Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:418/15.4BEFUN
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:10/11/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
A NOTIFICAÇÃO RELEVANTE PARA EFEITOS DE OBSTAR À CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO É A RELATIVA AO SUJEITO PASSIVO ORIGINÁRIO DO TRIBUTO.
I.V.A. QUALIFICA-SE COMO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ARTº.40, DO C.P.P.T.
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO COM MANDATÁRIO CONSTITUÍDO.
ARTº.40, Nº.2, DO C.P.P.T. ACTOS PESSOAIS.
Sumário:Incompetência em razão da hierarquia. Incompetência absoluta do Tribunal.
Matéria de facto. Matéria de direito.
Critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto.
Caducidade do direito à liquidação.
Falta de notificação da liquidação enquanto fundamento de oposição a execução fiscal.
A notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação é a relativa ao sujeito passivo originário do tributo.
I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única.
Notificação como simples condição de eficácia do acto tributário.
Artº.40, do C.P.P.T.
Notificação da liquidação ao sujeito passivo com mandatário constituído.
Artº.40, nº.2, do C.P.P.T. Actos pessoais.

1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
3. Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
4. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
5. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
6. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
7. No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões 1 a 5, 15 e 26, o recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação, destas premissas retirando a procedência da presente apelação.
8. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam, exclusivamente, matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
9. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.
10. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
11. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.
12. A notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação (natureza receptícia do acto tributário) é a relativa ao contribuinte, o sujeito passivo originário do tributo, e não a dos outros responsáveis solidários ou subsidiários.
13. De acordo com a jurisprudência e doutrina uniformes, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo.
14. A notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do anterior C.P.A.).
15. Da exegese do artº.40, do C.P.P.T., deve concluir-se que tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário é obrigatória a notificação deste do acto de liquidação que pôs termo ao mesmo procedimento gracioso, não sendo esta notificação substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. É que sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (cfr.artº.266, nº.3, da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados como condição de eficácia do acto notificando (artº.36, nº.1, do C.P.P.T.), ter-se-á de concluir que a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente, para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação.
16. Actos pessoais para efeitos de enquadramento no artº.40, nº.2, do C.P.P.T., serão aqueles que implicam a participação/assistência pessoal do sujeito passivo em diligências, para tanto devendo comparecer o próprio, tanto em serviços da Administração Tributária como no Tribunal, tudo levando em consideração o conteúdo e alcance do próprio mandato (cfr.artºs.44 a 46 e 452 e seg., do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
17. Levando em consideração esta noção de actos pessoais, não pode considerar-se o acto de notificação de uma liquidação tributária como um acto pessoal, assim devendo a mesma notificação seguir a regra prevista no artº.40, nº.1, do C.P.P.T., e, por consequência, devendo ser efectuada na pessoa do mandatário e no seu escritório.
Votação:Voto Vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.116 a 121-verso do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo opoente/recorrido, R…., visando a execução fiscal nº….-2015/…., a qual corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças do Funchal, contra o recorrido instaurada por dívida de I.V.A., do ano de 2010 e no valor total de € 31.543,54.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.132 a 139-verso dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente oposição à execução fiscal teve por objeto o processo de execução fiscal n.º …..98 instaurado a 03/02/2015 no serviço de finanças do Funchal-2 para cobrança de uma dívida referente a IVA dos períodos de 10…T, 100…T, 10…T, 10…T, no valor de € 31.543.54, acrescido de juros de mora e custas processuais;
2-Tal dívida resultou de liquidações adicionais efetuada pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária desta Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, na sequência de uma ação inspetiva levada a cabo ao oponente e que teve por base a ordem de serviço n.º OI2…, de cujo relatório final foi o respetivo mandatário, Dr. C…. notificado em 26 de novembro de 2014;
3-Da sobredita execução fiscal foi o oponente citado pessoalmente em 04 de junho de 2015;
4-Inconformado, veio aos 03 de julho de 2015 apresentar a presente oposição à execução fiscal, ao abrigo das alíneas e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) alegando, sucintamente, a falta de notificação da liquidação de imposto em cobrança coerciva dentro do prazo legal de caducidade, na medida em que a Autoridade Tributária não notificou o mandatário constituído no procedimento inspetivo de tal liquidação, violando desta forma o artigo 40.º, n.º 1 do CPPT, porquanto entendia o oponente que este normativo deve ser interpretado no sentido de ser obrigatória a notificação da liquidação resultante de uma ação inspetiva ao mandatário constituído no âmbito de tal procedimento, não sendo essa notificação substituível pela notificação ao próprio sujeito passivo;
5-A Fazenda Pública apresentou a competente contestação em 06 de janeiro de 2017;
6-No entanto, a douta decisão do Tribunal a quo sufragou a posição adotada pelo oponente, sustentando a sua fundamentação na consideração de que as notificações das liquidações efetuadas deveriam ter sido feitas ao mandatário constituído, por não se tratar de um ato de natureza pessoal, e que as notificações feitas na pessoa do sujeito passivo, com mandatário constituído, são notificações ineficazes e que não podem produzir efeitos em relação ao sujeito passivo, à luz dos n.º 1 e 2 do artigo 40.º do CPPT;
7-Entendimento que julgamos faz a douta decisão do Tribunal a quo, ora recorrida, incorrer em erro de julgamento;
8-Com efeito, o meritíssimo juiz a quo, salvo o devido respeito, confunde o procedimento de inspeção tributária com o procedimento de liquidação;
9-Contudo, e embora sejam ambos procedimentos tributários, nos termos dos artigo 54.º da LGT e 44.º do CPPT, são procedimentos tributários diferentes e independentes, pois o procedimento de inspeção (artigo 54.º n.º 1 al. a) é um procedimento preparatório e / ou acessório do procedimento de liquidação, conforme artigos 11.º e 63.º n.º 2 do RCPIT, regulado por lei própria (o RCPIT) enquanto que o procedimento de liquidação é regulado pelos artigos 54.º n.º 1 al. b) da LGT e 59.º e 60.º do CPPT e pelas demais normas dos respetivos códigos tributários;
10-O procedimento de liquidação pode ter por base um procedimento de inspeção (enquanto procedimento preparatório da liquidação) e os respetivos documentos de correção e RIT (artigo 59.º n.º 1 do CPPT) e visa o lançamento o objetivo, lançamento subjetivo e respetivas deduções, relativas a cada tipo de imposto em vigor no ordenamento jurídico tributário português, culminando com a prática do ato tributário de liquidação do imposto em falta;
11-Em regra, no procedimento de liquidação, apenas intervém a administração tributária, quer porque ele se inicia com a declaração do sujeito passivo quer porque ele se inicia com um documento de correção (sendo certo a regra tem várias exceções);
12-Não existindo, à partida, intervenção do sujeito passivo;
13-Pelo que, o sujeito passivo, no âmbito do procedimento de liquidação, não pratica quaisquer atos, pois ele termina com a declaração de direitos da administração tributária – liquidação de imposto – que é definitivo quanto à fixação de direitos dos contribuintes (artigo 60.º do CPPT), sendo apenas sindicável administrativamente, através da reclamação graciosa ou da revisão dos atos tributários e/ou judicialmente, através da impugnação judicial;
14-Assim, e tendo em conta o exposto, o procedimento de inspeção culminou com a notificação do RIT, nos termos do artigo 62.º n.º 2 do RCPIT, ao mandatário constituído, e essa notificação final ao mandatário teve por base a procuração junta ao procedimento e o disposto no artigo 40.º do CPPT. A procuração junta ao procedimento de inspeção, que confere poderes para assinar, apresentar e reagir nos processos de natureza fiscal, determinou o acionamento do disposto no artigo 5.º do CPPT e que a notificação fosse efetuada nos termos do artigo 40.º do CPPT, afastando a aplicação do disposto nos artigos 38.º e 39.º do CPPT;
15-No âmbito do procedimento de liquidação não foi apresentada qualquer procuração;
16-E, nem poderia ser, dado que o procedimento das liquidações de IVA adicionais do ano de 2010, não teve qualquer participação, do ora oponente, porquanto o mesmo teve por base o RIT e os documentos de correção que serviram de base à instauração do procedimento de liquidação, culminando o procedimento com as liquidações identificadas no ponto 14 da matéria de facto provada da sentença ora recorrida;
17-Às liquidações, o ora opoente recorrido, apenas poderia reagir através da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, e nessa medida conferir, como conferiu, poderes para a prática dos atos no procedimento de reclamação graciosa e/ou no processo judicial tributário;
18-A procuração junta aos autos do procedimento de inspeção não confere poderes ao mandatário para receber as notificações de liquidações de imposto decorrentes de procedimentos de liquidação. No caso das liquidações de IVA, pois os poderes que poderão ser conferidos aos mandatários são os definidos no artigo 5.º do CPPT;
19-Nos termos daquele artigo que trata do mandato tributário, o mesmo apenas pode ser conferido a advogado, advogado estagiário ou a solicitador, e para a prática de atos que envolvam a discussão de questões de direito;
20-O mandato tributário é para a prática de atos, em substituição do interessado;
21-Não é a intenção do legislador que os mandatários representem, ao abrigo do artigo 5.º do CPPT, os sujeitos passivos perante a administração fiscal, é intenção sim conferir ao mandatário poderes apenas para praticar atos, no procedimento e no processo tributário, onde se discutam ou suscitem questões de direito;
22-Essas questões suscitam-se em reclamações graciosas das liquidações ou revisões dos atos tributários ou nas impugnações judiciais dos atos (entre outros);
23-Pelo que o artigo 40.º deve ser lido em consonância com o disposto no artigo 5.º do CPPT e de forma restrita, como aliás é proposto pela Ordem dos Advogados, segundo o qual “o artigo 40.º do CPPT deve ser interpretado restritivamente, só devendo ser aplicado nas situações em que o advogado é mandatário num procedimento tributário (por ex.º uma reclamação graciosa) ou num processo judicial tributário (por ex.º uma impugnação judicial), e só relativamente a notificações no âmbito desses procedimentos e processos. Logo, notificações de liquidações de impostos e para cumprimento de obrigações declarativas não podem ser efectuadas na pessoa do mandatário mas apenas na pessoa do representante legal da sociedade ou do seu representante fiscal”. PARECER Nº 28/PP/2010-P – Da Ordem dos Advogados;
24-Assim e nos procedimentos onde é admitida a constituição de mandatário é aplicável o artigo 40.º do CPPT, norma especial em relação às normas gerais relativas às notificações dos contribuintes (artigos 38.º e 39º do CPPT);
25-Pelo exposto, esteve mal o meritíssimo juiz a quo, que confundiu o procedimento de inspeção, onde foi apresentada a procuração, com o procedimento de liquidação, onde não foi apresentada procuração, nem podia ser (pois o mandato é apenas para a prática de atos) e julgou ineficaz a notificação da liquidação ao sujeito passivo, por considerar aplicável ao procedimento de liquidação o disposto no artigo 40.º do CPPT, quando na verdade aquele artigo apenas se aplicaria ao procedimento de inspeção onde foi apresentado o mandato tributário;
26-Pelo que as notificações das liquidações ao sujeito passivo, conforme provado em IV – MATÉRIA DE FACTO – pontos 14 a 16 da sentença, são notificações válidas (formalmente e substancialmente) e eficazes, nos termos dos artigos 77.º n.º 6 da LGT e 36.º do CPPT;
27-Termos em que a sentença ora recorrida deveria ter sido de improcedência da oposição, devendo, consequentemente, ser substituída por decisão que a julge improcedente;
28-Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual suscita a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia (cfr.fls.145 e 146 dos autos).
Notificados os restantes intervenientes processuais, nada alegaram sobre a excepção suscitada pelo M. P. (cfr.fls.147 a 149 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.117 a 119 dos autos):
1-Pela ordem de serviço n.º OI2…., datada de 07 de janeiro de 2014, com o Código de Atividade 122…. (Análise às Declarações), foi realizada ação inspetiva ao ora oponente, R……, e a P…., de âmbito geral, reportada ao exercício de 2010 (cfr. documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
2-A ação de inspeção referida no ponto antecedente iniciou-se em 20 de junho de 2014 (cfr.documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
3-O ora oponente, R……, e P…… constituíram mandatárias no procedimento inspetivo, as advogadas D…. e M…. (cfr.documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
4-O oponente, R....., e P.....,, foram notificados pelo ofício n.º …, datado de 27 de outubro de 2014, do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2…., para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
5-As mandatárias constituídas foram notificadas pelo ofício n.º …, datado de 27 de outubro de 2014, do projeto de relatório de inspeção tributária efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2…, para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
6-Em 17 de novembro de 2014, as mandatárias referidas no nº.3 substabeleceram os “poderes que lhe foram conferidos por R…… e P….” no âmbito do procedimento inspetivo no “Ilustre Colega, Dr. C…, Advogado, com escritório na Rua Dr. A…., n.º 17, 2.º Andar, no Funchal” (cfr.documento junto a fls.13 dos presentes autos);
7-O mandatário substabelecido, subscreveu a resposta dada em audição prévia ao projeto de relatório inspetivo, a qual foi apresentada em 18 de novembro de 2014 (cfr.documento junto a fls.36 a 43 dos presentes autos);
8-No dia 18 de novembro de 2014, foi estruturado “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA”, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI20…., no qual se apurou IVA em falta no montante de € 54.011,64 (cfr. documentos juntos a fls.56 a 74 do processo de execução fiscal apenso);
9-Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância do D.S.I… Tributária, datado de 21 de novembro de 2014 (cfr.documento junto a fls.57 do processo de execução fiscal apenso);
10-Em 25 de novembro de 2014, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 5699 1 PT), dirigido ao mandatário substabelecido “na qualidade de mandatário de R….. e P…..”, para o respetivo escritório (cfr.documentos juntos a fls.52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);
11-O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 5699 1 PT foi assinado em 26 de novembro de 2014 (cfr.documentos juntos a fls.52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);
12-Em 25 de novembro de 2014, foi expedido ofício de notificação do aduzido relatório de inspeção tributária, por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 4255 5692 6 PT), dirigido ao ora oponente, R....., e P.....,, para o respetivo domicílio (cfr. documentos juntos a fls.52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);
13-O aviso de receção referente ao registo CTT RD 4255 5692 6 PT foi assinado em 01 de dezembro de 2014 (cfr.documentos juntos a fls.52 e 53 do processo de execução fiscal apenso);
14-Com base nas correções efetuadas em sede inspetiva, foram emitidas, em 06 de dezembro de 2014, as seguintes liquidações com data limite de pagamento em 28 de fevereiro de 2015 (cfr.documentos juntos a fls.79 a 84 dos presentes autos; documentos juntos a fls.2 a 17 do processo de execução fiscal apenso):
a)Liquidação de IVA n.º 14…., referente ao período 10/03, no montante de € 7.666,14;
b)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…, referente ao período 10/03, no montante de 1.382,85;
c)Liquidação de IVA n.º 14…, referente ao período 10/06, no montante de € 8.669,83;
d)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…., referente ao período 10/06, no montante de € 1.477,43;
e)Liquidação de IVA n.º 14…, referente ao período 10/09, no montante de € 7.255,97;
f)Liquidação de juros compensatórios n.º 14…., referente ao período 10/09, no montante de € 1.164,14;
g)Liquidação de IVA n.º 140…., referente ao período 10/12, no montante de € 3.413,88;
h)Liquidação de juros compensatórios n.º 14….., referente ao período 10/12, no montante de € 513,30;
15-Em 16 de dezembro de 2014, foram expedidos ofícios de notificação das liquidações mencionadas no ponto antecedente, por via postal registada (designadamente, sob os Registos CTT n.ºs RY952396706PT, RY952397074PT, RY952397423PT, RY952397848PT, RY952399764PT, RY952400079PT, RY952400391PT e RY952400771PT), dirigidos ao ora oponente, R…., e a P….., para o respetivo domicílio (cfr.documentos juntos a fls.54 a 78 dos presentes autos);
16-Os ofícios titulados pelos registos postais referidos no ponto anterior foram entregues no dia 24 de dezembro de 2014 (cfr.documentos juntos a fls.54 a 78 dos presentes autos);
17-Em 30 de março de 2015, foi instaurado no 2º. Serviço de Finanças do Funchal o processo de execução fiscal n.º…-2015/…., contra o ora oponente, R….., para cobrança coerciva de dívidas provenientes das liquidações identificadas no nº… supra, no montante global de € 31.543,54 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 17 do processo de execução fiscal apenso);
18-O oponente foi citado na execução fiscal nº….-2015/…., no dia 04 de junho de 2015 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 19 do processo de execução fiscal apenso; factualidade admitida pelo opoente no artº.1 do articulado inicial);
19-A presente oposição foi apresentada junto do 2º. Serviço de Finanças do Funchal em 03 de julho de 2015 (cfr.data aposta a fls.3 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “… A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude do sucesso do fundamento da oposição inexigibilidade da dívida exequenda, com a consequente extinção da execução fiscal nº…..-2015/…. .
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Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário, excepção esta aduzida pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal no seu douto parecer (cfr.fls.145 e 146 dos autos).
Nos termos do artº.280, nº.1, C.P.P.Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C.P.P.Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.641, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pela entidade recorrida junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, a qual se consubstancia na incompetência do T.C.A.Sul em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.5971/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14).
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira do exame das conclusões do recurso explanadas supra, nomeadamente, das conclusões 1 a 5, 15 e 26, o recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam, exclusivamente, matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em síntese, que o Tribunal “a quo” incorre em erro de julgamento ao sustentar que as notificações das liquidações efectuadas deveriam ter sido feitas ao mandatário constituído, por não se tratar de um acto de natureza pessoal, sendo que as notificações feitas na pessoa do sujeito passivo, com mandatário constituído, são ineficazes e não podem produzir efeitos em relação ao mesmo, à luz do artº.40, nºs.1 e 2, do C.P.P.T. Que o Tribunal “a quo” confunde o procedimento de inspecção tributária com o procedimento de liquidação. Que no âmbito do procedimento de liquidação não foi apresentada qualquer procuração. Que as notificações das liquidações ao sujeito passivo são válidas (cfr.conclusões 1 a 27 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamento vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8736/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do anterior C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7443/14).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, nº.1, al.h), do C.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário.
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorre também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7016/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8736/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489 e seg.).
Tanto à face do anterior C.P.T., como da actual L.G.T., o facto que obsta à caducidade do direito à liquidação e consequente inexigibilidade da dívida exequenda é a notificação do contribuinte ou sujeito passivo originário do tributo no prazo determinado na lei.
De acordo com a jurisprudência e doutrina uniformes, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 7/05/2003, rec.65/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8523/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.251 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.28).
“In casu”, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, que tendo sido constituído mandatário no âmbito do procedimento inspetivo, a notificação do subsequente acto de liquidação tem de ser efectivada na pessoa do mandatário, e remetida para o respectivo escritório, de acordo com o estabelecido no artº.40, nº.1, do C.P.P.T., não sendo tal formalidade substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. Apenas assim não sucederia se o acto de notificação da liquidação tributária se devesse considerar como um acto pessoal, mas tal não se verifica, mais não sendo tal notificação enquadrável no artº.40, nº.2, do C.P.P.T.
Contrariamente, o recorrente defende que a liquidação é um acto pessoal, pelo que a Administração Tributária tinha a obrigação legal de notificar o opoente/recorrido, conforme o fez e para o seu domicílio fiscal.
O recorrente carece de razão.
Expliquemos porquê.
Consagra o artº.40, nº.1, do C.P.P.T., a obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa do seu mandatário, sendo que tal normativo se aplica às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários.
No artº.40, nº.2, do mesmo diploma, prevê-se uma excepção à regra formulada no nº.1, nos termos da qual as notificações dos contribuintes para assistência ou participação em actos ou diligências com cariz pessoal são feitas através de carta dirigida também ao próprio interessado, para além da notificação que deve ser feita ao mandatário.
Da exegese do regime acabado de mencionar se deve concluir que tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário é obrigatória a notificação deste do acto de liquidação que pôs termo ao mesmo procedimento gracioso, não sendo esta notificação substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. É que sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (cfr.artº.266, nº.3, da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados como condição de eficácia do acto notificando (artº.36, nº.1, do C.P.P.T.), ter-se-á de concluir que a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.927/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7443/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.394 e seg.).
Só assim não aconteceria se o acto de notificação de uma liquidação tributária se devesse considerar um acto pessoal, conforme defende o recorrente, mas tal não é verdade.
Actos pessoais para efeitos de enquadramento no artº.40, nº.2, do C.P.P.T., serão aqueles que implicam a participação/assistência pessoal do sujeito passivo em diligências, para tanto devendo comparecer o próprio, tanto em serviços da A.T. como no Tribunal, tudo levando em consideração o conteúdo e alcance do próprio mandato (cfr.artºs.44 a 46 e 452 e seg., do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7443/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.395; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.117).
Ora, levando em consideração esta noção de actos pessoais, não pode considerar-se o acto de notificação de uma liquidação tributária como um acto pessoal, assim devendo a mesma notificação seguir a regra prevista no artº.40, nº.1, do C.P.P.T., e, por consequência, sendo mester ser efectuada na pessoa do mandatário e no seu escritório, mais não pressupondo a existência de procuração com poderes especiais para o efeito.
Com estes pressupostos, os actos de liquidação em causa não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes. Em consequência, quando foi instaurada a execução fiscal, os actos de liquidação em cobrança não eram exigíveis, pelo que se está perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., tudo conforme exposto supra, para onde se remete.
Por último, não nos merece concordância a tese da entidade recorrente no sentido de que não se confunde o procedimento de inspecção tributária com o procedimento de liquidação, mais não tendo sido apresentada qualquer procuração no âmbito do procedimento de liquidação.
Não olvidamos que, recentemente, o S.T.A.-2ª.Secção, em 3/05/2018, rec.167/18, deliberou que, concluído o procedimento de inspeção, nos termos do artº.62, nºs.1 e 2, do R.C.P.I.T., termina o mandato constituído no âmbito deste procedimento. Tal acórdão, no entanto, teve parecer em sentido contrário do M. P., tal como um extenso voto de vencido com o qual concordamos.
Em resumo, enumeramos os seguintes argumentos no sentido da manutenção do valor da procuração junta a procedimento gracioso de inspecção para o consequente procedimento de liquidação:
1-O procedimento de inspecção não existe por si mesmo, antes devendo visualizar-se como preparatório da liquidação dos tributos, tendo como objectivo verificar a regularidade da situação tributária do contribuinte (cfr.artº.54, nº.1, da L.G.T.);
2-Da regulamentação autónoma - R.C.P.I.T. - da inspecção tributária não resulta que ela seja mais que uma acção preparatória ou complementar da liquidação dos tributos e faça parte do procedimento tributário em geral;
3-Sendo legal o relevo dado a procuração passada/apresentada por contribuinte em processo administrativo/tributário de natureza graciosa, aquando da instauração de consequente processo de natureza contenciosa, por maioria de razão se deve relevar a existência de procuração face a dois procedimentos de natureza graciosa;
4-O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, no seu artº.66 que: «O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.» e, nos termos do disposto no artº.20, nº.2, da Constituição da República Portuguesa "Todos têm direito, nos termos da lei, (…) a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade". Tal preceito constitucional, por respeitar a direito fundamental dos cidadãos, é directamente aplicável e vinculativo para as entidades públicas e privadas, só sendo passível de restrição nos casos expressamente previstos na Constituição, e limitado ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, por força do disposto no artº.18, do diploma fundamental;
5-Face às liquidações que tiveram suporte na acção inspectiva não é possível considerar, suportados num argumento razoavelmente lógico, que a procuração foi emitida apenas para a representação do contribuinte na mesma acção inspectiva e não, também, para o procedimento de liquidação de imposto em que ela se integra quando, entre o termo da inspecção e a estruturação da liquidação não há qualquer outro acto administrativo, pelo que, se se entender que os actos que precedem o acto de liquidação não fazem parte do procedimento de liquidação, terá de se concluir que não há nenhum procedimento (sequência de actos);
6-Não parece ser razoável que a constituição de mandatário, durante um procedimento de inspecção, não releve para o acto de liquidação que é o único acto impugnável e, por outro lado, o único para o qual parece ser impossível constituir mandatário, no pressuposto, consensual, de que a notificação de acto de liquidação não configura um acto pessoal, conforme mencionado supra;
7-A interpretação restritiva dada ao artº.40, nº.1, do C.P.P.T., no sentido de que a constituição de mandatário durante o procedimento de inspecção não impõe que lhe seja notificado o acto de liquidação que se fundamenta na decisão final de tal procedimento enferma, pois, de vício de inconstitucionalidade.
Arrematando, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Outubro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto) Voto de vencido
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Salvo o devido respeito, não acompanho decisão do presente acórdão.
Do meu ponto de vista, deveria ter sido concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, consequentemente, deveria a oposição ter sido julgada improcedente.
Vejamos.
Merece a minha concordância a afirmação contida no acórdão segundo a qual “não pode considerar-se o acto de notificação de uma liquidação tributária como um acto pessoal”.
De igual modo, entendo, também, que a notificação de um acto de liquidação ao interessado que tenha constituído mandatário no respectivo procedimento (de liquidação) terá de ser feita na pessoa do mandatário e no seu escritório, tal com dispõe o nº1 do artigo 40º do CPPT.
Contudo, é precisamente neste ponto que, em face do concreto circunstancialismo apurado, me afasto da solução obtida no acórdão.
É que, de acordo com o ponto 3 dos factos provados, o mandatário foi constituído, não no procedimento de liquidação, mas antes – isso sim – no procedimento de inspecção tributária. De resto, e conforme resulta dos autos, quer o projecto de relatório, quer o relatório contendo as conclusões da acção inspectiva, foram notificados ao mandatário.
Não há dúvidas que, nos termos do disposto no artigo 62º, nº1 do RCPITA, o procedimento de inspecção se considera concluído na data da notificação do relatório final, o que significa que a emissão da liquidação consequente à acção inspectiva e a sua notificação já não integram, nos termos da lei, aquele procedimento de inspecção (apesar da relação umbilical entre tais procedimentos).
Por conseguinte, terminado o procedimento de inspecção findou o mandato concedido no âmbito de tal procedimento, razão pela qual a notificação das liquidações que se seguiram deveria ter sido efectuada – como foi – ao sujeito passivo e não ao mandatário.
Ainda que se perceba o alcance do quadro argumentativo adoptado no acórdão, a verdade é que parece incontornável a circunstância de estarmos perante dois procedimentos autónomos, distintos e que não se confundem. Tenha-se ainda em conta que os serviços responsáveis pela emissão e notificação das liquidações adicionais não coincidem com os que levam a cabo o procedimento de inspecção, no âmbito do qual a procuração foi entregue.
No caso em análise, não era exigível à AT que associasse ao procedimento de liquidação uma procuração emitida para o procedimento de inspecção. Por outro lado, sabendo os oponentes o âmbito do mandato conferido e tendo os mesmos sido notificados das liquidações adicionais, mal se percebe que, pura e simplesmente, nada tenham feito, limitando-se a invocar a inexigibilidade da dívida cuja liquidação subjacente lhes foi notificada.
Em suma, e revendo posição anteriormente tomada (embora num caso com especificidades próprias relativamente ao que aqui se discute), no caso, concluiria que o mandatário não estava habilitado a receber as notificações das liquidações dos sujeitos passivos, pelo que tal falta não deve ter as consequências que o acórdão lhe apontou.
Neste sentido, veja-se o recente acórdão do STA, de 03/05/18, proferido no processo nº 167/18, em cujo sumário se pode ler que “Concluído o procedimento de inspeção, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 e 2 do RCPITA, termina o mandato constituído no âmbito deste procedimento”.

(Vital Lopes - 2º. Adjunto)