Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:328/10.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
CUSTOS;
FACTURAÇÃO FALSA;
DESPESAS CONFIDENCIAIS;
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA.
Sumário:I – As facturas não perdem a sua natureza fictícia pelo facto de a Impugnante a elas ter recorrido para a cobertura de reais e efectivas operações com sujeitos passivos não emitentes, posto que os elementos caracterizadores das operações que descrevem não correspondem à realidade;

II - Desconsideradas tais facturas pela Administração Tributária, pretendendo a impugnante deduzir como componente negativa do lucro tributável, os custos em que incorreu com as operações com não emitentes que tais facturas alegadamente se destinaram a justificar contabilisticamente, tem o ónus da prova desses custos, posto que não possui título válido de despesa, assumindo tais custos a natureza de «encargos não devidamente documentados» (art.º42.º, n.º1 al. g), do CIRC);

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A... – CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS, LDA, veio impugnar judicialmente a liquidação IRC relativo aos anos de 2004, 2005 e 2006 nos valores de €199.184,27, €216.454.18 e €251.906,74, bem como juros compensatórios, nos termos da al. a) a d) do art. 102º do CPPT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 21 de Novembro de 2013, julgou parcialmente procedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a A... – CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS, LDA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) Impunha-se ao Tribunal a quo o acolhimento dos argumentos expendidos pela impugnante no processo e, consequentemente, a procedência da impugnação em lugar da procedência meramente parcial. Mais, são vários os vícios da sentença ora sindicada que impõem a sua declaração de nulidade.

B) Com efeito, quanto aos argumentos de mérito não acolhidos, existe caducidade do direito à liquidação, ilícita tributação autónoma de despesas consideradas confidenciais. Quanto aos vícios da sentença, verifica-se a omissão de pronúncia relativamente a diversas questões suscitadas (8! para se ser mais exacto), falta de fundamentação e, ainda, inadmissível contradição entre a decisão e a prova produzida

C) Quanto à caducidade, não podia o Tribunal ter considerado provado, como fez no facto X), a existência de um nexo de causalidade entre o inquérito criminal e a acção inspectiva levada a cabo pela AT já que tal não só não resulta da prova constante do processo, como não foi devidamente fundamentado pelo Tribunal a quo. Há, pois, na nossa óptica, falta de fundamentação da sentença quanto a esta questão, gerador de nulidade, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos (art.° 615º, n° 1, al. b) do CPC).

D) Quanto ao mérito da questão, o n.º 5 do art.° 45 ° da LGT não poderia ser aplicada no caso sub judice pois resulta numa violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas que a estipulação de um prazo de caducidade do direito à liquidação pretendeu consagrar.

E) As novas causas de suspensão dos prazos de caducidade não podem ser aplicadas a factos tributários já ocorridos. O art° 57°, n.°2 da Lei 60- A/2005, de 30/12, viola o princípio constitucionalmente consagrado da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no art.° 103.°, n.° 3 da CRP, inconstitucionalidade que aqui se invoca expressamente para os efeitos previstos no art.° 72.°. n.° 2 da Lei 28/82 de 15 de Novembro (adiante designada pela sigla LTC),

F) Acresce que, o art.º 57°, n.°2 da Lei 60-A/2005, de 30/12, afigura-se-nos violador do princípio da segurança e da certeza jurídicas (art.º 2° da CRP), inconstitucionalidade que aqui se invoca expressamente para os efeitos previstos no art.° 12°, n.° 2 da LTC, tudo conforme jurisprudência e doutrina acima transcritas (Acórdão do Tribunal Constitucional com o n ° 168/02, Proc n.° 449/2001 e Senhor Prof. Diogo de Leite Campos, no seu Manual de Direito Tributário, 2a edição, Almedina, a páginas 195).

G) Por tudo isto, a liquidação n.º 2009 831001 5759, relativa ao exercício de 2004, deveria ter sido anulada por verificação da caducidade do direito à liquidação.

H) Quanto aos vícios da sentença, designadamente quanto às invocadas omissões de pronúncia, seguindo a ordem constante da motivação supra, elas verificam-se porque a sentença não cuidou de analisar o que a impugnante invocou nos artigos 35 a 47; 48 a 51 e, ainda, 52 a 54 da PI, todas independentes embora coincidentes no vício invocado (incompetência).

I) Reitera-se, assim, nesta sede, a incompetência para desencadear o procedimento de inspecção; a incompetência do órgão decisor da reclamação graciosa e, finalmente, a incompetência do órgão decisor da reclamação graciosa por verificação de incompatibilidade, tudo melhor desenvolvido na motivação supra, para a qual se remete.

J) Não se pronunciando a sentença, em momento algum, acerca dessas três questões suscitadas pela impugnante, seja em sentido de as colher, ou não, verifica-se o vício da omissão de pronúncia (por três vezes) na sentença recorrida, tudo gerador de nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos (art ° 615º, n.° 1, al. d) do CPC).

K) Ainda outro vício da sentença, a evidente contradição entre a prova produzida, designadamente a testemunhal, e a decisão proferida.

L) Primeiramente, referir que a sentença começa por, à revelia do RI, considerar que os gastos realizados com estas empresas não se encontram documentados, o que é contrário e inovador face à posição da própria AT - que refere que as facturas existem e que existem os meios de pagamento dessas facturas. Por outro lado, não foi detectada na inspecção, suscitada nos autos e muito menos sujeita a prova, qualquer eventual deficiência das facturas no que diz respeito aos elementos obrigatórias nestes documentos contabilísticos, conforme previsto no art.° 36°, n.° 5 do CIYA.

M) A conclusão do Tribunal a quo, quanto a este particular, é errada pois os gastos estão efectiva e demonstradamente documentados.

N) Dizer, aqui, que a sentença começa por, relativamente a cada uma das testemunhas oferecidas pela impugnante, classificá-las de credíveis e com conhecimento directo dos autos apenas para, a final, considerar os respectivos depoimentos insipientes e genéricos.

O) Sucede que, como resulta das transcrições supra e das próprias passagens de depoimentos das testemunhas plasmados na sentença por iniciativa do Mm.° Juiz, as testemunhas J... e M... depuseram com pormenor relativamente quer à presença da U..., ou seus representantes, no empreendimento da A... ao longo dos anos em que o mesmo foi sendo desenvolvido como, ainda, descreveu as tarefas realizadas pelas duas sociedades, adiantando questões concretas acerca da actuação das mesmas - Vide transcrições supra.

P) Existe, pois, em nossos entender, uma contradição, no seio da própria fundamentação da sentença, acerca dos depoimentos destas duas testemunhas, o que deve gerar a nulidade da sentença (art.° 615.°, n.°1, al. c) do CPC).

Q) Deve, em consequência, este subido Tribunal, dispondo de todos os elementos probatório aptos à tomada de decisão, considerar provada a realidade dos serviços prestados à A... pelas sociedades U... O... e U... T..., aceitando-se, em consequência, como custo dedutível em sede IRC (art.° 23° do CIRC) os valores constantes das facturas desconsideradas pela AT.

R) Quanto à consideração pelo Tribunal das despesas com movimentos bancários, com origem em cheques que estavam contabilizados como pagamentos às sociedades U..., no valor total de €669.943,11 e registados nas contas POC n.° 26826058 e n.° 22122072, como confidenciais e entendimento de que deverão ser sujeitas a tributação autónoma, parece- nos, também, que o Tribunal a quo labora em erro.

S) É que as referidas despesas estão registadas contabilisticamente com documentos justificativos, datados e apresentados tempestivamente à Inspecção (Cfr. pgs 7 e 8 do RI). As despesas em causa, documentadas por facturas, contêm as identidades do vendedor e do adquirente, a designação do serviço prestado e o respectivo preço. O encargo está devidamente documentado e apoiado em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante.

T) Cumpridos que se mostram tais requisitos, isto é, estando a contabilidade organizada, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes (art°75.° da LGT).

U) Mais, entende a AT e o Tribunal a quo estas facturas são falsas e que os beneficiários dos pagamentos efectuados por conta das mesmas não são identificáveis, o que é contrário á afirmação, expressa na sentença (Pg. 20), de que o dinheiro era entregue ao Senhor D..., que era, conforme prova constante dos autos e acima mencionada, gerente das sociedades U.... Ora, estando identificado o beneficiário, as despesas não podem ser consideradas confidenciais.

V) Labora também em erro a sentença, a par da AT, quando acolhe o entendimento de que, consideradas as despesas como confidenciais, deverão ser tributadas autonomamente à taxa de 50% nos termos do n.º 1 do art.° 88°do C1RC.

W) Porém, as referidas despesas não cabem no conceito de confidenciais porquanto são identificadas e especificadas quanto á sua natureza e origem, podendo, no limite, não ser admitidas como custos e, em consequência, a respectiva matéria tributável acrescida. Nesse sentido os Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 05-07-2000, recurso n.° 24632 e Ac. do TCAS de 30.01.2007 proc. n.° 01486/06, cujos sumários supra se transcreveram.

X) Mais, admitindo-se a interpretação segundo a qual as facturas são falsas, facto que se alega sem se admitir, nunca poderiam ser sujeitas a tributação autónoma visto que as operações inexistentes não são susceptíveis de tributação - Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no processo 00589/03, de 20-01-2004, acima citado e cujo sumário se transcreveu.

Y) For outro lado, sobre as supostas despesas confidencias, no exercício de 2004, foram pagas em 27/11/2008 retenções na fonte no montante de €45.670,76 tendo por base o valor de € 304.471,75, facto relativamente ao qual a sentença omite pronúncia, sendo, por tal, nula nos termos do disposto no art° 615º, n.° 1, al. d) do CPC.

Z) Logo, sendo aquele montante considerado despesa confidencial, facto que se cita sem admitir, a entrega desta retenção deverá ser tida em conta por força do princípio da equidade e da justiça (art.° 55° da LGT).

AA) Mais, no ano de 2007 foi transferido para Despesas Confidenciais, relativas ao exercício de 2004, o valor de € 3.372,61, tendo sido paga tributação autónoma (50%), facto que o relatório omite e que deu origem a uma dupla tributação ilegal (art.º 205° do CPPFT) e no exercício de 2005, sobre as supostas despesas confidenciais, foram pagas, em 03/12/2008, retenções na fonte no montante de € 50.287,73, tendo por base o valor de € 335.251,53. Facto relativamente ao qual a sentença omite pronúncia, sendo, por tal, nula nos termos do disposto no art.º 615º, n.° 1, al. d) do CPC.

BB) Assim, para que haja coerência na posição defendida pelo Tribunal, sendo aqueles montantes considerados despesas confidenciais, facto que se cita sem admitir, a entrega das retenções deverá ser tida em conta por força do princípio da equidade e da justiça (art° 55° da LGT).

CC) Da mesma forma, foi transferido no ano de 2007 para Despesas Confidenciais relativas ao exercício de 2005 o valor de € 33.915,36 tendo sido paga tributação autónoma (50%), facto que o relatório omite e que deu origem a (mais) uma dupla tributação ilegal (art ° 205.° do CFFT) e, mais uma vez, facto relativamente ao qual a sentença omite pronúncia, sendo, por tal, nula nos termos do disposto no artº 615º, n.° 1, al. d) do CPC)

DD) Regressando aos vícios da sentença, verificam-se, outras 3 omissões de pronúncia quanto a questões validamente suscitadas pela impugnante nos autos, logo na petição inicial. A saber; quanto à violação do princípio do inquisitório e do direito de participação; quanto à violação da liberdade de prestação de serviços; e quanto à falta de fundamentação dos juros compensatórios.

EE) Estas questões foram, respectivamente, suscitadas nos artigos 159° a 185°; nos artigos 186° a 199° e nos artigos 200° a 205° sem que a sentença tenha tomado posição, em sentido de acolher esses argumentos ou não, o que determina a verificação do(s) vício(s) de omissão de pronúncia, geradores de nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos (artº 615º, n° 1, al. d) do CPC).

Nestes termos, por todo o exposto, deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser anulada a sentença proferida, substituindo-se a mesma por douto acórdão acolhedor da argumentação supra expendida anulando as liquidações JUSTIÇA!»


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A Recorrida optou por não contra alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas que foi constituída no ano de 1987 (cfr. fls. 47 a 49 dos autos);

B) O objecto social da Impugnante consiste “na compra e venda de propriedades, construção civil, hotelaria (exploração de hotéis, restaurantes, bares, discotecas e cafés) e actividade de animação turística, incluindo actividades lúdicas, culturais, desportivas e de lazer, nomeadamente a exploração de campos de golfe”(cfr. fls. 47 a 49 dos autos);

C) A Impugnante é proprietária de um empreendimento sito no Sítio do Lavajinho, em Castro Marim, “o qual é composto por dois campos de golfe, um de dezoito buracos e outro de nove buracos, por vários loteamentos - dos quais vende lotes de terreno, constrói moradias e vende moradias já construídas possuindo ainda dois restaurantes, um na Praia do Cabeço, no concelho de Castro Marim, e outro no referido empreendimento, local onde tem ainda uma loja de golfe, onde vende e aluga artigos destinados àquela actividade desportiva, conforme consta do relatório final da inspecção” (cfr. fls. 59 dos autos);

D) Por despacho do Director de Finanças de Faro, de 19/03/2009, foram emitidas ordens de serviço para realização de procedimento de inspecção externa à Impugnante, aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, às quais foram atribuídos os números OI200900414, OI200900415 e OI200900416, respectivamente (cfr. fls. 57 dos autos e 269 do p.a.);

E) Em 24/04/2009 foram emitidos os despachos DI200901299 e DI200901300 pelo Director de Finanças de Faro, para consulta, recolha e cruzamento de elementos (cfr. fls. 57 dos autos)

F) A inspecção externa a que alude a alínea D) decorreu entre 19/03/2009 e 09/07/2009, data em que a Impugnante foi notificada das notas de diligência (cfr. fls. 58 dos autos);

G) A inspecção tributária resulta da investigação feita no processo de inquérito nº 56/07.5IDFAR que se encontra suspenso (cfr. fls. 372 dos autos);

H) A Sra. Inspectora Tributária procedeu à inspecção e elaborou o projecto de conclusões do relatório (cfr. fls. 79 dos autos);

I) Em 09/07/2009, a Impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária a que alude a alínea anterior (cfr. fls. 79 dos autos);

J) A Impugnante exerceu o direito de audição (cfr. fls. 86 a 100 dos autos);

K) Em 06/08/2009, foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos (cfr. fls. 52 a 84 dos autos);

L) Por despacho de 10/08/2009 o Chefe da Divisão Tributária da Direcção de Finanças de Faro, por “delegação de competência do Director de Finanças de Faro” concordou com o relatório apresentado (cfr. fls. 52 dos autos);

M) A Impugnante apresentou reclamação graciosa (cfr. fls. 105 a 116 dos autos);

N) Por despacho proferido pelo Chefe da Divisão Tributária da Direcção de Finanças de Faro, por “delegação de competência do Director de Finanças de Faro”, em 21/04/2010, a reclamação graciosa foi indeferida (cfr. fls. 120 e 121 dos autos);

O) Por ofício nº 1323 de 21/04/2010 foi dado conhecimento à Impugnante do despacho referido na alínea precedente, cujo aviso de recepção foi assinado no dia 29/04/2010 (cfr. fls. finais do processo de reclamação graciosa);

P) A Administração Tributária emitiu em 19/08/2009 as liquidações de I.R.C. nº 2009831...; no valor de 199.184,27 ; 2009 8310415819, no valor de 216.454,16 e 2009 8310... no valor de 251.906,74 (cfr. fls. 101 a 103 dos autos);

Q) Em 27/11/2008, foram pagas retenções na fonte no montante de €45.670,76 tendo por base o valor de € 304.471,75 (cfr. fls. 131 a 154 dos autos)

R) Em 03/12/2008, foram pagas retenções na fonte no montante de € 50.287,73, tendo por base o valor de € 335.251,53 (cfr. fls. 155 a 171 dos autos);

S) Em 09/12/2008, foram pagas retenções na fonte no montante de € 5.540,10 tendo por base o valor de € 36.934,00 (cfr. fls. 189 a 200 dos autos);

T) Em 31/12/2006 foram feitas transferências bancárias da conta bancária da Impugnante para M...; M... e D..., nos montantes respectivos de €102.931,40; €21.310,08 e 168.837,86 (cfr. fls. 176 a 178 dos autos);

U) Em 29/05/2007 foi realizada Assembleia Geral Ordinária da Impugnante, conforme acta junta a fls. 172 a 175 cujo conteúdo se dá por reproduzido;

V) Em 30/11/2007 foram emitidos os recibos nºs 1078; 1079 e 1080, no valor respectivo de €102.931,40; €21.310,08 e 168.837,86, em nome de M...; M... e D..., respectivamente (cfr. fls. 179 a 183 dos autos);

W) Em 03/09/2008, a Impugnante apresentou Modelo 22 relativa ao período de tributação de 01/01/2007 a 32/12/2007 (cfr. fls. 282 a 285 dos autos);

X) O procedimento de inspecção decorreu da investigação desenvolvida no processo de inquérito nº 56/10.5IDFAR (cfr. fls. 258 do p.a.);

Y) O Chefe da Divisão de Tributação e Cobrança e o Director de Finanças Adjunto asseguram a substituição legal nas faltas, ausências ou impedimentos do Director de Finanças de Faro (cfr. fls. 6217 a 6219 do DR 2ª série, nº 27 de 9/02/2010, junto como “doc. 5” ao p.a);

Z) A Impugnante celebrou em 04/06/92 com U... O..., Ltd. um “contrato de prestação de serviços” (cfr. fls. 326 dos autos);

AA) A Impugnante celebrou em 04/06/92 com U... O..., Ltd. um “contrato de gestão” (cfr. fls. 336 dos autos);

BB) A Impugnante celebrou em 15/02/93 com U... O..., Ltd. um “contrato de gestão” (cfr. fls. 337 dos autos);

CC) A Impugnante celebrou em 15/02/94 com U... O..., Ltd. um “contrato de gestão” (cfr. fls. 338 dos autos);

DD) A Impugnante celebrou em 15/02/95 com U... O..., Ltd. um “contrato de gestão” (cfr. fls. 339 dos autos);

EE) Em 2004, 2005 e 2006, a Impugnante esteve presente em Feiras Internacionais (cfr. fls. 207, 216, 218, 219, 220, 235, 247, 248, 249 e 252 dos autos)


Fundamentação do julgamento:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos, no p.a. e processo de reclamação graciosa e nos depoimentos das testemunhas.

O depoimento da testemunha J..., por ter sido TOC da Impugnante nos anos a que se referem as liquidações ora impugnadas e acompanhado a inspecção feita, revelou ter conhecimento directo dos factos, mostrando-se credível.

Em síntese, referiu que, a U... O... Ltd. tinha uma relação comercial com a Impugnante já que prestava serviços e gestão dos vários projectos que estavam em curso no perímetro da A.... Identificou o Engº L... como o gestor desses projectos e costumava-o ver nas instalações da Impugnante. Quanto ao gerente da U..., o Sr. v..., referiu que ia lá muito esporadicamente, uma vez que, não residia em Portugal. No empreendimento, quando começou a prestar a serviços para a Impugnante em 2002, havia um campo de golfe, umas instalações provisórias, um restaurante e as instalações administrativas eram em contentores. Em 2006, já se havia começado a construir moradias isoladas, 2 ou 3 alojamentos, o club house, sendo que o restaurante, veio a utilizar, depois, o espaço deste. No âmbito da inspecção, nunca pediram directamente à testemunha contratos de serviços celebrados com a Impugnante.

Mais referiu que a U...-T..., também tinha uma relação comercial com a Impugnante, mais directamente com a gestão específica dos campos de golfe, enquanto a U... O... Ltd. prestava serviços mais abrangentes, de gestão de todos os projectos.

Referiu também ter visto cheques passados à U... O... Ltd. mas que a A... não controlava o destino dos pagamentos feitos.

Ao ser confrontado com fls. 8 do relatório de inspecção tributária junto aos autos, referiu que não se recorda muito bem, mas que, de acordo com o procedimento normal da altura, com estas prestações de serviços, a Impugnante recebia mensalmente facturas de acordo com os contratos e ao analisar as contas verificou-se que havia pagamentos à U... sem a correspondente factura e nessa altura pedia-se as facturas em falta na contabilidade – no caso, de Outubro, Novembro e Dezembro de 2002. Os pagamentos que eram efectuados eram classificados contabilisticamente como prestação de serviço de um terceiro. Todos os prestadores de serviços estavam identificados e todos os pagamentos, também, no plano de contas.

Afirmou ainda que por altura do fecho de contas de 2006, foram confrontados com a situação de pagamentos a título de bónus sem haver a correspondente contrapartida de processamento. Foi feita então uma acta a fim de conciliar as contas. Os pagamentos foram feitos em 2006 e a acta em 2007 e as retenções na fonte foram feitas em 2006. Os recibos estavam na contabilidade aquando da realização da inspecção.

Quem contratou a testemunha foi o Engº L... em representação da A....

Perguntado como conseguia diferenciar a actividade desse Engº na A... e na U..., respondeu que, na ausência do gerente em Portugal, mediante procuração, o mesmo actuava em nome da A.... Quando via o Eng. L..., não sabe dizer se estava a actuar na qualidade de gerente / director da A... ou da U....

O depoimento da testemunha M..., por ser trabalhador da Impugnante desde 1996 até à actualidade e por ter conhecimento directo dos factos, mostrou-se credível.

Em síntese, referiu que a U... – Resorts dirigia o resort, acompanhavam as obras. O representante da U... é o Sr. L.... A testemunha estava diariamente na A.... Quem era o gerente desta era o Sr. V.... Estava na Holanda e vinha cá raramente. O empreendimento não podia ter sido construído sem a U.... Em 1996 apenas havia os hectares de terreno e contentores que serviam de escritório. Em 2006, já havia um campo de golfe, infra-estruturas de loteamento para moradias geminadas e estradas. A U... O... interveio como gestora de tudo o que tinha a ver com a obra. A U... Tourist fazia a gestão da construção apenas dos campos de golfe, do sistema de rega, que era inovador e que só esta tinha o “know-how” para fazer isto. Na A... não havia ninguém que tivesse “know-how” para fazer essa gestão.

A testemunha afirmou que recebeu um prémio de bónus que lhe foi pago em 2006. Passou recibo mais tarde, no ano seguinte. Confirmou o recibo junto aos autos e a data, reiterando que apesar do recibo ser de 2007, recebeu efectivamente em 2006.

Mais referiu que a A... está representada em Feiras de Turismo e que a testemunha também foi às mesmas. Enumerou o vestuário que tinham de usar nessas feiras e a necessidade que as funcionárias tinham de se maquilhar. Disse que a imagem era fundamental para atrair negócios.

Quem representava as empresas U... era sempre o Engº L....

O depoimento de A... revelou-se convincente, por ser uma das funcionárias da A... desde 2001.

Referiu em síntese que existe uniforme usado pelas funcionárias e vestuário para irem às feiras. Referiu que tem um uniforme que é pago pela empresa e que inclui maquilhagem. Mais referiu que tem um único uniforme. Só vai mudando é ao longo dos anos.

O depoimento de M... mostrou-se convincente, por ter conhecimento directo dos factos, pois foi o funcionário que apreciou a contabilidade da Impugnante, fez e assinou o relatório de inspecção.

Referiu, em síntese, que o gerente das empresas U... era o gerente de facto da A.... Relatou o que já havia referido no relatório de inspecção tributária, inclusivamente, socorrendo-se do mesmo como apoio de memória. Não se recordava de lhe ter sido apresentado durante a inspecção de recibos de vencimento em 2007 ou de acta do ano de 2007. Nunca chegaram a confirmar se os montantes foram transferidos para os destinatários. No que ao ficheiro encontrado no computador diz respeito, referiu que viu cópia do conteúdo do computador, que tinha um programa de Excel, com o elenco de facturas. Confrontado com o doc. 13 junto com a p.i., referiu que pediram colaboração às autoridades fiscais holandesas e que estas juntaram alguns documentos e que foram depois traduzidos para português. Eles diziam que a sede da U... era na Holanda, embora o documento 13 refira “Chipre”. Mas não pode assegurar que durante a inspecção estivesse junto esse documento. Mas tem a certeza que as facturas emitidas pela U... referiam a sede na Holanda e o seu gerente era holandês.

O depoimento de P... mostrou-se convincente, por ter conhecimento directo dos factos, pois também foi a funcionária que apreciou a contabilidade da Impugnante, fez e assinou o relatório de inspecção.

Referiu em síntese que, as facturas foram desconsideradas porque havia indícios de que eram falsas. Referiu que encontraram um ficheiro que reproduz uma cópia das facturas emitidas pela U.... O computador era da empresa. Nos documentos, encontraram um post-it onde se dizia que era necessária emitir mais facturas. O MP de Vila Real de Santo António fez o levantamento de sigilo bancário e as Finanças pediram cópias de cheques na conta da U.... Os mesmos estavam emitidos ao portador e pediram informações aos bancos para saber quem tinha levantado os cheques. Verificaram que foram funcionárias da A... que depois vieram a ser ouvidas e que disseram que levantavam o cheque e entregavam ao gerente ou à sua secretária. Junto da contabilidade só constavam os cheques e anotações de “salários em dinheiro” e “horas extraordinárias”. A Holanda referiu que a empresa estava extinta desde 2004 e não tinham registo de todas as facturas. Tais indícios levaram a considerar que havia facturas falsas.

Em 31/12/2006 a A... transferiu os montantes maiores para contas de terceiros, que não são custos ou proveitos. Quanto aos custos que não foram considerados, porque havia facturas que não estavam emitidas em nome da Impugnante, outras eram apenas apresentadas “talões” e ainda despesas com maquilhagem, adquiridas no estrangeiro. Nas representações no estrangeiro havia situações que as facturas estavam em nome de outros que não os funcionários ou alguém da própria Impugnante. Por exemplo, se a A... pagava um almoço a um 3º, essa não era uma despesa de representação.

As facturas mencionavam a sede na Holanda, não obstante o documento 13 junto aos autos referir Chipre. Não pediram informações às entidades do Chipre.

III-2. Factualidade não provada:

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente verifica-se que vêm invocadas 3 nulidades da sentença, sendo uma por omissão de pronúncia, e outras por falta de fundamentação e contradição entre a decisão e a prova produzida. A Recorrente entende, por outro lado, que se verifica erro de julgamento de direito, no que respeita à questão da caducidade do direito à liquidação e à tributação autónoma de despesas confidenciais.

Apreciemos em primeiro lugar as invocadas nulidades da sentença.

Da nulidade por omissão de pronúncia

A Recorrente entende que a sentença recorrida sofre de nulidade por omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas na p.i. nos artigos 35 a 41 e 48 a 54, todos referentes às alegadas incompetências seja para desencadear o procedimento de inspecção, ou do órgão decisor da reclamação graciosa. E ainda, quanto ao facto de terem sido efectuadas retenções na fonte, bem como relativamente à violação do princípio do inquisitório e do direito de participação, do princípio da liberdade de prestação de serviços e quanto à falta de fundamentação dos juros compensatórios.

Afirma, nas alegações recursivas, que, em nenhum momento a sentença recorrida tomou posição relativamente a estas questões, sofrendo, nessa medida, de nulidade por omissão de pronúncia.

A Juiz a quo pronunciou-se no sentido de se não verificarem as nulidades apontadas, em virtude de ter sido considerado prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas na p.i. (cfr. despacho de fls. 469).

Vejamos, então.

A propósito do vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia escreveu-se no Acórdão do STA de 15/09/2020 o seguinte:

“(...) Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões. E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019; rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020; rec.2145/12.5BEPRT).(…)”

Regressando aos autos em apreciação, verificamos que o não conhecimento das questões relativamente às quais a Recorrente entende verificar-se omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença não é subsumível à invocada causa de nulidade já que, como referiu a Juiz a quo no despacho de sustentação supra identificado, o conhecimento das demais questões invocadas foi considerado prejudicado pela solução dada a determinada questão.

Isto significa que não se verifica uma situação de omissão de pronúncia. Improcedem, nessa medida, as alegadas nulidades da sentença por omissão de pronúncia.

De referir que o juízo de prejudicialidade efectuado pela sentença recorrida não foi, minimamente, posto em causa pela Recorrente nas alegações de recurso, pelo que, bem ou mal (questão que não cabe aqui apreciar), transitou em julgado.

Prossigamos.

Da nulidade por contradição entre a prova produzida e a decisão proferida e por falta de fundamentação

Nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença uma sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Estas são as causas de nulidade de sentença.

Tendo presente as situações que a lei considera em que se verifica nulidade da sentença, vejamos se os fundamentos estão em oposição com a decisão.

Refira-se que é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades», Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132.

No caso concreto, entendemos, sem margem para dúvidas que a sentença recorrida não é nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615 do CPC, como afirma a Recorrente.

Importa recordar que apenas ocorre nulidade de sentença pelo facto de os fundamentos estarem em oposição com a decisão se aqueles fundamentos (de facto ou de direito) apontarem num certo caminho e a decisão final vier a tomar um sentido completamente oposto.

No caso concreto a Recorrente defende que a sentença é nula uma vez que, tendo considerado as testemunhas arroladas pela Recorrente credíveis e com conhecimento directo dos autos, veio, a final, concluir que os respectivos depoimentos foram insipientes e genéricos.

Alega a Recorrente que se verifica uma contradição no seio da própria fundamentação da sentença, concretamente no que respeita aos depoimentos das testemunhas J... e M..., o que gera nulidade da sentença, nos termos previstos na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC.

Recuperemos o que na sentença se disse a este propósito, sendo de referir que é verdade que considerou as testemunhas em causa credíveis e com conhecimento directo dos factos:

“(…)Caberia à Impugnante provar nos presentes autos a real prestação e serviços por parte das sociedades U... à Impugnante, no entanto, tal não foi conseguido, a prova produzida é incipiente. Isto porque, a descrição da actividade das mesmas como “relação comercial com a Impugnante”, no âmbito da construção do empreendimento e de gestão dos campos de golfe, foi feita de maneira genérica, tendo inclusive as testemunhas referidas dito que não conseguiam distinguir quando é que o Sr. D... exercia funções de gerente das sociedades, administrador de uma delas ou ainda quando actuava sob mandato, do Sr. V....

Acresce que, tal como reconhecido pelo próprio TOC, Sr. J..., existiam pagamentos sem a correspondente facturação, que depois, para colmatar a falta de suporte dos mesmos, eram emitidas (depoimento a propósito do “post-it” aposto sobre factura junto aos autos).

Ora, não tendo havido qualquer justificação cabal, por parte da Impugnante em sede de inspecção e não tendo sido apresentada, nestes autos, prova documental ou testemunhal que contraditasse as conclusões da Administração Tributária, pelo que improcede, nesta parte, o alegado pela Impugnante quanto aos gastos que foram desconsiderados pelo inspector tributário por terem origem na emissão de facturas falsas (cfr. fls. 7 a 15 do relatório de inspecção tributária).(…)”

É para nós claro que não estamos perante qualquer nulidade prevista na alínea c) em apreço, pois que o Tribunal, após descrever os factos provados, faz uma subsunção dos mesmos ao direito e decide de acordo com esse direito.

Se essa subsunção está correcta ou não, isto é se há ou não um erro de julgamento, isso não se integra na nulidade em análise que, repita-se, não se verifica, pois que a sentença descreve e enuncia claramente os factos provados, enuncia também o direito aplicável e, em seguida decide de acordo com aqueles factos e aquele direito.

Se o faz bem ou não (o que não se analisa, de momento) não integra qualquer nulidade.

A sentença está fundamentada, uma vez que enuncia os factos provados, aplica as normas jurídicas que julga adequadas á situação fáctica, decidindo em conformidade, independentemente de se saber se a decisão está correcta ou não e fá-lo de forma coerente pois que não se vislumbra contradição entre a fundamentação e a decisão

A argumentação da Recorrente não tem sucesso ao pretender que se verifica nulidade da sentença, já que não existe contradição quando refere ser o depoimento credível e incipiente, uma vez que o que daqui se retira é que, apesar de se entender que a testemunha revelava conhecimento dos factos, o depoimento prestado não teve valia para a prova que a Recorrente deveria fazer.

A sentença enuncia claramente os «fundamentos de facto» provados que servem de suporte à aplicação do direito, ou seja enuncia também os «fundamentos de direito» que justificam a decisão que acaba por ser proferida. E sem qualquer contradição o faz.

Pode não se concordar quer com os factos provados quer com a subsunção jurídica (que é a posição da Recorrente) mas isso nunca significa que a sentença esteja ferida de nulidade porque os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Alega, ainda, a Recorrente que não podia ter sido considerado provado o facto constante da alínea x), que identifica como sendo o nexo de causalidade entre o inquérito criminal e a acção inspectiva levada a cabo pela AT, já que, refere, não só não resulta da prova constante do processo, como não foi devidamente fundamentado pelo Tribunal, o que, entende, gera nulidade da sentença.

Consta do facto x) o seguinte:

“O procedimento de inspecção decorreu da investigação desenvolvida no processo de inquérito nº 56/10.5IDFAR (cfr. fls. 258 do p.a.);”

Compulsado o documento constante de fls. 258 do PAT, verificamos que se trata de Informação elaborada pelos serviços da AT nos termos do preceituado no nº1 do artigo 111º do CPPT e que, no ponto 5) se refere que:

O procedimento de inspecção decorreu da investigação desenvolvida no processo de inquérito nº 56/10.5IDFAR, instaurado face a indícios de crime de fraude fiscal.”

Ora, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 76º da LGT, sob a epígrafe “Valor probatório”, as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.

A fundamentação constante da sentença é bastante, já que remete para informação oficial da AT, sendo que a argumentação da Recorrente não tem valia para demonstrar o contrário.

Concluindo, não assiste razão à Recorrente, não estando a sentença recorrida ferida das invocadas nulidades.

Do erro de julgamento de facto

Afirma a Recorrente que, face aos depoimentos prestados, e que descreve, parcialmente, entende que foi feita prova dos serviços prestados nas facturas desconsideradas das sociedades U... O... e U... T....

Considerando o disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados [cfr. artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo artigo 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Assim sendo, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, exigindo-se que cumpra os ónus já mencionados.

Regressando ao caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, como resulta das alegações de recurso, a Recorrente limita-se a insurgir-se contra o facto de não ter sido dada como provada a veracidade das transacções postas em causa pela AT, concluindo no sentido de ter sido efectuada a prova dos serviços prestados nas facturas desconsideradas.

Ora, como decorre das alegações e conclusões, não são indicados os factos que se entende deveriam ter sido considerados provados nem, consequentemente, a prova, documental ou testemunhal, que deverá ser atendida.

Assim, não tendo sido cumpridos, minimamente, os requisitos exigidos no artigo 640.º do CPC, nesta parte o recurso tem de ser rejeitado.

Do erro de julgamento de direito

· Caducidade do direito à liquidação

A Recorrente dissente do decidido pela sentença recorrida quanto à questão da caducidade do direito à liquidação.

Recordemos o segmento da sentença que abordou este aspecto:

“(…) A Impugnante pede a anulação da liquidação referente ao ano de 2004 por verificação da caducidade do direito à liquidação porque o disposto no art. 45º nº 5 da LGT entrou em vigor quando já se encontrava a decorrer o prazo de caducidade, pelo que, não pode ser aplicada ao caso em apreço.

Resulta do art. 45º nº 5 da LGT que “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Mais resulta da própria Lei 60-A/2005 de 30.12 que “2- o disposto no nº 5 do art. 45º da lei geral tributária é aplicável aos prazos de caducidade à data da entrada em vigor da presente lei.”

Do probatório resulta que à data da emissão da liquidação se encontrava já instaurado o processo de inquérito e que na data actual ainda não obteve decisão por estar suspenso à espera de decisão deste Tribunal (cfr. alínea G) da factualidade assente).

Assim sendo, encontrava-se já em vigor a norma do nº 5 do referido art. 45º da LGT e estando já instaurado o referido inquérito, ainda não foi ultrapassado o prazo de caducidade, pelo que, improcede o fundamento da caducidade do direito à liquidação invocado.(…)”

Entende a Recorrente que a norma constante do nº2 do artigo 57º da Lei 60-A/2005 , de 30/12 é inconstitucional por violação de princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no artigo 103º nº3 da CRP, bem como do princípio da segurança e certeza jurídicas.

Conclui que a liquidação relativa ao exercício de 2004 deveria ter sido anulada por caducidade do direito à liquidação.

Não tem razão.

Esta matéria foi tratada no Acórdão deste TCAS de 19/11/2020, proferido no âmbito do processo nº 1810/09, nos seguintes termos:

“(…)A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a decidir que a aplicação imediata do no n.º 5, do artigo 45.º da L

GT aos prazos em curso não configura uma aplicação retroactiva.

O Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 21/10/2017, proferido no processo n.º 01477/13, cujo discurso fundamentador sufragamos na íntegra, decidiu esta questão dos seguintes termos, que com a devida vénia, transcrevemos:

«Salvo o devido respeito, a norma do n.º 2 do art. 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2006 não enferma da inconstitucionalidade que lhe vem assacada por contradição com os princípios da não retroactividade da lei fiscal, da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança inerentes ao Estado de Direito.

Na verdade, aquela norma, ao determinar que a aplicação da regra introduzida no n.º 5 do art. 45.º da LGT pela referida Lei do Orçamento do Estado – de extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação quando este acto respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal – se aplica aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor desta Lei, não determina aplicação retroactiva da lei. Já assim não seria se a norma em causa determinasse essa aplicação aos prazos que já tivessem atingido o seu termo; mas não é esse o caso.

Vejamos:

Face ao n.º 1 do art. 45.º da LGT, que fixa o prazo de caducidade em quatro anos, o n.º 5 do mesmo artigo veio estabelecer, inovadoramente, um alongamento do prazo nas situações, como a sub judice, em que a liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Nessas situações, o prazo só termina um ano após o arquivamento do inquérito ou após o trânsito em julgado da sentença.

No caso, porque o prazo de caducidade do direito à liquidação relativamente ao IRC do ano de 2003, tal como previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, ainda não se tinha esgotado em 1 de Janeiro de 2006, data em que entrou vigor a redacção do n.º 5 do mesmo artigo, introduzida pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro, verifica-se uma questão de sucessão de leis no tempo.

Ora, como ensina BAPTISTA MACHADO, quando a lei nova alonga o prazo em curso, é aplicável aos prazos em curso, salientando que esta regra, constante do n.º 2 do art. 297.º do Código Civil (CC), «não passa de uma aplicação directa dos critérios gerais do direito transitório»; e explica: «Com efeito, tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento de início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 242/243, sendo que nos permitimos substituir as abreviaturas usadas no texto original.).

Ou seja, quando se aplica a extensão do prazo da caducidade prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos que já se encontravam em curso na data do início da vigência da norma (1 de Janeiro de 2006) isso não significa a aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (reconduzindo-se ao decurso do prazo) e não instantâneo.

Não se trata, pois, de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, consagrado no art. 12.º do CC, mas que constitui uma regra geral, de que a lei vale para o futuro. A questão da aplicação retroactiva da lei apenas seria de colocar se, quando da entrada em vigor da lei nova, estivesse já esgotado o prazo face à lei antiga, o que não é o caso.
A norma do n.º 2 do art. 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2006 mais não faz do que replicar esta doutrina, o que, a nosso ver, até seria dispensável, pois a solução nela preconizada resultaria da aplicação das regras gerais estipuladas no art. 12.º do CC e no art. 12.º da LGT.

Aliás, é nesse sentido a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo; não a propósito do n.º 5 do art. 45.º da LGT, é certo, mas a propósito da alteração do n.º 4 do art. 45.º da LGT pelo art. 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pela qual o prazo de caducidade do direito à liquidação no caso do IVA, passou a contar-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto» (Vide, sem preocupação de exaustividade, os seguintes acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 26 de Novembro de 2008, proferido no processo com o n.º 598/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1362 a 1369, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ac9ecec6143625d8025751500418930;
– de 20 de Maio de 2009, proferido no processo com o n.º 293/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 774 a 776, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d3978939f694efd802575c2004faca9;
– de 25 de Junho de 2009, proferido no processo com o n.º 1109/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 1044 a 1048, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/917bec6606b37648802575e7004e7961;
– de 25 de Maio de 2010, proferido no processo n.º 115/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011

(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 770 a 774, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/294c22cb144c7e9580257727004bf4fa;
– de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 545/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011

(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1377 a 1379, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3dbe240b34a26791802577a500334176.).

A questão foi submetida ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que a decidiu por acórdão de 17 de Março de 2011, proferido no processo n.º 1076/09 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32410.pdf), págs. 11 a 14, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/deb8a6f77839e5438025785c0036c28c.), onde ficou dito, na sequência da jurisprudência anterior, que a alteração do prazo é de aplicação imediata, abrangendo, assim, os prazos ainda em curso, sem que isso signifique aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo.

Regressando ao caso sub judice, e aplicando a doutrina que vimos de expor, podemos concluir que, para que pudesse verificar-se a invocada inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro, por violação do n.º 3 do art. 103.º da CRP, na interpretação que dela foi efectuada pela sentença a quo, seria necessário que nesta se tivesse, com base naquela norma, determinado a aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT a um facto pretérito, todo ele ocorrido no domínio da vigência da lei antiga.

Ora, como deixámos já dito, quando entrou em vigor o n.º 5 do art. 45.º da LGT – em 1 de Janeiro de 2006 – ainda estavam a correr os prazos de caducidade relativamente ao IRC e aos anos de 2002, 2003 e 2004, pelo que, sendo caso disso (i.e., verificando-se as circunstâncias aí previstas), havia de aplicar-se-lhes imediatamente a extensão do prazo aí prevista (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 2 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 343/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Novembro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32230.pdf), págs. 818 a 820, também disponível em
– de 10 de Fevereiro 2010, proferido no processo n.º 1086/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 312 a 321, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5c815cd8c2a55454802576cb004c418c;
– de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 178/14, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c010887b851997fa80257d6c002f7d96.).

Não há, pois, violação alguma da proibição de retroactividade tal como consagrada no art. 103.º, n.º 3, da CRP, pois da aplicação imediata do n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos de caducidade em curso não resulta retroactividade alguma; nem, consequentemente, violação de qualquer outro princípio constitucional, designadamente os da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança inerentes ao Estado de Direito.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Sem necessidade de mais, por despiciendo, improcede nesta parte o recurso. (…)”

Não merece, pois, qualquer censura a sentença que decidiu de acordo com a doutrina emanada da jurisprudência dos tribunais superiores relativa à matéria em apreciação, improcedendo este segmento do recurso.

Do erro de julgamento quanto às despesas consideradas confidenciais e sua sujeição a tributação autónoma

Dissente a Recorrente da sentença recorrida relativamente ao entendimento ali acolhido quanto aos movimentos bancários, com origem em cheques contabilizados como pagamentos às sociedades U... no valor total de € 669.943,11, que foram considerados como despesas confidenciais e sujeitos a tributação autónoma.

A sua discórdia assenta, em primeiro lugar, na consideração como despesas confidenciais dos referidos montantes, já que, afirma, se encontravam registadas contabilisticamente com documentos justificativos, datados e apresentados tempestivamente à Inspecção Tributária. Em segundo lugar, refere que as facturas a que respeitam as despesas contêm as identidades do vendedor e do adquirente, a designação do serviço prestado e o respectivo preço. Ou seja, o encargo estava devidamente documentado e apoiado em documentos externos, pelo que conclui não deverem ser consideradas despesas confidenciais.

Vejamos.

Está em causa a desconsideração como custos fiscais das quantias incluídas em facturas que a AT reputou como sendo falsas.

A sentença recorrida entendeu não ter sido feita, pela ora Recorrente, prova cabal da efectiva prestação dos serviços em causa. Para tanto, procedeu à análise da documentação junta aos autos pela Recorrente (concluindo pela sua falta de valia para a prova em causa), bem como à prova testemunhal, relativamente à qual considerou terem os depoimentos sido genéricos e, por essa razão, insuficientes para suprir a prova da veracidade dos serviços em causa.

A argumentação da Recorrente cinge-se à circunstância de as facturas em causa terem sido elaboradas na forma legal, nos termos exigidos pelo artigo 35º do CIVA, estarem registadas contabilisticamente e terem sido apresentadas atempadamente à IT.

Como já foi decidido no Acórdão do TCAN, de 29/09/2016, proferido no âmbito do processo n.º 528/11.7BEAVR, relativo a liquidações de IVA, não assiste razão à Recorrente:
«(…) Como é sabido, nos casos da denominada “facturação falsa” não está em causa a correcção formal da contabilidade, mas sim a substancial. A circunstância de as operações se encontrarem documentadas (factura, recibo, comprovativo dos meios de pagamento, etc.) e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação, todavia, tal presunção deixa de se verificar, nomeadamente, quando a contabilidade ou escrita do contribuinte revelar indícios fundados de que não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
Logo, se a Administração Tributária recolher indícios sérios e objectivos de que os documentos de suporte, ainda que formalmente correctos não reflectem uma verdadeira transacção (seja relativamente aos sujeitos, objecto, datas, valores, meios de transporte utilizados, etc.), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos. (…)

Ora, o que era importante demonstrar era a materialidade das operações em causa, ou seja, quais os serviços concretamente prestados e as condições em que o foram, prova essa que não foi feita, e cujo ónus cabia à Recorrente.

Acresce que não é suficiente a alegação recursiva no sentido de entender ter sido possível identificar os beneficiários dos pagamentos efectuados por conta das referidas facturas, uma vez que se afirma na sentença que o dinheiro era entregue ao Senhor D..., gerente das sociedades U.... Tal constatação em nada releva para a prova aqui necessária.

De salientar que a sentença expressamente afirma, por referência ao depoimento do TOC da Recorrente, J..., que existiam pagamentos sem a respectiva facturação, sendo que o procedimento da Recorrente, para colmatar a falta de suporte dos mesmos, era emitir facturas posteriormente.

Pretende, por outro lado, a Recorrente, que a sentença erra no seu julgamento ao considerar tais pagamentos (relativos à facturação falsa) como despesas confidenciais, sujeitas a tributação autónoma, por se tratar de operações inexistentes.

Não tem razão.

Aliás, a sua alegação é contraditória, pois que não há dúvida que os movimentos financeiros foram realizados, o que significa que não se pode aqui falar de operações inexistentes.

Recuperamos o que a este propósito se escreveu na sentença recorrida, que não nos merece reparo:

“(…)Resta saber se realmente estaremos perante custos não documentados e não dedutíveis ou perante despesas confidenciais tributáveis autonomamente.

Do relatório de inspecção tributária resultam várias situações sinalizadas Uma delas tem que ver com diversos movimentos bancários, com origem em cheques que estavam contabilizados como pagamentos às sociedades U..., (contas do POC 26826058 e 22122072) mas que foram levantados por funcionários da Impugnante que depois entregavam directamente ao Sr. D....

Do depoimento das testemunhas, resultou que, o procedimento descrito pelas funcionárias da Impugnante, coincidia com o referido pela Administração Tributária, no seu relatório, ou seja, que os cheques estavam ao portador e eram pessoalmente levantados por aquelas e que depois entregavam em numerário ao Sr. D.... Aliás, compulsados os autos, verifica-se que o próprio, no âmbito da inspecção tributária, prestou declarações onde confirmou tal procedimento, tendo referido inclusive, que parte de tais montantes eram depositados em conta particular da sua titularidade para fazer face a despesas pessoais e da sua família e que outra parte servia para fazer pagamentos à U... Tourist que teria sede na Holanda entre 2002 e 2006. No entanto, não foram juntos quaisquer documentos referentes à constituição dessa empresa, uma vez que, a certidão de registo comercial junta é apenas referente à U... O....

A Administração Tributária considerou que tal situação reúne condições para ser considerada como despesa confidencial e não documentada, porque não se sabe a que se refere a despesa, qual a sua natureza e desconhece-se os beneficiários.

Ora, conforme referido, da prova produzida, verifica-se que os referidos cheques emitidos pela Impugnante eram levantados por funcionários da Impugnante e depois entregue em numerário ao Sr. L... não sabendo o seu destino.

Entende-se que estão preenchidos os pressupostos para a conclusão destas situações como de despesas confidenciais, pois não foi possível apurar a origem, natureza e destinatários das mesmas.(…)”

A alegação recursiva não tem valia para inverter o decidido na sentença recorrida, pelo que improcede a argumentação da Recorrente.



*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Comunicações necessárias.

Lisboa, 14 de Outubro de 2021


(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)


(Hélia Gameiro Silva)