Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:766/13.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS;
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:i) O ónus da prova do excesso de ajudas de custo, da sua desnecessidade ou de que as verbas atribuídas não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas suportadas em resultado de certa deslocação do trabalhador ao serviço da entidade empregadora cabe à AT.

ii) O ónus mencionado pode ser observado através da recolha de indícios que, de forma individualizada, permitam apreender a ocorrência de remuneração, sob a aparência do pagamento de ajudas de custo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

B......... e A........., melhor identificados nos autos, vieram apresentar impugnação judicial do ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto da liquidação n.°…………. , e respetiva liquidação de juros compensatórios, referentes ao Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2008, no valor total de € 12.981,91, peticionando a anulação das referidas liquidações.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença, datada de 07 de Novembro de 2018, julgou a presente impugnação judicial procedente, por provada, e, em consequência, anulou os atos impugnados.

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença.

Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:

«I. Na douta Sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo" julgou a impugnação procedente e determinou a anulação da liquidação impugnada por entender que os serviços inspetivos consideraram remunerações as quantias percebidas a título de “ajudas de custo”, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas antes a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro e que caberia, por isso, à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.° da Lei Geral Tributária (LGT);

II. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, porque nela se fez um errado julgamento da matéria de facto e da matéria de direito;

III. De acordo com o artigo 2.°, n.° 1, do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, consideram-se rendimentos de trabalho dependente (categoria A) todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de trabalho por conta de outrem;

IV. Nos termos da lei todos os pagamentos efetuados pela entidade patronal ao seu trabalhador, independentemente da forma que revestirem, são, à partida, enquadrados na categoria de rendimentos de trabalho dependente, pois entendeu o legislador que têm caráter remuneratório;

V. A lei não exclui do conceito de rendimentos da categoria A os rendimentos pagos pela entidade patronal que não revistam natureza de ajudas de custo, ou seja, aqueles que, “disfarçados" de ajudas de custo, afinal não o são, já que não visam compensar o trabalhador de qualquer despesa em que este tenha incorrido ao seu serviço, mas tão só remunerá-lo pela prestação de trabalho, reduzindo a respetiva tributação;

VI. Sempre que, em momento prévio, se conclua que os pagamentos efetuados e qualificados como ajudas de custo, pelas partes, não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que atender ao disposto na alínea d), do n.° 3, do artigo 2.° do CIRS, devendo apenas aplicar-se a regra geral prevista nos n.os 1 e 2, daquele mesmo artigo;

VII. E porque a lei determina que todos os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador se consideram rendimentos de trabalho caberá sempre a quem paga e a quem recebe fazer prova de que os mesmos revestem natureza compensatória e que se destinaram a compensar o trabalhador por gastos necessários e indispensáveis ao exercício da atividade;

VIII. E é neste sentido que deve interpretar-se a jurisprudência resultante do Acórdão do STA, de 08-112006, proferido no processo n.° 01082/04;

IX. Seguindo a regra geral do ónus da prova transversal a todo o direito português, com expressão no artigo 342.° do CC e, em particular, no direito fiscal, no artigo 74.°, da LGT, e tendo em atenção o disposto no CIRS, onde se estabelece que os pagamentos realizados pela entidade patronal aos seus trabalhadores revestem, por regra, a natureza de rendimentos de trabalho, caberá sempre a quem invoca o direito a que se arroga a respetiva prova;

X. É ao trabalhador enquanto sujeito passivo da relação tributária que cabe fazer a prova necessária, e logicamente anterior, de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, ou seja, que reunia todos os requisitos legais para receber essas ajudas de custo;

XI. O legislador do CIRS não pretendeu que a fundamentação do caráter compensatório dos pagamentos realizados se bastasse com a mera qualificação desses pagamentos efetuada pelas partes, sem mais;

XII. In casu, caberia aos impugnantes provar que a tributação das quantias por si qualificadas como ajudas de custo era ilegal porque as mesmas não correspondiam a um complemento de remuneração sem fim compensatório, mas isso não foi feito;

XIII. Se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio, então, serão sempre tratados tendo em conta essa sua natureza e, consequentemente, tributados;

XIV. Resulta do disposto na alínea d), do n.° 3, do artigo 2.°, do CIRS, que ainda que os montantes pagos revistam natureza compensatória, apenas estarão isentos de tributação se cumprirem os requisitos legais previstos para a sua atribuição aos servidores do Estado;

XV. Ao contrário do que foi entendido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo" a AT, in casu, não tinha que reunir indicadores suficientes de que o abono das quantias em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado, pois, para a AT, esse abono tinha natureza remuneratória;

XVI. Para a AT, o impugnante marido não reunia os requisitos legais para receber quaisquer quantias a título de ajudas de custo, pois não se deslocou do seu local de trabalho, ou seja, não se deslocou do seu domicílio necessário (Roma e Southampton), ocasional e excecionalmente, já que foi contratado para aí exercer as suas funções;

XVII. Contrariamente ao que é referido na douta Sentença ora em apreço, não só a AT não aceitou a efetividade da deslocação do impugnante, como colocou em causa essa mesma deslocação, porque entendeu que o seu domicílio necessário era Roma e Southampton, e isto, atendendo ao disposto no artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de abril;

XVIII. A sede da empresa na Amora, não pode ser considerada como domicílio necessário do impugnante quando não existe uma única prova nos autos de que este aí tenha trabalhado um único dia no ano de 2008 e quando se apurou na ação inspetiva que ali não existia qualquer oficina;

XIX. A Sentença ora sob recurso fez um errado julgamento de facto ao não fixar no probatório todos os factos que resultam dos contratos celebrados pelo impugnante e pela C.........;

XX. A Sentença ora sob recurso fez um errado julgamento de facto ao aceitar como admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo com o fundamento de que o impugnante foi contratado para exercer funções na Amora e se deslocou para a Itália e para Inglaterra, sendo esta mais uma razão para que a mesma seja revogada por este douto Tribunal de recurso;

XXI. Do teor do Relatório/Conclusões, bem como dos documentos anexos, resultam vários indicadores que demonstram que a AT não se limitou a considerar que as quantias qualificadas pela C......... e pelos impugnantes, como ajudas de custo, tinham caráter remuneratório e não compensatório pelo simples fato de terem sido pagas de forma fixa e regular, como parece resultar da douta Sentença aqui em apreço;

XXII. Se por um lado, os valores pagos a título de ajudas de custo, de forma regular, não os qualifica como remuneração, por outro, esse facto também não permite a sua qualificação como ajudas de custo;

XXIII. Na situação em apreço, os valores pagos mensalmente pela C......... ao impugnante, e qualificados como ajudas de custo, foram em montante bastante superior ao rendimento do trabalho;

XXIV. Na situação em apreço, em certos meses foram pagas alegadas ajudas de custo em número de dias superior ao número de dias trabalhados e em dias não úteis sem que tivesse ocorrido o correspondente pagamento por trabalho suplementar;

XXV. Na situação em apreço, verifica-se que a folha de itinerário relativo ao mês de maio de 2008 “revela" que o impugnante se deslocou 28 dias desse mês entre Amora e Southampton (ida e volta) sendo completamente inverosímil que tal tenha efetivamente ocorrido;

XXVI. Da referida folha de itinerário resulta, também, que o trabalhador recebeu “ajudas de custo completas (100%) apesar de ter vindo pernoitar a Portugal;

XXVII. Apesar de ser de aplicar à situação em apreço, deve ter-se presente que a alínea d), do n.° 3, do artigo 2.°, do CIRS, remete de forma expressa para os pressupostos da atribuição das ajudas de custo aos servidores do Estado;

XXVIII. Os boletins de itinerário referidos no Relatório/Conclusões mais não são do que os documentos que o próprio CIRC exige para que as despesas qualificadas como ajudas de custo pelas entidades patronais sejam aceites como custos da sua atividade (Cfr. alínea d), do n.° 1, do artigo 23.° e alínea f), do n.° i, do artigo 42.° do mesmo código, na redação à data dos factos);

XXIX. A lei não é alheia à exigência de formalidades para prova do caráter compensatório dos pagamentos realizados a título de ajudas de custo;

XXX. Na situação em apreço os serviços da inspeção tributária constataram que a empresa suportava os encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação e contabilizava-os como Deslocações e Estadas;

XXXI. O teor dos dois contratos, celebrados entre a C......... e o impugnante, demonstra com clareza que este não foi contratado, para trabalhar em Portugal, mas sim na Bélgica e em Espanha;

XXXII. Não se alcança, assim, como pode o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo" entender que a AT não reuniu outros indicadores que, por si só, ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias recebidas são consideradas remuneração de trabalho;

XXXIII. Não existe nos autos qualquer prova de que o impugnante tenha suportado quaisquer despesas ao serviço da sua entidade patronal;

XXXIV. Não se questionando o facto de o impugnante ter efetivamente trabalhado em Itália ou em Inglaterra, questiona-se, isso sim, que tenho sido ele a suportar quaisquer despesas e não a respetiva entidade patronal;

XXXV. De toda a prova documental carreada pelas partes para os presentes autos apenas se pode concluir que não se verificavam os pressupostos para o impugnante receber qualquer quantia a título de ajudas de custo da parte da C.........;

XXXVI. Não provando o impugnante (já que era a este que, in casu, competia fazê-lo) ter incorrido em quaisquer despesas que justificassem qualquer compensação por parte da sua entidade patronal, para além da contraprestação pela sua prestação de trabalho dependente, só pode admitir-se que tudo o que auferiu desta tem caráter remuneratório e não compensatório;

XXXVII. Face ao peticionado e à prova existente nos autos, deveria o Tribunal recorrido ter decidido em sentido oposto àquele em que julgou;

XXXVIII. Salvo o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo" fez errada apreciação dos factos apurados - erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito - erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto nos n.os i, 2 e 3, do artigo 2.°, do CIRS, no Decreto-Lei n.° i 06/98, de 24 de abril, assim como o disposto no artigo 342.° do CC e no artigo 74.°, da LGT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação, por não provada, com todas as devidas e legais consequências.»


X

Em sede de contra-alegações, os recorridos B......... e A......... expenderam conclusivamente o seguinte:

« A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT] demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.

D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.

F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Southampton e para Roma e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.

G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.

H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se” a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.

I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.

J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.

K. O pagamento das ajudas de custo e sua (não] tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

L. Neste sentido, o Acórdão do STA n° 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.º 3 do artigo 2° do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro" (actual DL 106/98).

M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para Southampton e para Roma ao serviço da entidade patronal.

N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C..........

O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.

P. Desse modo, ficou provado que não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.3 do artigo 2.º do CIRS,

Ou

Q. Demonstrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.

R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.

S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.

T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.

u. Face ao que fui vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Portugal, em obras sitas em Southampton e em Roma, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.

V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em Southampton e em Roma não eram ocasionais, o que não aconteceu.

W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.

X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca em Southampton ou em Roma.

Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.

Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2° do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.

AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C......... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.

BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.

CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C........., obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.

DD. De facto, a questão da "residência habitual" deverá ser tida em primordial conta.

EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.

FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.

GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.

HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C......... nos processos n.°s 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA,176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA,  145/13.7BKBJA,453/13.7BEBJA,341/13.7BEBJA, 42/13.7BEBJA,            338/13.7BEBJA,414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA,127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C......... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.OBEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C......... nos processos n.es 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C........., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.

JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.1BEFNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 [ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo-se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.as muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pelo não provimento do recurso apresentado.

X


                                                                             

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.


X


II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação:

«A) - Em 7 de janeiro de 2008, B........., Impugnante marido, celebrou escrito denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C........., LDA.”, com sede na Rua……….., n.° 10, 1.° direito, concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)


«imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 29v a 30v dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B)  Em 6 de abril de 2008, B........., Impugnante marido, celebrou escrito denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C........., LDA.”, com sede na Rua……, n.° 10, 1.° direito, concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)


«imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 28 e 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C) - No ano de 2008, os Impugnantes tinham a sua residência habitual e o domicílio fiscal no Lavradio - facto não controvertido, alegado no art.° 22.° da p.i. em conjugação com a alínea d. das conclusões da p.i., não impugnado pela Fazenda Pública; cfr. confirmada pela análise dos documentos de fls. 28 a 30v dos autos, não impugnados;

D) - Durante o ano de 2008, e ao abrigo dos contratos identificados nas alíneas A) e B) da factualidade assente, o Impugnante marido efetuou diversas deslocações para as instalações/obras da S………. s.r.l. em Civitavecchia - Roma, Itália, e em Southampton, Inglaterra - facto não controvertido, alegado no art.°s 27.° e 92.° da p.i. e não impugnados pela Fazenda Pública; cfr. informação que se extrai dos mapas de pagamento anexos ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que consta de fls. 38 e seguintes do PAT apenso;

E) - No ano de 2008, a sociedade “C........., LDA”, pagou ao Impugnante marido o valor de € 40.500,08, a título de ajudas de custo - facto que se extrai do RIT, em concreto de fls. 141 do PAT apenso;

F) - Em 13 de abril de 2009, os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, tendo declarado no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente, relativos ao Impugnante marido, no valor de € 17.923,86 - facto não controvertido e que se extrai de fls. 43 a 44v do PAT apenso e do RIT que consta de fls. 38 e seguintes do PAT apenso;

G) - A Autoridade Tributária, credenciada pela ordem de Serviço n.° OI201101396, de 07.10.2011, deu início a uma ação de Inspeção Tributária, de âmbito parcial, com vista à análise do cumprimento das obrigações tributárias do Impugnante marido, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2008, que teve por base os elementos recolhidos na sociedade “C........., LDA.” - cf. RIT que consta de fls. 38 e seguintes do PAT apenso;

H) - No âmbito da ação de inspeção referida na alínea antecedente, em 11 de novembro de 2011, foi elaborado o projeto de correções, do qual resultou a proposta de alteração do rendimento coletável, constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

“ (...) De acordo com o artigo 249.° da Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, “... na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie...” e até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Assim, e de acordo com o artigo 2.° do Código do IRS:

“1 - Consideram-se rendimentos de trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

(...)

2 - As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações ... prémios ... e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(...)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício. ”

(...)

Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.° 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho determinado no contrato (anexo 3) coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C........., Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”, pelo que não oferecem grande credibilidade.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.° do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.° 2 do artigo 103.° do Código do IRS, pelo que se procederá à correção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no n.° 4 do artigo 65.° do mesmo Diploma, mediante o acréscimo das importâncias pagas a título de ajudas de custo.

(...)

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelo sujeito passivo, pelo que se propõe a alteração de rendimentos declarados, nos do n.° 2 do artigo 65.° do CIRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A nos seguintes termos:


«imagem no original»

 

(...)” - cfr. PRIT a fls. 20 a 25 dos autos;

I) - Em 7 de dezembro de 2011, os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, remeteram o ofício n.° 036232 aos ora Impugnantes, destinado a notificar o projeto de correções do relatório de inspeção, de que se extrai o seguinte:


«imagem no original»

- cfr. ofício de fls. 19 dos autos;

J) - Os ora Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de substituição, na qual declararam, no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente onde englobaram os rendimentos indicados no projeto de relatório - facto que se extrai da informação de fls. 56 do PAT apenso;

K) - Em 21 de dezembro de 2011, o Impugnante marido apresentou requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças, nos termos do qual solicitou “(...) nos termos da alínea c) do n.° 1 do art.° 29.° do Regime Geral das Infrações Tributárias - RGIT, a redução de coima para 75% do montante mínimo legal relativamente às infrações mencionadas no projeto de relatório cuja fotocopia se anexa” - cfr. fls. 53 do PAT apenso;

L) - No âmbito da ação de inspeção identificada na alínea G) da factualidade assente, foi elaborado, em 27 de dezembro de 2011, o Relatório de Inspeção Tributária, constando do seu teor, designadamente, o seguinte: “(...)

Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.° 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho determinado no contrato (anexo 3) coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C........., Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”, pelo que não oferece grande credibilidade.

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.° do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.° 2 do artigo 103.° do Código do IRS, pelo que se procederá à correcção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no n.° 4 do artigo 65.° do mesmo Diploma, mediante o acréscimo das importâncias pagas a título de “ajudas de custo ”.

(...)

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelos sujeitos passivos, pelo que se propõe a alteração de rendimentos declarados, nos do n.° 4 do artigo 65.° do CIRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A nos seguintes termos:


«imagem no original»

M) - Em 2 de janeiro de 2012, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.° ........., referente ao ano de 2008, com o valor a pagar de € 11.032,60, que inclui os juros compensatórios, no valor de €1.257,86 - cfr. fls. 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

N) - A 6 de janeiro de 2012, a AT emitiu a liquidação de demonstração de acerto de contas n.° ........., referente ao ano de 2008, com valor total a pagar de € 12.981,91 - cfr. fls. 19 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

O) - Em 8 de maio de 2012, na sequência da notificação dos atos de liquidação referidos nas alíneas antecedentes, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, tendo sido elaborada «Informação» pela Divisão de Justiça Tributária na qual foi proposto o seu indeferimento - cfr. fls. 19 a 59 do PAT apenso, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

P) - Em 22 de junho de 2012, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação da Diretora de Finanças de Setúbal, com base na «Informação» identificada na alínea antecedente, proferiu projeto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa - cfr. despacho de fls. 54 do PAT apenso;

Q) - Na sequência da notificação do projeto de decisão de indeferimento identificado na alínea antecedente, os Impugnantes exerceram audição prévia - cfr. fls. 62 a 76 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

R) - Em 11 de julho de 2012, a Divisão de Justiça Tributária elaborou «Informação Complementar» de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 91 a 93 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S) - Em 12 de julho de 2012, o Chefe de Divisão de Inspeção Tributária, por delegação de competências da Diretora de Finanças de Setúbal, proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. fls. 91 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

T) - Em 29 de agosto de 2012, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico contra a referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 4 a 33 do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

U) - Em 10 de dezembro de 2012, foi elaborada «Informação» pela Divisão de Administração, da Direção de Serviços de IRS, na qual foi proposto o indeferimento do referido recurso hierárquico, de que se extrai, designadamente o seguinte: “(...)


«imagem no original»

- cfr. fls. 42 a 47 do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

V) - Em 14 de dezembro de 2012, a Diretora de Serviços do IRS, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. despacho de fls. 42 do PAT apenso - procedimento recurso hierárquico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

W) - Em 12 de agosto de 2013, a presente impugnação judicial foi remetida, via correio postal registado, a este Tribunal - cfr. registo CTT a fls. 1 dos autos.

Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da

causa.

Motivação: A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erro de julgamento de apreciação da matéria de facto (i) e de direito (ii) em que terá incorrido a sentença recorrida. Quanto ao primeiro, a recorrente invoca que o domicílio necessário do recorrido marido era em Roma ou em Southampton, pelo que não existe prova das alegadas deslocações do mesmo, ou que o impugnante tenha suportado quaisquer despesas associadas ao exercício da sua actividade profissional em tais cidades. No que respeita ao segundo, a recorrente considera que a o recorrido não realizou a prova que lhe competia de que incorreu em despesas que justificassem qualquer compensação por parte da entidade patronal a título de ajudas de custo.

Por seu turno, os recorridos pugnam pela total improcedência do recurso. Afirmam que a não tributação das ajudas de custo depende da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado. Pressupostos que se verificam no caso.

2.2.2. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação adicional em apreço. Para tanto, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«[As] quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.
Contudo, compulsado o teor dos contratos de trabalho celebrados entre o Impugnante marido e a sua entidade empregadora, a que se alude nas alíneas A) e B) do probatório, verificamos, na cláusula 4.a, que o mesmo foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C........., LDA”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C........., LDA”, exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada.
Resultando da decisão da matéria de facto que a “C........., LDA.”, tem sede na Amora, concelho do Seixal.
Ou seja, é certo que o ponto 2. da cláusula 4.a dos mencionados contratos refere que no início da execução do contrato o Impugnante marido se deslocará para as instalações da obra da S……….. s.r.l. em Civitavecchia - Roma, Itália, e em Southampton, Inglaterra, mas também refere que a entidade empregadora pode, a todo o tempo, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.
Mais. Aí também se aduz que o Impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C........., LDA.”, na Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da “C........., LDA.”[cfr. cláusula 4.a do contrato, a que se alude nas alíneas A) e B) do probatório].
Logo, o que resulta da leitura dos aludidos contratos é que o Impugnante marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C........., LDA.” exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. o centro da sua atividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a “C........., LDA.” tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos. // Sendo que em eventual situação de destacamento, os contratos de trabalho clausulam ainda que o Impugnante marido receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais [cfr. ponto 4. da cláusula 4a do contrato, a que se alude nas alíneas A) e B) do probatório]».

2.2.3. Os autos convocam a aplicação do disposto no artigo 3.º/3/d), do CIRS (versão vigente), que determinava que «[c]onsideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: // [a]s ajudas de custo (…) na parte em excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. // Os limites legais … serão os anualmente fixados para os servidores do Estado» (n.º 14).

Com vista à interpretação da norma em presença, dir-se-á que a mesma assenta na ideia de que que «a entrada no património do trabalhador de determinadas importâncias que, se abaixo de certos limites ou em certas circunstâncias, não correspondem propriamente a rendimento, passam a partir desses limites ou fora dessas circunstâncias a ter uma finalidade equivalente à da remuneração»[1]. A norma deve ser interpretada no quadro do sistema jurídico assente numa sociedade aberta, concorrencial, de mercado. O que obriga a AT a justificar os pressupostos da sua actuação sempre que interfere na gestão das empresas ou desconsidera as declarações do contribuinte. Daí que se afirme que o ónus da prova do excesso de ajudas de custo, da sua desnecessidade ou de que as verbas atribuídas não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas suportadas em resultado de certa deslocação cabe à AT[2].

A jurisprudência fiscal assente tem sublinhado que,
«A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim» [Acórdão do TCAS, de 28/09/2017, P. 578/13.9.BEALM].
Vejamos então se a recorrente tem razão ao afirmar que no caso não está demonstrada a ocorrência dos pressupostos da não tributação das quantias pagas ao recorrido marido a título de ajudas de custo.
2.2.4. No caso, em exame, decorrem do probatório, sem impugnação eficaz por parte da recorrente, os elementos seguintes:
i) O impugnante-marido foi contratado pela empresa C......... para trabalhar, como soldador, no local sede da empresa, o qual se situa no concelho do Seixal devendo deslocar-se para os locais onde a empresa exerça a sua actividade – alíneas A) e B) do probatório – V. cláusula 4ª do contrato de trabalho.
ii) A empresa exerce a actividade de reparação de estruturas metálicas, industriais, navais - alínea B), do probatório – V. cláusula 1ª do contrato de trabalho.
iii)  Em 2008, ao abrigo dos contratos referidos em A), o impugnante marido efectuou diversas deslocações para obras da empresa sitas em Roma, Itália e em Southampton, Inglaterra – alínea D), do probatório.
iv)  No ano de 2008, a sociedade “C........., Lda”, pagou ao Impugnante marido o valor de € 40.500,08, a título de ajudas de custo – alínea E), do probatório.
v) Os impugnantes tinham a sua residência habitual e o seu domicílio fiscal no Lavradio – alínea C), do probatório.
vi)  A correcção à declaração de IRS de 2008, subjacente à liquidação adicional sob escrutínio assentou na consideração como remuneração dos montantes atribuídos pela entidade empregadora ao impugnante-marido como ajudas de custo – alínea H), do probatório.
vii) A fundamentação da correcção em apreço é, em síntese, a seguinte (Alíneas H) e L), do probatório):
«Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.
Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estas últimas eram pagas de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.
Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.° do Código do IRS».

A factualidade descrita não é posta em causa pela recorrente, dado que não a impugna directamente (artigo 640.º do CPC).
2.2.5. A fundamentação aduzia pela AT para a consideração como rendimento das quantias pagas ao impugnante a título de ajudas de custo é o facto de as mesmas serem pagas de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores. Tal asserção nada nos diz sobre o carácter compensatório/remuneratório das despesas em causa.
Dos elementos coligidos nos autos resulta que o impugnante marido, cuja residência habitual era no Lavradio, foi contratado para exercer as suas funções nas instalações da empresa, no Seixal, sem prejuízo de aceitar o seu destacamento para o estrangeiro, em função das necessidades e das obras a realizar pela empresa. Foi neste quadro, no exercício das suas funções, por conta da empresa, que o recorrido marido foi destacado para Southampton e para Roma; e foi no quadro de tal destacamento que o mesmo viu serem-lhe atribuídas as quantias em causa, a título de ajudas de custo (alíneas D) e E), do probatório). Tais deslocações ocorreram ao serviço da entidade patronal, atendendo a que o local da prestação laboral contratada pelo impugnante corresponde à sede da empresa, ou seja, Seixal, sem prejuízo da possibilidade de o impugnante se deslocar a obras da empresa fora do local normal de trabalho, tendo em vista a realização da sua prestação laboral (V. cláusula 4.º do contrato de trabalho). «O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta»[3]. «O trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido… // O trabalhador encontra-se adstrito às deslocações inerentes às suas funções…»[4]. «Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, (…)»[5]. No caso em apreço, o local de trabalho corresponde às instalações da empresa (V. cláusula 4.º do contrato de trabalho), sem prejuízo das deslocações realizadas pelo trabalhador por conta da empresa (V. cláusula 4.º do contrato de trabalho).
As quantias em referência foram pagas pela entidade empregadora como compensação pelas despesas incorridas pelo trabalhador/impugnante nas deslocações ao estrangeiro, em nome - e por conta - da entidade empregadora, ao abrigo da referida cláusula 4.º do contrato de trabalho, com vista a fazer face às despesas inerentes a tais deslocações, não havendo qualquer superação dos limites legais (alíneas D) e E) do probatório). A recorrente não impugna, nem infirma, os pressupostos elencandos.
Como se refere no Acórdão do TCAS, proferido no P. 578/13.9 BEALM, de 28/09/2018, num caso idêntico ao presente, e cuja jurisprudência se reitera,
«(…) “Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.
Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª (aqui, montador) numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.
Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.
O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.
Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos”.
Também aqui, já vimos, são absolutamente idênticas as condições em que o (…) foi contratado pela C........., quanto ao local / locais para prestação do trabalho.
E prosseguindo, refere o acórdão do TCA Norte que “De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.
Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.
Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.
Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.
Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».
Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).
Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.
(…)
Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar”.
Tal como decidido pelo TCA Norte, são estas razões mais que suficientes para concluir que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, sem prejuízo de este juízo de procedência assentar em diferente fundamentação, concretamente na circunstância de a Administração Tributária não ter logrado demonstrar, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.
Há, também, que manter o decidido quanto à anulação da liquidação de juros compensatórios, já que, não sendo o imposto devido, não se afigura legal a liquidação de juros que visam compensar o atraso da liquidação do imposto».

Em face do exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida, ao julgar no sentido referido, não enferma dos erros de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito apontados.

Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões recursórias.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)

                            


[1] André Salgado de Matos, Código do IRS, anotado, ISG, 1999, p. 83.
[2] V. João Ricardo Catarino, Ainda a propósito do regime substantivo e fiscal das ajudas de custo, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 2, Número 3, Outono, 2009, pp. 279/293, máxime, pp. 283/291.
[3] Artigo 1152.º do Código Civil.

[4] Artigo 154.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (vigente à data).
[5] Artigo 260.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (vigente à data).