Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2187/18.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
REQUISITOS CUMULATIVOS;
PRAZOS INDICADOS EM SEDE DE PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
PRAZOS ORDENADORES;
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS ESSENCIAIS À AVERIGUAÇÃO DA VERDADE MATERIAL;
AUTONOMIA DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR FACE AO PROCESSO PENAL;
CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE ESPECIAL;
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA MEDIDA DA PENA DISCIPLINAR.
Sumário:
I – Para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se, de forma cumulativa, dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris;
II - A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida;
III - Ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar-se os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA;
IV- É pacífico na jurisprudência e doutrina que os prazos indicados em sede de procedimento disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, pelo que a sua preterição não conduz à invalidade da decisão punitiva;
V – Se o procedimento disciplinar incluiu as diligências instrutórias legalmente exigíveis e consideradas pelo respectivo instrutor como as necessárias e suficientes para poder prosseguir com a elaboração do relatório final, claudica a invocação da existência de um défice instrutório, feita apenas em sede de impugnação jurisdicional, por se entender que existiriam outras diligências que poderiam e haviam de ter ocorrido por serem essenciais à averiguação da verdade material;
VI – Se no procedimento disciplinar se deu por provado com base em diversa prova testemunhal e documental que o trabalhador arguido exigiu dinheiro a comerciantes que detém licenças de ocupação do espaço público, para puderem manter tais licenças, que recebeu valores por via dessa exigência e que promoveu a existência de irregularidades em diversos processos de licenciamento, por os ter aprovado indevidamente, sem o competente despacho do Presidente da JFB, tal basta para que o referido trabalhador possa ser punido por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, não sendo necessário esperar pela prova que seja feita no processo criminal e pela decisão que aí seja tomada;
VII – É pacífico na jurisprudência e doutrina que o procedimento disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, podendo prosseguir independentemente deste;
VIII- Na determinação da medida da pena a Administração tem de atender aos critérios legais, às circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes;
IX – No âmbito da sua actividade a Administração deve obediência ao princípio da proporcionalidade. Sendo um limite interno da actividade administrativa, este princípio releva autonomamente na apreciação da actividade administrativa discricionária, exigindo que as decisões tomadas sejam as mais adequadas, justas ou consentâneas com os fins que se querem realizar;
X - Porém, frente a condutas discricionárias, a aplicação daquele mesmo princípio pela Administração só se torna sindicável judicialmente em situações de erro manifesto, grosseiro ou de facto;
XI - Frente à invocação da violação do princípio da proporcionalidade relativamente a um acto punitivo, por a medida da pena ser excessiva, o Tribunal terá de apurar acerca da manifesta desproporcionalidade ou da evidente injustiça e não que aquilatar, em substituição do poder que pertence unicamente à Administração, acerca da medida que, em termos concretos, no leque das soluções legalmente possíveis, melhor salvaguarda o interesse público, porque seja a mais adequada à gravidade dos factos apurados, a mais consentânea com os fins que se pretendam atingir e, em simultâneo, a que introduza menor sacrifício dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares envolvidos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia da Deliberação da Junta de Freguesia de Belém (JFB), de 07-08-2018, que aprovou a Proposta 2018/08/07/20 e decidiu aplicar a sanção disciplinar de despedimento ao A e ora Recorrente.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”a) O Recorrente, apesar de discordar da fundamentação utilizada na Sentença Recorrida, relativamente à competência da autoridade para a instauração do procedimento disciplinar, uma vez que, existindo normas aparentemente contraditórias entre si (o art. 19º, al. e), e art. 17º do RJAL, por um lado, e o art. 196º, nº 1, da LGTFP, por outro), se impõe, pelo princípio da concordância prática, que ambas devam ser conciliadas, de modo que uma não invalide completamente a outra, sob pena de não se atribuir a uma das leis em vigor, com idêntica dignidade constitucional, qualquer relevância jurídica; concorda, ainda assim, com o segmento decisório no qual se reconhece a existência de delegação expressa da Junta de Freguesia que delegou no seu Presidente a competência para gerir os recursos humanos a serviço da freguesia, cabendo referir que o documento comprovativo de tal delegação não consta do processo disciplinar, tendo sido junto apenas aos presentes autos processuais.
b) O Recorrente considera, no entanto, e salvo o devido respeito, que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento, pelos motivos a seguir expostos.
b.1) Os prazos, ditados em lei, e que devem orientar o empregador público num procedimento disciplinar, não são de menor importância.
b.2) Assim, considerado os factos provados (4, 6, 7, 9, 10, 17 e 24), e considerando o disposto no nº 1 do art. 205º da LGTFP, que determina que a instrução do processo disciplinar deve ter início no prazo máximo de 10 dias a contar da notificação do instrutor sobre o despacho que o mandou instaurar e que deve ser concluída no prazo de 45 dias, a contar igualmente da notificação do instrutor; chega-se facilmente à conclusão que: i) na falta de um documento no processo disciplinar que demonstre a data exata em que o instrutor foi notificado sobre a sua obrigação, e tendo em vista que esse suposto lapso apenas visa conferir ares de legalidade ao processo, mas considerando que o processo disciplinar foi autuado em 30/01/2018 com a indicação precisa do instrutor competente (conforme se infere da sua capa), verifica-se o transcurso de 27 dias entre a abertura física do processo disciplinar, aos cuidados do instrutor, e o início da instrução; ii) verifica- se o transcurso de 56 dias entre as primeiras comunicações (efetuadas a 26 de fevereiro de 2018) que deram início à instrução e a dedução da acusação; iii) verifica-se o transcurso de 147 dias entre o início da instrução do processo disciplinar e a prolação do relatório final pelo instrutor; iv) verifica-se o transcurso de 60 dias entre a apresentação de defesa pelo trabalhador e a prolação do relatório final pelo instrutor.
b.3) Por outras palavras, houve violação expressa do disposto no nº 1 do art. 205º e no art. 219º da LGTFP, porquanto: i) Não foi observado o prazo de 10 dias para dar início aos atos instrutórios; ii) Não foi observado o prazo de 45 dias para que a instrução fosse ultimada; iii) Nem mesmo o prazo de 5 dias, após o término da fase de defesa do trabalhador, para que o relatório fosse elaborado.
b.4) A natureza urgente do procedimento disciplinar impõe celeridade, sem que isso signifique qualquer abrandamento quanto ao rigor processual, e o instrutor tem, como tinha na altura, instrumentos ao seu dispor para solicitar a prorrogação do prazo de instrução à entidade que o nomeou caso a complexidade do caso o exigisse, e podia, ele próprio, prorrogar o prazo para a elaboração do relatório final.
b.5) Mas, em vez disso, nada fez, permitindo que o procedimento disciplinar, que deve ser processado com urgência, se prolongasse no tempo, de forma injustificada, negligenciado sistematicamente os prazos estabelecidos na lei, fazendo com que a decisão final fosse proferida em prazo não razoável e desproporcional.
b.6) Assim procedendo, a Recorrida, através do instrutor do procedimento disciplinar, violou, inclusive, o disposto no art. 266.º, nº 2, da Constituição.
b.7) Pelo exposto, o Recorrente considera que deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida, a fim de que seja aplicado o disposto no nº 1 do art. 163º do CPA ex vi nº 2 do art. 5º do CPA, com a consequente destruição, com eficácia retroativa, de todos os atos instrutórios do processo disciplinar.
c) O Recorrente considera que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento ao não ter acolhido a sua pretensão quanto ao pedido de declaração de nulidade pelo facto de a Recorrida ter negligenciado diligências essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do art. 203º, nº 1, da LGTFP.
c.1) O instrutor considerou relevante, para o conhecimento integral da verdade, a junção aos autos da informação, produzida pela Polícia da Segurança Pública, relativa às circunstâncias relatadas no facto nº 13 considerado como provado, mas tal informação nunca chegou aos autos.
c.2) De acordo com Francisco Pimentel (In Estatuto Jurídico do Trabalhador em Funções Públicas - e do sindicalismo na administração pública, 2018, pp. 203/204), estão compreendidas na noção de “diligências essenciais para a descoberta da verdade” aquelas determinadas oficiosamente pelo instrutor, pelo que, na falta de tais diligências, é possível arguir uma nulidade insuprível nos termos do art. 203º, nº 1, da LGTFP, sendo certo que esta compreensão, correta diga-se desde já, sobre o papel fulcral da busca da verdade dos factos no procedimento disciplinar está intimamente relacionada com o direito constitucional de defesa do arguido, nos termos do art. 32º, nº 10, e art. 269º, nº 3, da CRP.
c.3) Além disso, e com relevância extrema para a decisão da pena disciplinar mais grave pelo empregador público, o Recorrente entende que não ficou minimamente provada a existência de irregularidades em diversos processos de licenciamento em processos em que o trabalhador visado terá atuado.
c.4) Antes de mais porque, em processo-crime, o trabalhador visado, cuja atividade já foi perscrutada em sede de inquérito e de instrução, nem sequer está a ser acusado de ter cometido irregularidades em processos de licenciamento, sendo também certo que os processos de licenciamento juntos ao procedimento disciplinar não têm o potencial de provar o que quer que seja, e, sobretudo, não são aptos a provar que o trabalhador atuou no sentido de impedir a realização do despacho do Presidente, e nem provam uma qualquer conduta irregular por parte do trabalhador visado.
c.5) Acresce o facto de o instrutor não ter ouvido outros funcionários que participam, ou participaram, do processo de licenciamento a fim de apurar: i) se, efetivamente, a cobrança das taxas de licenciamento podia ser realizada sem o despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém;
ii) se a cobrança das taxas de licenciamento podia ser autorizada pelo Representado do Recorrente sem que do processo constasse o despacho do Presidente da Junta; iii) se a ausência do despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém, nos processos identificados no procedimento disciplinar, decorreu de uma ação ou de uma omissão por parte do trabalhador, ou se tal ausência poderia ter origem noutro motivo; iv) se, no caso concreto das alegadas vítimas que foram ouvidas como testemunhas, houve irregularidade no processo de licenciamento por obra e engenho do Representado do Recorrente.
c.6) Note-se que os documentos que dão suporte à decisão do instrutor não demonstram qualquer incúria por parte do trabalhador visado, nem provam que ele agiu, no cumprimento das suas funções, de forma irregular, porque não se consegue extrair desses mesmos documentos tais ilações; na verdade, o que os documentos revelam é que o processo de licenciamento envolve vários outros funcionários, que trabalham em distintas fases desse mesmo processo, e que o trabalhador não tem qualquer poder de decisão, ainda que a título provisório, sobre o resultado dos requerimentos realizados pelos interessados.
c.7) Por fim, resulta da instrução que às testemunhas, e de acordo exclusivamente com as suas alegações, terá sido exigido dinheiro, mas não há provas mais substanciais de que isso tenha acontecido efetivamente nos moldes como as mesmas relataram, nem tampouco que esses valores tenham sido efetivamente realizados para concretizar os fins que as mesmas alegam: não há provas de transferências bancárias, nem há relatos de testemunhas que estivessem presentes na prática do ato, sendo certo que algumas dessas testemunhas alegaram a existência de mensagens e chamadas telefónicas sem que tenham sido juntas aos autos processuais as correspondentes imagens dessas mensagens ou do comprovativo de recebimento das chamadas telefónicas.
c.8) Pelo exposto, deve ser revogada a sentença com fundamento na plausibilidade do direito que assiste ao Representado do Recorrente de ser declarada a nulidade de todo o processo disciplinar e, consequentemente, a nulidade do despedimento, com fundamento na omissão de diligências essenciais para a busca da verdade, conforme estatui o art. 203º, nº 1, da LGTFP, impondo-se, com mais razão, que em sede de providência cautelar a eficácia do ato que determinou o despedimento do trabalhador seja suspensa.
d) O Recorrente considera que a Sentença Recorrida incorre em erro de julgamento ao não ter acolhido a pretensão do Recorrente quanto ao pedido de suspensão da eficácia do ato com fundamento no princípio constitucional da presunção de inocência, tendo em vista que os factos explorados no processo disciplinar estão a ser objeto de escrutínio judicial no âmbito do processo nº 131/17.8SWLSB, que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, razão pela qual ainda não existe uma decisão definitiva que impute ao associado do Recorrente, arguido naqueles autos, aquilo que o seu empregador público lhe deseja imputar.
d.1) Ora, tanto no processo-crime, como no processo disciplinar, estão em causa idênticos factos, tendo sido coligidos em ambos os processos os mesmos meios de prova (de natureza testemunhal), conforme se infere, por um lado, da decisão de pronúncia que foi junta aos autos pela Recorrida; e, do outro, do relatório final do procedimento disciplinar.
d.2) É por isso que: i) os factos discutidos quer no processo disciplinar quer no processo-crime são idênticos; ii) as testemunhas, quer no processo disciplinar quer no processo-crime, são as mesmas, pelo que as mesmas serão ouvidas em sede de julgamento nos autos do processo-crime a respeito dos mesmos factos imputados ao Representado do Recorrente em sede disciplinar; iii) os referidos factos são controvertidos e a decisão da ação criminal tem relevância para o desfecho da decisão disciplinar; iv) é possível que o Tribunal Criminal, após todo o percurso processual tendente a encontrar a verdade material dos factos e atento às garantias constitucionais do arguido no processo, emita uma decisão sobre os factos que seja diametralmente diferente daquela a que chegou o empregador público.
d.3) Chega-se à conclusão de que a imputação de uma pena definitiva de despedimento disciplinar, não suspensa em sede de providência cautelar, fere irremediavelmente o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no art. 32º, nº 2, da CRP, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
d.4) Por força do referido princípio, não é possível que o empregador público promova a cessação do vínculo de emprego público com fundamento em circunstâncias de facto que ainda não foram definitivamente apuradas, antecipando, indevida e precipitadamente, as consequências de uma eventual condenação judicial, ainda que não seja possível assegurar, neste momento, que o trabalhador visado, associado do Recorrente, virá a ser responsabilizado por eventuais factos ilícitos.
d.5) Ainda que se reconheça como válida a orientação jurisprudencial apontada pela sentença Recorrida que admite serem autónomas as decisões proferidas em sede de processo-crime e em sede de procedimento disciplinar, a verdade é que o trabalhador visado pode ser absolvido quer pela prova dos factos, quer pelo apuramento de que os mesmos, tal como relatados, não ocorreram efetivamente.
d.6) A decisão de despedimento deve estar suportada num grau de certeza forte, e tal certeza só será possível após a discussão judicial de todas as questões que envolvem os factos, cabendo salientar que faz parte do conteúdo adequado do princípio da presunção de inocência “a proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares”, devendo, para tal, ser entendida que a decisão disciplinar, objeto de impugnação especifica em ação declarativa, é uma decisão que está dependente do escrutínio judicial.
d.7) Finalmente, o Certificado de registo disciplinar dá conta de que o associado do Recorrente tomou posse na função pública em 12/11/1999, sendo Técnico Superior (Jurista) Principal desde 08/01/2008, e que foi transferido da CML para a Junta de Freguesia de Belém em 21/07/2014, constando ainda do certificado a menção de que "não constam no seu processo individual quaisquer penas ou louvores", pelo que o associado do Recorrente tem em seu favor uma circunstância atenuante especial, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 190º da LGTFP.
d.8) Saliente-se que o trabalhador visado conta com mais de 10 anos de serviço e não há qualquer evidência probatória que manche o seu comportamento e zelo durante esse período, razão pela qual a sanção disciplinar parece ser excessiva e desproporcionada.
e) Tendo ficado demonstrado o fumus boni iuris, a Sentença Recorrida deverá ser revogada, a fim de ser acolhida a pretensão do Recorrente de ver suspensa a eficácia do ato administrativo, por estarem também preenchidos os requisitos para a procedência da providência cautelar:
e.1) Existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, uma vez que a sanção disciplinar faz cessar definitivamente o vínculo de emprego público, deixando o associado do Recorrente de auferir a retribuição mensal acima mencionada;
e.2) O vencimento do associado do Recorrente é a única componente dos rendimentos recebidos, sendo indispensável para assegurar a subsistência do seu agregado familiar, pelo que a privação dessa remuneração é suscetível de pôr em risco a satisfação das necessidades básicas do agregado familiar;
e.3) Caso não seja suspensa a eficácia do ato, verificar-se-á a produção de prejuízo de difícil reparação, senão mesmo irreparável para o associado do Recorrente, com a impossibilidade de fazer face às suas despesas ordinárias mensais;
e.4) A revogação da Sentença Recorrida com a procedência do procedimento cautelar é a medida que se impõe perante a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, uma vez que os eventuais danos que resultam da sua concessão não são superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
e.5) A providência requerida limita-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo ora Recorrente em representação do seu associado.
e.6) Concluindo-se, em face do exposto, que deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto e, consequentemente, ser deferida a providência cautelar de suspensão da eficácia da decisão da ora Recorrida que puniu com a pena disciplinar de despedimento o Associado do Recorrente.“

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
1. Em 24.10.2017, foi elaborada a proposta n.º 2017/10/24/01, através da qual se propugna a delegação de “todas as competências permitidas por lei” no Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, “Considerando a necessidade de garantir as condições para o adequado funcionamento da Junta de Freguesia” (cf. cópia da proposta junta a fls. 16 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
2. Em 24.10.2017, a proposta a que se alude no ponto anterior foi aprovada por unanimidade em reunião da Junta de Freguesia da Requerida (cf. carimbo aposto a fls. 16 do processo administrativo apenso e tal como decorre ainda da cópia da acta n.º 1/2017 junta a fls. 114-115 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 07.12.2017, foi lavrado um auto de notícia pelo Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, cujo teor se reproduz integralmente infra:
(“texto integral no original; imagem”)

(cf. cópia do auto de notícia junta a fls. 1-3 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 22.12.2017, foi proferido despacho pelo Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, determinando a instauração de procedimento disciplinar contra o Representado pelos factos constantes do auto de notícias a que se alude no ponto anterior e designando C….. como instrutor (cf. despacho junto a fls. 5 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 08.01.2018, C….. endereçou um requerimento ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, solicitando escusa da designação referida no ponto anterior (cf. requerimento junto a fls. 6 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
6. Em 26.01.2018, L.... tomou conhecimento de que havia sido indicado pelo Director Municipal de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa como instrutor do procedimento disciplinar a que se alude no ponto 4. supra (cf. protocolo, informação e despacho aí exarado juntos a fls. 8-10 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
7. Em 29.01.2018, foi proferido despacho pelo Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, designando L....como instrutor do procedimento disciplinar instaurado, ou “Instrutor” (cf. despacho junto a fls. 7 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
8. Em 21.02.2018, a Requerida remeteu um conjunto de elementos atinentes ao procedimento disciplinar a que se alude no ponto 4. supra ao Instrutor, entre os quais o despacho de designação referido no ponto anterior (cf. cópia do ofício junta a fls. 116 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
9. Em 22.02.2018, o Instrutor autuou o procedimento disciplinar instaurado contra o Representado (cf. termo de autuação constante do processo administrativo, documento que se dá por integralmente reproduzido).
10. Em 26.02.2018, o Instrutor remeteu ofícios ao Representado e ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, dando-lhes conta de que naquela data tinha dado início à instrução do processo disciplinar a que se alude no ponto 4. firmado supra, autuado sob o n.º 2509/CML/18/PDI (cf. cópias dos ofícios juntas a fls. 17-20 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
11. Em 27.02.2018, o Instrutor remeteu um ofício ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, convocando-o para prestação de declarações (cf. cópia do ofício junta a fls. 21 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
12. Entre 05.03.2018 e 12.03.2018, o Instrutor procedeu à inquirição do Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, enquanto participante, do Representado, enquanto trabalhador, e de I…., J….., A….. e D…., enquanto testemunhas (cf. respectivos autos juntos a fls. 36-37, 39- 40, 42-44, 46-47 e 51-59 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
13. Em 14.03.2018, o Instrutor remeteu um ofício à Polícia de Segurança Pública, solicitando “cópia do registo de ocorrência” referente aos “factos ocorridos no Largo dos Jerónimos, junto à porta da Junta de Freguesia de Belém, no dia oito de novembro do ano de dois mil e dezassete, cerca das dez horas e trinta minutos, de que resultou a detenção em flagrante delito do arguido” (cf. cópia do ofício junta a fls. 61 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
14. Em 15.03.2018, o Instrutor remeteu um ofício ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, solicitando a identificação de “todos os processos supra mencionados que tivessem sido irregularmente aprovados pelo arguido” (cf. cópia do ofício junta a fls. 64-65 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
15. Em 27.03.2018, o Instrutor remeteu novo ofício ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, solicitando, uma vez mais, os elementos a que se aludem no ofício anterior (cf. cópia do ofício junta a fls. 75 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
16. Em 05.04.2018 e 06.04.2018, a Junta de Freguesia da Requerida remeteu os elementos solicitados ao Instrutor (cf. cópias das mensagens electrónicas e mapas juntas a fls. 89-94 e 97 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e ainda dos ficheiros constantes do DVD-ROM junto a fls. 95 desse mesmo processo administrativo).
17. Em 23.04.2018, foi deduzida acusação contra o Representado, cujo teor se reproduz parcialmente infra:
(“texto integral no original; imagem”)

(cf. acusação junta a fls. 99-107 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
18. Em 27.04.2018, o Representado foi notificado para, em 03.05.2018, pelas 13h00m, comparecer no Departamento de Gestão de Recursos Humanos da Direcção Municipal de Recursos Humanos, sito no Edifício Central, Campo Grande, a fim de lhe ser entregue cópia da acusação deduzida contra a sua pessoa (cf. ofício, resulta da pesquisa de correio e encomendas, registo e aviso de recepção juntos a fls. 98-98-B do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
19. Em 03.05.2018, foi lavrado auto de notícia pelo Instrutor, dando conta de que o Representado, “apesar de ter tomado conhecimento da convocatória decidiu comparecer nas instalações do Departamento da Atividade Física e do Desporto, sitas na Rua A…., n.º 4…– 7.º andar, 12-…cerca das dez horas e trinta minutos, acompanhado de um menor. // Perante a explicação por parte do signatário que não estava a cumprir a convocatória emitida, e que por esse facto não lhe poderiam ser entregues os artigos de acusação, reforçando que cumpriria escrupulosamente os termos da convocatória, o arguido invadiu as instalações do Departamento da Atividade Física e do Desporto, perseguiu o instrutor ao seu local de trabalho, apelidando-o várias vezes de “Atrasado mental”. // Só após algum esforço dos colegas infra identificados, que presenciaram esta ocorrência, e que vão assinar este auto a título de testemunhas, foi possível acalmar o arguido, convencendo-o a abandonar as instalações.” (cf. auto de notícias junto a fls. 109 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
20. Em 03.05.2018, foi lavrado termo de não entrega da acusação, “na sequência de não comparência do trabalhador N……” (cf. termo de não entrega junto a fls. 110 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
21. Em 10.05.2018, o Representado foi notificado da acusação deduzida (cf. ofício, registo e aviso de recepção juntos a fls. 111-117 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
22. Em 24.05.2018, o Representado apresentou a sua defesa, aí pugnando pelo arquivamento dos autos e arrolando 3 testemunhas, 2 das quais a apresentar (cf. petição de defesa e respectivo envelope juntos a fls. 124-129 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
23. Convocadas para prestarem depoimento, as testemunhas arroladas pelo Representado não compareceram às respectivas diligências de inquirição de testemunhas (cf. ofícios, registos, comprovativos de entrega de correio, avisos de recepção e termos de não comparência juntos a fls. 134-134-D, 136-136-C, 145, 146-146-B, 148, 149 e 158-159 do processo administrativo apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
24. Em 23.07.2018, foi elaborado relatório final do procedimento disciplinar a que se alude no ponto 4. supra, cujo teor se transcreve parcialmente infra:
(“texto integral no original; imagem”)

(cf. relatório final junto a fls. 165-201 do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
25. Em 06.08.2018, foi elaborada a proposta n.º 2…../08/07/20 pelo Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, cujo teor se reproduz parcialmente infra:
(“texto integral no original; imagem”)

(cf. cópia da proposta constante do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
26. Em 07.08.2018, a proposta referida no ponto anterior foi aprovada, por unanimidade, pela Junta de Freguesia da Requerida (cf. cópia da acta n.º 35/2018 constante do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
27. Em 10.08.2018, a Requerida remeteu ao Representado, através de correio registado com aviso de recepção, cópia do relatório final e proposta aprovada a que se aludem nos pontos 24. e 25. supra (cf. ofício, envelope, registo e aviso de recepção constantes do processo administrativo, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
28. Em 29.08.2018, o envelope a que se alude no ponto anterior foi devolvido, com a menção “Objeto não reclamado” (cf. vinheta aí aposta pelos CTT).
29. Em 18.09.2018, foi publicado em Diário da República, II Série, o Aviso n.º 13288/2018, da Requerida, aí se dando conta de que “Nos termos e para os efeitos conjugados do n.º 1 do artigo 222.º e dos n.º 2 e 3 do artigo 214.º, ambos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, é notificado N…., com a categoria de Técnico Superior, com última residência conhecida na Rua C….. Cruz Quebrada-Dafundo, de que por deliberação da Junta de Freguesia de Belém, de 07 de agosto de 2018, proferida sobre o relatório final do processo disciplinar em que é arguido, lhe foi aplicada a sanção disciplinar de despedimento, com início de produção de efeitos nos termos do artigo 223.º da mesma Lei” (cf. cópia do aviso constante do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
30. Em 30.10.2018, foi proferido despacho pelo Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo n.º 131/17.8SWLSB, em que o Representado é arguido, pronunciando-o pela prática de três crimes de concussão e mantendo as medidas de coacção de suspensão do exercício de funções e termo de identidade e residência (cf. cópia do despacho junta a fls. 110-113 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
31. Foi agendado para 13.02.2019 a realização de audiência de julgamento no processo referido no ponto anterior (cf. cópia do ofício junta a fls. 109 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
32. O Representado ingressou na Função Pública em 12.11.1999 (cf. certificado de registo disciplinar emitido em 28.02.2018 junto a fls. 34-34-v do processo administrativo apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).
33. Até, pelo menos, 28.02.2018, ao Representado não tinham sido aplicadas quaisquer penas disciplinares ou atribuídos quaisquer louvores (cf. certificado de registo disciplinar emitido em 28.02.2018 junto a fls. 34-34-v do processo administrativo apenso).
34. Entre 2014 e 2017, o Representado faltou injustificadamente 2,5 vezes em 2016 e 2 vezes em 2017 (cf. certificado de registo disciplinar emitido em 28.02.2018 junto a fls. 34-34-v do processo administrativo apenso).
35. O Representado é pai de uma menor nascida em 19.04.2016 (cf. cópia do cartão de cidadão da menor junta a fls. 46 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
36. Antes do seu despedimento, o Representado auferia um vencimento mensal líquido de EUR 1.250,86 (cf. cópias dos recibos de vencimento juntas a fls. 47-48 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
37. O Representado despende mensalmente EUR 400,00 com o pagamento da renda da casa onde habita (cf. cópias dos recibos de renda electrónico juntas a fls. 52- 53 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
38. O Requerente despende mensalmente cerca de EUR 145,00 com o pagamento de electricidade, água e televisão por cabo (cf. cópias das facturas e comprovativos de pagamento juntas a fls. 55-61 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
39. A filha do Representado encontra-se inscrita numa creche cuja mensalidade se cifra em EUR 220,40 (cf. cópia do recibo da creche junta a fls. 49 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir são:
- aferir do erro decisório e da verificação do requisito fumus boni iuris por, no caso, ocorrer a violação dos art.ºs 205.º, n.º 1, 219.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), porque foi ultrapassado o prazo de 10 dias para se dar início aos actos instrutórios após a notificação ao respectivo instrutor da abertura do procedimento disciplinar, assim como, o prazo de 45 dias para essa instrução ser concluída e o prazo de 5 dias após o término da fase de defesa do trabalhador e para a elaboração do relatório;
- aferir do erro decisório e da verificação do requisito fumus boni iuris por, no caso, ocorrer a violação dos art.ºs 32.º, n.º 10, da CRP, 269.º e n.º 203, n.º 1, da LGTFP, porque não ficou provada a existência de irregularidades nos procedimentos de licenciamento que envolviam o trabalhador punido, devida a qualquer actuação ou incúria sua e porque foram omitidas diligências instrutórias essenciais para a descoberta da verdade, designadamente porque a informação requerida oficiosamente pelo instrutor do processo à Polícia de Segurança Pública (PSP) sobre as circunstâncias relatadas no facto 13. não foi junta aos autos, porque não foram ouvidos os funcionários que intervieram nos licenciamentos e porque para além das declarações de algumas testemunhas não há provas mais substanciais sobre o alegado recebimento de dinheiro pelo trabalhador visado;
- aferir do erro decisório e da verificação do requisito fumus boni iuris por, no caso, ocorrer a violação do art.º 32.º, n.º 2, da CRP e do princípio da presunção da inocência, porque os factos que estão na base do procedimento disciplinar estão a ser averiguados no P. 131/17.8SWLSB, que corre no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que ainda não transitou em julgado;
- aferir do erro decisório e da verificação do requisito fumus boni iuris por, no caso, ocorrer a violação do princípio da proporcionalidade, porque o A. e Recorrente tem a seu favor a circunstância atenuante especial que vem prevista no art.ºs 190.º, n.º 2, al. a), da LGTFP;
- aferir do erro decisório por estar verificada a existência do requisito periculum in mora, porque com a sanção disciplinar o A. e Recorrente cessa o seu vínculo laboral e deixa de auferir a sua remuneração mensal, essencial para a sua subsistência e do seu agregado familiar, ficando em risco a satisfação das correspondentes necessidades básicas e porque os danos que resultam da concessão desta providência não são superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

Os critérios para a atribuição de quaisquer providências cautelares – conservatórias ou antecipatórias – estão inscritos no art.º 120.º n.º 1, do CPTA.

Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02-10, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devam verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
O fumus boni iuris que ora se exige encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar-se os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do indicado preceito.
Na decisão recorrida julgou-se não verificado o requisito fumus boni iuris, pelo que a providência cautelar improcedeu.

Vem o Recorrente invocar o erro decisório porque existe, no caso, uma violação dos art.ºs 205.º, n.º 1 e 219.º da LGTFP e 266.º, n.º 2, da CRP, porque foi ultrapassado o prazo de 10 dias para se dar início aos actos instrutórios após a notificação ao respectivo instrutor da abertura do procedimento disciplinar, assim como, o prazo de 45 dias para essa instrução ser concluída e o prazo de 5 dias após o término da fase de defesa do trabalhador e para a elaboração do relatório.
É entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina que os prazos indicados em sede de procedimento disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, pelo que a sua preterição não conduz à invalidade da decisão punitiva (cf., entre muitos, os Acs. STA n.º 01086/11, de 25-06-2013, n.º 135/06, de 13-02-2007, n.º 0663/06, de 01-02-2007, n.º 2017/02, de 20-03-2003, n.º 39946, de 16-06-1998, n.º 30355, de 17-12-1997, do TCAS n.º 02502/99, de 18-12-2008, n.º 12328/03, de 11-12-2008, n.º 12424/03, de 27-09-2007, n.º 1181/06, de 24-04-2007 e TCAN n.º 01599/07.6BEPRT, de 23-09-2013. Na doutrina, vide, MOURA, Paulo Veiga E Moura; ARRIMAR, Cátia - Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 592-593; CARVALHO, Raquel - Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas. 2.ª ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2018, pp. 268-269. Ao abrigo da antiga lei, vide, HENRIQUES, M. Leal - Procedimento Disciplinar. 4.ª ed. Lisboa: Editora Rei dos Livros, 2002. ISBN 972-51-0955-4, pp. 284. Vide, também, ROLO, Ana Carolina – Exercício do poder disciplinar e Procedimento disciplinar, in CEJ - Direito das Relações Laborais na Administração Pública [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018 [Consult. 12 jun. 2019]. Disponível em WWW:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_DRLAP_2018.pdf>.p. 708).
Portanto, ainda que se verificasse a preterição de tais prazos, tal não conduziria à anulabilidade da decisão suspendenda, tal como o A. e Recorrente invoca.
Assim, há aqui que acompanhar a decisão recorrida, designadamente, quando nela se aduz o seguinte: “Nos termos dos artigos 205.º, n.º 1, e 219.º, n.º 1, da LGTFP, “A instrução do processo disciplinar inicia-se no prazo máximo de 10 dias, a contar da data da notificação ao instrutor do despacho que o mandou instaurar, e ultima-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, nos casos de excecional complexidade” e “Finda a fase de defesa do trabalhador, o instrutor elabora, no prazo de cinco dias, um relatório final completo e conciso donde constem a existência material das faltas, a sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, bem como a sanção disciplinar que entenda justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação, designadamente por inimputabilidade do trabalhador”.
No que tange ao prazo de 10 dias com vista ao início da instrução, ficou acima demonstrado que o Instrutor foi designado por despacho de 29.01.2018, mas que apenas em 21.02.2018 a Requerida remeteu ao Instrutor os elementos do processo, maxime o referido despacho de designação (cf. factos 7. e 8. firmados supra).
Tendo o Instrutor procedido à autuação do procedimento disciplinar em 22.02.2018, bem como à remessa de ofícios ao Representado e ao Presidente da Junta de Freguesia da Requerida dando conta que iria iniciar a instrução do mesmo, com a consequente notificação dos intervenientes tendo em vista a sua inquirição – maxime, caso do Presidente da Junta de Freguesia da Requerida, cf. factos 9. a 12. firmados supra –, resulta evidente que o prazo de 10 dias que se consigna naquele n.º 1 do artigo 205.º da LGTFP foi observado, na situação sub judice.
Contra isto não se argua, como chega a ser abordado pelo Requerente – ainda que, note-se, daí não extraia qualquer consequência, em concreto –, que o Instrutor teria tido acesso ao processo em momento anterior à data da sua nomeação (concretamente, em 25.01.2018): sendo certo que o Instrutor tomou conhecimento, em 26.01.2018, que havia sido indicado para esse efeito pelo Director Municipal de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa (cf. facto 6. firmado supra), tal deve-se tão-somente aos concretos termos em que tal nomeação teve lugar (com pedido expresso da Requerida à Câmara Municipal de Lisboa), não podendo deter qualquer pertinência para efeitos do cômputo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 205.º da LGTFP já que, conforme daí textualmente decorre, o mesmo deve ser contado “da data da notificação ao instrutor do despacho que o mandou instaurar”.
No entanto, e ainda que assim não fosse, sempre seria de concluir pela insignificância da preterição dos referidos prazos com vista ao efeito (anulatório) a que o Requerente aqui se arroga: na verdade, e como sustenta a Requerida, é entendimento pacífico que os prazos consignados nas leis que regulam a instauração e tramitação dos procedimentos disciplinares em contexto de vínculos de emprego público são meramente ordenadores.
Assim, e tal como lapidarmente acordado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 12.09.2013, no âmbito do processo n.º 07661/11, “Os prazos indicados no ED para a nomeação do instrutor, para o início da instrução, para a formulação da acusação e para a prorrogação do prazo legal para a instrução do procedimento são meramente ordenadores” – entendimento que continua a deter plena aplicabilidade face ao disposto na LGTFP e que aqui se acolhe na íntegra.
É que, como denota o Supremo Tribunal Administrativo (cf. aresto prolatado em 05.11.2003, no âmbito do recurso n.º 1053/03, apud acórdão desse mesmo órgão jurisdicional de 05.11.2013, processo n.º 01086/11, com extensa indicação de jurisprudência adicional):
“Na verdade, se a violação de qualquer dos vários prazos desse tipo previstos no Estatuto Disciplinar pudesse reflectir-se no acto final do procedimento, provocando a sua anulação, ela seria definitiva, pois seria impossível renovar o procedimento disciplinar com observância desse prazo. Assim, a atribuir-se carácter peremptório a todos estes prazos, eles reconduzir-se-iam, em última análise, a verdadeiros prazos de prescrição, por a violação de qualquer deles importar para o titular do poder disciplinar a perda definitiva da possibilidade de o exercer. Ora, é manifesto que uma consequência deste tipo não foi pretendida legislativamente, não só pela evidente desproporção que teria a sua aplicação nos casos de infracções de grande gravidade, como pelo facto de ela não ser indicada no art.º 4.º do mesmo Estatuto Disciplinar em que se prevê, pormenorizadamente, o regime da prescrição do procedimento disciplinar.
Assim, é de qualificar aqueles prazos como meramente ordenadores ou disciplinadores, não derivando da sua violação a extinção do direito de praticar o acto, como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da generalidade dos prazos deste tipo” (sublinhado nosso).
Votado ao insucesso fica, por isso, a suscitada anulabilidade dos actos de instauração de procedimento disciplinar e designação de instrutor.”

Vem o Recorrente invocar, também, a violação dos art.ºs 32.º, n.º 10, da CRP, 269.º, n.º 203, e n.º 1, da LGTFP, porque não ficou provada a existência de irregularidades nos procedimentos de licenciamento que envolviam o trabalhador punido, devida a qualquer actuação ou incúria sua e porque foram omitidas diligências instrutórias essenciais para a descoberta da verdade, designadamente porque a informação requerida oficiosamente pelo instrutor do procedimento à PSP sobre as circunstâncias relatadas no facto 13. não foi junta aos autos, porque não foram ouvidos os funcionários que intervieram nos licenciamentos e porque para além das declarações de algumas testemunhas não há provas mais substanciais sobre o alegado recebimento de dinheiro pelo trabalhador visado.
O Recorrente foi punido nos termos do art.º 73.º, n.ºs 1, 2. als. a), b), e), g), h), 3, 4, 7, 9, 10 da LGTFP, por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de lealdade e correcção, por ter exigido dinheiro a comerciantes que detém licenças de ocupação do espaço público para manterem tais licenças, por ter recebido pagamentos desses comerciantes por causa dessa exigência e por ter promovido a existência de irregularidades em diversos processos de licenciamento, que foram indevidamente aprovados pelo trabalhador, ao invés de terem sido alvo do competente despacho do Presidente da JFB.
Ora, atendendo aos factos provados na decisão recorrida, que aqui não vêm impugnados, é indubitável que da prova reunida no procedimento disciplinar resultou provado que o Recorrente praticou as condutas que ali lhe eram imputadas.
Dessa prova, resulta também manifesto que o Recorrente praticou diversas condutas que implicaram o cometimento de irregularidades nos processos de licenciamento. Igualmente, face à prova reunida evidencia-se ter o Recorrente exigido a vários comerciantes o pagamento de dinheiro “a troco” de uma alegada intervenção favorável no correspondente processo de licenciamento de ocupação da via pública.
Da prova reunida nesses autos disciplinares resulta também que foram ouvidos o participante no procedimento disciplinar, diversas testemunhas e foram coligidas provas documentais. Quanto às testemunhas arroladas na defesa do trabalhador, foram notificadas para serem ouvidas ou foi dada a oportunidade de o A. as apresentar audição. Se tal audição não ocorreu, foi porque as testemunhas não compareceram para esse efeito. Da prova reunida no procedimento disciplinar é possível também concluir terem havido SMS enviados e recebidos, que visavam a exigência e a entrega do dinheiro e que ocorreu uma detenção em flagrante delito, visando o ora Recorrente, por agentes da Policia de Investigação Criminal, quando estava a receber em mão o valor de €250,00. Foi também averiguada a existência de processos de licenciamento em que o ora Recorrente terá exarado uma aprovação ilegal, por a competência para tal pertencer ao Presidente da JFB.
Portanto, face aos factos provados nestes autos, é manifesto que o procedimento disciplinar incluiu as diligências instrutórias legalmente exigíveis e consideradas pelo instrutor do procedimento como as necessárias e suficientes – cf. art.ºs. 212.º, 213.º e 218.º da LGTFP.
Nestes termos, face à prova feita nos autos não resulta existir, no caso, qualquer défice de instrução procedimental.
No restante, a circunstância de a informação da PSP que vem referida no facto 13. - relativa ao registo de ocorrência que levou à detenção em flagrante delito do ora Recorrente - não ter sido recebida e inclusa no procedimento disciplinar, por si só, não implica a omissão de uma diligência instrutória essencial para a descoberta da verdade. Aliás, sem embargo desta invocação pelo Recorrente, das suas alegações não resulta minimamente indicado em que medida é que a junção desta informação poderia influir na decisão tomada, invertendo-a.
Quanto à alegada relevância que este registo teria para o instrutor do procedimento disciplinar, não vem provada nos autos. Ou seja, face à prova feita nos autos apenas deriva que o instrutor do procedimento julgou que o recebimento de tal registo não seria essencial ou fundamental à instrução completa do procedimento, pelo que elaborou o relatório final sem esperar pelo seu recebimento. Assim, a conclusão pela essencialidade da junção ao procedimento disciplinar de tal registo de ocorrência configura, apenas, uma percepção do A. e Recorrente, invocada neste recurso e não uma circunstância que esteja efectivamente provada, por o indicado instrutor ter afirmado essa essencialidade ou por ter tido qualquer comportamento que assim o indicasse.
Quanto à alegada não audição dos funcionários que intervieram nos licenciamentos, para além das testemunhas ouvidas e para além das arroladas pelo A. e Recorrente, também não se antevê como possa implicar a omissão de uma diligência instrutória essencial para a descoberta da verdade, porquanto dos factos apurados já resultava que o A. e Recorrente teria aprovado ilegalmente certos licenciamentos, por a respectiva competência pertencer ao Presidente da JFB.
No que concerne às provas mais substanciais sobre o alegado recebimento de dinheiro pelo trabalhador visado, não seriam, manifestamente, necessárias, atendendo a toda a prova já reunida no procedimento disciplinar.
No demais, a circunstância de o A. e Recorrente exigir a comerciantes dinheiro a troco de uma intervenção favorável nos licenciamentos de ocupação na via pública configura, só por si, uma irregularidade nesses processos de licenciamento que terá, necessariamente, que ser imputada ao A. e Recorrente.
Quanto às alegadas diligências que o A. e Recorrente diz estarem em falta – relativas à averiguação da possibilidade legal de os processos de licenciamento avançarem com a cobrança das respectivas taxas apenas por decisão sua e sem que fizesse tramitar o procedimento por forma a existir o despacho do Presidente da JFB – não se vislumbra em que medida tal conclusão não resulta já evidenciada dos factos coligidos no procedimento disciplinar e nomeadamente dos inclusos nos pontos 18 e 19 da acusação e suportados pelos docs. 39, 40, 41, 78, 79, 80, 90 a 94 e 97 dos autos disciplinares e respectivo anexo. Ou seja, atendendo à averiguação que foi determinada fazer pelo trabalhador I…. e ao apuramento dos processos que não tiveram prévio despacho do Presidente da JFB e seguiram para cobrança de taxas, fica provado o facto constante do ponto 34.3 do relatório final, que, manifestamente, não exigiria mais averiguações acerca do enquadramento abstracto e legal da questão.
No que concerne a eventuais falhas de outros trabalhadores da JFB que intervinham na fase da cobrança das taxas - por não validarem o trabalho feito pelo A. e Recorrente e não apontarem a falha de procedimento por falta de aprovação do licenciamento pelo Presidente da JFB - é algo que irreleva para a punição do A., por não desonerá-lo da exigência de cumprir a sua obrigação de trabalho de forma correcta.
Ou seja, atendendo ao acervo de factos reunidos no procedimento disciplinar, dados por provados nos presentes autos, não só não existirá, no caso, nenhum défice de instrução, como estará claramente provada a ilicitude da conduta do A. e Recorrente, que deu origem à punição disciplinar.
Portanto, também quanto a esta alegação há que confirmar a decisão recorrida, designadamente quando aí se diz o seguinte: ”impõe-se, neste desiderato, distinguir duas situações: é que, na verdade, e tal como denota, com acerto, a Requerida, o Requerente vem, ao abrigo da pretensa “omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade”, questionar também o mérito da decisão disciplinar proferida, no sentido de que a mesma não se encontraria fundada na prova produzida, circunstância que não traduziria já um qualquer deficit instrutório, mas antes um efectivo vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Vejamos então:
Primo, e no que tange ao argumento de as testemunhas inquiridas serem supostas vítimas, não logra este Tribunal vislumbrar em que medida é que tal se poderá afigurar pertinente para concluir por uma qualquer omissão de diligências pela Requerida.
Na verdade, a LGTFP – e, em concreto, o seu artigo 212.º, n.º 1 – não prevê o estatuto de vítima, limitando-se a estabelecer que “O instrutor faz autuar o despacho com a participação ou queixa e procede à instrução, ouvindo o participante, as testemunhas por este indicadas e as mais que julgue necessárias, procedendo a exames e mais diligências que possam esclarecer a verdade e fazendo juntar aos autos o certificado de registo disciplinar do trabalhador”.
Ora, sendo certo que a prova testemunhal é genericamente admissível em direito e, maxime, no âmbito de procedimentos disciplinares e inexistindo motivos para que as pessoas que foram ouvidas em sede de procedimento disciplinar não sejam qualificadas como testemunhas, em sentido próprio, não se alvitra se, e em que medida, é que a factualidade que pelas mesmas é descrita careceria de ser “confirmada” por qualquer outro meio de prova, como sejam outras testemunhas ou, até, prova documental (as referidas mensagens e chamadas telefónicas ou o registo de ocorrência da alegada detenção em flagrante delito do Representado).
A produção de tal prova teria, certamente, por efeito robustecer as declarações já colhidas às testemunhas inquiridas mas a sua omissão não poderá certamente ter por efeito um qualquer deficit instrutório gerador de nulidade insuprível do procedimento disciplinar: a colher, tal entendimento carrearia à irrelevância da própria prova testemunhal, o que, como se antecipa, não é de aceitar.
Secundo, e relativamente ao argumento de que a Requerida não teria demonstrado a existência de irregularidades em processos de licenciamento em que o Representado terá actuado, dir-se-á tão-somente que, diversamente do que aventa o Requerente, da prova produzida no âmbito do procedimento disciplinar sub judice decorre, efectivamente, a existência de um conjunto de processos de licenciamento irregulares em que o Representado esteve envolvido – isto mesmo resulta dos elementos documentais a que se alude no ponto 16. da matéria de facto assente bem como, desde logo, do depoimento da testemunha I……, o qual confirmou que “existem processos regularmente instruídos, ou seja, com despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém, e, ao invés, outros em que esse despacho não se encontra presente”, sendo que “Nestes casos irregulares, o arguido não colocava o processo por escrito à consideração do Presidente da junta de Freguesia de Belém, dando logo nota aos serviços para avançar com a cobrança das taxas de licenciamento, validando assim a ocupação pública” (cf. facto 12. firmado supra).
O entendimento que antecede não resulta prejudicado pela circunstância de, conforme alega o Requerente, o Representado não deter poder de decisão sobre o resultado dos requerimentos realizados pelos interessados: conforme é reconhecido pelo próprio Requerente e foi, desde logo, transmitido ao Representado quando da sua inquirição, mais constando tal informação do relatório final emitido (cf. factos 12. e 24. firmados supra), a factualidade que lhe é imputada não se encontra adstrita à detenção, pelo Representado, de tais competências, antes se bastando com a “Exigência de dinheiro aos comerciantes que detêm licenças de ocupação do espaço público, para manterem as respectivas licenças”, o “Recebimento de pagamentos efetuados com o objectivo supra mencionado” e a “Existência de irregularidades em diversos processos de licenciamento indevidamente aprovados pelo arguido sem o competente despacho do Presidente da Junta de Freguesia de Belém”, o que viria a ser considerado provado pela Requerida.
Pelo que também neste contexto não é possível antecipar uma qualquer invalidade da decisão proferida pela Requerida, com base em tais fundamentos”.

Quanto ao alegado erro decisório porque os factos que estão na base do procedimento disciplinar estão a ser averiguados no P. 131/17.8SWLSB, que corre no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que ainda não transitou em julgado, claudica manifestamente por ser entendimento pacifico na jurisprudência e doutrina que o procedimento disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, podendo prosseguir independentemente deste (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs.do STA n.º 047146, de 21-09-2014, n.º 01079/09, de 27-01-2011, n.º 0223/08, de 07-01-2008, do TCAS n.º 927/12.7BEALM, de 28-06-2018, n.º 03670/99, de 26-06-2008, n.º 0142/05, de 21-04-2005, n.º 0856/03, de 09-10-2003, n.º 037476, de 18-02-1999, ou do TCAN n.º 00804/11.9BECBR, de 03-11-2017. Na doutrina, vide, ABREU, Luís de Vasconcelos - Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 1993, pp. 32-33. MOURA, Paulo Veiga e e ARRIMAR, Cátia, Comentários, op. cit., p. 515. NEVES, Ana Fernanda - O Direito da Função Pública. Em Tratado de Direito Administrativo Especial. Coord. OTERO, Paulo; GONÇALVES, Pedro. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 527. CARVALHO, Ana Sofia de Magalhães e – Responsabilidade Criminal e Procedimento Disciplinar, in CEJ - Direito das Relações Laborais na Administração Pública [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2018 [Consult. 12 jun.2019]. Disponível em WWW:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_DRLAP_2018.pdf>.p. 682-687).
Conforme se explica no Ac. do STA n.º 0856/03, de 09-10-2003, “o processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, uma vez que, não obstante a aplicação ao processo disciplinar (como, de resto, a todos os processos de natureza sancionatória), a título subsidiário, de normas ou princípios do direito criminal, são diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdições, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo pois ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias (cfr., por todos, os Acs. deste STA de 24.01.2002 – Rec. 48.147, e do Pleno de 03.04.2001 – Rec. 29.864) Cfr., na doutrina, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, p. 38, Marcelo Caetano, Manual, I, p. 803, e Parecer da PGR publicado no DR, II Série, de 29.04.84.
Trata-se, assim, de processos distintos e autónomos, sendo o procedimento disciplinar independente do apuramento e sancionamento eventualmente feito sobre os mesmos factos em processo criminal.
(…) Na verdade, a ponderação e o juízo decisório, perante os elementos do processo disciplinar, da existência de razões suficientes para entender verificada a inviabilização da manutenção da relação funcional, pressuposto nuclear da aplicação das penas expulsivas, maxime da pena de demissão, situam-se, naturalmente, e em exclusivo, no âmbito do processo disciplinar.
Ponderação essa que se concretiza, aliás, através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação, sendo que só os erros manifestos de apreciação na determinação de tais juízos importam a violação de lei que ao tribunal cabe sindicar.
A existência de ilícito disciplinar não está pois prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser, tomada em processo penal.”

Da mesma forma, claudica o invocado erro de julgamento por, no caso, ocorrer a violação do princípio da proporcionalidade, porque o A. e Recorrente tem a seu favor a circunstância atenuante especial que vem art.ºs 190.º, n.º 2, al. a) da LGTFP.
As sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas pelas infracções que cometam são as seguintes: a) Repreensão escrita; b) Multa; c) Suspensão; d) Despedimento disciplinar ou demissão – cf. art.º 180.º, n.º 1, da LGTFP.
A sanção de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado, cessando o vínculo de emprego público, sendo aplicável em caso de infracção que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público - cf. art.ºs 181.º, n.º 6 e 187.º da LGTFP.
O art.º 297.º, n.º 3, al. a), da LGTFP estabelece o seguinte: “Constituem infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo, nomeadamente, os comportamentos do trabalhador que: a) Agrida, injurie ou desrespeite gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em serviço ou nos locais de serviço”.
Determina o art.º 189.º da LGTFP, sob a epígrafe “Medida das sanções disciplinares” que Na aplicação das sanções disciplinares atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 184.º a 188.º, à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”.
Por seu turno, no art.º 190.º da LGTFP indicam-se as circunstâncias dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar, aí se estipulando no n.º 2 que “São circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar: a) A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo; b) A confissão espontânea da infracção; c) A prestação de serviços relevantes ao povo português e a actuação com mérito na defesa da liberdade e da democracia; d) A provocação; e) O acatamento bem intencionado de ordem ou instrução de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência. 3. Quando existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do trabalhador, a sanção disciplinar pode ser atenuada, aplicando-se sanção disciplinar inferior”.
Na determinação da medida da pena a Administração tem de atender aos critérios legais, às circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes.
No âmbito da sua actividade, a Administração deve obediência ao princípio da proporcionalidade. Sendo um limite interno da actividade administrativa, este princípio releva autonomamente na apreciação da actividade administrativa discricionária, exigindo que as decisões tomadas sejam as mais adequadas, justas ou consentâneas com os fins que se querem realizar – cf. art.sº 266.º, n.º 2, da CRP e art.º 7.º do Código de Procedimento Administrativo.
Porém, frente a condutas discricionárias, a aplicação daquele mesmo princípio pela Administração só se torna sindicável judicialmente em situações de erro manifesto, grosseiro ou de facto.
Assim, porque a decisão acerca da medida da pena concretamente aplicável ao ora Recorrente apela a competências discricionárias da Administração - por só a ela caber, no leque das várias soluções legalmente possíveis, aferir a que mais se coaduna com o interesse público em causa e os fins que se pretendem atingir com a decisão punitiva - a invocação da violação do princípio da proporcionalidade é aqui sindicável apenas quando se reconduza à invocação de erro manifesto, grosseiro ou de facto.
Neste sentido existe uma abundante a jurisprudência superior, v.g, os Acs. do STA n.ºs. 0548/16, de 03-11-2016, 0245/14, de 12-03-2015, 622/11, de 15-11-2012, 412/05, de 29-03-2007, 0329/04, de 03-11-2004, 048149, de 07-02-2002 ou 40579, de 29-04-1999.
Por conseguinte, frente à invocação da violação do princípio da proporcionalidade relativamente a um acto punitivo, por a medida da pena ser excessiva, o Tribunal terá de apurar acerca da manifesta desproporcionalidade ou da evidente injustiça e não que aquilatar, em substituição do poder que pertence unicamente à Administração, acerca da medida que, em termos concretos, no leque das soluções legalmente possíveis, melhor salvaguarda o interesse público, porque seja a mais adequada à gravidade dos factos apurados, a mais consentânea com os fins que se pretendam atingir e, em simultâneo, a que introduza menor sacrifício dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares envolvidos.
Ora, atendendo aos factos provados na acção, não ocorrerá a indicada manifesta desproporcionalidade na aplicação da pena disciplinar de demissão.
Como se refere, e bem, na decisão recorrida, no caso, “há que entender que os factos pelos quais o Representado vem acusado se revelam suficientemente graves para justificar o juízo que pela Requerida foi tecido, no sentido da inviabilização da manutenção do vínculo de emprego público existente, o qual se mostra, assim, perfeitamente razoável – isto independentemente de, até, pelo menos, 28.02.2018, não lhe terem sido aplicadas quaisquer penas disciplinares ou atribuídos quaisquer louvores (cf. facto 33. firmado supra).”
Em suma, no caso presente não está verificado o requisito fumus boni iuris que permita o deferimento do requerido pedido de suspensão de eficácia.
Atendendo às alegações do A. e Recorrente e à matéria de facto apurada, o que ocorrerá nos presentes autos será, ao invés, uma situação de fumus malus, por se indiciar com grande segurança que a pretensão do A. e Recorrente é falha em termos de bom direito.
Logo, foi certa a decisão recorrida, quando na ausência do critério fumus boni iuris fez claudicar, de imediato, a pretensão do A. e Recorrente, sem apreciar das demais circunstâncias que fundariam o critério periculum in mora.
Porque para o deferimento da providência requerida se exigia a verificação cumulativas daqueles dois critérios, o claudicar de um faz improceder, de imediato, a providência, tornando-se desnecessário averiguar dos restantes critérios legais.
Em conclusão, o presente recurso improcede in totum, havendo de confirmar-se a decisão recorrida na sua fundamentação e no seu sentido decisório, porque está inteiramente certa.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Julho de 2019.
(Sofia David)

(Helena Telo Afonso)

(Pedro Nuno Figueiredo)