Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:444/06.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:METODOS INDIRECTOS
RECLAMAÇÃO PRÉVIA
PUBLICAÇÃO DESPACHO DELEGAÇÃO PODERES
Sumário:I. De acordo com o preceituado nos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1, do CPPT, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria colectável – cfr. artigos 91.º a 94.º da LGT).
II. Ainda que o contribuinte não tenha sido expressamente advertido pela Administração Tributária na notificação da decisão de determinação da matéria colectável com recurso s métodos indirectos, a imposição legal do meio gracioso de impugnação desse acto não pode ser dispensado pelo Tribunal.
III. A lei não exige, como resulta da leitura das diversas alíneas do n.º1 do artigo 123.º do CPA, que do acto conste a referência ao Diário da República no qual foi publicada a delegação/ subdelegação de poderes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A... e A... vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a Impugnação por ambos deduzida contra as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) de 2003 e 2004.

2. Os Recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I - Mal andou a douta sentença ao decidir que os recorrentes podiam requerer a revisão da matéria tributável, nos termos do disposto nos artigos 91.° e seguintes da Lei Geral Tributária, porquanto da notificação que lhe foi dirigida não tinha que constar a informação de que dessa revisão depende a posterior impugnação judicial das liquidações, nos termos do disposto no artigo 117.° do Código de Procedimento e de Processo.

II - Todavia «A impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos da determinação da matéria colectável por métodos indirectos não depende da prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos artigos 84.°, n.° 3 e 136.°, n.° 1 do Código do Processo Tributário».

III - A douta sentença deveria reconhecer que a administração fiscal tinha que especificar concretamente os fundamentos que levaram à aplicação de métodos indirectos.

IV - Os recorrentes entendem que foi violado o regime previsto no artigo 77.°, n.° 4 da Lei Geral Tributária, ao contrário do doutamente decidido.

V - Cabia à Administração Fiscal demonstrar, sem margem para dúvidas, que o recurso aos métodos indirectos eram legítimos, o que não parece ter sucedido, ao contrário do que se decidiu na douta sentença recorrida.

VI - A mesma sentença decidiu que foi notificado aos ora recorrentes o douto despacho que delegou os poderes, não sendo a Administração Fiscal obrigada a indicar o local onde se encontra publicado o despacho, pelo que foi violado o regime dos artigos 37.° e 38.° do Código do Procedimento Administrativo.

Termos em que:

Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, ou, caso assim não seja entendido, ordenada a baixa dos autos, à l.ª instância, para renovação da prova, relativamente à correcta contabilização dos exercícios de 2003 e 2004 rectificados.

Assim se fará BOA JUSTIÇA»

3. A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 117 a 120 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 684.º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito (i) por a prévia reclamação para a comissão de revisão como condição de impugnabilidade de actos tributários com fundamento em erro nos pressupostos do recurso a métodos indirectos só é exigível se o contribuinte foi prévia e expressamente advertido de que dessa revisão depende a posterior impugnação judicial das liquidações; (ii) por o erro nos pressupostos de facto não depender de prévia reclamação; (iii) por preterição de formalidade relativa à indicação do local onde se encontra publicado o despacho de concordância do o Relatório de Inspecção Tributária (RIT).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. Os impugnantes foram sujeitos a fiscalização externa referente aos exercícios de 2003 e 2004 no âmbito da qua foi elaborado o relatório junto a fls. 13 e segs.. do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

2. Analisada a contabilidade e elementos declarativos do sujeito passivo, verificaram os SPIT haver indícios de omissões de declaração de vendas e prestação de serviços, pelo que não é possível a quantificação directa e exacta do lucro tributável (fls. 19 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3. Pelo que a matéria colectável foi corrigida com recurso à avaliação indirecta.

4. Sobre o relatório recaiu despacho com o seguinte teor: Concordo. Confirmo as correcções nos termos propostos à margem, nomeadamente o recurso à aplicação de métodos indirectos em matéria de IRS e das consequências para efeitos de IVA (...)

a. Assinado pelo chefe de divisão, por delegação do Director de Finanças (fls. 15 e segs.. do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)

5. O despacho de delegação de competência foi publicado no DR, II de 15 de Março de 2005 (fls. 58 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. A notificação do relatório final mencionava a possibilidade de ser solicitada a revisão da matéria tributável (fls. 2 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. Mas não constava a informação de que dessa revisão depende a posterior impugnação judicial liquidações.

7. Não foi pedida a revisão da matéria tributável.

FACTOS NÃO PROVADOS.

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

MOTIVAÇÃO.

A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.»


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2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada, cumpre, então, entrar na analise das questões suscitadas no recurso jurisdicional.

2.1. Os Recorrentes alegam na conclusão I da alegação de recurso que mal andou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ao decidir que os recorrentes podiam requerer a revisão da matéria colectável, nos termos do disposto nos artigos 91.º e segs. da Lei Geral Tributária (LGT), porquanto da notificação que lhe foi dirigida não tinha que constar a informação de que dessa revisão depende a posterior impugnação judicial das liquidações.

O Mmo. Juiz a quo sobre esta matéria ponderou o seguinte:

Mas os impugnantes alegam não terem requerido revisão porque a notificação que lhe foi dirigida não continha a informação de que dessa revisão dependia a posterior impugnação judicial.

Não mencionou nem tinha que mencionar. Conforme resulta do Art.° 36°/2 do CPPT, as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e os meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado.

Essa função foi cumprida, não impondo a lei a informação sobre os efeitos da omissão.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto dada como provada que a Administração Tributária, na sequência de uma acção de fiscalização externa, relativa aos exercícios de 2003 e 2004, que incidiu sobre o IRS, concluiu haver indícios de omissões de declaração de vendas e prestação de serviços, pelo que não sendo possível a quantificação directa e exacta do lucro tributável, foi a matéria colectável corrigida com recurso à avaliação indirecta (cfr. pontos 1, 2 e 3 do probatório).

A notificação do RIT aos ora Recorrentes mencionava a possibilidade de ser solicitada a revisão da matéria colectável, não tendo a mesma sido pedida (pontos 6 e 7 do probatório).

Diga-se, desde já, que os Recorrentes não têm razão.

De acordo com o preceituado nos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1, do CPPT, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria colectável – cfr. artigos 91.º a 94.º da LGT).

Ainda que o contribuinte não tenha sido expressamente advertido pela Administração Tributária na notificação da decisão de determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, a imposição legal do meio gracioso de impugnação desse acto não pode ser dispensado pelo Tribunal.

Sobre questão semelhante à ora em apreço já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 26/03/2014, proc. n.º 01613/13, que por economia de meios, aderindo ao seu discurso fundamentador, com a devida vénia, transcrevemos:

«Compreende-se a frustração dos contribuintes ao ver-se-lhes negado o direito à apreciação do mérito da impugnação deduzida por não terem previamente reclamado da decisão de fixação da matéria tributável apurada por métodos indirectos para a comissão de revisão a que se refere o artigo 91.º da Lei Geral Tributária. E admite-se até que, se soubessem que tal reclamação era condição da posterior impugnação dos actos de liquidação com fundamento na errónea quantificação da matéria tributável e dos pressupostos de recurso a tais métodos, não teriam deixado de apresentar prévio pedido de revisão. Terão, contudo, visto precludir o seu direito de impugnação dos actos tributários com aqueles fundamentos por desconhecimento das regras processuais tributárias, que não por incumprimento de qualquer dever por parte da Administração, pois que a lei, se obriga à notificação dos meios de defesa e prazos para reagir contra o acto notificado (cfr. o n.º 2 do artigo 36.º do CPPT), a mais não a obriga, a não ser que o contribuinte lhe solicite esclarecimentos adicionais ao abrigo do seu direito à informação (artigo 59.º n.º 3 da Lei Geral Tributária).

Claro está que se tal informação for prestada aos contribuintes pela Administração tributária tanto melhor, pois que, não obstante a ignorância da lei não justificar o seu incumprimento (artigo 6.º do Código Civil), a complexidade da legislação processual fiscal é tal que por vezes nem os profissionais do foro se apercebem das suas especificidades, quanto mais os contribuintes que não disponham de assessoria jurídica especializada.

Não está, porém, na disponibilidade do Tribunal apreciar ou não a impugnação consoante tenha ou não sido previa e expressamente comunicado ao contribuinte que a impugnação de actos tributários cuja matéria tributável foi apurada por métodos indirectos depende de prévia reclamação para a comissão de revisão, pois que tal condição resulta expressa e inequivocamente da lei (artigos 117.º n.º 1 do CPPT e 86.º n.º 5 da LGT), só podendo e devendo ser afastada nos casos em que não se reconheça ao impugnante legitimidade para tal pedido prévio (como se admitiu ser o caso do responsável subsidiário no acórdão deste STA de 2 de Março de 2011, rec. n.º 984/10, não sendo, porém, tal posição a que veio a ser assumida no Pleno da Secção – cfr. o acórdão do Pleno de 17 de Março de 2011, rec. n.º 876/09 – antes se reconhecendo legitimidade ao responsável subsidiário para o pedido de revisão, contado o prazo para a sua dedução da data da citação do executado por reversão), o que manifestamente não é o caso dos autos em que, além do mais e como resulta do probatório fixado (cfr. o seu n.º 4), os contribuintes foram advertidos de que o meio que tinham ao seu dispor para questionar a avaliação indirecta era o de solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de Finanças da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias (…).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Termos em que, sem mais por despiciendos, improcede a conclusão I da alegação de recurso.

2.2. Alegam os Recorrentes nas conclusões II, III, IV e V, que a impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos da determinação da matéria colectável por métodos indirectos não depende de prévia reclamação e que a sentença deveria reconhecer que a Administração Tributária não tinha especificado concretamente os fundamentos que levaram à aplicação de métodos indirectos, e que ao contrário do decidido foi violado o artigo 77.º, n.º 4 da LGT.

Vejamos, então.

O Mmo. Juiz a quo para decidir que se mostra precludido o direito de questionar validamente os fundamentos da quantificação ou os fundamentos para recurso à avaliação directa, expendeu o seguinte:

Nos termos do artigo 86 n.° 3 da LGT, avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação.

Por seu turno, diz o n.° 5 do mesmo artigo que em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável , a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta, depende da prévia reclamação nos termos da presente lei.

Comentando este artigo escreve António Lima Guerreiro in "Lei Geral Tributária Anotada", 2000, Rei dos Livros, pp. 367 e segs: O número 5 acolhe a regra do artigo 84 n.° 3 do CPTde a reclamação da matéria tributável ser condição da impugnação judicial do acto tributário, com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável. Simplesmente, alargou a obrigatoriedade da reclamação, que apenas abrangia a reclamação da fixação da matéria tributável com fundamento em erro na quantificação (...) àprópria decisão de aplicação dos métodos indirectos"

Também o artigo 117/1 do CPPT dispõe que salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.

Em anotação, Jorge Lopes de Sousa (in "Código de Procedimento e de Processo Tributário" anotado, 3ª ed. 2002, "Vislis", pp. 579 e segs.) escreve: Como se conclui do n.° 1 deste art 117º e do n.° 5 do art. 86 da LGT, não são apenas as questões relativas à quantificação da matéria tributável que podem constituir objecto do procedimento de revisão, podendo sê-lo também as questões relativas à existência dos pressupostos da utilização de métodos indirectos"

E mais adiante acrescenta: Essa inimpugnabilidade, porém, como a obrigatoriedade de requerer a revisão, existirá não só em relação às questões de carácter técnico, mas também relativamente às questões jurídicas atinentes à ocorrência dos pressupostos da utilização de métodos indirectos, pois o conhecimento destas questões jurídicas também é incluído no âmbito do procedimento de revisão (n.° 14 do art. 91 da LGT).

Ou seja, quando haja avaliação indirecta, se o sujeito passivo pretende impugnar a quantificação ou os fundamentos para recurso a essa avaliação, deve lançar mão, pre- viamente, do procedimento de revisão, salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto recurso hierárquico com efeitos suspensivo.

Não o fazendo, fica precludido o direito de questionar validamente estes fundamentos.

Adiantamos, desde já, que o assim decidido merece a nossa inteira concordância.

Decorre do artigo 54.º do CPPT o princípio de impugnação unitária, que é transversal ao ordenamento jurídico-tributário, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, na qual pode ser invocada qualquer ilegalidade desta.

De acordo com o preceituado no artigo 268.º, n.º 4 da CRP não pode deixar de admitir-se a possibilidade de impugnação contenciosa de todos os actos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

A 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 86.º da LGT repete a regra de que na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, porém, quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, essa possibilidade de invocar qualquer ilegalidade sofre uma limitação, pois, não há a possibilidade de invocar ilegalidades quanto a matérias que foram objecto de revisão relativas à fixação por acordo da matéria colectável determinada por métodos indirectos.

No entanto, ao caso dos autos, em que não foi apresentado pedido de revisão da matéria colectável, devemos chamar à colação os n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 86.º da LGT, que dispõem o seguinte:

«2 – A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previsto para a sua revisão.

3 – A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação. (…)

5 – Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei.»

Do disposto nos nºs. 2, 3 e 5 do artigo 86.º da LGT resulta que a liquidação que tem origem na avaliação da matéria tributável por métodos indirectos só é impugnável após procedimento de revisão, no caso de o fundamento ser o erro nos pressupostos da utilização da avaliação indirecta ou no erro na sua quantificação, ou seja, antes da sindicância jurisdicional do acto, deve ser utilizada a prévia reclamação, onde é ainda a administração tributária que aprecia da legalidade do acto (artigos 117.º, n.º 1 do CPPT e 86.º, n.º 5 e 91.º e segs. da LGT).

Neste sentido decidiu, entre muitos, o Acórdão do STA de 26/06/ 2013, proferido no processo n.º 0216/13, a cuja fundamentação aderimos sem reversas, e com a devida vénia transcrevemos o seguinte excerto: Na verdade a lei – art. 86.º, n.º 5, da LGT («Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei») e art. 117.º, n.º 1, do CPPT («Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.».) – fixa uma condição para a impugnação com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável: a prévia reclamação, nos termos dos arts. 91.º a 94.º da LGT. Esta prévia reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão passe logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a AT e o sujeito passivo acerca da matéria tributável. Na verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, «que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respectivos pressupostos de facto» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.), como decorre do n.º 14 do art. 91.º da LGT («As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo»).; o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia claramente o art. 117.º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em «erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos» depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos. (vide, entre muitos, ac. do STA de 0499/16, processo n.º 0499/16, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Por tudo o exposto, só nos resta concluir que a sentença andou bem e deve também ser mantida.

Nesta conformidade, improcede neste segmento as conclusões da alegação de recurso.

2.3. A última questão a apreciar suscitada na conclusão VI da alegação de recurso respeita à falta de indicação do local onde se encontra publicado o despacho de poderes no Chefe de Divisão que proferiu despacho de concordância sobre o conteúdo do RIT, invocando os Recorrentes a violação do disposto nos artigos 37.º e 38.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

A sentença sob recurso apreciou e decidiu a questão nos seguintes termos:

O despacho de concordância sobre o conteúdo do relatório foi proferido pelo Chefe de Divisão, com delegação de poderes do DF.

No despacho está mencionada a delegação de poderes, cumprindo assim o que determina o Art.° 38° do CPA: o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação. Nada mais exige a lei, designadamente não exige a indicação do local onde foi publicado o despacho de delegação de competências (Art.° 36°/2 do CPPT).

Assim, estando demonstrada a prática do acto por órgão com competência delegada para o efeito, não se verifica qualquer incompetência.

Acompanhamos sem reservas o decidido pela primeira instância.

Este Tribunal Central Administrativo Sul já decidiu questão idêntica em acórdão de 30/04/2014, proferido no processo n.º 06580/13, que por economia de meios e por sufragarmos o seu discurso fundamentador transcrevemos a passagem relevante:

Ao referir-se à circunstância de não constar do despacho qualquer referência ao órgão subdelegante e, bem assim, ao Diário da República onde se mostra publicada a subdelegação de poderes, o Recorrente reporta-se às referências que devem constar do próprio acto e não apenas da sua notificação (sabido que o acto administrativo e o acto da sua notificação são realidades diferentes).

Ora, a previsão das menções obrigatórias que devem sempre constar do acto, encontra-se consagrada no artigo 123º, nº1 do CPA. Em concreto, a alínea a) de tal norma refere a indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista. Trata-se de uma menção obrigatória que está em consonância com o disposto no artigo 38º do CPA, nos termos do qual o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação.

Tal menção da qualidade em que actue o autor do acto deve, pois, assumir uma formulação do tipo “por delegação de …”, que o delegado ou subdelegado deve apor nos actos que pratique, permitindo “aos destinatários destes determinar, no caso de contra eles pretenderem reagir, quais os meios de que devem ou podem servir-se para o efeito” - Mário Esteves de Oliveira e outros, in CPA, comentado, 2ª edição, Almedina, págs. 225 e 226.

No entanto, a lei não exige, como resulta da leitura das diversas alíneas do nº1 do artigo 123º do CPA, que do acto conste a referência ao Diário da República no qual foi publicada a delegação/ subdelegação de poderes. A este propósito, refere J. Lopes de Sousa, “É requisito do acto a menção da delegação ou subdelegação de poderes e não também a indicação do Diário da República em que foi publicado o despacho de delegação ou subdelegação” – in, CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. I, pág. 344. No mesmo sentido, embora criticando a solução legal de não exigência da indicação do local da publicação do acto de delegação ou subdelegação de poderes, aponta Mário Esteves de Oliveira e outros, na obra citada, pág. 583.

Temos, pois, no caso concreto, um despacho que indica o seu autor – o Subdirector-Geral, ... – e, bem assim, a indicação de que actuou com poderes subdelegados, sem que, porém, se indique o órgão delegante - “por delegação de …” – o que, entendemos, não poder deixar de se considerar exigido na menção à delegação ou subdelegação de poderes, a que se reporta a referida alínea a), do nº1 do artigo 123º do CPA.

Contudo, “A exigência da menção de o acto ter sido praticado por delegação ou subdelegação de poderes – se for caso disso, é evidente – não é um elemento essencial do acto administrativo. Nem sequer é um requisito da sua validade (…).” - Mário Esteves de Oliveira e outros, obra citada, pág. 583. Em idêntico sentido - Freitas do Amaral, colaboração de Lino Torgal, in “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 252 e pág. 418 - “Por ocultarem elementos que dificultam a sua integral compreensão pelo destinatário ou destinatários, são irregulares os actos que, praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, não mencionem a existência dessas delegações ou subdelegações”.

Na verdade, e apesar de o artigo 123.º do CPA dispor sobre as menções obrigatórias do acto administrativo, não são uniformes as consequências da falta de uma(s) ou outra(s). Com efeito, e como é jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, a falta de menção do uso de delegação de poderes (que aqui, como vimos, nem sequer se verifica integralmente, já que é feita menção à subdelegação, não obstante não se indicar o subdelegante), degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) se não afectou nem prejudicou os direitos de defesa, como é o caso em análise, em face da dedução da impugnação judicial do indeferimento do recurso hierárquico (v., entre outros, Ac. de 21.3. 85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23.10.97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30.1.2002, rec. 46135, Ac. de 21.01.03, rec. 44491, todos do STA). (disponível em www.dgsi.pt/)

No caso dos autos, no despacho foi mencionada a delegação de poderes, cumprindo, assim, do disposto no artigo 38.º do CPA, e o despacho de delegação de competências no Chefe de Divisão foi publicado no DR, II Série, de 15/03/2005, em data anterior ao despacho de concordância com o RIT, proferido em 05/10/2006, conforme decorre dos pontos 4 e 5 do probatório.

Face ao exposto, improcede a conclusão VI da alegação de recurso.

Daí que na improcedência das conclusões in totum da alegação dos Recorrentes, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


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Conclusões/Sumário:

I. De acordo com o preceituado nos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1, do CPPT, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria colectável – cfr. artigos 91.º a 94.º da LGT).

II. Ainda que o contribuinte não tenha sido expressamente advertido pela Administração Tributária na notificação da decisão de determinação da matéria colectável com recurso s métodos indirectos, a imposição legal do meio gracioso de impugnação desse acto não pode ser dispensado pelo Tribunal.

III. A lei não exige, como resulta da leitura das diversas alíneas do n.º1 do artigo 123.º do CPA, que do acto conste a referência ao Diário da República no qual foi publicada a delegação/ subdelegação de poderes.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos Recorrentes, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

Lisboa, 29 de Abril de 2021.


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A Juíza Desembargadora,

Maria Cardoso

(assinatura digital)


(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).