Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 09971/16 |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/24/2016 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO |
Sumário: | I - O recurso de revisão, nos processos a que se aplica o regime de recursos jurisdicionais previsto no CPPT, encontra-se regulado no artigo 293º do CPPT. Trata-se de um recurso extraordinário que tem como pressuposto que a decisão revidenda já tenha transitado em julgado. II - De acordo com o disposto no nº2 do artigo 293ºdo CPPT, apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou de documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia. III - No caso, apesar de a declaração junta ser cronologicamente posterior à decisão da impugnação judicial e do acórdão que sobre a respectiva sentença recaiu e, portanto, nessa perspectiva, dever ser considerado um documento novo, a verdade é que não se demonstra que não pudesse ser apresentado anteriormente, nem tão-pouco que o mesmo seja apto a destruir a prova feita nos autos. IV - O documento que sustenta o pedido de revisão tem que se apresentar como susceptível de provocar uma alteração da matéria fáctica favorável ao Recorrente. O novo documento terá que ser de molde a abalar a motivação de facto e, consequentemente, a decisão de direito, seguida pelo Tribunal. O documento terá, pois, de ser relevante para o decidido. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO
I. Os Recorrentes consideram que não se lhe esta a fazer Justiça Fiscal II. Os Recorrentes apresentaram documento novo III. O mencionado documento não poderia ter sido apresentado antes e ate quando foi proferida a 1ª Decisao do TAF de Sintra IV. A sua não apresentação e não inquirição do declarante J..., deveu - se ao facto de este se encontrar no Brasil V. Nesse documento, esta plasmada a verdade, ou seja que os recorrentes não receberam os valores constantes na escritura VI. E como tal o imposto a liquidar não poderia ser aquele que a AT disse ser devido VII. Pois não existem duvidas que, estamos perante documento e facto novo, que deveria ser valorado VIII. E por isso o douto acórdão requerido este mal IX. E tal erro, faz como que os recorrentes estejam numa miséria extrema, pois são "perseguidos pelo estado com penhoras desde então". X. Os Recorrentes quando afirmam que a escritura é nula, dizem-no em sentido figurado, por não transmitir a verdade dos factos e isso e demonstrado pelo documento novo que deverá ser considerado Por fim; XI. Existe prescrição dos factos, pois mesmo invocando a suspensão da prescrição, face a decisão já proferida no processo principal já passaram 15 anos XII. A arguição da nulidade é tempestiva em face do disposto no artº 205º do CPC antes. Em face do exposto, formula-se o seguinte PEDIDO: Deverá conceder-se provimento ao presente Recurso, e afinal se considerado o facto novo ou documento novo e dever-se-á reabrir os presentes autos e ai se demonstrar a injustiça que estão a ser vitimas os Recorrentes, reformulando-se a liquidação do imposto que estão foram sujeitos. Mais se requer avaliada a prescrição invocada pelos Recorrentes, e em consequência ser anulado todos atos praticados, incluindo a decisão recorrida. * Não foram apresentadas contra-alegações. * A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto * A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório. * * 2.2. De direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que os Recorrentes se insurgem contra a sentença recorrida por entenderem que: (i) contrariamente ao que o TAF de Sintra decidiu, a declaração emitida por J..., e com base no qual se pretende a revisão do decidido, deve ser considerada um documento novo que os Recorrentes não puderam apresentar anteriormente; (ii) ocorreu a prescrição da obrigação tributária. Antes de decidir o que vem submetido à nossa apreciação, importa que, em breves traços, deixemos nota das seguintes ocorrências, desde que foi deduzida, pelos ora Recorrentes, a impugnação judicial que está na base dos presentes autos. Assim: - em Janeiro de 2005, os ora Recorrentes deduziram impugnação da liquidação adicional de IRS do ano de 2000, emitida pelo valor de € 1.963.139,67; - tal impugnação judicial, que correu termos no TAF de Sintra com o nº .../05.6, foi julgada improcedente; - para tal, o TAF de Sintra considerou que os rendimentos em causa deveriam ser qualificados como rendimentos comerciais e não como mais-valias, como pretendiam os Recorrentes; - desta sentença foi interposto recurso para o TCA Sul, tendo-se aí defendido que a sentença era nula por ter omitido pronúncia sobre a questão do erro na quantificação; - o TCA Sul, por acórdão de 16/10/12, negou provimento ao recurso; - em tal aresto foi considerado, em síntese, que a alegada omissão de pronúncia não se verificava, pois que “não constitui (…) a desconsideração de certos argumentos aduzidos pela parte ou de certos requerimentos de prova, só por si, omissão de pronúncia, quando a sentença faz incidir o seu juízo sobre a concreta causa de pedir que subjaz à intenção impugnatória vertida nos autos e responde, de forma incisiva, concludente, à mesma”. Ora, é após a prolação deste acórdão que é interposto o recurso de revisão sobre o qual recaiu a sentença que aqui é objecto de recurso. Importa prosseguir, revelando-se com interesse - para mais fácil compreensão daquilo que aqui está em apreciação - deixar devida nota daquele que foi o discurso argumentativo seguido na sentença recorrida. Assim, pode ler-se na sentença proferida no TAF de Sintra que: “(…) (…) De direito * Ora, autonomizadas as questões a decidir e cabalmente esclarecido o contexto em que a decisão recorrida foi proferida, estamos em condições de avançar. Vejamos, então. O recurso de revisão, nos processos a que se aplica o regime de recursos jurisdicionais previsto no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), encontra-se regulado no artigo 293º do CPPT. Trata-se de um recurso extraordinário que tem como pressuposto que a decisão revidenda já tenha transitado em julgado (por contraposição aos recursos ordinários, que visam evitar o trânsito em julgado das decisões desfavoráveis). De acordo com o disposto no nº2 do artigo 293ºdo CPPT, e tal como a sentença analisou, apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia. Ora, inicialmente os Recorrentes defendiam a revisão do decidido não apenas com base em documento novo, mas também com base na alegação de falsidade de escritura pública de compra e venda e, bem assim, por falta de notificação da Recorrente M.... Como se vê das alegações de recurso, os Recorrentes apenas persistem na questão da existência de documento novo que não puderam apresentar em momento anterior à prolação da decisão proferida em sede de impugnação judicial (e, bem assim, do recurso dela interposto). Com efeito, e sobre a alegada falsidade/nulidade da escritura, esclarecem até que utilizaram a expressão em “sentido figurado, por não transmitir a verdade dos factos”, pelo que dúvidas não restam que, neste momento, não está em causa saber se estamos perante um documento falso, nos termos considerados para efeitos do disposto no nº2 do artigo 293º do CPPT (“decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento”). Prosseguindo. Já vimos o que ficou decidido em 1ª instância a propósito da questão que nos ocupa, ou seja, as razões pelas quais o documento apresentado – leia-se, a declaração a que alude o ponto e) dos factos provados – nunca poderia ser considerado um “documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita” – cfr. artigo 293º, nº2 do CPPT. E, com efeito, as considerações feitas pelo TAF de Sintra são correctas e, por isso, as reiteramos. Como está bom de ver, apesar de a declaração emitida por J... ser cronologicamente posterior à decisão da impugnação judicial e do acórdão que sobre a respectiva sentença recaiu e, portanto, nessa perspectiva, dever ser considerado um documento novo, a verdade é que não se demonstra que não pudesse ser apresentado anteriormente, nem tão-pouco que o mesmo é apto a destruir a prova feita nos autos. Vejamos em detalhe as razões para assim entendermos. A declaração agora exibida pretende contrariar o valor pelo qual se declarou, na respectiva escritura pública, a venda de um determinado imóvel. Ou melhor e como mais rigor: pretende demonstrar que o valor entregue pela venda de um determinado imóvel não foi de € 4.410.022,55, como consta da escritura pública, mas sim de €1.326.802, 41. Com efeito, de acordo com a declaração junta, emitida por J..., “quando outorgou a escritura com E... e mulher M..., apenas lhe foi entregue a quantia de € 1.326.802, 41 e não a quantia de € 4.410.022,55 que consta na escritura que se anexa.” Ora, sem necessidade de nos alongarmos muito, dir-se-á que: - um documento particular não destrói a força probatória de uma escritura pública; - que a alegada circunstância de o declarante ter estado no Brasil em nada (mesmo nada) explica a razão pela qual tal declaração não pôde ser emitida anteriormente. E, assim sendo, como nos parece ser, está bom de ver que a declaração agora apresentada jamais seria apta a fundamentar o presente recurso de revisão, não se enquadrando nos pressupostos a que alude o nº 2 do artigo 293º do CPPT. Contudo, a análise a efectuar deve ir um pouco mais longe. É que, sem prejuízo da exigência de o documento em causa ser novo, de não poder ter sido apresentado e de ser suficiente para a destruição da prova feita, há algo que sempre terá que se verificar e que, no caso presente, não se verifica. Como é bom de ver, o documento que sustenta o pedido de revisão tem que se apresentar como susceptível de provocar uma alteração da matéria fáctica favorável ao Recorrente. Melhor dito: o novo documento terá que ser de molde a abalar a motivação de facto e, consequentemente, a decisão de direito, seguida pelo Tribunal. O documento terá, pois, de ser relevante para o decidido. Ora, nada disto ocorre no presente caso. É que, como é fácil de ver, o Tribunal de 1ª instância não analisou qualquer questão atinente à quantificação dos rendimentos. Com efeito, a decisão proferida em 1ª instância limitou-se a analisar se os rendimentos auferidos eram enquadráveis na categoria G ou na categoria C, do IRS. Não foi aí apreciada, nem decidida, qualquer questão relativa à quantificação dos rendimentos, em concreto se o valor recebido pela venda do imóvel era de € 1.326.802, 41 ou de € 4.410.022,55. É certo, e este Tribunal não desconsidera, que os Recorrentes logo consideraram que o TAF de Sintra tinha omitido pronúncia sobre tal questão e que, por isso, a sentença era nula. Contudo, também já o referimos, o TCA Sul, por acórdão proferido em 16/10/12, negou provimento ao recurso, entendendo que não se verificava qualquer nulidade, pois que “a sentença recorrida, procedeu ao enquadramento fáctico-normativo que entendeu pertinente ao caso, rejeitando a qualificação dos ganhos obtidos pelos recorrentes como mais-valias (artigo 43º CIRC), e enquadrando os mesmos nos rendimentos da categoria C do IRS”. Como tal, a questão da quantificação, em concreto a questão de saber qual o valor que os impugnantes receberam pela venda de determinando imóvel, não foi matéria que tivesse sido apreciada pelo Tribunal e, acrescente-se, essa não apreciação, segundo o TCA, não é passível de ser considerada uma omissão de pronúncia. Quer isto dizer que, mesmo que o novo documento reunisse as características elencadas no nº2 do artigo 293º do CPPT (e, já vimos, que não reúne), a verdade é que a sua admissibilidade nunca poderia gerar uma diferente decisão da causa, pois jamais a questão que se pretende ver analisada (erro na quantificação) foi apreciada. Por conseguinte, apelando à fundamentação da decisão recorrida e à fundamentação aqui exposta, há que julgar totalmente improcedentes as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se inalterada a decisão do TAF de Sintra que julgou improcedente o recurso de revisão de sentença. Como é evidente, em face das razões apresentadas para o decidido, nenhuma utilidade teria ouvir, como testemunha, o emitente da declaração a que alude a alínea e). * Importa, ainda, que dediquemos a nossa atenção à segunda questão que nos vem submetida e que se prende com a alegada prescrição da obrigação tributária correspondente à liquidação impugnada, questão que nos surge, na economia dos autos, como uma nova questão, nunca antes equacionada. Sem hesitações, dir-se-á que, também quanto a este ponto, não pode ser dada razão aos Recorrentes. As questões atinentes à legalidade da liquidação impugnada foram suscitadas e apreciadas na sede e momento próprios. Neste momento, como se vê, existe uma decisão transitada em julgado que definitivamente se pronunciou sobre a legalidade da liquidação de IRS. A sentença/ acórdão que sobre essa liquidação se debruçou só poderia ser revista nas condições excepcionais e extraordinárias previstas no artigo 293º do CPPT, as quais, nos termos expostos, não se verificam. Portanto, não há como, nesta fase, apreciar a invocada questão da prescrição da obrigação tributária (cujo conhecimento se tem admitido em sede de impugnação judicial, na estrita medida em que pode importar a inutilidade superveniente da lide, em face da inexigibilidade da dívida correspondente à obrigação tributária). Reiterando a conclusão já antecipada, há que negar provimento ao recurso, o que seguidamente se decidirá. * A fls. 213 (frente e verso), veio a Fazenda Pública requerer a “verificação dos pressupostos susceptíveis de fundamentar a dispensa prevista na norma do nº6 do artigo 7º do RCP”. Vejamos. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento». E nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»(1) . «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»(2) . Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».” No caso em apreço, como já vimos, o valor da causa corresponde a € 1.963.139,67. Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. No caso presente, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Afigura-se-nos, pois, aplicável a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP. * 3 - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida com a fundamentação aqui exposta. Custas pelos Recorrentes (que, porém, gozam de apoio judiciário), com dispensa, pelas partes, de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7, do RCP. Lisboa, 24/11/16 __________________________ (Catarina Almeida e Sousa)
_________________________ (Bárbara Tavares Teles)
_________________________ (Pereira Gameiro) (1) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. (2) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. |