Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2446/11.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO ACÓRDÃO NO ÂMBITO DE RECURSO DE REVISTA.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I) Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado, sendo que a imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619º e 628º, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

II) -Porque a arguição de nulidade do Acórdão é admissível no âmbito do recurso que foi interposto, impõe-se que o tribunal a quo se pronuncie.

III) -Só a falta de apreciação das "questões" integra a nulidade prevista no artº 615º, nº1, al. d) do CPC, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões.

III) -Tendo presente a principiologia exposta e vendo-se que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todos os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa, não é configurável a pretendida omissão de pronúncia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1.- JORGE ........., A. e Recorrente nos presentes, com os sinais dos autos, inconformado com o Acórdão que neste TCA negou provimento ao recurso que interpôs, veio interpor recurso de revista para o S.T.A. nos termos do artº 150º do CPTA, arguindo a nulidade de omissão de pronúncia do acórdão nos termos da al. d) do nº1 do artº 615º do CPC.
Contra essa arguição não se manifestou o recorrido Ministério da Administração Interna.
Colhidos os vistos legais, cumpre, pois, aquilatar se procede a arguida nulidade em vista do seu eventual via do suprimento.
*
2. É pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613º, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613º, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Ora, porque a arguição de nulidade do Acórdão é admissível no âmbito do recurso que foi interposto, impõe-se que o tribunal a quo se pronuncie.
Apreciando:
Sustenta o recorrente que o acórdão em questão é nulo, em razão do disposto no artigo 615º, n.º 1, d), do CPC que estatui ser causa de nulidade da sentença em processo judicial a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 608º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido.
O ora Recorrente alega a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por considerar que nem a sentença, nem o Acórdão se pronunciarem sobre a falsidade de um documento apócrifo com base não qual foi decidida a acção e o recurso.
Afigura-se-nos que não assiste razão ao Recorrente como decorre claramente da fundamentação do censurado aresto em que, a respeito, da omissão de pronúncia, se expendeu que:
“(…)
Nesta vertente, o recorrente edifica a tese de que o Acórdão que julgou improcedente a acção, por não provada, uma vez que a pena disciplinar aplicada ao A. não padece de qualquer vício que determine a sua nulidade ou anulabilidade, sendo que a pena de reforma compulsiva é a menos gravosa para os casos de infracção disciplinar muito grave, como a que foi praticada pelo A e que tal pena não pode ser considerada desproporcionada; como se considerou ela revela-se uma pena disciplinar adequada a assegurar a coesão, o prestígio e a confiança do serviço e o bom funcionamento do mesmo, padece de nulidade decisória.
E isso porque, considera que apesar de ter invocado perante o Tribunal a quo quer na sua p.i., quer nas Alegações que se lhe seguiram, a falsidade do teor do documento apócrifo que atestaria o abastecimento pela empresa B........., Lda. em 26-2-2001 da viatura do Recorrente com a matrícula ..-..-.. (correspondente a uma SEAT IBIZA) com 51 l de gasóleo, o qual consta de apensos V.E-221, vol 2 e fls 3060 do processo que correu pela 1ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª Secção com o nº 1594/01.9TALRS - (único suporte documental que sustentou o referido facto) o que fez nos termos e ao abrigo do artº 535° nº 1 e 2 do C.P.C., sobre tal pedido não se pronunciou a Sra. Juíza singular o que constitui nulidade nos termos do disposto no artº 668° nº 1 d) do CPC velho aplicável "ex vi" do artº 1° do CPTA expressamente arguida pelo Recorrente na sua Reclamação para a Conferência.
O recorrente insurge-se ainda contra a pronúncia do Acórdão sob recurso quanto à arguida nulidade e que considerou que a mesma não se verifica pois o reclamante apenas requer a requisição do documento "se tal for considerado necessário", mais aduzindo que "Ora, por os autos já conterem todos os elementos considerados necessários para a boa decisão da causa, a Mª Juiz entendeu não ser necessária a requisição do referido documento, não tendo, por isso que se pronunciar ” E o acórdão termina concluindo que "Assim, não se verifica qualquer nulidade ou omissão de pronúncia na medida em que a sentença pronuncia-se sobre todas as questões sobre as quais devia se pronunciar, e apenas estas".
Sustenta o Recorrente em vista da demonstração da ocorrência da nulidade decisória que arguiu, antes do mais, a falsidade do dito documento, que reputa de fulcral para a prova do referido abastecimento de 51 l de gasóleo, e sobre a falsidade arguida, nem a Senhora Juíza singular (que de resto ao contrário do que erroneamente refere o Acórdão "a quo" não emitiu qualquer entendimento sobre a desnecessidade de requisição do documento) nem o Colectivo que proferiu o douto Acórdão sob recurso, se pronunciaram sobre a questão da falsidade pelo que se verifica a nulidade por omissão de pronúncia que expressamente argui, agora nos termos do disposto no artº 615° nº 1 d) do CPC novo.
Vejamos.
Prima facie entende-se que é perfeitamente inócua a matéria que o Recorrente pretende ver aditada ao elenco dos facto provados, pelo que nenhuma omissão de pronúncia existe.
É que, em substância, o Recorrente invoca a nulidade do Acórdão, ao abrigo do artº. 615°, n° 1, al. d) do C.P.C., alegando que nele não se conheceu dos factos que elenca e que deviam ser dados como assentes com base no meio probatório que indica e foi desconsiderado, pelo que o mesmo é nulo.
Ora, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, com a delimitação dos poderes de cognição do tribunal estabelecidos no artº 5º do CPC.
E a que também se refere o art. 600º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com susceptibilidade do cometimento de nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
Também importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vide A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, tudo aponta para que o tribunal recorrido não deixou de conhecer de qualquer questão de que devesse conhecer.
Na motivação da decisão recorrida justifica-se porque não se atendeu à factualidade/meios de prova que o recorrente alega que foram postergados ou ignorados, quando, por terem sido alegados, se impunha que sobre os mesmos houvesse pronúncia do Tribunal.
Independentemente da maior ou menor validade desta argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia porque não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à imputação da conduta descrita ao arguido.
O tribunal só deve pôr de parte, como irrelevantes, aqueles factos que não interessam à decisão da causa em face de qualquer das soluções plausíveis que a questão de direito comporte, sendo que a regra de que no objecto próprio da actividade instrutória e julgamento da matéria de facto se deverem compreender somente factos úteis à solução da causa se apresenta como regra própria que tem a função de evitar que a instrução e o julgamento venham a ser sobrecarregados inutilmente com a prova e apreciação de factos sem interesse para a solução da casa e confiná-la aos seus termos essenciais: é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, o que significa que a produção de prova só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória; que o julgamento se circunscreve legalmente a apurar quais factos estão provados, o que imediatamente restringe a intervenção do tribunal ao apuramento de factos materiais; que o tribunal há-de ser perguntado sobre factos simples, e não sobre factos complexos, sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas, e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências e que o facto complexo há-de deduzir-se de factos simples.
Por assim ser, entendemos que a questão cujo conhecimento supostamente foi omitido e os factos à mesma atinentes não foi, nem devia ter sido objecto de cognição na decisão recorrida nem a esse respeito a mesma incorreu sequer em erro de julgamento sobre a matéria de facto ou padece de insuficiência probatória.
Para demonstrar essa asserção, importa aquilatar das relações entre o processo crime e o processo disciplinar e aferir se houve omissão de diligências essenciais à defesa nos termos configurados pelo recorrente.
Ora, as questões da independência entre o processo criminal e o procedimento disciplinar, bem como a relevância, no processo disciplinar, de decisões proferidas em processo crime que versaram sobre o mesmos factos, têm sido abundantemente discutidas na doutrina e na jurisprudência.
Como já observava, o Prof Eduardo Correia, in Direito Criminal II, Coimbra 1992, p.5 e Parecer da PGR nº24/95, de 07.12.1995 , “ um mesmo facto pode constituir ao mesmo tempo uma falta penal e uma falta disciplinar; mas, igualmente pode acontecer que esse facto constitua uma infracção penal sem ter o carácter de falta disciplinar e que, inversamente, um facto constitua uma falta disciplinar, sem reunir as condições de uma infracção penal (…)”.
E isto porque, a autonomia dos campos disciplinar e penal caracteriza-se, “pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios”, desde logo, “só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão disciplinar.(…).
“Na verdade, enquanto a repressão penal é exercida no interesse e segundo as necessidades da sociedade em geral, a repressão disciplinar é-o no interesse e segundo as necessidades do serviço. A sanção penal atinge o cidadão na sua liberdade e nos seus bens, a sanção disciplinar atinge o funcionário na sua situação de carreira (…). A valoração é, assim, autónoma e independente, donde resulta, pois, que a mesma conduta pode ser apreciada simultaneamente no campo penal e no campo disciplinar, sem que isso envolva violação do princípio “ne bis in idem”, que apenas funciona no âmbito de cada específico ordenamento sancionatório”.
É também jurisprudência assente do STA que “o processo disciplinar é autónomo do processo criminal, uma vez que são diversos os fundamentos e fins das respectivas penas, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias. Por isso, a existência de ilícito disciplinar não está prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal”.
“Pelo que, em princípio, torna-se irrelevante em processo disciplinar a invocação do facto de o processo crime ter sido arquivado. O invocado arquivamento ou uma eventual absolvição em processo criminal, não é factor impeditivo de a mesma conduta vir posteriormente a ser dada como demonstrada em procedimento disciplinar e se apresente violadora de determinados deveres gerais ou especiais decorrentes do exercício da actividade profissional exercida e, por isso, susceptível de integrar um comportamento disciplinarmente punível” cf., entre outros, STA de 11.12.02, rec. 38.892, 09.10.2003, rec. 856/03, 11.02.04, rec. 42.203, 15.02.04, rec. 797/04, e do Pleno de 24.01.02, rec. 48.147.
A tal respeito, pontifica o acórdão do STA, de 19.06.07, proferido no âmbito do recurso nº 01058/06, que com a devida vénia, se passa a transcrever (e que deve ser lido com as necessárias adaptações):
“(...)
O ilícito disciplinar não é, assim, um minus, mas um alliud relativamente ao ilícito criminal, sem prejuízo de algumas projecções, especialmente previstas na lei, do processo penal no ilícito disciplinar (cf. por exemplo, os artºs 4º, nº3 e artº 7º,nº3 do ED).
Tem-se discutido, a propósito, ainda da referida autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo crime, qual a repercussão que tem, no ordenamento jurídico, a decisão proferida em processo crime, e para o que aqui nos interessa, quais os efeitos do caso julgado penal (condenatório ou absolutório) no âmbito do processo disciplinar.
No nosso caso, a discussão interessa apenas relativamente ao caso julgado penal condenatório, quando este abrange os mesmos factos objecto do processo disciplinar, como é aqui o caso.
Com efeito, a questão que se suscita é tão só a de saber se a decisão a proferir em processo disciplinar terá ou não de atender à factualidade provada no processo crime, ou poderá alhear-se dessa mesma factualidade, produzindo prova, em sede disciplinar, sobre esses mesmos factos, ou seja, abrindo a possibilidade de o arguido, depois de condenado por eles, em sede criminal, voltar a discuti-los agora em sede disciplinar.
Ora, é entendimento da doutrina e da jurisprudência deste STA que pese embora a afirmada autonomia entre os dois processos, a decisão disciplinar, nesse caso, não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objecto de apreciação no processo disciplinar.
É que a autonomia apontada não pode afirmar-se em prejuízo da unidade superior dos órgãos do Estado. Daí que a absolvição em processo criminal, mesmo por falta de provas, não constitui caso julgado em processo disciplinar, já a condenação do réu em processo criminal por certos factos não pode deixar de implicar a prova desses mesmos factos em processo disciplinar. cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1972, p.39 e segs e acs. STA de 15.10.91, rec. 29.002, de 28.01.99, rec. 32.788 e de 18.02.99, rec. 37476 « A repressão disciplinar e a repressão criminal baseadas no mesmo facto, são independentes, uma vez que aquela visa a satisfação de interesses próprios de um grupo social, enquanto esta se preocupa com a defesa dos interesses essenciais da comunidade política.
As duas formas de repressão são exercidas separadamente sem que uma prejudique a outra, não envolvendo a condenação ou a absolvição numa necessariamente a condenação ou a absolvição na outra. Só assim não será, em nome da unidade superior do Estado, no caso da condenação do Réu em processo criminal por certos factos: nesta hipótese, a prova desses factos naquele processo deixa de implicar a prova desses mesmos factos em processo disciplinar». Cf. Ac. STA de 15.10.91, BMJ 410-846
Assim, «O caso julgado penal apenas abrange os factos provados (e os seus autores), já não os factos não provados», por isso, «a decisão proferida em processo penal, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito disciplinar». acs. do STA de 28.01.99, rec. 32788 e de 18.02.99, rec. 37476 e L. Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, p. 116 . ( sublinhados nossos)
Portanto, de acordo com esta doutrina e jurisprudência e em respeito do caso julgado penal ( artº 84º e 467º, nº1 do CPP, artº 673º do CPC ex vi artº 4º e artº 205º,nº2 da CRP), estava o Tribunal a quo vinculado aos factos dados por provados na decisão penal condenatória do recorrente, relevantes para a decisão destes autos, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
E, com isso, em nada fica prejudicada a tutela judicial efectiva, pois, como é sabido, os meios de defesa do arguido, em processo penal, estão particularmente assegurados e os meios de investigação, são muito mais amplos e eficazes que os existentes em processo disciplinar, pelo que não ocorre a invocada violação do nº4 do artº 268º da CRP (...) ”.
Do que vem dito conclui-se que, em sede disciplinar tem de considerar-se relevante a fundamentação de facto e de direito da decisão criminal, já transitada, por se impor à Administração e aos Tribunais aceitar o enquadramento jurídico que fundamenta tal decisão, que não pode ser enquadrada de forma distinta, uma vez que se encontra a coberto do efeito do caso julgado material, excepção dilatória de conhecimento oficioso, cfr. 495º e 406º do CPC.
De resto, o recorrente não menciona, quer na petição inicial, quer nas suas alegações de recurso que existam outros factos concretos, para além dos que se provaram na decisão penal condenatória.
Por assim ser, nenhuma censura merece o Acórdão recorrido quanto à justificação que apresentou para não se ter conhecido de tais questão e factualidade pela singela razão de que o tribunal a quo estava mesmo impedido de o fazer.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia nem, tão pouco, incorreu a sentença em erro de julgamento sobre a matéria de facto.”
Do bloco de fundamentação transcrito, resulta cristalino que o tribunal a quo se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas pelo recorrente, ainda que não aluda a todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois, como ensina ainda o ilustre Prof., Anotado, 1981, V, pág. 143,
«Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
O acórdão (bem como a sentença) é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade.
Integra a primeira a situação em que não se imputa ao acórdão qualquer violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atente contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada; mas alegando o recorrente que houve uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito, designadamente constitucionais, aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), tal constitui matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.
Aliás, a questão da imputada omissão de pronúncia está abundantemente tratada, quer em sede de Jurisprudência, quer em sede de Doutrina, pelo que nos dispensamos de aqui proceder à transcrição de conteúdos sobre tal matéria.
Não podendo, porém, deixar de referir, em jeito de súmula, o excerto do Acórdão deste TCAS, de 4 Dezembro 2012 (Processo nº6134/12), do seguinte teor: face ao preceituado no citado artº.668, nº1, al. d), do C. P. Civil [actual 615º], é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1°. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660º, nº.2 [actual 608º], do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).”
Tendo presente a principiologia exposta e tudo quanto já se deixou dito, vê-se que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todos os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa, não sendo configurável a pretendida omissão de pronúncia.

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3. Termos em que se acorda em julgar inverificada a nulidade processual suscitada pela Recorrente, e, em consequência, manter o Acórdão reclamado.
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Notifique e, após, subam os autos ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo!

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Lisboa, 19 de Junho de 2019
José Gomes Correia
Pedro Marchão
Catarina Jarmela