Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2039/18.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores: PROTEÇÃO INTERNACIONAL
MEIOS DE PROVA
POSTO DE FRONTEIRA
Sumário:· A recorrente, na fase de recurso, não pode, como pretende, ser ouvida ex novo em declarações de parte, uma vez que não as requereu nem prestou declarações na 1ª instância.
· O procedimento de tramitação acelerada apresentado pela recorrente no posto de fronteira do SEF, no Aeroporto de Lisboa, segue o disposto no regime especial dos arts 23º e segs da Lei de Asilo, e, neste caso, as declarações valeram para todos os efeitos como audiência prévia do interessado (cfr art 24º, nº 2). Pelo que, também, formalmente a decisão do SEF não tinha de cumprir as exigências do art 17º, nº 1 e nº 2 da Lei de Asilo e, deste modo, inexistindo o relatório escrito ali previsto, a sentença não o podia elencar.
Considera-se como não pertinente ou de relevância mínima o motivo invocado pela requerente de «a quererem forçar a casar» - cfr art 19º, nº 1, al e) da Lei de Asilo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Relatório
C...recorre da sentença proferida na presente instância, a 21.12.2018, que julgou improcedente a ação sobre o pedido de proteção internacional e absolveu o Ministério da Administração Interna do pedido.
A recorrente pede seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, assente nas seguintes conclusões:
A) «vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida em 21-12-2018 nos presentes autos, que julga improcedente a ação administrativa especial urgente instaurada pela Autora, ora Recorrente, de nacionalidade congolesa, nos termos do regime especial previsto nos artigos 23.º a 26.º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 5 de Maio (Lei do Asilo), contra o Ministério da Administração Interna, ora Recorrido (artigo 10.º do CPTA), mantendo a decisão impugnada, proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 08-10-2018, que indeferiu liminarmente o pedido de proteção internacional apresentado.
B) Com base nos factos e fundamentos de direito alegados, não pode a Recorrente aceitar tal decisão a qual se encontra, desde logo, de forma irremediável, ferida de NULIDADE, porque inquinada com o vício de falta de fundamentação, por omissão da especificação os fundamentos de facto que justificam a decisão, por falta absoluta de indicação da matéria de facto não provada, e por omissão da análise crítica da prova;
C) Com efeito, não se mostra devidamente fundamentada a sentença recorrida, de forma adequada a fundamentar a improcedência da ação, incorrendo por isso, em nulidade (nos termos do disposto pelos artigos 94.º n.º 2 e 3 do CPTA e 607.º n.º 4 do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA) – com efeito, revela-se deficiente, ambígua e obscura inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, razão pela qual não consegue a Recorrente descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico.

D) Sobre a questão da fundamentação da decisão da matéria de facto, vem lapidarmente afirmando a nossa doutrina, a qual não pode deixar de se aplicar ao presente caso: “(...) a discriminação rigorosa dos factos provados e não provados e uma motivação clara, adequada e consistente são essenciais para a justa composição do litígio (…) julgar implica também uma tarefa delicada e complexa que consiste em selecionar e valorar os factos relevantes para a decisão da causa e enuncia-los como provados ou não provados, motivando a decisão1, sendo que, “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica.”2
E) No mesmo sentido avança a jurisprudência, remetendo a Recorrente para o decidido no Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, decisão que quer pela pertinência do raciocínio, quer pela clareza e pelo acerto da decisão, não pode deixar de se acompanhar de perto e secundar a sua respetiva fundamentação, pouco mais se podendo acrescentar.
F) Porquanto, esta exigência que concerne à matéria de facto provada “de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados”, sendo que “com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais (...) em que é usual a mera transcrição dos factos assentes”. Mais, “o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a “dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extrate do mesmo o segmento ou segmentos que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou. Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento (…).”

G) Confrontada a Recorrente com a douta sentença recorrida, de imediato se evidencia que o Tribunal a quo na sua elaboração não cumpriu a exigência de indicação da matéria de facto, optando por seguir a prática censurável de verter nos factos provados o conteúdo dos documentos do processo administrativo, apresentando na alínea C) como “factos provados” não “factos” mas “documentos”, nomeadamente a transcrição/fotocópia integral da Decisão impugnada e da Informação do SEF elaborada no processo de Proteção Internacional n.º 995W/18 (cf. alínea B) dos factos provados) que lhe serviu de fundamento, os quais deu por inteiramente reproduzidos, sem indicar, sem discriminar, sem especificar os factos que esses documentos comprovam (conforme resulta do teor de fls. 2 a fls. 15 da douta sentença recorrida, ou seja, um total de 13 das 22 páginas da mesma - sendo que o conteúdo das fls. 15 a 18 é ocupado pela transcrição do regime legal (!)
H) Como se sabe, os documentos do processo administrativo não estão organizados sob a forma de “factos” que permita a sua automática transposição para a sentença, sendo antes uma informação elaborada pelos serviços inspetivos do Recorrido, inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões, etc.
I) Pelo que, ficou a Recorrente sem saber, com clareza e objetividade, quais os factos provados e não provados, apenas se vendo confrontada, de novo, desta feita pela douta sentença recorrida, com a amálgama incontrolada e indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal, das investigações, opiniões, presunções, meros raciocínios, diligências, conclusões da inspetora do SEF.
J) Ora, esta prática de verter para a sentença o conteúdo integral dos documentos (...) é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença. Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar –, os factos que esses documentos comprovam.
Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos!) descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT).”, secundando o Acórdão do TCAN de 28-01-2016, proferido no Proc. n.º 00479/09.5BEPRT, acima citado, que aqui, salvo o devido respeito, se impõe reproduzir dada a sua pertinência para o caso vertente.

K) Quando na análise crítica da prova o Tribunal a quo não demonstrou o empenho minimamente exigido na sua explicitação, limitando-se a confessar que adere na íntegra à “tese” plasmada nos documentos do SEF, reproduzindo-os e evidenciando uma motivação incipiente e notoriamente subjugada às conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios do órgão inspetivo do Recorrido, bem como um deficiente grau de convencimento sobre a prova que foi realizada sobre os factos.
L) Dá eco deste entendimento a jurisprudência, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do TCAN de 28-01-2016, Proc. n.º 00831/06.8BEPEN, e de 25-05-2016, Proc. n.º 00724/04.3BEVIS.
M) Mais, labora a douta sentença recorrida em manifesto ERRO DE JULGAMENTO sobre a matéria de facto e consequente errónea aplicação do Direito, por ilegalidade da decisão impugnada por preterição de formalidade essencial, prevista no artigo 17.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, de audição prévia do interessado sobre as informações essenciais ao seu pedido constantes de um relatório escrito que as indique (em conformidade com o já decidido pelo STA (no seu acórdão de 18-05-2018, que revoga o acórdão recorrido e anula o ato impugnado no recurso de revista n.º 0306/17) e respeito pelo artigo 267.º n.º 5 da CRP, impondo-se, por conseguinte, a modificabilidade da decisão de facto pelo TCA, nos termos e ao abrigo do disposto pelo artigo 662.º do CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA
N) Assim sendo, ao abrigo do princípio do inquisitório, da justiça e da tutela jurisdicional efetiva, deverá ser ex officio:
· ordenada a renovação da produção da prova, devendo ser ouvida novamente a Recorrente, uma vez que há “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”, mediante a prestação de declarações de parte (no que respeita à matéria de facto alegada, nomeadamente, quanto aos atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o seu pedido de asilo, e quanto à descrição do seu receio em voltar ao país de origem (RDC), julgada não coerente, credível e suficientemente justificadora para fundamentar a concessão de proteção subsidiaria de autorização de residência por questões humanitárias), e assim, deste modo, demonstrando-se que não corresponde à verdade o que afirma a douta sentença a fls. 19 e 20;

· ordenada a produção de novos meios de prova,

quer mediante a junção aos autos de Parecer a solicitar ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) e ao Gabinete Conjunto das Nações Unidas para os Direitos Humanos (GCNUDH) com prestação de informação no processo sobre as condições atuais na RDC (não só, em termos de situação de conflito e perseguições, mas também, em termos socioculturais dos congoleses, resultando evidente que a mesma está impossibilitada ou se sente impedida de regressar ao seu país), assim como as condições atuais em Angola (nomeadamente, no que respeita: a) às garantias de segurança e condições de vida de cidadãos de outros países africanos; b) à possibilidade de acolhimento mediante a concessão de proteção internacional);
quer, caso V. Exa. assim julgue necessário, mediante a prestação de depoimento como testemunha, do responsável do Departamento do CPR sobre o problema central dos pedidos de proteção internacional, em concreto, sobre o problema da Recorrente oriunda da RDC com um processo de fuga iniciado em 2017);

para que possa ser feito o devido enquadramento e análise etnográfica do caso, que se impõe, confirmando que as declarações da Recorrente são, uma vez contextualizadas, verosímeis e credíveis;

· anulada a sentença recorrida, por não constar do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (a qual é manifestamente deficiente, nos termos supra expostos), reputando-se indispensável a sua ampliação.
O) Face ao tudo exposto, dúvidas não restam que laborou em erro de julgamento a douta Sentença de que ora se recorre, impondo-se concluir, seguindo o sentido da decisão tomada pelo TCAS, no acórdão de 02-06-2016, proferido no proc. n.º 13273/16, “que a decisão impugnada enferma dos vícios que lhe vêm imputados, na medida em que patenteia uma deficiente instrução do procedimento e um entendimento desproporcionado, por excessivamente restritivo, do princípio do benefício da dúvida e ofende o principio “non- refoulement” consagrado no art. 33.º da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do art. 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É, portanto, inválida e tem que ser anulada.”
P) Com o que dever ser revogada e proceder o presente recurso jurisdicional na totalidade».


O recorrido contra-alegou o recurso, concluindo nos termos que seguem:
A. «Com a devida vénia, a Recorrida discorda, in tatu, das alegações da ora Recorrente que dão a entender que o douto tribunal "a quo" não cumpriu os seus deveres, omitindo-os e gerando assim os vícios invocados.
B. Os vícios imputados à Sentença não merecem provimento, atento o teor da motivação da mesma, que infra se transcreve:
"(...) O pedido de proteção internacional apresentado pela A…. só foi efetuado depois de ter sido recusada a sua entrada em território nacional.

Da análise das declarações da Autora, verifica-se, desde logo, que deixou a República Democrática do Congo em fevereiro de 2017, onde não mais voltou, foi para Angola e só em setembro de 2018 pediu proteção internacional a Portugal.

Em Angola, a Autora obteve passaporte angolano [pertencente a M…..] e com base no mesmo, em 06/09/2017 e 28/12/2017, no posto consular português e alemão em Luanda, fez pedidos de visto para viajar para a Europa, que foram recusados.

A Autora esteve muito tempo em Angola, onde nunca sofreu quaisquer agressões ou ameaças.

Diz a Autora que abandonou a República Democrática do Congo porque o pai, em junho de 2016, estava a tentar forçá-la a casar com um amigo dele, que tem muito dinheiro, e que em outubro desse mesmo ano o seu pai suspeitou que estava novamente grávida, tendo-a agredido e expulsado de casa em 28/01/2017.

A Autora já era mãe de dois filhos e diz que tem uma cicatriz de cesariana, porém, tal não comprova que tenha sido de uma terceira gravidez.

Disse que esteve internada num Hospital onde conheceu uma menina da província M….., em Angola, que a ajudou e a levou para Angola, tendo sido essa pessoa que a ajudou na obtenção dos documentos com uma identidade que não era a sua.

A Autora não identificou a pessoa que a ajudou.

Inicialmente, a Autora disse que não fez nada enquanto esteve em Angola e mais á frente, nas suas declarações, disse que foi empregada da senhora que a ajudou, depoimento que é contraditório.

A Autora esteve muito tempo em Angola e não pediu proteção internacional nesse país.

Desconhece-se, pois a verdadeira razão que motivou a Autora a sair do seu país, a qual não conseguiu demonstrar quaisquer atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo, nem de concessão de proteção subsidiaria, a Autora não fez uma descrição coerente, credível e suficientemente justificadora do seu receio em voltar ao seu país de origem, nem os motivos que invoca constituem fundamento para a concessão do direito de asilo ou de proteção subsidiária.

A Autora apenas invoca questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.

Foi a Autora que quis abandonar o seu país de origem, onde não foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica, nunca foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, nunca desenvolveu alguma atividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nunca cumpriu pena de prisão, nunca foi condenada por crime, não tem nenhum problema com as autoridades policiais, judiciais ou com o Estado da RDC e o seu único receio de regressar à RDC, segundo afirmou, é "Por causa de me quererem forçar a casar", porque se recusar diz que vai ser morta pelo pai, todavia, o pai expulsou-a de casa.

Quanto a ameaças, apenas disse que o pai "Disse que me ia mostrar o mundo" e o deputado "...Ele só quer casar comigo".

A família da Autora está toda na RDC e não tem amigos ou família em Portugal ou na Europa.

A sua presença na República Democrática do Congo não se tornou intolerável em consequência de atividade exercida nesse Estado em favor da democracia, da libertação social ou nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, nem, pelos mesmos motivos. seria intolerável retornar ao seu país, onde não tem quaisquer problemas com as autoridades policial, judiciais ou com o Estado.

Não se mostram, pois, concretizados os factos que fundamentam a pretensão de asilo da Autora e que impede a aplicação do princípio do benefício da dúvida. Tem razão a ED ao ter considerado infundado o pedido da Autora , porque as questões por esta invocadas além de não serem pertinentes, têm relevância mínima, o alegado pela Autora não é suscetível de consubstanciar qualquer ato de perseguição suscetível de fundamentar o direito de asilo, nem constitui um motivo significativo para acreditar que não pode voltar para o seu país de origem, pois não ficou demonstrado o impedimento ou a impossibilidade de regressar aos seu país , quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave."

C. Finaliza o Tribunal a quo a fundamentação da Sentença em crise, remetendo para o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 22/09/2016, no âmbito do Processo nº 135 94/16, onde lê que: "(...) "... Necessário é ter presente que cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega. Exigindo-se, para tanto, um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/ proteção subsidiária (cfr o acórdão desse TCAS de 26.3.2015, processo nº 11691/14), sendo que os factos apurados, como demonstrado exaustivamente na sentença recorrida (v. supra ), permitem concluir não existir...analisadas as declarações prestadas pelo ora Recorrente, verifica-se, desde logo, que o mesmo não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de atividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
Por outro lado, não se demonstrou o nexo de causalidade entre o receio invocado e qualquer motivo associado com raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, pressupostos essenciais do direito à concessão de asilo garantido pelo artigo 3º da lei nº 27/2008 de 30/06.

Não vem concretizado qualquer facto ou conjunto de factos com um grau de consistência de discurso que tornem credíveis as circunstâncias que alega enquanto fundamento da pretensão de asilo.

Pelo que tal facto impede a aplicação do princípio do benefício da dúvida.

Com efeito, tal como decidido pelo tribunal a quo, o Recorrente não logrou demonstrar, de forma coerente e conveniente, ter sido sujeito a ameaças de tal modo graves que tornassem insustentável a sua permanência no Paquistão e o tenham obrigado a abandonar o país, ou que corre um risco pessoal e fundado de perseguição, de acordo com a definição de refugiado...».

D. Resulta evidente quer dos fundamentos da Sentença recorrida, quer do que vem expresso no Acórdão supra transcrito que o tribunal a quo não incorreu em qualquer omissão que pudesse justificar a nulidade da sua decisão.
E. Estando em causa um pedido de proteção internacional importa sobretudo saber se os fundamentos do mesmo encontram eco nas normas que regulam esse instituto jurídico, mormente as vertidas nos artigos 3º e 7º da Lei nº 27/2008 de 30/06.
F. Ora, consultadas as declarações da ora Recorrente proferidas em sede administrativa, e bem assim todo o alegado em sede de primeira instância junto do Tribunal a quo, não se vislumbrou qualquer ligação entre os motivos que estiveram na base do pedido e as condições que integram o enquadramento para efeitos de proteção internacional.
G. Explicitando a ora Recorrente em momento algum relatou factos que justificassem uma maior indagação quer por parte da Administração, quer por parte do Tribunal de tal modo que impusesse uma especial análise crística da prova.
H. Uma vez analisados os factos trazidos a pleito e concluindo e bem que os mesmos não consubstanciam matéria relevante para efeitos de proteção internacional, não entende a administração em que medida poderia o Tribunal ter efetuado uma análise mais crítica, e sobre que provas.
I. A verdade é que o tribunal a quo perante a factualidade apresentada, enquadrou e fundamentou nos termos da Lei a decisão ora em crise.
J. Do que foi relatado pela ora recorrente quer na fase administrativa, quer na fase contenciosa, indubitavelmente não resultou que a mesma é uma cidadã perseguida ou gravemente ameaçada de perseguição, em consequência de
atividade exercida no Estado da nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; ou que para feitos de proteção subsidiária esteja impedida ou se sinta impossibilitada de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave, cfr. art.º 3ª e 7º da Lei de Asilo, respetivamente.
K. Ora em momento algum referiu a ora Recorrente que tivesse sido perseguida nas condições constantes do art 3º, ou mesmo que se sentisse impedida de regressar ao país de origem ou da residência devido à sistematiza violação dos direitos humanos que aí se verifique.
L. A verdade é que todo o seu relato se baseou em motivos de ordem particular, relacionados com a sua vida pessoal, privada, nada tendo que ver com as exigências dos arts. 3º e 7º da lei de Asilo.
M. Com todo o respeito, as desavenças familiares resultantes do facto de alegadamente, se ter recusado a casar com um amigo do seu pai, de modo algum podem relevar para efeitos de proteção internacional.
N. Quanto à questão suscitada de que a sentença recorrida "labora em erro de julgamento sobre a matéria de facto e consequentemente errónea aplicação do Direito, por ilegalidade da decisão impugnada por preterição de formalidade essencial, prevista no artigo 17º nº 1 e 2 da Lei nº 27/2008, de 30.6, de audição prévia do interessado sobre as informações essenciais ao seu pedido, constantes de um relatório escrito que as indique...'', urge esclarecer que pese embora este ser um argumento falho, a verdade é que o mesmo nunca foi suscitado em primeira instância, não podendo deste modo ser aqui levantada a questão.
O. Ainda assim sempre se dirá que o art.º 17º é aplicável apenas aos requerentes de proteção internacional cujo pedido tenha sido feito já em território nacional, o que não foi o caso, uma vez que a ora recorrente efetuou o seu pedido no Posto de Fronteira, remetendo assim a tramitação do procedimento para o art.º 24º da Lei de asilo.
P. Na referida norma (art.º 24º) estabelece-se respetivamente no nº 2 e 3 que "O requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado"; "À prestação de declarações referida no número anterior é aplicável o disposto no artigo 16º."
Q. Por sua vez o art 16º refere no nº 1 que "Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão ".
R. Resulta assim que tendo a ora recorrente prestado declarações que valem para todos os efeitos como audiência de interessado e não lhe sendo aplicável o consignado no art 17º, não houve preterição por parte da autoridade administrativa de quaisquer formalidades essenciais, e muito menos o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento.
S. A diferença de procedimentos constantes dos arts. 17º e 24º da Lei de Asilo, reside substancialmente no facto de os pedidos de proteção internacional efetuados em território nacional tramitarem num prazo de 30 dias e os pedidos efetuados no posto de fronteira tramitarem num prazo de 7 dias, sendo que naturalmente nestes último a lei não prevê que o requerente se pronuncie sobre o relatório elaborado pela entidade demanda conforme estabelece o art 17º.
T. Para reforçar o supra aduzido remetemos para o Acórdão proferido em 24 de Janeiro de 2019 pelo TCA Sul, no âmbito do processo nº 1434/18.BELSB que, conclui dando razão, em toda a linha, à tese defendida pela entidade demanda.
U. Todo o exposto demonstra que o ato ora impugnado foi correta e legalmente proferido não padecendo de qualquer vício que o invalide, assim como a sentença que o confirmou devendo a mesma ser mantida com todas as sua legais consequências.

Termos em que deve o presente recurso e o pedido formulado serem julgados improcedentes por provados, e manter-se a douta Sentença recorrida com todas as legais consequências».


O Exmo. Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na integra a sentença recorrida, por entender que o caso do recorrido não se enquadra na previsão da Lei do Asilo.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto do recurso:
Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, verificamos que cumpre apreciar:
- das nulidades da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto, por falta absoluta de indicação da matéria de facto não provada, por omissão da análise critica da prova;
- do erro de julgamento de facto,
- do erro de julgamento de direito.


Fundamentação de facto
O Tribunal a quo, «tendo em conta a prova documental», deu como provados os factos que seguem:

A) «A Autora é nacional da República Democrática do Congo.
B) Em 28/09/2018, a Autora apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado Português, no posto de fronteira do SEF, no aeroporto de Lisboa, que deu origem ao processo nº 995W/18.
C) Em 08/10/2018, a ED. proferiu a seguinte decisão «


(“texto integral no original; imagem”)

», que foi notificada à Autora.



O Direito.
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efetuar.

Nulidades da sentença – por falta de especificação dos fundamentos de facto, por falta absoluta de indicação da matéria de facto não provada, por omissão da análise critica da prova.

Nos termos do art 615º, nº 1 do CPC ex vi art 1º do CPTA, a sentença é nula nos casos previstos nas suas alíneas a) a e): não contenha a assinatura do juiz (al a)), quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al b)), os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al c)), quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al d)) e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al e)).

As nulidades da sentença (ou do acórdão) estão taxativamente enunciadas e não se confundem com o erro de julgamento. As primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.

No caso, a recorrente sustenta as nulidades na argumentação seguinte:
- «… não consegue a recorrente descortinar na douta sentença recorrida que matéria de facto foi dada como provada, nem qual o seu cabal e adequado exame crítico».
A especificação dos fundamentos da decisão, prevista no art 615º, nº 1, al b) do CPC, refere-se à fundamentação de facto e de direito que a justifica, devendo o juiz para tanto discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (cfr art 94º, nº 3 do CPTA de 2015 e art 607º, nº 3 e 4 do CPC).

Ora, basta ler a petição inicial e a sentença recorrida para constatar que os factos alegados naquele articulado são os descritos na informação, nº 1376/18, que sustenta a decisão administrativa de 8.10.2018, e fazem parte do probatório.

Na verdade, a recorrente «retirou» os factos enunciados na petição inicial da informação nº 1376/18. E assim o meio de prova que indicou foi tão somente a prova documental. A recorrente não se propôs prestar declarações, nos termos do art 466º do CPC ex vi art 90º, nº 2 do CPTA, não requereu a audição de testemunhas, não juntou documentos além da informação nº 1376/18 e da decisão que sobre a mesma foi vertida.

Pelo que, os factos da causa são os que estão elencados no nº 6 da informação 1376/18, de 8.10.2018. E, portanto, são os que a sentença sob recurso deu como provados, com fundamento em prova documental que se encontra junta aos autos.

No caso não há factos alegados nos articulados que tenham ficado por provar.

O que ostensivamente afasta a nulidade que vem imputada à sentença recorrida.

Assim, independentemente do acerto da decisão recorrida, não se verifica nulidade da decisão por falta de fundamentação.

Impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por outro lado, dispõe o art 640º, nº 1 do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objetivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes.

Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.

Como refere Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, pág. 298 e 301, em anotação ao art 662º, «A Relação [relativamente aos concretos pontos impugnados] poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova [produzidos], com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado». «Desde que o recorrente tenha cumprido o ónus de alegação regulado nos termos do art 640º (do CPC), a Relação, no que respeita à decisão da matéria de facto, não pode limitar-se à enunciação de argumentos marginais de pendor abstrato – como as dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova – impondo-se sempre a reapreciação dos meios de prova produzidos».

Assim, desde que não existam motivos para rejeitar o recurso da decisão da matéria de facto, nos termos do art 640º do CPC, deve o Tribunal de 2ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, reapreciar os meios de prova indicados pelo recorrente e os indicados pelo recorrido ou que se mostrem insertos no processo.
Mas, frisemos, a segunda instância reaprecia os meios de prova produzidos no processo, in casu, a prova documental junta aos autos.
A fase do recurso não é ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, exceto quanto à produção de prova documental nos termos do art 651º, nº 1 do CPC.
Sucede que a ora recorrente, com a petição inicial, juntou cópia da informação nº 1376/18 e da decisão que considerou o seu pedido de asilo infundado, portanto, peças do processo administrativo. A recorrente na petição inicial não requereu a produção de outra prova, documental ou oral (por declarações de parte ou depoimento de testemunhas).
Donde, na fase de recurso, não pode, como pretende, ser ouvida ex novo em declarações de parte, uma vez que não as requereu nem prestou declarações na 1ª instância. A recorrente foi ouvida em declarações pelo SEF no processo administrativo, o que desde logo afasta a sua pretensão a «renovação da produção da prova» por declarações de parte.

Acresce que a recorrente diz ter alegado factos que não foram dados como provados ou como não provados, mas não identifica esses factos. O que significa que a matéria de facto relevante para a decisão da causa encontra-se inserta nos documentos juntos com a petição inicial e foi levada ao probatório da sentença recorrida. Pelo que, inexistindo factos que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, não se justifica a junção, nomeadamente, de «parecer a solicitar ao Conselho Português para os Refugiados e ao Gabinete Conjunto das Nações Unidas para os Direitos Humanos», de «informação ao SEF».

Em suma, o que a recorrente pretende é requerer a produção de novos meios de prova em fase de recurso, para colmatar a omissão que, ela sim, praticou na petição inicial ao não ter requerido as suas declarações de parte, ao não apresentar rol de testemunhas, ao não solicitar que fossem pedidos os pareceres e informações que agora pretende. Daí lhe advindo efeitos preclusivos, que impedem a realização de um novo julgamento por este Tribunal Central.
Por fim, a recorrente discorda da interpretação que o SEF e a sentença recorrida fizeram das declarações que prestou no dia 4.10.2018, no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa. Na verdade, considera que o seu relato não é vago nem genérico, muito pelo contrário, «constata que os seus sentimentos foram perturbados e o seu estado psicológico abalado porque, por se ter recusado a casar, foi expulsa de casa e ameaçada de morte pelo pai, o que pode tornar válido o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado». Nesta parte a impugnação da autora prende-se já com a aplicação do direito aos factos, a ser analisada de seguida.
Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a factualidade fixada em 1ª instância.

Erro de julgamento de direito.

Aqui chegados, cumpre proceder ao enquadramento jurídico dos factos.
E deste modo averiguar se, em face das declarações que a recorrente prestou, quanto ao motivo do receio de regresso ao país de origem, o pedido de proteção internacional não devia ter sido considerado infundado, como foi, ao abrigo do artigo 19º nº 1 alínea e) da Lei de Asilo – Lei nº 27/2008, de 30.6, com a redação dada pela Lei nº 26/2014, de 5.5. Isto é, se os motivos que a requerente invocou como fundamento da proteção internacional, não são pertinentes ou têm relevância mínima, para a análise do pedido de asilo e proteção subsidiária.

Não se trata, aqui, da eventual incoerência, contradição, manifesta falsidade ou inverosimilhança das declarações (situação que é tratada na al c) do nº 1 do artigo 19º); nem do eventual desfasamento temporal entre a entrada ilegal em território nacional e o pedido de proteção internacional (situação vertida na al d) do nº 1 do artigo 19º); nem ainda da natureza segura (ou não) do país de origem (situação tratada na al f) do nº 1 do artigo 19º).
O que se impõe saber, in casu, é se ao contrário do decidido pela entidade administrativa competente, o teor das declarações prestadas pela requerente não deve ser considerado como não pertinente ou de relevância mínima para analisar do pedido de proteção internacional, que é afinal a situação a que se refere a al e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, em que se suportou a entidade requerida.
Ora, o relato da requerente aponta como único motivo de receio para regressar ao país natal, a República Democrática do Congo, o facto de «me quererem forçar a casar», porque se recusar diz que vai ser morta pelo pai», todavia, o pai expulsou-a de casa. Quanto a ameaças, apenas esclareceu que o pai «Disse que me ia mostrar o mundo» e o deputado «…Ele só quer casar comigo». O que, como bem decidiu a sentença recorrida, apresenta relevância mínima no contexto de ato de perseguição suscetível de fundamentar o direito de asilo e a aplicação do princípio do benefício da dúvida.
Foi a recorrente que quis abandonar o seu país, onde não foi alvo de perseguição por motivos de raça, credo religioso ou pertença étnica, nunca foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, nunca desenvolveu alguma atividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nunca cumpriu pena de prisão, nunca foi condenada por um crime, não tem nenhum problema com as autoridades policiais, judiciais ou com o Estado da RDC.
Não se mostram, pois, concretizados factos que fundamentem a pretensão da recorrente, quer para obter asilo, nos termos do art 3º da Lei de Asilo, quer por correr o risco de sofrer ameaça grave, de acordo com o art 7º da mesma Lei.
Donde, a decisão do SEF, de 8.10.2018, que culminou o procedimento de tramitação acelerada apresentado pela recorrente no posto de fronteira do SEF, no Aeroporto de Lisboa, seguindo o disposto no regime especial dos arts 23º e segs da Lei de Asilo, foi antecedida de declarações, que valeram, para todos os efeitos como audiência prévia do interessado (cfr art 24º, nº 2).
Pelo que, também, formalmente a decisão do SEF não tinha de cumprir as exigências do art 17º, nº 1 e nº 2 da Lei de Asilo e, deste modo, inexistindo o relatório escrito ali previsto, a sentença não o podia elencar.
O estrangeiro ou apátrida que entre em território nacional a fim de obter proteção internacional deve apresentar sem demora o seu pedido ao SEF ou a qualquer outra autoridade policial, podendo fazê-lo por escrito ou oralmente, sendo neste caso lavrado auto (art 13º, nº 1).
O tratamento do Pedido de Proteção Internacional, dependendo do momento e local onde é apresentado, obedece a regras de procedimento diferentes, ou seja, os pedidos apresentados no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF seguem a tramitação estabelecida nos arts 10° e segs da Lei de Asilo. Por sua vez, os pedidos apresentados nos Postos de Fronteira, seguem uma tramitação mais acelerada e integram o Regime Especial estabelecido nos artigos 23° e segs do mesmo diploma legal.
O requerente é ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e, em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de proteção subsidiária.

No caso dos autos, o pedido de Proteção Internacional foi apresentado em posto de fronteira e, por isso, seguiu o regime especial.

A recorrente prestou declarações no SEF e foi com base nessa audição que o SEF procedeu à primeira avaliação do pedido de proteção internacional, considerando-o infundado, nos termos do art 19º, nº 1, al e) – por os motivos invocados, como fundamento do receio de regresso ao país de origem, não serem pertinentes e terem relevância mínima, para a análise do pedido.

Em resultado, o pedido de proteção internacional da recorrente não foi admitido à fase de instrução, nos termos e para efeitos do disposto no art 20º, nº 4 e 21º da Lei de Asilo.

Ora, no caso, como decidiu a sentença recorrida e também o refere o parecer do Ministério Público, não pode ser considerado pertinente o relato da requerente de proteção internacional, cidadã da República Democrática do Congo, que diz ter receio de ali regressar por a quererem «forçar a casar».

Nestes termos, a decisão recorrida não padece de erro de julgamento de direito e, improcedendo o recurso, mantem-se na ordem jurídica.

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e, assim, manter a sentença recorrida.
Sem Custas – cfr art 84º da Lei do Asilo.
Registe e notifique.
Lisboa, 2019-05-23,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(Paulo Gouveia,
em substituição do Exmo. Sr. Juiz Adjunto António Vasconcelos – cfr art 661º, nº 2 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA).