Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:930/11.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA INFORMAÇÃO DO N.º 1 DO ART. 280.º DO CPPT,
NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:I. As informações prestadas nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como os documentos anexos a essa informação, devem ser notificados ao Oponente logo que juntas aos autos, aplicando-se-lhes o regime previsto nos art. 115.º, n.º 2 e 3 do CPPT;
II. O não cumprimento daquela formalidade pelo Juiz viola o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC, ex vi, art. 2.º, alínea e) do CPPT), e constitui uma nulidade processual quando possa influir no exame ou na decisão da causa nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC (atual art. 201.º do CPC).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A......., citado em reversão na qualidade de responsável subsidiário, veio deduzir OPOSIÇÃO à execução fiscal n.º 352……., relativa a dívida de IRS do ano de 2005 no valor de € 140.601,38, com fundamento na al. i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 20 de março de 2018, julgou verificada a extemporaneidade da oposição, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.

Inconformado, A......., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«A. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos, cujo teor se transcreve:
K) Em 25.01.2010 foi expedida a carta de citação do Oponente para efeitos do processo de execução fiscal identificado em J), tendo o respetivo aviso de receção sido assinado por G.......em 27.01.2010 - cfr. fis. 37.
L) Com a informação a que se refere o n.º 1 do art.º 208.º do
CPPT, foi junta cópia de uma carta de "notificação no âmbito do art. º 241 do CPC'', com referência manuscrita ao registo postal com o n. º RC 1579 3862 8 PT, onde se refere, além do mais, que a citação ''foi efectuada no dia 2010-01-27, nos termos do nº 2 do Art. º 240. º do Código de Processo Civil, na pessoa de G......., que foi encarregue de lhe transmitir todo o conteúdo da referida citação" - cfr. fis. 37.

B. O agora Recorrente nunca foi notificado do teor dos documentos descritos na alínea K) do probatório e dos documentos e das informações oficiais referidos na alínea L) do probatório.

C. Na ausência de notificação, o Recorrente ficou impedido de pronunciar-se, contraditar e/ou impugnar as respectivas validade e autenticidade formal e substantiva, com flagrante violação do princípio do contraditório.

D. Em consequência, o ora Recorrente expressamente argui nulidade processual nos termos do artigo 199.º, do CPC, já que apenas com a notificação da sentença agora sob recurso, o agora Recorrente constatou que não foi notificado do teor de documentos e das informações oficiais constantes das alíneas L) e K) do probatório da sentença recorrida, como é seu direito nos termos do artigo 115.º, n.º 3, do CPPT, aplicável no processo de oposição ex vi do artigo 211., n.º 1, do mesmo Código.

E. Deste modo, a falta de notificação de tais elementos de prova prejudica a defesa do agora Recorrente, pelo que, prima facie, requer, nos termos do disposto no artigo 199.º, do CPC, a imediata notificação em falta, com a anulação do processo posterior.

F. Refira-se ainda que tal situação ocorreu não obstante o agora Recorrente ter expressamente requerido - fls. 61 ss. do processo SITAF -, (e sem qualquer resposta do Tribunal) que « tais documentos deverão ser notificados ao Oponente na íntegra, por forma a que o mesmo se pronuncie sobre os mesmos e para que os autos sejam esclarecidos quanto à questão da citação para o processo executivo em questão e da notificação da referida liquidação de imposto».

G. Não obstante as nulidades processuais anteriormente arguidas, sempre se dirá o seguinte, no pressuposto - que não se admite e somente por cautela se explora -, que a nulidade anteriormente arguida quanto à matéria de facto não procede:

H. Não se encontra provado que G....... - que terá alegadamente assinado o aviso de recepção - era pessoa que se encontrava na residência do agora Recorrente

I. E não se encontra provado que G....... - que terá alegadamente assinado o aviso de recepção - declarou encontrar-se em condições de entregar a citação prontamente ao citando, aqui e agora Recorrente (pelos vistos não, já que o Recorrente nunca a recebeu).

J. Tratam-se de factos relevantes e essenciais à boa decisão da causa e sobre os quais a sentença não se pronunciou, pelo que, sem a fixação de tais factos, não era possível à sentença dar a citação em pessoa diversa da do citando como regularmente realizada - artigo 236.º, n.º 2, do CPC.

K. Na petição de oposição, contrariamente ao que a sentença sob censura afirma, o agora Recorrente invocou, além da nulidade da citação, a falta de citação, referindo expressamente que não só o expediente enviado tendo em vista a sua citação não foi recepcionado por si como também nunca chegou ao seu conhecimento, propondo-se demonstrá-lo e apresentando prova testemunhal.

L. Prova testemunhal essa que acabou por não conseguir produzir, já que, decorridos mais de quatro anos sobre os factos, «apesar das inúmeras tentativas do Oponente para contactar as testemunhas por si oportunamente arroladas nos presentes autos, todas as suas diligências nesse sentido se revelaram infrutíferas» - fls. 104 do processo do SITAF.

M. Não prescindindo de que não é este o caso dos autos em face de tudo o que anteriormente se alegou, a verdade é que a referida alegação, propondo-se realizar a prova, foi efectuada nos presentes autos pelo ora Recorrente, podendo ter repercussões óbvias na análise da excepção de caducidade do direito de acção, caso se venha a concluir que, afinal, se verifica falta de citação, atento o disposto no referido artigo 203.º, n.º 1 do CPPT.

N. Ora, in casu, como vimos, a citação terá sido recebida por pessoa diversa do citando, tendo putativamente sido enviada, nessa sequência, carta registada ao agora Recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 241.º do CPC.

O. Sendo certo que, garantidamente, nenhum deste expediente chegou à esfera de conhecimento do aqui Recorrente, a verdade é que ao agora Recorrente não foi dada qualquer possibilidade de demonstrar que não chegou ao seu conhecimento a referida carta contendo a citação para o processo de execução fiscal.

P. E deve, no mínimo, ser dada oportunidade ao ora Recorrente de suscitar e provar a existência de tais factos, em particular que efectivamente não recepcionou aquele expediente que, pelos ónus que acarreta, deveria e deverá ser cabalmente esclarecido, ilidindo a pretensa presunção de citação.

Q. Desde modo, considera o Recorrente como concretos pontos de facto incorrectamente julgados os que constam da alínea K) e L) do probatório, bem como a afirmação, no primeiro segmento da 'Motivação da matéria de facto', relativa aos «[...] documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados[...] », os quais deverão ser expurgados da decisão sobre a matéria de facto.

R. Sendo que, em simultâneo, deverão ser aditados à matéria de facto os seguintes pontos:

Não se encontra provado que G....... - que terá alegadamente assinado o aviso de recepção - era pessoa que se encontrava na residência do citando/Oponente.

Não se encontra provado que G....... - que terá alegadamente assinado o aviso de recepção - declarou encontrar­ se em condições de entregar a citação prontamente ao citando/Oponente, o qual nunca a recebeu.

O Oponente alegou não ter recebido a citação e arrolou prova testemunhal que acabou por não conseguir produzir, já que, decorridos mais de quatro anos sobre os factos e apesar das inúmeras tentativas do Oponente para contactar as testemunhas por si oportunamente arroladas nos presentes autos, todas as suas diligências nesse sentido se revelaram infrutíferas - fls. 104 do processo do SITAF.
Os elementos dos autos não permitem uma conclusão segura sobre o motivo do não conhecimento do expediente da citação.

S. Por fim, refira-se que o artigo 190.º, n.º 6, do CPPT, aplicado pela sentença sob recurso – cf. sentença, fls. 8 - deve ser desaplicado por inconstitucionalidade material, quando faz recair sobre o destinatário da citação o ónus da prova do não conhecimento do acto por motivo que não lhe for imputável.

T. Os princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente de proibição da indefesa, não permitem que, na dúvida sobre se o executado teve ou não possibilidade de se defender num processo em que são afectados os seus direitos, se ficcione que ele teve essa possibilidade.

U. Daí que a única interpretação do artigo 190.º, n.º 6, do CPPT conforme à Constituição consista em exigir-se do destinatário da citação o ónus de alegar que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável, mas não a respectiva prova.

V. De tal modo que, se o Tribunal ficar na dúvida sobre se esse motivo corresponde ou não à realidade, deverá valorar essa dúvida em favor do executado, repetindo a citação ou dando por verificada a falta de citação.

W. Ora, na medida em que os elementos dos autos não permitem uma conclusão segura sobre o motivo do não conhecimento do expediente da 'citação', o Tribunal deveria ter valorado essa dúvida em favor do agora Recorrente e ter dado por verificada a falta de citação.

X. Ao decidir como decidiu, a sentença sob recurso violou os artigos 190.º, n.º 6 e 203.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da confiança e da proibição da indefesa.

Y. Tudo razões pelas quais deverão ser reconhecidas as nulidades processuais invocadas e, em consequência, ser ordenada a notificação dos documentos e informações por notificar e ser anulado o processado posterior ou, subsidiariamente, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a oposição ser considerada tempestiva, revogando-se a sentença recorrida ou, em alternativa, decidindo-se pela procedência do pedido constante da petição inicial, tudo com as legais consequências.

E - PEDIDO:

a) Deverão ser reconhecidas as nulidades processuais invocadas e, em consequência, ser ordenada a notificação dos documentos e informações por notificar e ser anulado o processado posterior.

b) Subsidiariamente, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a oposição ser considerada tempestiva, revogando-se a sentença recorrida ou, em alternativa, decidindo-se pela procedência do pedido constante da petição inicial, tudo com as legais consequências.»
***
A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

- Nulidade processual nos termos do artigo 199.º do CPC (cf. conclusões A) a F) das alegações de recurso);
- Erro de julgamento de facto (cf. conclusões G) a R) das alegações de recurso);
_ Erro de julgamento de direito (cf. conclusões S) a Y).

II. FUNDAMENTAÇÃO


1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) Em 01.06.2006 o ora Oponente entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2005 na qual declarou a venda de um imóvel inscrito na matriz sob o artigo 2….., freguesia de Linda-a-Velha, com a intenção de reinvestir o valor de € 1.250.000,00 – cfr. informação de fls. 34 e doc. de fls. 40, ambas do suporte físico dos autos (como o serão todas as referências que a seguir se efetuarem).

B) A declaração que antecede deu origem à liquidação n.º 2006 500….. que apurou imposto a pagar no valor de € 753,54 – cfr. fls. 41.

C) Na declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2007 o ora Oponente declarou o reinvestimento do valor de € 270.000,00, a qual deu origem à reliquidação de 2005, apurando a pagar, após compensação com a liquidação identificada em B), a quantia de € 89.114,12 – cfr. fls. 43 a 45.

D) Após controlo da declaração modelo 3 de IRS identificada em C), a Administração Tributária procedeu à elaboração de Declaração Oficiosa/ Documento de Correção, considerando não se verificarem os pressupostos de reinvestimento pelo facto de a alienação identificada em A) dizer respeito a terreno para construção – cfr. fls. 46 a 48.

E) Por carta registada em 29.10.2009, com aviso de receção, endereçada ao ora Oponente, foi o mesmo notificado para efeitos de audição prévia sobre as correções que antecedem, tendo o respetivo aviso sido assinado em 30.10.2009 por G.......– cfr. fls. 51/52.

F) Por carta registada em 13.11.2009, com aviso de receção, endereçada ao ora Oponente, foi o mesmo notificado sobre a decisão relativa às correções mencionadas em D), tendo o respetivo aviso sido assinado em 16.11.2009 pelo mesmo G.......– cfr. fls. 53/54.

G) A correção referida em D) deu origem à liquidação n.º 2009 500….., emitida em 20.11.2009, que apurou a pagar, após compensação com a liquidação identificada em C), a quantia de € 140.601,38 – cfr. fls. 49/50.

H) Foi junto aos autos, com a informação a que se refere o n.º 1 do art.º 208.º do CPPT, um “print” do sistema informático da AT, relativo aos documentos de compensação, liquidação e liquidação de juros compensatórios, cujo teor aqui se dá por reproduzido, de acordo com a qual a nota de compensação foi objeto do registo postal n.º RY49...PT e a liquidação do registo postal n.º RY491...PT – cfr. fls. 55.

I) Foram ainda juntos aos autos pela Fazenda Pública uma “Guia de Expedição de Registos Nr: 882001……”, relativa à expedição, em 24.11.2009, de 5.648 registos pela Direção Geral dos Impostos, e ainda um “print” do sistema informático da ATA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, referente à expedição, naquela data, de demonstrações de liquidação de IR com registos postais entre RY49...PT e RY49...PT – cfr. fls. 75/76.

J) Em 20.01.2010 foi extraída pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3 certidão de dívida, em nome do ora Oponente, no valor de € 140.601,38 relativa a IRS do ano de 2005, e instaurado o respetivo processo de execução fiscal (PEF) n.º 3522…… – cfr. fls. 35/36.

K) Em 25.01.2010 foi expedida a carta de citação do Oponente para efeitos do processo de execução fiscal identificado em J), tendo o respetivo aviso d receção sido assinado por G.......em 27.01.2010 – cfr. fls. 37.

L) Com a informação a que se refere o n.º 1 do art.º 208.º do CPPT, foi junta cópia de uma carta de “notificação no âmbito do art.º 241 do CPC”, com referência manuscrita ao registo postal com o n.º RC 1579 ... 8 PT, onde se refere, além do mais, que a citação “foi efectuada no dia 2010-01-27, nos termos do nº 2 do Art.º 240.º do Código de Processo Civil, na pessoa de G......., que foi encarregue de lhe transmitir todo o conteúdo da referida citação” – cfr. fls. 37.

M) Por carta de 16.04.2010, recebida pelo ora Oponente em 22.04.2010, foi o mesmo notificado da penhora de bem imóvel no âmbito do PEF identificado em J) – cfr. doc. 1 junto com a p.i. a fls. 25 e por acordo.

N) Toda a correspondência enviada ao ora Oponente pela AT foi endereçada para a mesma morada - Rua Dr. J..., n.º ……, em Algés - a que consta do respetivo registo de contribuintes da AT constante de fls. 57 – cfr. fls. 57, 25, 51/52, 53/54 e 37.

O) A presente oposição apresentada no Serviço de Finanças em 25.05.2010 – cfr. fls. 5.
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Factos não provados
1) Não se provou que a notificação mencionada na al. L) dos factos provados tenha sido efetivamente enviada.
2) Não se provou que a notificação da liquidação, e respetiva nota de cobrança, que está na origem do processo de execução fiscal a que se reportam os autos tenha sido efetivamente efetuada.

Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto teve por base a análise crítica dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Relativamente à factualidade dada como não provada, resulta de a Administração Tributária não ter juntado aos autos, quanto ao facto mencionado em “1)”, o comprovativo da expedição do respetivo registo postal, quanto ao facto mencionado em “2)”, por não ter juntado os registos postais comprovativos do envio da liquidação e respetiva nota de cobrança, mas apenas os prints informativos extraídos da sua base de dados informática. Acresce que a cópia da guia de expedição de registo dos CTT, junta aos autos, contendo unicamente o número de registos expedidos pela Administração Tributária no dia 24.11.2009, desacompanhada de quaisquer elementos externos, designadamente o respetivo talão de registo ou, pelo menos, um registo coletivo, não permite concluir que o registo indicado no referido print interno (entre RY491...PT e RY491...PT) tenha sido efetivamente expedido para a morada do executado.
Em suma, não existindo nos autos quaisquer elementos aptos a confirmar e validar a informação contida nos mencionados “prints internos” extraídos da base de dados da Administração Tributária não se pode dar como provado que as cartas de notificação da liquidação e respetiva nota de cobrança tenham sido efetivamente remetidas para o domicílio fiscal do ora Oponente.»

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Conforme resulta dos autos a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou verificada a extemporaneidade da oposição absolvendo a Fazenda Pública do pedido, considerando para tanto, para além do mais, os factos dados como provados nas alíneas K) e L) do probatório.

O Recorrente não se conforma com o decidido, invocando nulidade processual nos termos do artigo 199.º do CPC, porquanto nunca foi notificado dos documentos que foram juntos aos autos, nos quais assentam os factos dados como provados naquelas alíneas K) e L). Com efeito, invoca que essa ausência de notificação impendiu-o de se pronunciar, contraditar e/ou impugnar as respetivas validade e autenticidade forma e substantiva, com flagrante violação do princípio do contraditório, prejudicando os seus direitos de defesa (cf. conclusões A) a F) das alegações de recurso).

Apreciando.

É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

“Da extemporaneidade da oposição e do erro na forma do processo.

Vem a Fazenda Pública apresentar defesa por exceção, arguindo a extemporaneidade da presente oposição por considerar que o executado, ora Oponente, foi citado em 27.01.2010. Contudo, importa ter presente que na alegação vertida na petição inicial, o Oponente começa, precisamente, por defender a tempestividade do presente meio processual invocando, em abono da sua tese, não ter sido citado para a execução, da qual alega ter tido conhecimento apenas aquando da notificação da penhora mencionada em M) da fundamentação de facto.
Ou seja, não obstante a exceção também deduzida pela Fazenda Pública de que a nulidade processual decorrente da falta de citação não fundamento de oposição à execução fiscal, ocorrendo, neste ponto, erro na forma do processo, por dever a mesma ser arguida perante o órgão de execução fiscal, a verdade é que, em casos como este, quando está em causa aferir da oportunidade da reação por via de oposição, a arguição da falta de citação tem, necessariamente, de ser conhecida no âmbito da oposição. Veja- se, neste sentido, o que se refere no Ac. do TCA Norte de 29.01.2015, proc. n.º 0307/13.7BECBR (disponível em www.dgsi.pt):
“[…] embora não constitua fundamento de oposição (artigo 204º do CPPT), nada obsta a que se possa conhecer da falta ou da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição, isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição - cf. acórdão do STA de 7/12/2011, Processo 0172/11 e TCAN de 22/10/2009- 00574/07.
Por conseguinte, é de concluir não existir qualquer obstáculo ao conhecimento da falta da citação para saber se é (ou não) tempestiva a oposição à execução deduzida pelo Oponente.”.
Assim sendo, vejamos se é ou não tempestiva a presente oposição à execução fiscal, o que depende de aferir se o ora Oponente foi, ou não, citado em 27.01.2010, como alega a Fazenda Pública.
De acordo com o artigo 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, a falta de citação quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal.
A falta de citação ocorre, além dos casos em que ela é omitida, também nas situações previstas no artigo 195.º do CPC, na redação aqui aplicável, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, a saber: “a) quando o ato tenha sido completamente omitido; b) quando tenha havido erro de identidade do citado; c) quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.”
Como é entendimento pacífico e reiterado da doutrina e da jurisprudência, distintas das situações de falta de citação, são as situações de nulidade da citação [que não consubstanciam uma nulidade insanável, enquadrável no referido artigo 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], que ocorrem quando a citação tenha sido efetuada, mas sem que tenham sido observadas as formalidades previstas na lei (cf. artigo 198.º, n.º 1, do CPC). No caso dos autos, o Oponente, foi citado pessoalmente para a execução (cf. artigo 191.º, n.º 3, do CPPT).
Como consta do probatório, para chamar o Oponente à execução fiscal, o Serviço de Finanças remeteu carta registada com aviso de receção para o domicílio fiscal daquele (o que não foi posto em causa nos autos), mostrando-se o aviso de receção que acompanhava a correspondência assinado por uma terceira pessoa, que não o executado [cf. alínea K) do probatório].

É certo que se impunha o cumprimento do disposto no artigo 241.º do CPC, na redação aqui aplicável, que prevê uma diligência posterior sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando: o envio de carta registada comunicando ao citado, nomeadamente, a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada, o que não ficou provado nos presentes autos por não ter sido demonstrada a expedição da carta de notificação mencionada na al. L) dos factos provados – cf. al. 1) dos factos não provados.
No entanto, a expedição da carta registada a que se reporta o artigo 241.º do CPC (atual artigo 233.º) não é considerada pela lei uma formalidade essencial [na medida em que a omissão dessa diligência não é suscetível de afetar ou prejudicar a defesa do interessado, nos termos contemplados no artigo 165.º, n.º 1, a) do CPPT], mas antes uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do artigo 198.º (atual 191.º) do CPC.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 190.º, n.º 6, do CPPT, e em sintonia com o supra referido no artigo 195.º, n.º 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.
É certo, como se começou por dizer, que o Oponente alegou na petição inicial que não teve conhecimento da citação, que não foi citado, no entanto, confrontado com o aviso de receção assinado pelo identificado G....... (que já antes tinha assinada outra correspondência relacionada com a liquidação objeto de cobrança coerciva no PEF a que respeita a presente oposição), não cuidou de, em sede de resposta à exceção suscitada pela Fazenda Pública, de alegar ou procurar demonstrar que a mesma, recebida pela pessoa que assinou o aviso de receção, não chegou ao seu conhecimento por motivo que não lhe é imputável, o que poderia, caso tivesse alegado (que não alegou) demonstrar através de prova testemunhal, arrolando para o efeito, inclusive, a pessoa que assinou o respetivo aviso de receção da citação.
Admitindo-se que a presunção legal de que teve conhecimento da citação é ilidível, e cabendo tal prova ao interessado [artigos 233.º (actual 225º), n.º 4, e 238.º (atual 230.º), n.º 1, do CPC], impunha-se que tivesse alegado nesse sentido e oferecido a respetiva prova.
Não o fez.
Assim sendo, impõe-se concluir no sentido da presunção da eficácia da citação ocorrida em 27.01.2010 – cf. al. K) do probatório – e, consequentemente, pela procedência da exceção de extemporaneidade da presente oposição à execução porque apresentada em 25.05.2010 e, por isso, para além dos 30 dias a que se refere a primeira parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 203.º do CPPT, conforme resulta da al. O) dos factos provados, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento do mérito da causa.”

Efetivamente, resulta da sentença recorrida que a decisão de intempestividade da Oposição assentou na subsunção dos factos dados como provados nas alíneas K) e L) ao respetivo direito aplicado.

Porém, analisado o processamento dos presentes autos constata-se que a Meritíssima Juíza que à época recebeu o processo de Oposição não notificou o Oponente da junção aos autos das informações prestadas nos termos do n.º 1, do art. 208.º do CPPT, nem da documentação anexa a essa informação (cf. fls. 33 a 58). Ora, alguns desses documentos conduziram a dar como provados determinados factos, nomeadamente, os factos discriminados nas alíneas K) e L) do probatório, que foram relevantes para a decisão final proferida pela Meritíssima Juíza da 1.ª instância.

Ou seja, constata-se que a decisão recorrida assentou na informação prestada ao abrigo do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como em documentos que se encontram efetivamente junto aos autos, porém, que nunca foram notificados ao Oponente, e nessa medida, este nunca teve a oportunidade de sobre eles se pronunciar.

Neste contexto, importa considerar o que dispõe o art. 3.º, n.º 3 do CPC: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”.

Portanto, o princípio do contraditório postula que o juiz não pode decidir questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e isso, mesmo nos casos em que as questões são de conhecimento oficioso.

A única exceção prevista na lei é se estivermos perante um caso de manifesta desnecessidade.

Por outras palavras, a lei apenas admite que o juiz decida questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, nas situações em que é manifesta a desnecessidade dessa pronúncia.

In casu, verifica-se a violação do princípio do contraditório, desde logo porque, no processo judicial tributário, a teor das informações oficiais, enquanto meios de prova a serem apreciados pelo juiz, devem ser sempre notificadas ao Impugnante, logo que juntas aos autos (cf. art. 115.º, n.º 3 do CPPT).

De igual modo, as informações prestadas nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como os documentos anexos a essa informação, devem ser notificados ao Oponente logo que juntas aos autos, aplicando-se-lhes o regime previsto nos art. 115.º, n.º 2 e 3 do CPPT.


Como escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 552: “As informações referidas no n.º 1 deste art. 208.º têm um alcance semelhante às referidas no art. 115.º, n.ºs 2 e 3, pelo que lhes deve ser aplicado o mesmo regime, por analogia. Por isso, quando nelas se refiram factos, deverão ser fundamentadas de acordo com critérios objetivos.
Como não se prevê a notificação do teor das informações pelo órgão da execução fiscal ao oponente, ela deverá ser efectuada pelo tribunal, podendo o oponente pronunciar-se sobre elas, como impõem os princípios do contraditório e da igualdade de meios processuais (arts. 3.º, n.º 3, do CPC e 98.º da LGT).

Como se sumariou no acórdão do STA de 27/06/2012, proc. n.º 034/12 “[d]o princípio do contraditório decorre o dever de facultar às partes a oportunidade de, antes de a decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido possibilidade de contraditar, mesmo tratando-se de questões de direito e/ou que sejam de conhecimento oficioso. Só assim não será em casos de manifesta desnecessidade, por se tratar de questão simples e incontroversa.”, em sentido idêntico, vide, também, entre outros, Acórdão do STA de 29/01/2014, proc. n.º 0663/13, e o recentíssimo Acórdão do TCAS de 16/12/2015, proc. n.º 07817/14 do qual também fomos Relatora).

Pelo exposto, não tendo sido o Oponente notificado da informação do art. 208.º, n.º 1, do CPPT, bem como dos respetivos documentos em anexo a essa informação, verifica-se a violação do princípio do contraditório, sendo certo que não estamos perante um caso de “manifesta desnecessidade”, uma vez que, assentando a decisão na intempestividade da Oposição com base naqueles documentos, o Oponente tem o direito de sobre os mesmos se pronunciar e até mesmo impugnar a sua genuinidade nos termos do n.º 4, do art. 115.º do CPPT.

As irregularidades processuais supra expostas consubstanciam, portanto, uma nulidade secundária, sujeitas ao regime dos artigos 201.º e ss do CPC (atuais artigos 195.º, e ss do CPC).

Dispunha o artigo 201.º, n.º 1, do CPC (cuja redação corresponde à do atual art. 195.º do CPC) que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa e revestir uma de três formas: a) prática de um ato proibido; b) omissão de um ato prescrito na lei; c) realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA “decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou o eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao artigo 98.º, p. 87) – sublinhado nosso.

Portanto, in casu, a falta de notificação de informações e documentos juntos aos autos consubstancia a omissão de um ato prescrito na lei que ttem a potencialidade de influir na apreciação e decisão, na medida em que existe a possibilidade de a Recorrente poder influenciar a decisão de intempestividade se lhe tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciar, até porque, sempre lhe assiste o direito de impugnar a genuinidade desses documentos.

Pelo exposto, importa declarar a nulidade processual por falta de notificação das informações junta aos autos nos termos do n.º 1, do art. 208.º do CPPT, e respetivos documentos em anexo. Devem, pois, os autos voltar ao TAF de Sintra, para que aí seja observado o princípio do contraditório, com a realização das notificações em falta, seguindo o processo os demais trâmites legais, e prolação de sentença.
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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. As informações prestadas nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPPT, bem como os documentos anexos a essa informação, devem ser notificados ao Oponente logo que juntas aos autos, aplicando-se-lhes o regime previsto nos art. 115.º, n.º 2 e 3 do CPPT;
II. O não cumprimento daquela formalidade pelo Juiz viola o princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3 do CPC, ex vi, art. 2.º, alínea e) do CPPT), e constitui uma nulidade processual quando possa influir no exame ou na decisão da causa nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC (atual art. 201.º do CPC).

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade processual arguida e consequentemente, anular a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Sintra a fim de ser cumprido o princípio do contraditório, seguindo o processo os ulteriores termos.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 30 de setembro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy