda a justeza a devida notação àquele Douto Acórdão ao abrigo do qual se acolhe a Douta Jurisprudência, e à sua relação com os normativos fiscais, bem como aos pressupostos da aceitação fiscal da união de facto sendo que se tratam de normas que não admitem presunção e ilisão, conforme se verifica da leitura directa daqueles normativos.

V. Acresce que a matéria controvertida, objecto dos presentes autos, se situa numa primeira abordagem no âmbito do exercício pessoal de direitos de opção do sujeito passivo e só posteriormente no âmbito das normas de incidência tributária, razão pela qual não são estas objecto de qualquer presunção, logo inilidíveis, precisamente pelas suas características e natureza de direitos de opção.

VI. Revertendo assim imediata e integralmente a sua prova para a esfera jurídico tributária do contribuinte nos termos gerais do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT, na medida em que se tratam precisamente de situações de direitos invocados pelo contribuinte.

VII. Constata-se então, que estamos perante uma lei que permite que aqueles que reúnam os pressupostos constantes da lei 7/2001 possam optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados.

VIII. Contudo refere expressamente o artigo 14.º do CIRS, mormente, no seu n.º 2, que a aplicação daquele regime depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei, para verificação dos pressupostos da união de facto, e durante o período de tributação.

IX. Até aqui parece existir sintonia nas posições de ambas as partes, Administração Fiscal e Impugnantes, porquanto, se entende que a aplicação daquele regime depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante dois anos.

X. Importa então agora retirar da Lei Fiscal o conceito de domicílio fiscal, ou seja, aquilo que à luz das normas tributárias se entende por domicílio fiscal dos Sujeitos Passivos, e verificar se é o mesmo que serve de base ao reconhecimento da Lei 7/2001 de 11/5, sendo então este coincidente com o domicilio voluntário ou geral, previsto no artigo 82.º do Código Civil.

XI. E parece retirar-se da Lei 7/2001 de 11/5 que esta não é muito exigente na prova desses pressupostos de residência conjunta, contudo, em termos fiscais, verifica-se a exigência do cumprimento de alguns pressupostos para esse efeito.

XII. Para efeitos de ser considerado para efeitos fiscais o estado de unidos de facto, mostra-se necessário e obrigatório que previamente os unidos procedam à entrega à AT duma comunicação de domicilio fiscal conjunto, mediante impresso disponibilizado pela AT, sendo ineficaz qualquer mudança de domicilio fiscal, desde que não participada.

XIII. E daqui derivam imediatamente duas obrigações fiscais, ou seja, é obrigatória a comunicação do domicilio conjunto e este ultimo só produz efeitos a partir da data da sua apresentação, não produzindo a mesma quaisquer efeitos rectroactivos, imediatamente anteriores à sua entrega.

XIV. Temos então que se faz depender a aplicação do regime da união de facto, para efeitos fiscais, na conjugação de três pilares basilares, que são, Identidade de residência, por um período de dois anos, a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal das partes à Administração Tributária mediante impresso próprio e a ineficácia da identidade de residência antes de decorridos dois anos sobre a sua competente participação em impresso normatizado próprio.

XV. Ou seja, e dito de outro modo, só depois de decorridos dois anos após participação fiscal de identidade de residência em termos de número de contribuinte, é que os Sujeitos Passivos podem exercer o direito de opção pelo regime da união de facto em sede fiscal.

XVI. Temos então que o artigo 14.º do CIRS é um comando normativo de natureza totalmente imperativa, como tal trata-se de um comando que se impõe directa e imediatamente aos particulares, sendo insusceptível de ser afastado pela vontade destes, sendo também assim insusceptível de ilisão, porquanto, a lei refere expressamente que se trata duma obrigação, que só produz efeitos a partir da sua apresentação, sendo ainda consabido que só as presunções e nunca as obrigações, são passíveis de serem ilididas.

XVII. Portanto, facilmente concluímos que imediatamente antes de qualquer exercício de opção pelo regime da união de facto, e em sede de IRS, o Impugnante tem a prévia obrigação de comunicação do seu domicílio fiscal à Administração Tributária e a sua manutenção pelo prazo de dois anos.

XVIII. Conclui ainda o sobredito preceito com chave de ouro quando consagra no seu n.º 3, a ineficácia da mudança de domicílio enquanto esta não for comunicada à Administração Tributária situação que mais uma vez revela o cuidado havido pelo legislador na construção da figura legal dos requisitos subjacentes quer à opção pelo regime dos unidos de facto, quer à obrigação de participação do domicílio fiscal.

XIX. O que não surpreende, dado que todo o sistema fiscal Português se encontra suportado no n.º fiscal de contribuinte.

XX. Podemos então concluir com segurança que os ora Impugnantes não cumpriram com a sua obrigação fiscal de participação de domicilio, como tal prevista nos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT, apresentando-se esta assim totalmente ineficaz, já que em termos fiscais não se encontram reunidos os pressupostos ordenados por Lei.

XXI. Podemos também concluir ainda com segurança que não há qualquer presunção implícita nestes normativos que admita ilisão, antes sim, tratam-se de comandos imperativos directos de obrigação de comunicação de domicilio fiscal à Administração Tributária, da qual se faz depender totalmente a possibilidade de opção por aquele regime da união de facto em sede tributária.

XXII. Não se podendo argumentar qualquer incompatibilidade dos sobreditos preceitos legais, artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT com a Lei 7/2001, porquanto, o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, consagra expressamente e com força obrigatória geral, que a lei geral não revoga a lei especial.

XXIII. Verificamos assim que não se mostram reunidas as condições impostas pelos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT, para aplicação aos ora Impugnantes do regime de união de facto.

XXIV. No mesmo sentido do que atrás vem sendo explanado, o Douto Acórdão do TCA Sul n.º 04550/11 de 07.04.2011 que consagra e reconhece expressamente essa exigência legislativa prevista nos artigos 14.º do CIRS e 19.º da LGT.

XXV. Porém, e salvo o devido respeito que nos merece a Doutíssima Jurisprudência, padece esta de erro na respectiva conclusão, por Vício de Violação de Lei e por Vício de Interpretação, porquanto, conclui que a Administração Fiscal têm o poder dever de alterar oficiosamente a morada dos contribuintes.

XXVI. Neste sentido, Francisco Ferrara, traduzido pelo Professor Manuel de Andrade in "Interpretação e Aplicação das Leis" 4. a Edição, Arménio Amado — Editor, Sucessor Coimbra -1987, a fls. 134, que passamos a citar:

(...) A finalidade da interpretação é determinar o sentido objectivo da lei, a vis ac potestas legis. A lei é expressão da vontade do Estado, e tal vontade persiste de modo autónomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação.

O intérprete deve apurar o conteúdo de vontade que alcançou expressão em forma constitucional, e não já as volições alhures manifestadas ou que não chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei.(...)

(...) O ponto directivo nesta indagação é, por consequência, que o intérprete deve buscar (…) aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a men legis (...)

XXVII. Ainda por consulta directa a um dicionário de Português corrente retira-se, e passamos a citar:

Poder, v. tr. ter a possibilidade de; ter autorização para; s. m. autoridade; domínio.

XXVIII. Assim, e com a devida vénia que o Douto Acórdão nos merece, à opção pelo verbo "poder", no tempo e modo verbais adoptados, não pode deixar de ser atribuída a devida relevância.

XXIX. E se por acaso o legislador fiscal visasse atribuir carácter de requisito ou pressuposto à norma em causa, teria, seguramente, adoptado o verbo "dever" ou qualquer outro que traduzisse o mesmo carácter de imposição, obrigação ou vinculação que pretendia, aliás, conforme se retira do artigo 14.º do CIRS e da primeira parte do artigo 19.º da LGT.

XXX. Ao invés, o normativo implícito no n.º 6 do artigo 19.º da LGT encontra-se formulada em termos de mera faculdade, acreditando nós que o legislador tributário adoptou tal forma verbal para expressar, exactamente, o sentido que pretendia (artigo 11.º da LG T e 9.º /3 do Civil).

XXXI. Ora, tratando-se então a alteração oficiosa de morada dos contribuintes por parte da AT, de uma mera faculdade ou prerrogativa a exercer por parte da AT, não reveste a Douta Jurisprudência qualquer legitimidade de a transformar num dever, muito menos imputar o seu incumprimento à AT, quer sob pena de violação por inversão do ónus probatório, quer sob pena de violação directa de lei, quer ainda sob pena de subversão do espírito da Lei, na medida em que tal interpretação investe a AT num ónus que a Lei atribui ao agente/sujeito passivo.

XXXII. Porque tratando-se de direitos de opção do sujeito passivo/impugnante, nunca poderia reverter, senão para aquele, o ónus probatório dos direitos alegados.

XXXIII. Não reveste assim o Douto Acórdão a eficácia de demonstrar quais as razões fundamentantes e/ou justificativas que possam determinar que uma mera faculdade da AT se transforme num dever de alteração do domicilio fiscal, já que não será certamente através da declaração de rendimentos, porquanto, aqui se trata da manifestação dum "direito de opção" pela união de facto.

XXXIV. A Administração Fiscal carece de legitimidade, e até de oportunidade, para se substituir aos sujeitos passivos no exercício destes direitos, reiteramos, porque estes constituem precisamente direitos inalienáveis de opção a exercer em cada entrega periódica de declarações de rendimentos, sendo ainda por demais consabido que a Administração Fiscal têm o poder dever de se substituir nas obrigações fiscais incumpridas pelos contribuintes, porém, carece de legitimidade para se substituir no exercício dos direitos dos contribuintes, com maioria de razão, no exercício dos seus direitos de opção.

XXXV. Assim, não estará sequer na disponibilidade da Administração Fiscal em momento nenhum, muito menos nos seus deveres conhecer de tais factos, até porque a obrigação de participação e alteração do domicilio fiscal é um ónus do contribuinte e da sua inteira responsabilidade, podendo no entanto eventual e residualmente a Administração Fiscal substituir-se nessas funções desde que reúna indícios suficientes e objectivos de que o contribuinte reside em domicilio diverso do participado, o que em termos gerais pode obstar como muito bem diz o Douto Acórdão ao normal contacto entre as partes, sempre que este se mostre necessário para exercício das respectivas obriqacões fiscais, o que não é seguramente o presente caso.

XXXVI. Acresce, nos termos gerais do ónus da prova como tal previsto no artigo 74.º da LGT, que o ónus se situa na esfera tributária de quem invoca a si o direito ao exercício, no caso mais uma vez reverte para os contribuintes, enquanto sujeitos passivos detentores do exercício de opção pelo regime da união de facto, direito e opção estas que só podem ser exercidos por aqueles.

XXXVII. Da mesma forma a Administração Fiscal não têm qualquer possibilidade de conhecer as condicionantes dos agregados familiares dos contribuintes, para que os altere oficiosamente, nem tão pouco se vislumbra que tal incumbência faça parte das suas atribuições.

XXXVIII. No que efectivamente concerne à condenação em pagamento de juros indemnizatórios, é nosso entendimento que ainda que se viesse hipoteticamente a considerar a anulação da liquidação posta em causa, nunca a AT, poderia vir a ser condenada no seu pagamento, porquanto, e conforme demonstrado, não se verificou qualquer erro imputável aos serviços que afectasse a liquidação, antes se verificou inobservância e incumprimento objectivo dos preceitos legais por parte dos ora Impugnantes, incumprimento este que veio a obter protecção jurisprudencial à sombra do mui Douto Acórdão citado, este no entanto como se demonstrou, sem qualquer suporte legal quer na letra da lei, quer no espírito do legislador, nomeadamente, reiteramos, porque uma mera faculdade dum órgão, no caso AT, em momento algum pode ser transformada num dever de substituição em sede de direitos dos contribuintes”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. O Impugnante viveu em comunhão de mesa e habitação com a Sra. D. E... ("Unida de Facto") desde o ano de 2000, ou seja, mais de 10 anos com os filhos de ambos, inicialmente em Espanha e desde 2006 em Portugal. E tais factos ficaram indubitavelmente provados nos autos, quer por documentos, quer por testemunhas;

II. É verdade que por mero lapso, o Impugnante não alterou a sua morada constante do cadastro, vindo logo que de tal se apercebeu, a fazê-lo com data posterior, mas juntando elementos documentais demonstrativos de que vivia desde 2006 na morada do Estoril identificada nos autos, solicitou para o efeito a sua rectificação de alteração da morada constante do cadastro com efeitos retroactivos a 2006, por forma a que a inscrição cadastral passasse a reflectir e a coincidir com a verdade material.

III. No que respeita aos anos de 2006 e 2007, não obstante a diferente morada constante do cadastro, mas sim face à prova da verdade material apresentada (e assim o deverá ser, que apesar de não coincidir com o cadastro, coincide com a prova apresentada e realidade dos factos) a AT reconheceu a efectividade da união de facto (que é indiscutível) e reconheceu em consequência o direito à opção pela tributação em IRS pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados para esses anos anteriores.

IV. Segundo o Decreto Lei n.º 463/79 de 30/11, o qual diz respeito ao Número fiscal de contribuinte, no seu artigo 3º refere a necessidade de indicação, por parte do contribuinte, aquando da inscrição, do seu domicilio fiscal. Seguindo ainda o disposto no mesmo decreto Lei o n.0 4 desse do artigo 8º refere: "4- O contribuinte tem o direito de tomar conhecimento do conteúdo dos registos magnéticos (ou mecanográficos) respeitantes ao seu número fiscal, bem como do conjunto das operações de tratamento automático que relativamente a eles serão efectuados, podendo exigir a rectificação dos dados inexactos e a sua actualização. (Sublinhado nosso.)”

V. O Impugnante, procedeu conforme a lei e conforme os procedimentos da DSIRS, solicitando "a rectificação dos dados inexactos e a sua actualização" da sua morada uma vez que esta não se encontrava actualizada, pedindo que a mesma reflectisse a realidade desde o ano de 2006, juntando a respectiva prova,

VI. Pelo que, ainda que assuma que, por mero lapso, não procedeu, em devido tempo, à alteração do seu domicílio fiscal, demonstrou e provou cabalmente ser essa a sua residência fiscal em Portugal desde o ano de 2006 e requereu nesse sentido a sua rectificação formalmente no sistema cadastral.

VII. E a própria lei 463/79 de 30/11 nos termos do n.º 4 do art.8.º esta admite a possibilidade de "podendo exigir a rectificação dos dados inexactos e a sua actualização

VIII. Salvo melhor opinião a comunicação do Domicilio conjunto só produz efeitos a partir da data da sua apresentação tal não se limita imperativamente para o futuro.

IX. A lei refere no seu n.º 3 do art. 19 LGT refere que "É ineficaz a mudança de domicilio enquanto não for comunicada à Administração tributária". Mas permite que se possa "exigir a sua rectificação dos dados inexactos e a sua actualização" ( nos termos do nº 4 do art.8º DL. 463/79 de 30/11)

X. Tendo sido tal efectuado pelo Recorrido. Por tal deveria ser eficaz a mudança de domicílio uma vez que foi comunicada à Administração Tributária a sua rectificação e actualização.

XI. De salientar novamente a importância de que se a AT aceitou a União de Facto para 2006 e 2007, consequentemente os dois anos legalmente exigidos para a União de Facto, deveriam estar cumpridos, para a tributação do ano de 2008 em União de Facto”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de não poder ser aplicado o art.º 14.º do CIRS caso não tenha sido oportunamente comunicado por ambos os membros da união de facto o mesmo domicílio fiscal?

b) Há erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, em virtude de não existir qualquer erro imputável aos serviços?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A)

Entre 2000 a 2006, o Impugnante e E………… viveram em Espanha na C….. S….. L…., 8 piso, 4 planta …, M...... . (Doc. n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 , 6, 7 , 8 e 9 junto á p.i.)


B)

O Impugnante e E….. têm dois filhos um nascido no ano de 2002 e outro no ano de 2004.( Doc. n.º10 junto á p.i)

C)

O “Grupo M…. C….. S.A” tem a sua sede social na Rua M………, n.º4… B..... . (Doc. n.º11 junto á p.i.)

D)

O Impugnante indicou como morada para efeitos fiscais a sede do Grupo M…. C…. S.A” , onde passou a trabalhar. (Doc. n.º11 junto á p.i.)

E)

Consta junto aos autos, o documento emitido pelo Instituto da Segurança Social com enquadramento com efeitos a 01.04.2006, dirigido ao Impugnante e endereçado para a Rua do M…….., Urbanização V….., A1, 3º …., São J……., 2765-… Estoril. (Doc. n.º 12 junto á p.i.)

F)

Consta junto aos autos, o documento emitido pelo Ministério da Saúde – Centro de Saúde de Cascais - com efeitos a partir de 02.10.2007, dirigido ao Impugnante e endereçado para a Rua do M….., Urbanização V….., A1, 3º ..., São J….., 2765-… Estoril. ( Doc. n.º 13 junto á p.i.)

G)

Consta dos autos, o documento de retenção da fonte referente ao ano de 2007, emitido pela entidade patronal do Impugnante, na qual se indica a morada Rua do M……, Urbanização V……., A1, 3º …., São J……., 2765-… Estoril. ( Doc. n.º 14 junto á p.i.)

H)

Conta dos autos, extractos bancários enviados ao Impugnante para a morada Rua do M….., Urbanização V…., A1, 3º …., São J…., 2765-… Estoril. (Doc. n.º 15 junto á p.i.)

I)

Consta dos autos faturas emitidas em nome do Impugnante e endereçadas para a morada Rua do M........, Urbanização V....., A1, 3º ..., São J....., 2765-... Estoril. (Doc. n.º 16 junto á p.i.)

J)

Em Setembro de 2009, o Impugnante e E…… alteraram junto da Administração Fiscal o domicilio fiscal para a Rua do M…….. Urbanização V……, BL. C…, 1º …. ( Doc. n.º 17 junto á p.i.)

L)

O Impugnante e E…… apresentaram as declarações anuais de rendimentos (declaração Modelo 3 de IRS) referentes a 2006, 2007 e 2008 exercendo a opção pela tributação segundo o regime dos sujeitos passivos casados. ( Doc. n.ºs 18, 19, 20 e 21 junto á p.i.)

M)

A Administração Tributária recebeu a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2006, e emitiu a respectiva liquidação.(acordo)

N)

A Administração Tributaria detetou na declaração de rendimentos do ano de 2007, divergências de residências do Impugnante e E…….., notificando o Impugnante nos termos constantes da carta/oficio, junto á p.i. sob o Doc. n.º22.

O)

Em 17.07.2008, na sequência da notificação a que alude a al.N) do probatório, o Impugnante mediante requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 2 requereu a alteração do domicilio fiscal para a morada sita na Rua do M…… Urbanização V….., BL. C…, 1º frente com efeitos a 31.12.2006, tendo junto documentos.( Doc. n.º 23 e 24 junto á p.i.)

P)

Em 18.11.2008, no seguimento do requerimento a que alude a al. O) do probatório, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras -2, emitiu o seguinte despacho:” revista a situação dos contribuintes relativamente à união de facto, aceita-se a justificação efectuada, não se procedendo a qualquer rectificação para o ano de 2007.” não se pronunciando contudo sobre o pedido de alteração de domicilio fiscal apresentado pelo Impugnante.(Doc. n.º 25 junto á p.i.)

Q)

Em Julho de 2009, E……. foi notificada do despacho da Direção de Serviços de IRS de 19 de Junho de 2009, de que” A declaração de rendimentos relativa a ano de 2008, com a identificação 18…/66 foi seleccionada para análise por ter(em)sido detetada(s) a (s) seguinte(s)situaç(ões): Divergência do domicílio fiscal dos sujeitos passivos; Divergências de valores declarados no anexo B e/0u anexo C”. (Doc. n.º26 junto á p.i.)

R)

Em resposta á notificação a que alude a al.Q) do probatório, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Cascais, um requerimento dirigido à Diretora dos Serviços de IRS através do qual procedeu à junção de duplicado da declaração de substituição de IRS relativa ao ano de 2008, duplicado do documento comprovativo dos rendimentos auferidos pela E….. nesse mesmo ano, duplicado do despacho a que alude a al. P) do probatório. (Doc. n.º 27 junto á p.i.)

S)

Em Agosto de 2009, o Impugnante foi notificado mediante ofício n.º 56…, de 05.08.2009, do Serviço de Finanças de Cascais nos seguintes termos:” Em resposta ao exposto por V.Exª e no que respeita à divergência do domicílio fiscal dos sujeitos passivos, informo que a admissibilidade da opção pela tributação conjunta das pessoas que vivam em união de fato depende da verificação da condição exigida no n.º2 do art. 14º do CIRS, ou seja, depende da identidade de domicilio fiscal há mais de dois anos e durante o período de tributação. Uma vez que não estão reunidas estas condições, deverão os sujeitos passivos entregar novas declarações Modelo 3 de IRS individualmente.” (Doc. n.º 28 junto á p.i.)

T)

O Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Cascais um requerimento, no qual apresentou prova da identidade do seu domicilio fiscal e de E….. em Espanha, bem como documentos que lhe foram enviados e remetidos para a Rua do M….. Urbanização V….., BL. C…, 1º frente. (Doc.n.º 29 junto á p.i.)

U)

Em Janeiro de 2010, o Impugnante foi notificado mediante ofício n.º 012…, de 25.01.2011, de que: “ verifica-se de que o domicílio fiscal não está de acordo com o estipulado no referido n.º2 do art. 14º, no que respeita ao ano de 2006 e 2007, pelo que o pedido não poderá merecer provimento. Mais fica notificado para no prazo de 15 dias cada sujeito passivo proceder á entrega da declaração de IRS do ano de 2008 separadamente.” (Doc. n.º 30 junto á p.i.)

V)

Em 08.02.2010, na sequência da decisão a que alude a al. U) do probatório, o Impugnante apresentou junto do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais requerendo a suspensão do procedimento tributário até integral deferimento do requerimento apresentado em 2 e 17 de julho de 2008. (Doc. n.º31 junto á p.i.).

X)

Em fevereiro de 2010, o Impugnante foi notificada para “ apresentar todos os documentos comprovativos que serviram de base ao preenchimento da(s) referida(s) declaração(ões)”. (Doc. n.º 32 junto á p.i.)

Z)

Constam dos autos, sob os Doc.s nº32 a 40 recibos e faturas emitidos no ano de 2004, em nome dos Impugnantes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

AA)

Em janeiro de 2011, o Impugnante foi notificado da liquidação de IRS n.º 2010 4005133…, referente ao ano de 2008, no montante de € 11.839,00, sendo € 738,44 a título de juros compensatórios, com data limite de pagamento voluntário em 02.02.2011. (Doc. fls. 164/165 do processo administrativo tributário apenso)

AB)

Em 26.04.2011, o Impugnante procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios relativos á liquidação de IRS a que alude a al. X) do probatório. (Doc. n.º 47 junto á p.i.)

AC)

O Impugnante e E….. residem juntos em S.J……. com os dois filhos de ambos unida de facto e os filhos desde 2006.(Depoimento das testemunhas)

AD)

Desde de Setembro de 2009, o Impugnante e E….. unida de facto e os filhos de ambos passaram a residir permanentemente num imóvel sita na Rua do M….. Urbanização V….., BL. C…, 1º frente São J….. .(Depoimento das testemunhas)

AE)

A presente petição inicial deu entrada em Tribunal em 05.05.2011, tendo sido remetida por correio registado e via fax no dia 03.05.2011. (cfr. carimbo aposto sobre a PI de fls. 2 e doc. junto a fls. 211 e 212 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem. As demais asserções da douta petição inicial constituem conclusões de facto e/ou direito ou são inócuas para a boa decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas do probatório e bem assim da prova testemunhal produzida”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem­-se os lapsos constantes dos factos O), T) e AB), supratranscritos, que passarão a ter a seguinte redação:

O) Em 17.07.2008, na sequência da notificação a que alude a al.N) do probatório, o Impugnante mediante requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 2 requereu a alteração do domicilio fiscal para a morada sita na Rua do M………, Urbanização V….., A1, 3.º …, M….. Estoril, com efeitos a 31.12.2006, tendo junto documentos.( Doc. n.ºs 23 e 24 juntos à p.i.).

T) O Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Cascais um requerimento, no qual apresentou prova da identidade do seu domicilio fiscal e de E…… em Espanha, bem como documentos que lhe foram enviados e remetidos para a Rua do M…….., Urbanização V……., A1, 3.º …, M…. Estoril (Doc.n.º 29 junto à p.i. e fls. não numeradas do processo administrativo).

AB) Em 26.04.2011, o Impugnante procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios relativos à liquidação de IRS a que alude a al. AA) do probatório. (Doc. n.º 47 junto à p.i.).

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

AF) Por referência a 31.12.2006, 31.12.2007 e 31.12.2008, estava registado, no sistema de gestão e registo de contribuintes da administração tributária (AT), como domicílio fiscal de E…. Fernandez o sito Rua do M….., Urbanização V…., A1, 3.º …, Estoril (cfr. fls. 179 a 188 do processo administrativo).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, quer dos factos dados como provados, quer do regime jurídico aplicável, na medida em que, para que se possa considerar fiscalmente o estado de unidos de facto, é obrigatória a comunicação de domicílio fiscal conjuntos, sendo ineficaz qualquer mudança de domicílio fiscal não participada. Defende ainda tratar-se o regime jurídico em causa de cariz imperativo, dependendo totalmente a possibilidade de opção pelo regime da união de facto da mencionada comunicação.

Vejamos então.

O nosso ordenamento consagra, em diversas vertentes, a proteção da união de facto, reflexo, desde logo, da proteção constitucionalmente consagrada do direito à constituição de família (cfr. art.º 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

Assim, a este respeito, é desde logo de chamar à colação a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio[1], considerando-se, nos presentes autos, a sua redação inicial, dado ser a aplicável atento o facto tributário reportar ao ano de 2008.

O art.º 1.º, n.º 2, do mencionado diploma, define “união de facto” como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.

Por seu turno, o art.º 2.º elenca as situações que impedem a atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto.

Nos termos do seu art.º 3.º, al. d), as pessoas que vivam em união de facto têm direito à “[a]plicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens”.

Por outro lado, nos termos do art.º 14.º do Código do IRS (CIRS), na redação então em vigor:

“1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respetiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respetiva declaração de rendimentos.

3 - No caso de exercício da opção prevista no nº 1, é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 13º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias”.

É ainda pertinente chamar à colação o art.º 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), também na redação então em vigor, nos termos do qual:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

(…) 2 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

3 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

(…) 6 - A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”.

In casu, a questão que se coloca prende-se com a possibilidade de ser apresentada declaração modelo 3 de IRS com exercício da opção pela tributação segundo o regime dos sujeitos passivos casados, não obstante não ter sido feita a alteração do domicílio fiscal junto dos serviços da administração tributária (AT) de ambos os sujeitos da união de facto.

Refira-se, a título prévio, que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi posta em causa, pelo que a mesma se encontra estabilizada.

Considera a Recorrente, como já referimos, que a obrigação de identidade do domicílio fiscal, configurada do ponto de vista da obrigatoriedade de comunicação e registo junto da AT, é condição imposta para efeitos de aplicação do regime constante do art.º 14.º do CIRS.

Desde já se refira não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Com efeito, o regime jurídico em causa pretendeu instituir a faculdade de quem viva em união de facto optar pelo regime de tributação aplicável aos contribuintes casados e não separados de pessoas e bens.

A exigência de domicílio comum é inerente ao próprio conceito de união de facto, ao referir-se à vivência em condições análogas às dos cônjuges. A esse respeito, atentando no regime jurídico do casamento, é de salientar o disposto no art.º 1.673.º do Código Civil, justamente relativo à residência de família.

“[O]s membros da união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem casados, o que cria uma aparência de vida matrimonial”[2].

Por seu turno, ao nível da LGT, o domicílio fiscal, no caso das pessoas singulares, é definido como o local da residência habitual.

Ora, para efeitos de aplicação do regime previsto no art.º 14.º do CIRS, o que é fundamental é que o domicílio fiscal, enquanto residência habitual, seja o mesmo.

Carece, pois, de relevância o alegado pela Recorrente, ao pretender distinguir domicílio fiscal do domicílio inerente à disciplina prevista na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio. Trata­-se da mesma realidade substantiva e é essa que tem de ser aferida. A disciplina legal prevista no CIRS e na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, é perfeitamente compatível entre si, o que desde logo resulta da remissão constante do n.º 1 do art.º 14.º do CIRS para esta última, carecendo, pois, de materialidade o alegado em torno de a lei geral não revogar lei especial.

A verificação deste pressuposto não se confunde, por outro lado, com a falta de comunicação à AT do domicílio fiscal, ao contrário do defendido pela Recorrente (sempre se diga, de todo o modo, que a comunicação atinente ao domicílio fiscal veio a ser feita, em 2008, tendo sido requerida a sua atualização com efeitos reportados a 31.12.2006). Sendo certo que está legalmente previsto esse dever de comunicação, não se trata de formalidade ad substanciam, o que significa, naturalmente, que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação. Ou seja, a falta de comunicação à AT do domicílio fiscal dos membros da união de facto não significa que os mesmos não vivam em união de facto. Não estamos, pois, perante qualquer presunção inilidível, como defende a Recorrente.

Da mesma forma, a menção à identidade de domicílio fiscal, constante do n.º 2 do art.º 14.º do CIRS não pode ser interpretada se não no sentido de, da sua verificação, se presumir a existência de união de facto, mas nunca no sentido de que a sua não verificação tem necessariamente como consequência a inexistência de tal união. Aliás, o regime atualmente em vigor é claro nesse sentido. Ou seja, não estando atualizado o domicílio fiscal, do qual a AT extrai a demonstração da vivência em união de facto, caberá aos sujeitos passivos o ónus da prova de tal vivência, atento o disposto no art.º 74.º da LGT.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2016 (Processo: 0761/15), ao qual se adere e onde se refere:

“A vida em comum entre duas pessoas e a constituição de família, independentemente de formalização perante oficial público, encontra proteção Constitucional nos artigos 26º, n.º 1 e 36º, n.ºs. 1 e 4, bem como em diversos preceitos do Código Civil e legislação avulsa, e impõe-se como externação da individualidade e liberdade de cada individuo, bem como livre afirmação da personalidade de cada um.

(…) [O] reconhecimento da união de facto, e da sua equiparação para efeitos fiscais ao casamento formal, apenas depende dos dois requisitos atrás enunciados, como aliás resulta do n.º 1 do artigo 14º do CIRS.

As obrigações resultantes dos artigos 19º da LGT e 14º, n.º 2 do CIRS, para os contribuintes unidos de facto apenas podem ser vistas como requisitos formais que, no entanto, não inviabilizam a opção pelo regime de tributação conjunto, uma vez que essa depende de outros requisitos substantivos.

(…) Assim, o que deve ser determinante para que os unidos de facto possam, querendo, beneficiar do regime de tributação dos casados é tão só o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pela Lei n.º 7/2001.

As exigências vertidas no artigo 14º, n.º 2 do CIRS, indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos, apenas podem ser vistas como requisitos formais que facilitam a prova perante a AT da referida união de facto e, caso os interessados não cumpram tais exigências, incumbe-lhes fazer a prova, por qualquer meio, de que podem efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto. Bem como recaem sobre os mesmos as penalidades e ónus legalmente previstos pela não atualização, junto da AT, da sua situação pessoal e familiar

E assim, não pode sancionar-se o incumprimento de tais obrigações formais com as sanções próprias que apenas contendem com a não verificação dos requisitos substanciais”.

Assim, ao contrário do defendido pela Recorrente, não se pode extrair da falta de comunicação do domicílio fiscal a inexistência de união de facto, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 14.º do CIRS.

Ora, in casu, resultou provado que o Recorrente e E……. vivem em união de facto desde 2000, tendo num primeiro momento residido em Madrid, num período em que nasceram os seus dois filhos, e, a partir de 2006, em S. J….. Estoril.

Ficou, pois, provado que, em 2008, viviam em união de facto há mais de dois anos, pelo que, nesse seguimento, poderia ser exercida a opção de tributação prevista no n.º 1 do art.º 14.º do CIRS.

Saliente-se, aliás, que, como resulta provado, a própria AT aceitou a declaração de IRS do ano de 2006 e aceitou a prova efetuada, durante o ano de 2008, em sede graciosa, pelo Recorrido, no tocante ao ano de 2007, depois de ter detetado divergências entre o seu domicílio fiscal e o de E…… . Aliás, nessa altura o Recorrido requerera que fosse alterado o domicílio fiscal com efeitos a 31.12.2006 [cfr. factos N), O) e P)].

A prova efetuada foi reiterada quando a interpelação da AT respeitou ao ano de 2008 [cfr. factos Q) a T)]. Por outro lado, a alteração do domicílio não ocorreu, não obstante ter sido requerida e não obstante a AT dispor de todos os elementos para o fazer, como resulta evidenciado da sua decisão relativa ao ano de 2007 e da aceitação da declaração de IRS relativa ao ano de 2006. Assim, como referido pelo Tribunal a quo, e considerando o disposto no art.º 19.º, n.º 6, da LGT, lido em consonância com o respeito pelo princípio da colaboração, que deve enformar as relações entre administração e administrados (cfr. art.º 59.º da LGT), tinha AT até o poder-dever de alterar o domicílio do Recorrido.

Face ao exposto, considerando que resultou provado que o Recorrido e E……. viviam em união de facto desde 2000, estão reunidos os pressupostos previstos no então art.º 14.º, n.º 1, do CIRS, tal como decidido pelo Tribunal a quo.

Como tal, carece de razão da Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios

Considera, por outro lado, a Recorrente, que, de todo o modo, não se verificou qualquer erro imputável aos serviços que afetasse a liquidação, antes se tendo verificado inobservância e incumprimento objetivo dos preceitos legais por parte do Recorrido, pelo que não se reúnem os pressupostos para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Vejamos.

A este proposto, há que atender, desde logo, ao disposto no art.º 43.º da LGT, segundo o qual:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário que, considerando o disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”[3].

No caso dos autos, como resulta provado, verifica-se que, não obstante num primeiro momento não ter sido comunicada a alteração do domicílio fiscal, foram, em sede administrativa, apresentados elementos demonstrativos da união de facto em causa, nos termos declarados pelo Recorrido, o que, aliás, a AT aceitou e reconheceu, relativamente ao IRS dos anos de 2006 e 2007. Refira-se ainda que nesse momento foi solicitada a alteração do domicílio fiscal com efeitos retroativos, pretensão em relação à qual a AT nada fez, sendo que, atento o disposto no art.º 19.º, n.º 6, da LGT, sempre deveria ter oficiosamente procedido à alteração do domicílio.

Considerando esta contextualização fática, decorre que a AT dispunha de todos os elementos para atuar em conformidade com o regime jurídico vigente, sem incorrer em erro, como, aliás, fizera relativamente aos anos de 2006 e 2007. Ora, tal não sucedeu. O facto de o Recorrido não ter alterado o domicílio fiscal em 2006 não tem as consequências assacadas pela Recorrente, como já deixamos expresso supra. Trata-se de uma obrigação formal, que não invalida que a realidade substantiva seja provada pelos sujeitos passivos.

Assim, face aos elementos de que a AT dispunha, estamos perante uma situação de erro imputável aos serviços.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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[1] Cfr. igualmente a Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, que a antecedeu.

[2] Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 124

[3] J. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.