Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07361/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/27/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL/ SUBIDA IMEDIATA DA RECLAMAÇÃO/ PENHORA DE IMÓVEL/ EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL / EFEITOS DO RECURSO DA SENTENÇA DE OPOSIÇÃO/ CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ.
Sumário:I – De acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, para além dos casos em que estejam em causa as ilegalidades expressamente mencionadas no nº 3 do artigo 278º, devem ter subida imediata as reclamações em que o diferimento da apreciação jurisdicional seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável para os interessados, bem como em todos os casos em que a subida diferida tenha como consequência a perda da utilidade da reclamação.
II - A decisão de fazer subir imediatamente a reclamação com base na constatação de que, a não ser assim, a mesma perderia o seu efeito útil, é um juízo que merece acolhimento, tanto mais que, tal como a questão é colocada pelo Reclamante, e como o Tribunal a quo assinalou, o revertido pretende reagir contra o acto de penhora por ter sido efectuada com desconsideração da sentença que declarou extinta, em relação a si, a execução fiscal cuja dívida exequenda a penhora pretendia garantir.
III – Não se afigura legalmente possível que a Fazenda Pública, perante um recurso que não obsta à execução imediata da sentença de oposição, venha, posteriormente, e pela via da penhora, obter a suspensão da execução fiscal (e, em bom rigor, da própria sentença de oposição), quando, na sede própria – isto é, no recurso interposto da sentença de oposição – não foram acautelados tais efeitos.
IV – O despacho reclamado, que ordenou a penhora no âmbito de um determinado processo de execução fiscal e apensos (e só deste processo) não se pode manter, por a isso obstar a possibilidade de execução imediata da sentença de oposição, decorrente do efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso interposto da mesma (cfr. artigo 286º do CPPT).
V – O nº 1 do artigo 104º da LGT estabelece uma sanção pecuniária com fundamento na litigância de má fé da AT, o que mostra que, independentemente das questões doutrinárias que se possam colocar sobre a possibilidade de a Administração, sujeita ao princípio da legalidade, poder actuar com má fé em juízo, o legislador da LGT tomou a opção no sentido de fazer actuar tal mecanismo relativamente à AT.
VI – A possibilidade de tal sanção por litigância de má fé depende de uma violação dolosa ou gravemente negligente (por aplicação do artigo 456º, nº 2 do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 542º, 2 do CPC), quer do princípio da boa fé - actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados – quer do princípio da igualdade - o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

Inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a reclamação apresentada por ... , ao abrigo do disposto no artigo 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Fornos de Algodres que, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos, ordenou a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 540, da Freguesia de Figueiró da Granja, Fornos de Algodres, e que condenou, ainda, a Fazenda Pública ao pagamento de uma multa no montante de 1 UC e no pagamento de uma indemnização de igual valor ao reclamante, por considerar que a mesma litigou de má fé, vieram, a Fazenda Pública e o Ministério Público, dela interpor os presentes recursos jurisdicionais:

A Fazenda Púbica formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

“a) A douta sentença padece dos vícios de erro de julgamento sobre a questão fulcral suscitada nos autos, por incorrecta apreciação da matéria dada como provada. Violou ainda a sentença o quadro normativo aplicável, designadamente os artºs 169°, 278°, nº 3 do CPPT, bem como o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. A decisão, ora recorrida, não interpretou correctamente o regime jurídico da litigância de má fé.

b) A sentença proferida no processo de oposição foi anterior ao decretamento da penhora, no entanto, foi-lhe atribuída a eficácia de, somente, suspender os processos executivos a que está associada, até ao trânsito em julgado dos processos de contencioso - oposições - deduzidos em cada uma das execuções, pelo que, não se iria proceder à venda judicial do imóvel penhorado.

c) Todas as execuções associadas à penhora são objecto de oposição judicial, tendo sido proferida sentença de procedência da oposição, no processo 498/12.4, que tinha como objecto o PEF 1201201101002260, já transitada. As outras oposições referentes aos processos de execução associados à penhora, em sindicância, não estão decididas.

d) Não existe prejuízo grave ou irreparável ao ora reclamante, pelo que a reclamação não deveria ter subida imediata, aguardando-se as decisões das oposições, que correm termos, sob pena de violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, conforme explanado.

e) A penhora é efectuada no artº 540, urbano, sito nas Lameiras, ... e registada em 06.09.2013, pela Ap. 2204, registada pelo valor de € 16.705,28, sendo que, no Sistema de Penhoras Electrónicas (SIPE) constam, como estando associados ao pedido de penhora nº 120120130000003592 (penhora associada 1201.2013.77), os processos executivos identificados a fls. 54 dos autos;

f) Considerando que a quantia exequenda do PEF 1201201001001361 e apensos é de apenas € 2.854,07 (valor a penhorar), nunca poderia ser somente este processo subjacente à penhora, que garante um valor quase 8 vezes superior;

g) A RFP considera injusta a condenação como litigante de má fé e reputa errado o julgamento do Tribunal “a quo”, no que toca, em concreto, a esta questão.

h) No print de fls. 53 dos autos, proveniente do SIPE, consta como data de notificação o dia 13.09.2013, data coincidente com a associação da penhora nos processos executivos, supra identificados.

i) Por lapso, que ora se reconhece, a Fazenda Pública entendeu como sendo esta a data da citação após penhora, pensando que esta data, constante do referido print do SIPE, reproduzia a tramitação da execução fiscal, considerando que o registo da penhora foi efectuado no dia 06.09.2013, não era totalmente descabido que a citação fosse feita logo após, ou seja, dia 13.09.2013, data que, inclusivamente, consta da tramitação da execução fiscal, como “para citação pessoal após penhora”.

j) Apesar de ter existido um lapso da Fazenda, não se vislumbra quais os prejuízos ocasionados ao ora reclamante pela invocação da excepção, uma vez que se logrou demonstrar, no presente processo, que a sua reclamação estava em tempo e, como tal, susceptível de ser apreciada judicialmente.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) rematou as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

O presente recurso abrange apenas o segmento decisório que condenou a Administração Tributária como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542º, n°l do CPC.

Considerou o Mmo Juiz que resulta claramente dos autos que a notificação da penhora ocorreu em 23- 09-2013 e que seria exigível à Fazenda Pública abster-se de invocar como data de notificação o dia 13-09-2013, sendo certo que dos autos não constam quaisquer elementos que permitam razoavelmente supor que teria sido essa a data de notificação da penhora .

E, bem assim, que um técnico do direito com diligência média, não teria alegado como data de notificação da penhora o dia 13-09-2013 e invocado a excepção de caducidade do direito de acção nos termos em que a mesma foi deduzida.

Desta forma conclui que, no caso concreto, seria exigível à Representante da Fazenda Pública não ter alegado tal facto nos termos em que o fez, sendo que ao fazê-lo, o seu comportamento consubstancia negligência grave, nos termos e para os efeitos do artigo 542º, nº 2, alínea b) do CPC.

Ou seja, considerou o Mmo Juiz que a Representante da Fazenda Pública, ao ter alegado que a notificação da penhora ocorreu no dia 13-09-2013 e não no dia 23-09-2013, actuou com negligência grave, nos termos do artigo 542º, nº2, alínea B) do CPC, ou seja, alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa.

A doutrina tem classificado a má-fé de que trata o preceito em duas variantes: a má-fé material e a má- fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nºl, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número".

E como tem decidido a jurisprudência, a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão.

Ora, no presente caso, nada indica que tenha existido consciência, por parte da Representante da Fazenda Pública, de que não tinha razão, tudo indicando, em sentido contrário, que terá existido um lapso que consistiu muito simplesmente em ler “13” em detrimento de “23”.

E, para além do mais, importava discutir se a Administração Tributária se encontrava sujeita a tal regime legal, o que, de todo, não foi feito. Na verdade, tem sido defendido que, com base na natureza pública das entidades recorridas em processos de recurso contencioso e no interesse público que devem prosseguir, existe suporte consistente para considerar ínsita no seu estatuto processual uma isenção do regime de litigância de má fé.

10ª Embora se entenda que, num Estado de Direito, assente no primado da lei, o interesse da prossecução do interesse público não pode deixar de subordinar-se ao do cumprimento da legalidade, assim se concluindo que as entidades públicas são susceptíveis de condenação por litigância de má-fé, uma vez verificados os seus pressupostos legais.

11ª Aqui chegados, importava verificar se o contencioso tributário tem norma específica aplicável na presente situação.

12ª De facto, no artigo 104° da LGT estabelece-se um regime de condenação por litigância de má-fé distinto para a administração tributária e para o sujeito passivo, pois enquanto este pode ser condenado em multa por litigância de má-fé nos termos da lei geral (n° 2 daquele artigo), a administração tributária apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n° 1 do mesmo artigo).

13º Ou seja, apenas no caso de se verificarem estas duas situações - actuar contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas - pode a AT ser condenada corno litigante de má-fé, o que não se encontra provado na hipótese dos autos.

14º Razão pela qual a sentença recorrida, ao condenar a AT como litigante de má-fé, no pagamento da multa de 1 UC, acrescida de uma indemnização ao reclamante de igual valor, enferma de erro de aplicação dos factos e de interpretação do direito, violando o disposto nos artigos 542° do CPC e 104º da LGT.

15º Dando provimento ao presente recurso e revogando a decisão recorrida, na parte em que condenou a AT como litigante de má-fé, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA!”


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o EMMP pronunciou-se sobre o recurso interposto pela Fazenda Pública, defendendo que, ressalvada a questão da condenação da Fazenda como litigante de má, a decisão recorrida deverá ser mantida (cfr. fls. 363 e 364).

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Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, importa apreciar e decidir, já que a tal nada obsta.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) Em 30-06-2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Fornos de Algodres, contra a sociedade “ ... & Filhos, Lda”, o processo de execução n.º 1201201001001361, por dívida de coima do ano de 2010, e encargos administrativos, no valor de € 111,00 [cf. fls. 182 e 183 dos autos].

B) Ao processo de execução fiscal identificado na alínea anterior foram posteriormente apensados os seguintes processos de execução fiscal: PEF nº 1201201001001400, por dívida de IRS do ano de 2010 no valor de €28,50; PEF nº 1201201001001191, por dívida de coimas do ano de 2010 no valor de €1.561,00; PEF nº 1201201001001663, por dívida de coimas do ano de 2010 no valor de €379,00; PEF nº 1201201001001809, por dívidas de IRC do ano de 2009 no valor de €453,28; PEF nº 1201201001002562, por dívida de coimas do ano de 2010 no valor de €81,00 [cf. fls. 221 dos autos].

C) Por despacho de 02-10-2012, o Chefe de Finanças reverteu contra o ora reclamante a execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos [cf. fls. 221 e 222 dos autos].

D) Em 04-10-2012, o ora reclamante foi citado no processo de execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos, para proceder ao pagamento quantia exequenda de €2.613,78, na qualidade de responsável subsidiário [cf. fls. 220 a 224 dos autos].

E) Na sequência da citação, o ora reclamante apresentou oposição à execução fiscal mencionada na alínea anterior, dando origem ao processo nº 494/12.1BECTB do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, no âmbito do qual, por sentença proferida em 22-07-2013 foi decidido “julgar a oposição procedente, com, a consequente extinção, quanto ao oponente, da execução revertida ” [cf. fls. 115 a 138 e 227 dos autos].

F) Contra a decisão proferida no processo nº 494/12.1BECTB, mencionada na alínea anterior, foi interposto recurso pela Fazenda Pública por requerimento datado 05-08-2013 [cf. fl. 143 dos autos].

G) Em 02-09-2013, no âmbito do processo de execução fiscal 1201201001001361 e apensos, o Chefe do Serviço de Finanças emitiu a comunicação de penhora nº 1201201300000003592 efectuada sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 540, freguesia de Figueiró da Granja, Concelho de Fornos de Algodres, para garantia do pagamento da quantia exequenda e acrescido no montante de €16.705,28 no processo de execução fiscal 1201201001001361 e apensos [cf. fls. 233 a 237 dos autos].

H) Através da Ap. 2204 de 06/09/2013 foi efectuado na Conservatória do Registo Predial de Fornos de Algodres o registo da penhora mencionada na alínea anterior [cf. fls. 50 a 53 dos autos]

I) Consta de print extraído do Sistema Informático de Execuções Fiscais que à penhora, que antecede, se encontram associados os processos executivos nºs 1201201001001361, 1201201101000845, 1201201101002260, 1201201101002473, 1201201101002686 [cf. fls. 231 e 232 dos autos].

J) Por despacho proferido no processo nº 494/12.1BECTB, datado de 09-09- 2013, foi admitido o recurso interposto pela Fazenda Pública com “efeito meramente devolutivo”, notificado às partes por ofício de 10-09-2013 [cf. fls. 139 a 143 dos autos].

K) Em 18-09-2013 o Serviço de Finanças remeteu para a morada do ora reclamante, por correio registado, sob registo postal nº RQ286600129PT, ofício, datado de 14-09-2013, para notificação da penhora a que se alude em G) [cf. fls. 263 e 264 dos autos].

L) Consta do print dos CTT junto aos autos que o objecto postal com o registo nº RQ286600129PT foi entregue ao seu destinatário em 23-09-2013 [cf. fls. 264 dos autos].

M) Consta do print de tramitação do processo de execução fiscal nº 1201201001001361 extraído do sistema informático de execuções fiscais que a notificação da penhora ocorreu em 23-09-2013 [cf. fls. 250 dos autos].


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Com interesse para a decisão nada mais se provou e que importe dar como registado.

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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados”.

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Ao abrigo do disposto no artigo 662, nº 1, do CPC, entendemos que é de aditar o seguinte facto ao probatório que foi fixado na 1ª instância, o qual resulta documentalmente provado por documento junto aos autos.

N) No sistema informático de penhoras automáticas (SIPA), em “Lista de comunicações de penhora/Dados do contribuinte/ Dados do pedido de penhora/ Lista de comunicações”, consta, além do mais, a identificação do executado, ora Recorrido, o número de pedido de penhora (120120130000003592), e a indicação da data de 13/09/13 associada às menções “data de recepção da notificação” e “data de recepção da resposta” (cfr. print de fls. 56 dos autos cujo teor se dá por reproduzido).

2.2. De direito

Como vimos, são dois os recursos interpostos, sendo, contudo, o recurso interposto pelo EMMP limitado à questão da condenação da Fazenda Pública como litigante de má fé, questão esta que também se inclui entre as questões a apreciar e decidir no âmbito do recurso interposto pela Fazenda. Naturalmente, o acerto (ou desacerto) desta condenação será matéria a analisar a final.

Iniciaremos, pois, a presente análise pelas restantes questões, tal como a Recorrente, Fazenda Pública, as equacionou.

Assim, e desde logo, temos a questão da subida imediata da reclamação interposta ao abrigo do artigo 276º do CPPT.

Em sede de petição inicial, o Reclamante, ora Recorrido, fez aí constar que deduzia reclamação com subida imediata.

Logo na resposta, a Fazenda Pública manifestou a sua discordância quanto à subida imediata da reclamação, por entender, em síntese, que “não se vislumbra quais os evidentes prejuízos ou os prejuízos irreparáveis que esta situação acarreta”.

Decidindo, perante as duas posições em confronto, o Tribunal a quo concluiu pela subida imediata da reclamação apresentada. Para tal, ancorou-se no seguinte discurso:

“Nos termos do artigo 278º, nº 1 do CPPT, a reclamação de decisão do órgão da execução fiscal sobe, em regra, depois de realizadas a penhora e a venda.

Porém, excepcionalmente, nos termos do artigo 278º, nº 3 do CPPT, a reclamação subirá imediatamente quando se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada; b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência; d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida. e) Erro na verificação ou graduação de créditos.

No entanto, a jurisprudência tem entendido, com fundamento no princípio da tutela jurisdicional efectiva que, para além dos casos em que estejam em causa as ilegalidades expressamente mencionadas no nº 3 do artigo 278º, devem ter subida imediata as reclamações em que o diferimento da apreciação jurisdicional seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável para os interessados, bem como em todos os casos em que a subida diferida tenha como consequência a perda da utilidade da reclamação, isto é, quando o prejuízo decorrente da decisão recorrida não possa ser reparado com a subida em diferido da reclamação [cf. entre outros, Acórdãos do STA de 23-05- 2007 no Proc. nº 0374/07 e de 23-11-2011 no Proc. nº 0709/11, disponíveis in www.dgsi.pt].

No caso dos autos, o reclamante reage contra o acto de penhora por ter sido efectuada com desconsideração da sentença que declarou extinta, em relação a si, a execução fiscal.

Ora, ainda que, tal como alegado pela Fazenda Pública, a penhora realizada assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido e, nessa medida, determine a suspensão do processo de execução fiscal, a verdade é que, se os autos não subirem imediatamente, o reclamante poderá ver o seu imóvel vendido com base numa penhora ilegal, pelo que, a sua pretensão de obstar a que a execução prossiga com base numa penhora que reputa ilegal, perderá o seu efeito útil.

(…)

Pelo exposto, decide-se conhecer imediatamente da presente reclamação”.

Ora, a decisão de fazer subir imediatamente a reclamação com base na constatação de que, a não ser assim, a mesma perderia o seu efeito útil, é um juízo que merece o nosso acolhimento, tanto mais que, tal como a questão é colocada pelo Reclamante (e como o Mmo. Juiz assinalou), o revertido pretende reagir contra o acto de penhora por ter sido efectuada com desconsideração da sentença que declarou extinta, em relação a si, a execução fiscal nº 1201201001001361.

Diga-se, aliás, que não é, sequer, apreensível a posição da Fazenda Pública, a este propósito, quando defende a subida a final da reclamação e, simultaneamente, afirma que, no caso, não se iria proceder à venda judicial do imóvel penhorado. Parece-nos, salvo o devido respeito, que tal posição assenta num equívoco, pois que se a subida a final significa, nos termos da lei, o conhecimento da reclamação após a realização da penhora e da venda, e se, para a Fazenda, este momento (da penhora) não é o momento da subida da reclamação e, do mesmo passo, afirma que não se iria proceder à venda do imóvel, a pergunta que se impõe surge óbvia: qual seria, então, o momento oportuno para o Tribunal conhecer a reclamação?

Ora, neste circunstancialismo, não se afigura que o Tribunal a quo pudesse ter decidido de forma diferente daquela que decidiu, evidenciando, como fez, a perda do efeito útil da reclamação, caso a mesma não subisse imediatamente.

Termos em que, e sem necessidade de outras considerações, se mantém a resposta do Tribunal recorrido relativamente ao momento da subida da reclamação, improcedendo, por conseguinte, as conclusões da alegação do recurso da Fazenda Pública em que se pugnava por decisão contrária. Nesta parte, portanto, o recurso interposto não poderá obter provimento.

Avançando na análise, temos uma segunda questão a decidir, a saber: se o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria dada como provada e se, em consequência, julgou erradamente ao decidir a anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Fornos de Algodres que, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1201201001001361, ordenou a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 540, da freguesia de Figueiró da Granja, Concelho de Fornos de Algodres.

Vejamos qual o raciocínio seguido pelo TAF de Castelo Branco para concluir pela ilegalidade do despacho reclamado, transcrevendo a sentença na parte que para o caso releva. Assim:
“Da matéria dos autos resulta que, no âmbito do processo de oposição nº 494/12.1BECTB, foi proferida sentença, em 22-07-2013, a julgar procedente a oposição deduzida pelo ora reclamante com a consequente extinção, em relação ao reclamante, da execução fiscal.

No entanto, após a interposição de recurso daquela decisão judicial por parte da Fazenda Pública, veio o Chefe de Finanças, por despacho de 02-09-2013, proceder à penhora do imóvel do ora reclamante para garantia das dívidas em cobrança naquela execução fiscal.

O reclamante alega que a penhora é ilegal face à sentença proferida no processo de oposição nº 494/12.1BECTB.

Por seu turno, a Exma. Representante da Fazenda Pública defende a manutenção da penhora, alegando que a sentença não transitou em julgado, não se podendo considerar extinta a execução fiscal contra o reclamante, nem ser ordenado o levantamento da penhora, sob pena de a dívida ficar desprovida de garantia, e perder utilidade o recurso interposto pela Fazenda Pública.

A razão está do lado do reclamante, senão vejamos.

Dispõe o artigo 286º, nº 2 do CPPT, que “os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos”.

Resulta do referido normativo que, “no âmbito do processo judicial tributário, os recursos jurisdicionais têm efeito meramente devolutivo, excepto, para todos os intervenientes processuais, com legitimidade para recorrer, se invocarem e comprovarem que o mesmo prejudica o efeito útil do apelo e para aqueles sujeitos que, tendo ou possam prestar, assegurem a existência de garantia, hipóteses em que os respectivas recursos terão efeito suspensivo” (cf. Acordão TCA Norte de 15-10-2009 no Proc. nº 00511/06.4BEPNF).

Significa isto que, o órgão de execução fiscal apenas estaria legitimado a prosseguir com a execução fiscal contra o reclamante, e nessa medida a praticar actos de execução, se o recurso interposto da sentença tivesse sido admitido com efeito suspensivo da sentença, nos termos do artigo 286º, nº 2 do CPPT, sendo que para tanto teria de ter apelado, no âmbito daquela instância recursiva, sobre o efeito útil do recurso

É que a simples interposição de recurso, face ao regime regra, não invalida a força imperativa e exequibilidade da sentença que julgou extinta a execução em relação ao reclamante.

Assim, não tendo a Fazenda Pública oportunamente requerido, no âmbito do nº 494/12.1BECTB, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso por si apresentado, foi o mesmo admitido com efeito meramente devolutivo, em conformidade com regra prevista no artigo 286º, nº 2 do CPPT.

Deste modo, perante a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, não podia o órgão de execução fiscal desconsiderar a sentença, que julgou extinta a execução em relação ao reclamante, e proceder à realização da penhora, que assim se mostra ilegal, sendo irrelevante para a apreciação de tal ilegalidade saber se tal efeito devolutivo afecta ou não a utilidade do recurso interposto pela Fazenda Pública. Pelo que é forçoso concluir pela ilegalidade da penhora.

Refere ainda a Fazenda Pública que a penhora do imóvel garante dívidas referentes a outros processos executivos, não podendo ser levantada mas apenas reduzida.

Também aqui não assiste razão à Fazenda Pública.

É certo que consta dos autos que o sistema informático de execuções fiscais associou a penhora efectuada no processo de execução nº 1201201001001361 e apensos aos processos executivos nºs 1201201001001361, 1201201101000845, 1201201101002260, 1201201101002473, 1201201101002686.

No entanto, tais processos não se encontram apensados ao processo nº 1201201001001361 no âmbito do qual, e para garantia das dívidas nesse processo e respectivos apensos, foi efectuada a penhora.

Assim, reportando-se as alegadas dívidas processos executivos autónomos e distintos do processo para o qual foi efectuada a penhora, não podem as mesmas estar abrangidas pela penhora, pelo que, nada obsta à anulação da penhora”.

Diverge a Fazenda Pública do assim decidido por entender que a sentença errou na análise da matéria de facto provada e por ter não ter aplicado, como devia, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. Mais refere que a penhora efectuada, relativa ao artigo urbano 540, sito nas Lameiras, Figueiró da Granja, foi registada pelo valor de € 16.705,28, ou seja, para garantia de dívidas provenientes também de outros processos que não apenas o processo executivo nº 1201201001001361 e apensos, uma vez que este tem subjacente uma dívida de apenas € 2.854,07.

Importa balizar devidamente a situação.

A presente reclamação foi deduzida no processo de execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos e é relativamente à ordem de penhora emitida com vista à garantia da dívida exequenda subjacente a tal execução que o Reclamante se insurge. Não há dúvidas, face ao probatório, que a penhora foi ordenada, em Setembro de 2013, no âmbito deste processo executivo nº 1201201001001361 e apensos.

Sucede que, anteriormente, o Reclamante havia deduzido oposição à execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos - que correu termos com o nº 494/12.1 BECTB - sendo que, em Julho de 2013, obteve uma sentença favorável às suas pretensões, tendo a oposição sido julgada procedente e ordenada a extinção da execução fiscal quanto ao oponente, aqui Reclamante/ Recorrido.

Sabemos, porque os factos provados assim o demonstram, que a Fazenda Pública não se conformou com a sentença proferida na referida oposição à execução fiscal, tendo interposto recurso da mesma, o qual não se mostra, ainda, decidido. Ou seja, a sentença que julgou procedente a oposição à execução nº 1201201001001361 e apensos ainda não transitou em julgado.

Ora, é em face desta circunstância que a Recorrente justifica a penhora efectuada e que, do mesmo passo, diverge do decidido pelo Tribunal a quo, já que, neste contexto, a penhora serve de garantia a uma dívida que ainda se mantém em discussão, encontrando-se a actuação do órgão da execução fiscal devidamente ancorada na observância do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários a que está legalmente obrigado.

Como é evidente, este Tribunal não desconsidera estes argumentos e percebe o alcance da tese aqui defendida pela Fazenda Pública. Sucede, contudo, que, como a Fazenda Pública não ignora, mal ou bem (o que, aqui, não nos compete avaliar), ao recurso interposto da sentença proferida na oposição nº 494/12.1 BECTB foi atribuído efeito meramente devolutivo, o que, diga-se, tem relevantes consequências na actuação da Administração relativamente à dívida exequenda ali em causa. Explicitemos o nosso raciocínio.

Como se sabe, nos termos do artigo 286º, nº2 do CPPT, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia, nos termos previstos no mesmo código, ou se o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos, caso em que o efeito do recurso será suspensivo.

Ora, o que está em causa na atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo dos recursos, e na análise do efeito útil do mesmo, é, como salienta J. Lopes de Sousa - in CPPT, anotado e comentado, Vol IV, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 508 – “a própria suspensão de efeitos da decisão recorrida e não do processo em que ela foi proferida”, sendo que “o recurso tem efeito devolutivo ou meramente devolutivo quando a sua interposição não obsta à execução imediata da decisão recorrida, resultando do recurso apenas a atribuição ao tribunal superior da possibilidade de alterar ou anular a decisão recorrida”. Diferentemente, se ao recurso é atribuído efeito suspensivo tal significa que, além de o Tribunal Superior poder alterar ou anular a sentença recorrida, verifica-se uma impossibilidade de dar execução à sentença.

No caso, repete-se, ao recurso da sentença que julgou a oposição procedente (a que corresponde, portanto, uma decisão positiva relativamente ao oponente), foi fixado o efeito meramente devolutivo, pelo que tal recurso não obsta à execução imediata da decisão.

Dir-se-á, como parece subentender-se das palavras da Recorrente, que, a ser assim, o recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo de oposição nº 494/12.1 BECTB perde todo o efeito útil, ficando comprometido o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. Contudo, a alteração do efeito fixado ao recurso interposto da sentença proferida naquele processo de oposição não é matéria que esteja na disponibilidade deste Tribunal, no presente recurso jurisdicional, apreciar e, porventura, alterar.

Já no âmbito do recurso interposto daquela sentença, o Tribunal ad quem não está vinculado ao efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo, podendo alterá-lo, ouvidas as partes, sendo que tal alteração pode ser suscitada pelas partes na sua alegação (artigo 654º do actual CPC, a que correspondia o anterior artigo 703º).

Ora, no caso, não há evidência de que tenha ocorrido qualquer alteração daqueles efeitos, nem tão-pouco a Fazenda Pública se refere a este aspecto, sendo certo, repete-se, que, no âmbito do recurso interposto da decisão proferida no processo de oposição nº 494/12.1 BECTB, a Fazenda poderia ter suscitado a alteração do efeito fixado, concretamente se entendesse que o efeito meramente devolutivo implicava a perda de utilidade do recurso.

E a ser assim, como é, não se nos afigura legalmente possível que a Fazenda Pública, perante um recurso que não obsta à execução imediata da sentença de oposição, venha, agora, posteriormente, e pela via da penhora, obter a suspensão da execução fiscal (e, em bom rigor, da própria sentença de oposição), quando, na sede própria – leia-se, no recurso interposto da sentença de oposição – não foram acautelados tais efeitos.

Por conseguinte, conclui-se que o despacho reclamado, que ordenou a penhora no âmbito do processo de execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos (e só deste processo estamos a tratar) não se pode manter, tal como o Tribunal recorrido decidiu, por a isso obstar a possibilidade de execução imediata da sentença de oposição, decorrente do efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso interposto da mesma (cfr. artigo 286º do CPPT).

Refere, ainda, a Fazenda Pública, em defesa da manutenção da penhora efectuada, que a mesma se destina à garantia, não apenas da dívida exequenda subjacente ao processo de execução nº 1201201001001361 e apensos (de € 2.854,07) mas, também, à garantia das dívidas exigidas noutros processos de execução fiscal, concretamente as execuções nºs 1201201101000845, 1201201101002260, 1201201101002473, 1201201101002686. Aliás, por isso mesmo, diz a Recorrente, o valor a garantir com a penhora é de € 16.705,28, ou seja, muito superior aos apontados € 2.854,07.

Mas uma vez mais, é preciso relembrar que a presente reclamação respeita ao despacho que ordenou a penhora no âmbito do processo de execução nº 1201201001001361 e apensos; trata-se, pois, de um despacho proferido na execução nº 1201201001001361 e apensos e não em qualquer outra.

Ora, se, como parece, é a própria aplicação informática que, ao proceder, numa determinada execução fiscal, à penhora de um bem, a associa (essa garantia) a outras dívidas exigidas noutros processos executivos, trata-se de uma funcionalidade que não transforma processos executivos autónomos, que não estão apensados, em processos a que esteja subjacente uma única dívida. Isto é, e no caso, à execução nº 1201201001001361 e apensos não está subjacente a dívida exequenda de € 16.705,28 (mas, sim, de € 2.854,07).

Sucede que, o despacho que ordenou a penhora, objecto da presente reclamação, foi proferido no processo nº 1201201001001361 e apensos e não em qualquer outro. E essa penhora, para garantia deste processo, já vimos que não se pode manter.

É evidente que isto não obsta a que o órgão da execução fiscal possa estar em condições de ordenar as penhoras que entenda para garantia dos processos executivos nºs 1201201101000845, 1201201101002260, 1201201101002473, 1201201101002686. Nem nada obsta a que, no âmbito de cada um dos processos, o bem penhorado seja o mesmo, sabido que sobre o mesmo bem imóvel podem recair várias penhoras.

Porém, tal terá que ser feito em sede própria, ou seja, em cada um dos processos (e apensos) cuja respectiva dívida a penhora visa garantir. Isto é assim, como não poderá deixar de ser, sem que a tal se possa opor o facto de as aplicações informáticas operarem de forma diversa, pois que os instrumentos informáticos não podem deixar de ser concebidos de forma consentânea e adaptada à lei e não o contrário.

Por conseguinte, a circunstância de a penhora efectuada no âmbito da execução fiscal nº 1201201001001361 e apensos ter sido associada a outros processos autónomos (não apensados àquele processo) não modifica, em nada, o facto de, pelas razões já avançadas, se ter concluído que a penhora ordenada é ilegal e deve ser anulada, conforme decidido pelo TAF de Castelo Branco. Com efeito, salienta-se que as alegadas dívidas de € 13.851,21 (correspondentes à diferença entre € 16.705,28 e € 2.854,07) não se incluem no processo nº 1201201001001361 e apensos, no âmbito do qual o acto reclamado foi praticado.

Termos em que, improcedem todas as conclusões do recurso respeitantes à questão vinda de analisar, mantendo-se a decisão que determinou a anulação do acto reclamado.

Vejamos, para finalizar, a última questão que nos ocupa, a qual, como dissemos, é comum a ambos os recursos jurisdicionais em apreciação, isto é, a condenação da Fazenda Pública como litigante de má fé.

Para já, façamos aqui constar, transcrevendo, o discurso alinhado pelo Mmo. Juiz a quo:

Do pedido de condenação como litigante de má-fé

Alega o reclamante que a reclamada ao invocar a extemporaneidade da apresentação da reclamação invocou factos falsos, que bem sabia não corresponderem à verdade, com o único intuito de entorpecer a acção da justiça, tendo deduzido para o efeito pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, tendo agido com má-fé.

Em sua defesa, a Fazenda Pública alega, em suma, que a excepção de caducidade foi deduzida com base nos elementos disponibilizados pelo sistema informático das execuções fiscais, porquanto a cópia da notificação da penhora não está disponível para ser consultada ou exibida pelo órgão de execução fiscal.

Vejamos.

Dispõe o artigo 542º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:

“Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé

1.Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

No caso dos autos, verifica-se que a Fazenda Pública suscitou a caducidade do direito de acção, alegando no artigo 7º da resposta à presente reclamação que “a citação pessoal após penhora ocorreu em 13-09-2013, conforme fls. juntas aos autos”.

No entanto, compulsados os autos, não se identifica qualquer elemento documental que permita razoavelmente inferir que a citação após penhora ocorreu na data de 13-09-2013.

Pelo contrário, resulta claramente dos autos, designadamente da tramitação do processo de execução fiscal extraída do sistema informático de execuções fiscais (cf. alínea M) do probatório), que a notificação da penhora ocorreu em 23-09-2013, sendo que tal data é confirmada pelo registo dos CTT.

Assim sendo, face à alegação do reclamante constante do artigo 1º da petição inicial no sentido de ter sido notificado da penhora em 23-09-2013, e perante a existência de elementos objectivos ao dispor da Fazenda Pública, constantes do sistema informático de execuções fiscais e do processo de execução fiscal, susceptíveis de confirmar tal alegação, julgamos que, seria exigível à Fazenda Pública ter em atenção tais elementos e abster-se de invocar como data de notificação o dia 13-09-2013, fazendo-o com base em elementos alegadamente juntos aos autos, os quais, no entanto, não discrimina, sendo certo que, sublinhe-se, compulsados os autos não se vislumbram quaisquer elementos que permitam razoavelmente supor que teria sido essa a data de notificação da penhora.

Assim, embora não se possa concluir que a Exma. Representante da Fazenda Pública tenha actuado com uma específica intenção de entorpecimento da realização da justiça, sempre teremos de concluir que, um técnico do direito com diligência média, colocado na posição da Exma. Representante da Fazenda Pública, não teria alegado como data de notificação da penhora o dia 13-09-2013 e invocado a excepção de caducidade do direito de acção nos termos em que a mesma foi deduzida.

Assim, julgamos que, no caso concreto, seria exigível à Exma. Representante da Fazenda Pública não ter alegado tal facto nos termos em que o fez, sendo que ao fazê-lo o seu comportamento consubstancia negligência grave, nos termos e para os efeitos do artigo 542º, nº 2 alínea b) do CPC.

Ante o exposto, concluímos que, ao deduzir a excepção de caducidade do direito de acção nos termos em que o fez, alegando como data de notificação da penhora o dia 13-09-2013, a Fazenda Pública litigou de má-fé nos presentes autos, devendo, em consequência, nos termos do nº 1 do artigo 542º do CPC, ser condenada no pagamento de uma multa, para cujo montante se julga adequado o valor de 1UC, bem como no pagamento de uma indemnização ao reclamante de igual valor”.

Ambos os Recorrentes contestam o assim decidido.

A Fazenda Pública realça a circunstância de no print de fls. 53 dos autos, proveniente do SIPE, constar como data de notificação o dia 13/09/13, data coincidente com a associação da penhora nos processos executivos identificados no processo, o que a levou, por lapso, que reconhece, a entender como sendo esta a data da citação após penhora, considerando que esta data, constante do referido print do SIPE, reproduzia a tramitação da execução fiscal e, admitindo que o registo da penhora foi efectuado no dia 06/09/2013, não se afigurava descabido que a citação fosse feita logo após, ou seja, dia 13/09/13, data que, inclusivamente, consta da tramitação da execução fiscal, como “para citação pessoal após penhora”.

Por seu turno, o EMMP, sobre esta questão, realça, no essencial, que, no caso, nada indicia que tenha existido consciência, por parte da Representante da Fazenda Pública, de que não tinha razão, tudo indicando, em sentido contrário, que terá existido um lapso que consistiu muito simplesmente em ler “13” em detrimento de “23”; que é discutível se a Administração Tributária se encontra sujeita ao regime legal da litigância de má fé, atenta a sua natureza de entidade pública e, acrescentando, que no contencioso tributário existe norma especificamente aplicável - o artigo 104° da LGT, o qual estabelece um regime de condenação por litigância de má fé distinto para a AT e para o sujeito passivo, sendo que a administração apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas, o que, defende, não se encontra provado na hipótese dos autos.

Vejamos, então, o que nos apraz dizer sobre esta questão.

Para tal, importa ter presente o artigo 104º da LGT, que dispõe sobre a litigância de má fé no processo judicial tributário. Em tal disposição legal pode ler-se que:

1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas. (sublinhado nosso)

2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.

Ora, estabelece o nº 1 do citado preceito uma sanção pecuniária com fundamento na litigância de má fé da AT, o que, desde logo, mostra que, independentemente das questões doutrinárias que se possam colocar sobre a possibilidade de a Administração, sujeita ao princípio da legalidade, poder actuar com má fé em juízo, a verdade é que o legislador da LGT tomou a opção no sentido de fazer actuar tal mecanismo relativamente à AT. E, assim sendo, fez depender a possível sanção por litigância de má fé de uma violação dolosa ou gravemente negligente (por aplicação do artigo 456º, nº 2 do CPC, a que actualmente corresponde o artigo 542º, 2 do CPC), quer do princípio da boa fé - actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados – quer do princípio da igualdade - o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.

Temos, pois, um regime mais restritivo que o previsto na lei processual civil, o que nas palavras de A. Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Editora Reis dos Livros, pág. 425, resulta da circunstância de se ter tido em conta “…o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum”, sendo certo, por seu turno, que sempre se poderá questionar se a diferença de tratamento da AT, quando comparada com o contribuinte, não será discriminatória, isto é, se “terá fundamento material bastante e não violará o princípio fundamental da igualdade na modalidade de igualdade de armas”vide, LGT, anotada e comentada, Diogo Leite Campos e outros, 4ª edição, 2012, Encontro da Escrita, pág. 893.

Sem prejuízo da pertinência destas questões doutrinárias, interessa-nos, sim, o caso concreto, com os seus contornos próprios e, no circunstancialismo dos autos, não é de sufragar aquele que foi o entendimento defendido pelo Tribunal a quo.

Com efeito, e desde logo, não se vislumbra aqui qualquer violação dos princípios da boa-fé e da igualdade nos termos que ressaltam do nº 1 do artigo 104º da LGT, aplicável ao processo tributário. Em bom rigor, a invocação da excepção da caducidade do direito de acção, tendo por fundamento uma pressuposta (e reconhecidamente errada) data de citação, após a penhora (cuja verificação foi admitida como tendo ocorrido no dia 13/09/13), não tem subjacente uma actuação em juízo contrária ao teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados, nem tão-pouco uma actuação no processo que se possa dizer divergente da habitualmente adoptada em situações idênticas.

Acresce que a explicação avançada pela Recorrente, Fazenda Pública – leia-se, no print de fls. 53 dos autos, proveniente do Sistema Informático de Penhoras Automáticas (SIPE), constar como data de notificação o dia 13/09/13, data coincidente com a associação da penhora nos processos executivos identificados no processo, o que a levou, por lapso, a assumir como sendo esta a data da citação após penhora, considerando que esta data, constante do referido print do SIPE, reproduzia a tramitação da execução fiscal e, admitindo que o registo da penhora foi efectuado no dia 06/09/2013, não se afigurava descabido que a citação fosse feita logo após, ou seja, dia 13/09/13, data que, inclusivamente, consta da tramitação da execução fiscal, como “para citação pessoal após penhora” – é perfeitamente aceitável, mormente tendo em consideração a conhecida desmaterialização dos processos (concretamente do processo de execução fiscal), com o intenso recurso a aplicações informáticas, que processam ordens e actos de forma automática, cuja leitura e apreensão nem sempre se apresentam fáceis.

E assim sendo, afigura-se-nos compreensível o equívoco em que a Fazenda Pública incorreu ao considerar como relevante a data de 13/09/13 (e não de 23/09/13), por ser aquela a data que num print retirado do SIPE/ Lista de Comunicações de Penhora/ Lista de Comunicações (cfr. fls. 56, correspondente à anterior 53, antes de renumeração) surge associada às indicações de data de recepção da notificação e data da recepção da resposta, data aquela coincidente com a associação da penhora aos processos executivos identificados nos autos.

Não vislumbramos aqui, um comportamento intencional, consciente, tendente a induzir ou manter em erro o Tribunal, ou seja, uma actuação dolosa ou, até, uma actuação que, em face das circunstâncias concretas, consubstancie uma falta de diligência tal que se possa reputar de gravemente negligente, susceptível de ser sancionada, a título de litigância de má fé.

Por conseguinte, quanto à questão que vimos de analisar, há que concluir que a sentença não se pode manter, devendo ser revogada nessa medida.

Procedem pois todas as conclusões do recurso interposto pelo EMMP e, bem assim, as conclusões g) a j) do recurso interposto pela Fazenda.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda e provimento total ao recurso interposto pelo EMMP, determinando-se, em consequência:

- a revogação da decisão recorrida na parte em que condenou a Administração Tributária, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa, bem como no pagamento de uma indemnização, ao reclamante, de igual valor.

- a manutenção da sentença na parte restante.

Custas pela Fazenda Pública e pelo Recorrido (este, só em primeira instância), na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 e 1/3, respectivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que este goza.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)