Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:36/16.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores: - DECISÃO ARBITRAL
- REGIÃO ADMINISTRATIVA DA MADEIRA
- INCOMPETÊNCIA MATERIAL
- PRAZO DE IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA
Sumário:1. Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para impugnação dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral (art.º 24/3 do RJAT).

2. A decisão arbitral que julga procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da pretensão anulatória da liquidação da derrama regional e declara que a procedência da excepção não resulta de facto imputável à Requerente, faz caso julgado material se não for impugnada pelo interessado nos termos e prazos previstos no RJAT, nomeadamente com fundamento em vício de pronúncia indevida.

3. Fazendo caso julgado sobre esse requisito do alargamento do prazo de impugnação previsto naquele art.º 24/3 do RJAT e não sendo controvertido o preenchimento dos demais requisitos ali previstos, mostra-se tempestiva a impugnação apresentada no prazo de três meses contados da notificação da decisão arbitral (art.º 102/1 do CPPT).

4. A sentença que não conheceu do mérito da impugnação por caducidade do direito de acção no pressuposto entendimento da inaplicabilidade ao caso em apreço do alargamento do prazo de impugnação, enferma de erro de julgamento.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


D…, S.A., Zona Franca da Madeira, interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional da sentença proferida em 13 de Março de 2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que na verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de acção, absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado na impugnação judicial do indeferimento parcial da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC n.º 2014 2…, respeitante ao exercício de 2013 e correspectivos juros de mora e custas, no montante global de 1.424.879,07 euros.
A Recorrente conclui as doutas alegações assim, reformuladas após convite:
«
2.º
1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial proposta pela Recorrente na sequência da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.° 3…, relativa ao ato de liquidação adicional de IRC n.° 2014 2…, na parte correspondente à derrama regional;
2. O Douto Tribunal a quo concluiu pela extemporaneidade da impugnação judicial, tendo sentenciando que: (i) os tribunais arbitrais carecem de competência para conhecer da legalidade dos atos colocados em crise no litígio; (ii) a Recorrente ultrapassou o prazo de caducidade do direito de propositura da ação, verificando-se a exceção de caducidade do direito de ação, conducente à absolvição da Fazenda Pública do pedido (cfr. art. 576.0, n.° 3, do CPC, aplicável ex vi art. 2.0, alínea e), do CPPT);
3. Perante o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, entende a Recorrente enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento, pelo que requer a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pela sua anulação;
4. A questão objeto do presente recurso reporta-se assim à vinculação do Douto Tribunal ao quo ao sentenciado na decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, transitada em julgado, relativamente ao reinicio da contagem do prazo de propositura da impugnação judicial acima identificada;
5. Entende o Douto Tribunal a quo que tal decisão arbitral, porquanto versa sobre o vício de incompetência absoluta, não produz efeitos fora do processo em que foi proferida, não relevando a reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial nela reconhecida ao abrigo do art. 24.º, n.° 3, do RJAT (cfr. art. 100.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT);
6. Tal entendimento bule com o princípio do respeito pelo caso julgado (cfr. arts. 58o.0, 581.°, 619.°, 621.º e 625.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT);
7. A figura do caso julgado visa evitar que determinada questão venha a ser dirimida em termos distintos por diferentes tribunais, conferindo força obrigatória dentro e fora do respetivo processo a decisões que se pronunciem sobre a relação material controvertida (cfr. arts. 619.0 e 621.0 do CPC);
8. O legislador distingue os casos julgados formal e material: o primeiro possui eficácia intraprocessual (cfr. art. 619.°, n.° 1, do CPC); o segundo possui eficácia extraprocessual (cfr. art. 620.º, n.° 1, do CPC);
9. A questão atinente à tempestividade sentenciada na decisão arbitrai integra o role de questões abrangidas pela relação material do litígio, beneficiando por isso de eficácia extraprocessual;
10. Logo, tendo a decisão arbitrai reconhecido 0 direito à propositura de impugnação judicial no prazo de três meses a contar da notificação da decisão arbitrai, ao abrigo do art. 24.0, n.° 3, do RJAT, não poderá outro tribunal refutar esse direito, sob pena de preterição do caso julgado material já formado;
11. Padece assim a sentença recorrida de erro de julgamento, com fundamento na preterição do caso julgado material formado aquando do trânsito em julgado da decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, na parte respeitante ao reinicio da contagem do prazo de propositura de ação judicial por força da aplicação do art. 24.0, n.° 3, do RJAT (cfr. art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT);
12. Acresce que, contrariamente à posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo, não se reputa aplicável à presente situação o regime ínsito no art. 100.º do CPC, no sentido de obstar a que o sentenciado na aludida decisão arbitrai releve no âmbito dos presentes autos;
13. Neste contexto cumpre ter presente que a aludida decisão arbitrai se divide em dois segmentos decisórios: (i) o primeiro reportado à incompetência do tribunal arbitrai (cfr. arts. 4.º do RJAT e 1.° da Portaria de Vinculação); (ii) o segundo atinente ao preenchimento dos pressupostos da reabertura do prazo de propositura de nova ação judicial (cfr. art. 24.º, n.° 3, do RJAT);
14. Quanto ao primeiro não se verifica a violação do caso julgado formado, porquanto não existe discordância entre a sentença recorrida e a decisão arbitrai, tendo o Douto Tribunal a quo reconhecido que “(...) a apreciação do litígio “sub judice” não se incluía na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme foi decidido na decisão arbitrai junta aos autos”;
15. Dado que a dissonância entre as decisões se reporta apenas ao segundo segmento decisório - relativo à reabertura do prazo‘ de propositura da ação e, concomitantemente, à tempestividade da petição de impugnação apresentada, à luz do art. 24.º, n.° 3, do RJAT -, não se mostra aplicável o art. 100.° do CPC;
16. Isto porque a questão de caducidade do direito de ação não constitui uma questão de competência;
17. Nessa medida, mostra-se antes aplicável o regime-regra previsto no art. 619.º do CPC, de onde decorre que o referido segmento decisório (relativo ao reinicio da contagem do prazo de propositura de ação) reveste a força de caso julgado material, pelo que se impunha a sua aceitação pelo Douto Tribunal a quo;
18. Mesmo que assim não se entendesse - o que só por cautela de patrocínio se admite, sem, no entanto, conceder -, a eventual subsunção desta matéria a uma questão de (in)competência sempre configuraria uma situação de incompetência relativa, insuscetível de subsunção no art. 100.° do CPC, circunscrito a situações de incompetência absoluta;
19. Com efeito, não está em causa nos autos uma questão de incompetência em razão: (i) da matéria (os tribunais arbitrais beneficiam, em abstrato, de competência para aferir da legalidade de atos tributários e em matéria tributária concernentes aos primeiros); (ii) da hierarquia (os tribunais arbitrais operam enquanto tribunais de 1.a instância); (iii) das regras de competência internacional (não se coloca qualquer questão transnacional no litígio) ou (iv) da preterição de tribunal arbitrai (as partes não se encontravam obrigadas a recorrer à arbitragem tributária);
20. Em face do exposto, o Douto Tribunal a quo estava vinculado à decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, na parte respeitante à aplicação do art. 24.º, n.° 3, do RJAT, de onde resulta a tempestividade da propositura da impugnação judicial, nos termos do art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT, impondo-se por isso a anulação da sentença recorrida;
21. Acresce oporem-se os princípios da confiança e da segurança jurídicas ao sentido decisório perfilhado na sentença recorrida (cfr. art. 2.º da CRP);
22. Admitir-se que um tribunal possa desatender ao sentido decisório (j á transitado em julgado) adotado por outro tribunal coloca em causa os princípios da confiança e da segurança jurídicas, na medida em que obstaculiza a que uma parte possa prever com certeza se os direitos reconhecidos por um órgão jurisdicional lhe serão efetivamente oponíveis;
23. Tal conclusão encontra ainda respaldo no art. 205.º, n.° 2, da CRP, o qual dita que as decisões dos tribunais consolidadas na ordem jurídica se sobrepõem a decisões posteriores que as contradigam;
24. Termos em que o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo na sentença recorrida - na medida em que coarta o direito à reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial, conforme reconhecido pelo tribunal arbitrai no processo n.° 247/2015-T (cfr. art. 24.º, n.° 3, do RJAT) - redunda na violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídicas, nos termos dos arts. 2.º e 205.º, n.° 2, da CRP, o que desde já se invoca para efeitos do arts. 70.º, n.° 1, alínea b), e 72.º, n.° 2, da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro;



25. Pelo exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a sua anulação e concomitante expurgo da ordem jurídica, tudo com as demais consequências legais;
26. Ainda que se entendesse que o Douto Tribunal a quo não está vinculado às decisões arbitrais em matéria tributária - o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder -, impor-se-ia ao mesmo aferir do preenchimento dos pressupostos de aplicação do art. 24.º, n.° 3, do RJAT, o que não sucedeu;
27. Decorre desta disposição legal que, nas situações em que a decisão arbitrai não conheça do mérito da pretensão trazida a juízo por facto não imputável ao sujeito passivo, o prazo para reagir contenciosamente dos atos contestados reinicia-se com a notificação da respetiva decisão arbitrai;
28. O regime ínsito no art. 24.º, n.° 3, do RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pelo art. 124.º da lei de autorização legislativa do RJAT (ao abrigo, por sua vez, da alínea b) do n.° 1 do art. 198.º da CRP e, em consonância, com o art. 165.º, n.° 2, da CRP);
29. A lei de autorização legislativa não limitou territorialmente os efeitos do diploma a aprovar ao território continental, vigorando em todo 0 território nacional sem reservas ou especificidades relativas às regiões autónomas;
30. Nos termos do art. 4.º, n.° 1, do RJAT, a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitrai depende de portaria, tendo o Governo aprovado a Portaria de Vinculação, a qual não determinou a vinculação da DF-RAM à jurisdição arbitral tributária;
31. Tal vinculação não poderia ocorrer, uma vez que a competência para o efeito recai sobre o Governo Regional da Madeira (cfr. art. 1.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 18/2005, de 18 de janeiro);
32. Não obstante, o facto de a DF-RAM não se encontrar vinculada à arbitragem tributária não permite extrair a conclusão de que os órgãos jurisdicionais sedeados na Região Autónoma da Madeira estão desobrigados da aplicação da totalidade dos diplomas legais vigentes em Portugal, incluindo o RJAT (i.e., o facto de o Governo Regional da Madeira não ter convencionado a vinculação da DF-RAM à arbitragem tributária não dita a desvinculação de tais órgãos jurisdicionais ao RJAT);
33. Com efeito, apesar de os litígios em que a DF-RAM seja parte não serem passíveis de apreciação por tribunais arbitrais, tal não significa que os órgãos jurisdicionais incumbidos de apreciar os litígios de que é parte estejam desonerados de apreciar, quando necessário, as normas do RJAT - ou de qualquer outro diploma nacional - que importem à boa decisão da causa;
34. Mais se refira que, de todo o modo, se encontra vedada a derrogação ou revogação, por diploma de índole regional, de um diploma legal em matéria processual tributária criado por Decreto-Lei autorizado do Governo, pelo que nunca poderia ter-se o RJAT por desaplicado na Região Autónoma da Madeira (cfr. arts. 165.°, n.° 1, in fine, e 198.°, n.° 1, alínea b), da CRP);
35. A respeito do art. 165.°, n.° 1, da CRP, a doutrina distingue três níveis de exigência: (i) um nível mais exigente em que toda a regulamentação legislativa da matéria está sujeita à reserva relativa de competência da Assembleia da República; (ii) um nível menos exigente em que está sujeita à reserva relativa de competência a enunciação do regime geral da matéria e (iii) um nível ainda menos exigente em que a reserva relativa de competência se limita às bases gerais do regime jurídico da matéria;
36. O alcance da reserva de competência prevista na alínea i) do n.° 1 do art. 165.º da CRP é de nível mais exigente, estando reservada à Assembleia da República toda a regulamentação legislativa relacionada com a criação do sistema fiscal, incluindo as garantias dos contribuintes (cfr. art. 103.°, n.° 2, da CRP);
37. A competência para criar, modificar, derrogar ou revogar normas sobre garantias processuais é constitucionalmente atribuída à Assembleia da República e ao Governo da República;
38. Com efeito, tendo o ‘RJAT sido criado por Decreto-Lei autorizado do Governo, não é o mesmo passível de derrogação territorial por parte do Governo ou da Assembleia da Região Autónoma da Madeira;
39. Este entendimento em nada colide com o poder tributário próprio da Região Autónoma da Madeira, o qual consiste, em suma, no poder de criar taxas e impostos vigentes na respetiva Região Autónoma, de submeter as pessoas singulares e coletivas à sua incidência e sujeitá-las ao pagamento daqueles (cfr. arts. 227.º, n.° 1, alínea i), da CRP e 107.º do Estatuto Político e Administrativo da Região Autónoma da Madeira);
40. À data, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas dividia as competências tributárias em: (i) normativas (poder de criar e regular impostos vigentes apenas na região autónoma, definindo as incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, bem como de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais) e (ii) administrativas (poder de criar serviços fiscais ou de utilizar os serviços do Estado mediante o pagamento de uma compensação);
41. Porém, o poder legislativo-tributário das Regiões Autónomas encontra-se limitado pelas matérias reservadas aos órgãos de soberania, impondo-se que a matéria em questão não esteja reservada aos órgãos de soberania (cfr. art. 227.°, n.° 1, alínea b), da CRP);
42. Encontram-se assim excluídas da competência legislativa regional as matérias taxativamente reservadas à competência da Assembleia da República (cfr. arts. 161.º, 164.º e 165.º da CRP), salvo autorização desta quanto a matérias de reserva relativa;
43. Sendo certo que a alínea b) do n.° 1 do art. 227.º da CRP permite à Assembleia da República autorizar as Regiões Autónomas a legislar sobre matérias de reserva relativa, as matérias listadas no art. 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP encontram-se excluídas dessa possibilidade;
44. De onde se conclui que as Regiões Autónomas não podem revogar ou derrogar, expressa ou tacitamente, diplomas processuais tributários criados por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado do Governo;
45. Nem se invoque que se trata do exercício de um poder de adaptação às especificidades regionais;
46. O exercício desse poder traduz-se no ajustamento de determinado regime à Região Autónoma, visando corrigir assimetrias de insularidade e simplificar procedimentos administrativos;
47. Não se poderia admitir que, sob as vestes do exercício de eventuais poderes de adaptação, o legislador regional limitasse o campo de aplicação de um diploma processual tributário de âmbito nacional - no presente caso, o RJAT;
48. Pelo que, não obstante não se encontrar a DF-RAM vinculada à jurisdição arbitrai tributária, não poderão deixar de ser relevadas, em sede judicial, as disposições aprovadas no RJAT que possam importar à causa sub judice;
49. Na situação em presença, o Douto Tribunal a quo concluiu pela intempestividade da petição de impugnação - descurando a decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T sem sequer apreciar se se encontravam reunidos os pressupostos do art. 24.º, n.° 3, do RJAT, nomeadamente se a apresentação do pedido de pronúncia arbitrai se deveu a facto não imputável ao sujeito passivo;
50. Perante o exposto, constata-se ter o Douto Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, impondo-se a revogação da sentença recorrida;
51. Ainda que se entendesse que o Douto Tribunal a quo não estava vinculado à apreciação do art. 24.°, n.° 3.º, do RJAT - o que apenas a benefício de raciocínio se concebe, sem conceder sempre deverá esse Douto Tribunal ad quem admitir a apreciação da legalidade dos atos sub judice por força do princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional efetiva, o qual encontra respaldo no princípio do Estado de direito (cfr. arts. 2.º, 20.º, e 268.°, n.° 4, da CRP);
52. O direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva determina que o direito processual não deve obstaculizar a discussão judicial de direitos e interesses legalmente protegidos, devendo, antes, promover a contenda desses mesmos direitos (cfr. art. 20.º da CRP);
53. O entendimento preconizado pelo Douto Tribunal a quo, porquanto inviabiliza a apreciação dos vícios materiais de legalidade dos atos contestados - não obstante a pretensa intempestividade verificada se dever à errónea conduta da Autoridade Tributária -, colide com o princípio da tutela jurisdicional efetiva;
54. De acordo com o ponto 8 da factualidade dada como provada na sentença recorrida, a apresentação do pedido de pronúnbia arbitrai foi motivada por conduta errónea da Autoridade Tributária, a qual conduziu a Recorrente ao entendimento de que os tribunais arbitrais dispunham de competência para apreciar o litígio;
55. A Autoridade Tributária gerou na Recorrente a convicção de que os atos sub judice se tratavam de atos de liquidação para efeitos dos arts. 4.º do RJAT e 1.° da Portaria de Vinculação, passíveis, portanto, de contestação em sede arbitrai, tendo essa confiança sido decisiva na escolha do meio processual adotado;
56. Não se afiguraria admissível que a Autoridade Tributária adotasse comportamentos que conduzissem o sujeito passivo a recorrer à via arbitrai e o sujeito passivo que agisse nesse pressuposto viesse a ser penalizado por tal;
57. Uma vez que a Recorrente não pode ser prejudicada por uma errada qualificação dos atos sub judice da inteira responsabilidade da Autoridade Tributária, deve ser admitido o conhecimento do presente litígio pelo Douto Tribunal a quo, sob pena de total e absoluta frustração da confiança que a Recorrente deve depositar nas informações emanadas do Estado, incluindo do Estado- Administração, já que se tratam de expectativas que merecem tutela jurídica;
58. A posição perfilhada na sentença recorrida, no sentido de inviabilizar a discussão de questões de mérito porquanto a Recorrente recorreu à arbitragem tributária em consonância com as legitimas expetativas geradas pela conduta da Autoridade Tributária, impedindo o conhecimento da legalidade dos atos contestados em sede de impugnação judicial, bule com os princípios da justiça, de acesso aos tribunais e da proporcionalidade, previstos nos arts. 2.º, 18.°, n.os 2 e 3, 20.° e 268.°, n.° 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
59. Pelo exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a sua anulação e concomitante expurgo da ordem jurídica, com as demais consequências legais.

B. QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SOB APRECIAÇÃO
3-°
Ademais, em cumprimento do despacho melhor identificado no introito, vem ainda a Recorrente clarificar pretender ver apreciadas por esse Douto Tribunal ad quem as questões de constitucionalidade que infra se sumarizam:
1. Uma interpretação dos arts. 100.° e 619.º, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT - no sentido de os tribunais tributários não estarem vinculados a respeitar uma decisão arbitral transitada em julgado, na parte em que reconheça o direito à reabertura do prazo de propositura de impugnação judicial ao abrigo do art. 24.º, n.° 3, do RJAT - colide com os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídicas previstos nos arts. 2.º, 205.º, n.° 2, e 209.º, n.° 2, da CRP (cfr. arts. 56.º a 76.º das alegações de recurso);
2. Uma interpretação do art. 24.°, n.° 3, do RJAT - no sentido de a sua aplicação na Região Autónoma da Madeira, incluindo pelos respetivos tribunais tributários, estar dependente de adesão legislativa ou regulamentar por parte de qualquer um dos órgãos políticos regionais - padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 161.°, 165.çº, n.° 1, alínea i), e 227.º, n.° 1, alínea b), da CRP (cfr. arts. 80.º a 142.º das alegações de recurso);
3. O prazo de propositura de impugnação judicial previsto no art. 102.º, n.° 1, do CPPT - quando interpretado no sentido de obstaculizar a apreciação material de um litígio (mesmo nas situações em que a parte atua em conformidade com a confiança legítima depositada no Estado-Administração, que o induz em erro na adoção do meio processual - viola os princípios constitucionais da proteção da confiança e do acesso à justiça previstos nos arts. 2.º,18.º, n.os 2 e 3, 20.º, e 268.º, n.° 4, da CRP (cfr. arts. 143.º a 164.º das alegações de recurso).

Termos em que se solicita a esse Douto Tribunal ad quem que admita a junção aos autos do presente requerimento, dando seguimento aos ulteriores trâmites do recurso, tudo com as demais consequências legais.».

Não foram produzidas contra-alegações, nomeadamente, depois de as conclusões apresentadas pela Recorrente terem sido sintetizadas, após convite.

Por ac. de 16 de Dezembro de 2020, foi o Supremo Tribunal Administrativo julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso jurisdicional e considerado competente para dele conhecer este Tribunal Central Administrativo Sul, para onde foi ordenada a remessa dos autos.

Neste Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merecerá provimento.

Com dispensa dos vistos legais dado que as questões a dirimir não envolvem especial complexidade, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central do recurso consiste em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar intempestiva a impugnação judicial no pressuposto entendimento da não aplicação, no caso em apreço, do art.º 24.º, n.º 3 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária com o fundamento de que a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Administrativa da Madeira não está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa e, por conseguinte, as decisões desses tribunais arbitrais não lhe são oponíveis e, nessa medida, os considerandos expedidos em sede de decisão arbitral no âmbito do Proc.º 247/2015 – T quanto ao preenchimento dos pressupostos do art.º 24.º, n.º 3 do RJAT, determinando o alargamento do prazo de três meses previsto no art.º 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário não vinculam a DRAF da RAM, nem tal alargamento do prazo de impugnação lhe é oponível.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
1. A 29 de maio de 2014, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em nome da sociedade Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2014 2…, respeitante ao exercício de 2013, da qual resultou um valor a pagar de € 1.670.581,40, com data limite de pagamento no dia 06 de agosto de 2014 - cfr. fls. 07 do Processo Administrativo (PA) apenso e doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 24 de junho de 2014, a sociedade Impugnante, representada pela respetiva Técnica Oficial de Contas (M…), apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 requerimento de reclamação graciosa da liquidação de IRC n.º 2014 2…, respeitante ao exercício de 2013, "uma vez que foi considerado a importância de 265.902,24€ e 1.370.522,40€, relativo a Derrama e Derrama Estadual respectivamente, dando lugar ao pagamento adicional no total de 1.670.581,40€", sendo que "aqueles montantes não são devidos à luz do n.º10, alínea a) do art.º 33 do EBF, segundo o qual as empresas sediadas na ZFM estão isentas de taxas e impostos locais" - cfr. fls. 44 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. No dia 24 de novembro de 2014, o Dr. P…, advogado, apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1, no qual declarou ratificar "a reclamação graciosa apresentada pela Exma. Sra. TOC M..., bem como todos os actos já praticados no âmbito do processo de reclamação graciosa" originado pelo requerimento mencionado no ponto antecedente - cfr. fls. 48 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. Por despacho do Diretor Regional dos Assuntos Fiscais, datado de 06 de janeiro de 2015, em concordância com anterior informação, foi a reclamação graciosa supramencionada deferida parcialmente "e consequentemente anulado o montante parcial de € 265.902,24 exigido na liquidação reclamada (nº 2014 2…) a título de derrama municipal; mantendo-se no entanto a exigibilidade do montante de € 1.370.522,40, devido a título de derrama regional" - cfr. fls. 28 a 31 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. No dia 12 de janeiro de 2015, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD 5… PT), ofício n.º 1…, para notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, mencionada no ponto antecedente, dirigido ao "Dr. P…, mandatário de «D…, S.A. (ZFM)»" para o respetivo domicílio profissional - cfr. fls. 25 a 27 do PA apenso e doc. n.º l junto com a petição inicial.

6. O aviso de receção referente ao registo CTT RD 5… PT foi assinado em 13 de janeiro de 2015 - cfr. fls. 27 do PA apenso.

7. A 13 de abril de 2015, a sociedade Impugnante, "representada pelo Exmo. Sr. Dr. P…, actual representante para efeitos tributários", apresentou junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, pedido de pronúncia arbitral "nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária", visando a declaração de "ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014 2…, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respetivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€" - cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. No dia 27 de outubro de 2015, foi proferida pelo CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa decisão arbitral referente ao pedido de pronúncia referenciado no ponto antecedente no qual foi acordado:
"a) Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitrai;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;
c) Declarar que a procedência da excepçõo não resulta de facto imputável à Requerente" - cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. A Impugnante foi notificada da aduzida decisão arbitrai por ofício datado de 03 de novembro de 2015 - cfr. doc. n.4 junto com a petição inicial.
10. A presente impugnação judicial foi apresentada no dia 27 de janeiro de 2016 - cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).

*
Factos não provados:
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da exceção em apreciação.
*
Motivação da decisão de facto:
A decisão de facto, efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conforme especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme se apreende dos pontos 7. a 10. do probatório, a presente impugnação foi apresentada em 27 de Janeiro de 2016, na sequência da notificação efectuada à impugnante, através de ofício datado de 3 de Novembro de 2015, da decisão arbitral proferida em 27 de Outubro de 2015 pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa referenciada ao pedido de pronúncia arbitral visando a “declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014 2…, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respectivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€”.

A decisão arbitral tem o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;
c) Declarar que a procedência da excepção não resulta de facto imputável à Requerente.».

A sentença recorrida não pondo em causa o ac. arbitral quanto à decisão e fundamentos da declarada incompetência material e de que a excepção não resulta de facto imputável à requerente (aqui, Recorrente), dissente, porém, de que no litígio em apreciação seja aplicável a possibilidade de alargamento do prazo de impugnação previsto no n.º 3 do art.º 24.º do RJAT (aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), que dispõe: «Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral».

A douta sentença recorrida, depois de referenciar os preceitos normativos dos vários diplomas que entendeu potencialmente aplicáveis, discorreu assim:
«
Volvendo ao caso em apreço, temos que a sociedade Impugnante tem sede no território da Região Autónoma da Madeira e atividade enquadrada no Centro Internacional de Negócios da Madeira, encontrando-se, portanto, sujeita ao regime jurídico-fiscal aplicável na Região Autónoma da Madeira, nos termos do qual o IRC (onde se enquadra a derrama regional) constitui uma receita própria da Região que deve ser administrada pela DRAF (atual AT-RAM).
Logo, a competência para a liquidação impugnada é da DRAF (AT-RAM), embora a lei admita a colaboração da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nesse procedimento. Do mesmo modo, o objeto imediato da presente impugnação judicial é a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pela Impugnante da liquidação de IRC n.º 2014 2…, a qual foi proferida pelo Diretor Regional dos Assuntos Fiscais da Madeira em 06 de janeiro de 2015 [vide ponto 4. do probatório].
Perante este cenário, apresentou a Impugnante pedido de pronúncia arbitral junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, o qual viria a ser rejeitado pela procedência da exceção de incompetência material daquele Tribunal Arbitral [cfr. pontos 7. e 8. dos factos provados], como não poderia deixar de ser. Efetivamente, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões previstas no art. 2.º do RJAT, estipulando o art. 4.º, n.º 1 do mesmo regime que: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.” A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, determina, de forma taxativa, a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa dos seguintes serviços do Ministério das Finanças: “a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).”
A DRAF (atualmente AT-RAM) não está, pois, entre os serviços vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Com efeito, o Governo Regional da Madeira não se confunde com o Governo da República, e apenas este emitiu portaria de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), a qual não vincula, nem poderia vincular, a DRAF (AT-RAM).
Como tal, pertencendo a administração do imposto em causa (derrama regional de IRC do exercício de 2013) à DRAF (AT-RAM), tendo a reclamação graciosa sido decidida pelo Diretor Regional dos Assuntos Fiscais da Madeira, e não se encontrando DRAF (AT-RAM) vinculada por qualquer forma à jurisdição do CAAD, a apreciação do litígio “sub judice” não se incluía na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme foi decidido na decisão arbitral junta aos autos. Sucede que a decisão arbitral considerou, para além disso, que “a procedência da excepção não resulta de facto imputável à Requerente”, ora Impugnante, para efeitos do art. 24.º, n.º 3 do RJAT, segundo o qual: “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.” É com base nesta argumentação que a Impugnante se estriba para sustentar a tempestividade da presente impugnação judicial, considerando, pois, que a decisão do Tribunal Arbitral constitui uma causa de interrupção dos prazos de reação graciosa e contenciosa, reiniciando-se o respetivo cômputo. Contudo, carece de razão, uma vez que, não estando a DRAF (AT-RAM) vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, as decisões destes tribunais não lhe são oponíveis. Quer isto dizer que os considerandos expedidos em sede de decisão arbitral quanto ao preenchimento dos pressupostos do art. 24.º, n.º 3 do RJAT não vinculam a DRAF (AT-RAM) – i.e. as moratórias fixadas em sede arbitral quanto à contagem do prazo de impugnação não obrigam a Entidade Impugnada nem lhe podem ser oponíveis. Salienta-se, ainda neste âmbito, que nos termos do art. 100.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por remissão do art. 2.º, alínea e) do CPPT, a decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal, mesmo que transitada em julgado, não tem qualquer valor fora do processo em que foi proferida. Por fim, cumpre elucidar que não compete aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa sindicar e apreciar da regularidade/legalidade da tramitação procedimental subjacente ao ato tributário impugnado, seja a que título for, por carecerem em absoluto de competência para o efeito.
Nestes termos, não sendo oponível à DRAF (AT-RAM) um alargamento do prazo impugnatório de três meses previsto no art. 102.º, n.º 1 do CPPT - a contar da notificação da decisão de deferimento parcial de reclamação graciosa (efetivada no dia 13 de janeiro de 2015 [cfr. pontos 5. e 6. da matéria apurada]) -, concedido nos termos do art. 24.º, n.º 3 do RJAT por decisão arbitral, quando a presente impugnação judicial foi apresentada (em 27 de janeiro de 2016), já há muito o respetivo prazo legal se havia esgotado.
Pelo exposto, a presente impugnação judicial é extemporânea, verificando-se, desta forma, a exceção perentória de caducidade do direito de ação, impondo-se, assim, a absolvição da Fazenda Pública do pedido, ao abrigo do disposto no art. 576.º, n.º 3 do CPC, aplicável “ex vi” art. 2.º, alínea e) do CPPT.».

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema em discussão, embora possamos adiantar já que não acompanhamos o modo de ver expressado na sentença recorrida.

Considerou a douta sentença recorrida que o preenchimento dos requisitos vertidos no citado art.º 24.º, n.º 3 do RJAT não vinculam a AT – RAM posto que esta não está vinculada à jurisdição do Tribunal Arbitral.

O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária foi aprovado no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que dispõe:
«Artigo 124.º
Arbitragem em matéria tributária
1 - Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.
2 - O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
3 - A arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.
4 - O âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
b) A definição, como fundamento do processo arbitral tributário, da ilegalidade ou da lesão ou o risco de lesão de direitos ou interesses legítimos, e como efeitos da sentença proferida a final pelo tribunal arbitral, da anulação, da declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido ou do reconhecimento do direito ou do interesse legalmente protegido dos contribuintes;
c) A determinação de que o julgamento do tribunal arbitral é feito segundo o direito constituído, ficando vedado o recurso à equidade;
d) A definição dos efeitos da instauração do processo arbitral tributário, harmonizando-os com os previstos para a dedução de impugnação judicial, designadamente em termos de suspensão do processo de execução fiscal e de interrupção da prescrição das dívidas tributárias;
e) A definição do modo de constituição do tribunal arbitral, subordinando-o aos princípios da independência e da imparcialidade e prevendo, como regra, a existência de três árbitros, cabendo a cada parte a designação de um deles e aos árbitros assim escolhidos a designação do árbitro-presidente e a definição do regime de impedimento, afastamento e substituição dos árbitros;
f) A fixação dos princípios e das regras do processo arbitral tributário, em obediência ao princípio do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes e com dispensa de formalidades essenciais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo;
g) A fixação, como limite temporal para a prolação da sentença arbitral e subsequente notificação às partes, do prazo de seis meses a contar do início do processo arbitral tributário, com possibilidade de prorrogação, devidamente fundamentada, por idêntico período;
h) A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada;
i) A definição dos efeitos da apresentação do recurso da sentença do tribunal arbitral, em particular quanto à manutenção da garantia prestada e ao regime da suspensão do processo de execução fiscal;
j) A definição do regime de anulação da sentença arbitral com fundamento, designadamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão e na falta de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas ou na pronúncia de questões que não devessem ser apreciadas pelo tribunal arbitral;
l) A atribuição à sentença arbitral, que não tenha sido objecto de recurso ou de anulação, da mesma força executiva que é atribuída às sentenças judiciais transitadas em julgado;
m) A definição dos montantes e do modo de pagamento dos honorários e das despesas dos árbitros, fixando os critérios de determinação dos honorários em função do valor atribuído ao processo e da efectiva complexidade do mesmo e estabelecendo valores mínimos que ofereçam garantias qualitativas na composição do tribunal arbitral, podendo ainda prever-se a possibilidade de redução de honorários, fixando os respectivos pressupostos e montantes, nas situações de incumprimento dos deveres dos árbitros;
n) A consagração da responsabilidade da parte vencida pela totalidade dos honorários e despesas dos árbitros, podendo ser estabelecidos critérios de limitação da responsabilidade da administração tributária, designadamente o do montante das custas judiciais e dos encargos que seriam devidos se o contribuinte tivesse optado pelo processo de impugnação judicial ou pela acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
o) A aplicação adaptada, para efeitos da nomeação dos árbitros, mediadores ou conciliadores do regime dos centros de arbitragem previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
p) A revisão da legislação tributária cuja necessidade de modificação decorra da presente autorização legislativa;
q) A consagração de um regime transitório que preveja a possibilidade de os contribuintes submeterem ao tribunal arbitral a apreciação dos actos objecto dos processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, em primeira instância, nos tribunais judiciais tributários, com dispensa de pagamento de custas judiciais.».


Nos termos do art.º 165.º, n.º 2 da CRP, «As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada».

Ora, como bem refere a Recorrente, em momento algum a lei de autorização legislativa limitou territorialmente os efeitos do diploma a aprovar ao território continental ou outro. Nessa medida, em linha com aquela lei de autorização legislativa, foi aprovado o RJAT, vigorando o mesmo, na qualidade de decreto lei autorizado, em todo o território nacional, sem reservas ou especificidades relativas às Regiões Autónomas.

Isso assente, de acordo com o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do RJAT, «A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
De acordo com o art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, “…vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”.

A circunstância de o Governo Regional da Madeira não ter vinculado a AT – RAM à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, significa que a estes tribunais, sob pena de incompetência material, está vedada a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT – RAM.

Mas rigorosamente mais nada. Os tribunais arbitrais proferem decisões jurisdicionais (art.º 1.º do RJAT) e as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, como a de qualquer outro tribunal da ordem interna (art.º 205.º, n.º 2, da CRP).

Assim, se o tribunal arbitral, hipoteticamente, decidir pretensões materiais (nomeadamente, a pretensão anulatória da derrama regional liquidada) para que não é manifestamente competente, tal não significa que tal decisão jurisdicional não obrigue a AT – RAM, enquanto se mantiver na ordem jurídica, bem que proferida com vício de incompetência absoluta.
O entendimento da sentença recorrida, segundo o qual as decisões destes tribunais não são oponíveis à AT – RAM, salvo o devido respeito, é insustentável. Como é inaceitável a posição da AT – RAM, expressada na contestação (art.º 11.º), de que o tribunal arbitral emitiu uma mera opinião.

E a única forma que a entidade interessada tem de apagar da ordem jurídica a decisão arbitral proferida com hipotético vício de incompetência é justamente através dos meios impugnatórios previstos no RJAT, nomeadamente, o recurso e a impugnação (artigos 25.º e 27.º do RJAT).

Pois bem, vertendo aos autos, não sendo discutida a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da pretensão material deduzida (anulação da derrama regional liquidada), mas apenas o segmento da decisão em que declara que a procedência da excepção de incompetência material não resulta de facto imputável à Requerente, os efeitos desta decisão (que envolveu a apreciação da actuação administrativa subjacente à prática do acto, como se extrai da fundamentação da decisão) só poderiam ser arredados da ordem jurídica mediante impugnação da decisão arbitral com fundamento em eventual pronúncia indevida (artigos 27.º e 28.º, n.º 1 alínea c), do RJAT).

Neste particular, cumpre chamar à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29 de Março de 2016, proferido no processo n.º 126/15, o qual julgou: “[i]nconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.

Ora, nem os autos, nem o probatório, indicam que a AT – RAM, inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral na parte em que declara que a procedência da excepção de incompetência material não resulta de facto imputável à Requerente, a tenha impugnado nos termos previstos no RJAT, o que aliás se mostra coerente com o expressado entendimento da AT –RAM de considerar a decisão do Tribunal Arbitral, nesse segmento, como uma opinião que não a vincula.

Como assim, a decisão do Tribunal Arbitral ainda que hipoteticamente inquinada do vício de pronúncia indevida transitou em julgado.

O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art.º 628.º do Cód. de Processo Civil (ex vi do art.º 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT), ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. Segundo o critério da eficácia, haverá que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º.

Ora, como bem observa a Exma. Senhora PGA no Supremo Tribunal Administrativo, estamos perante caso julgado material porque ao declarar que a procedência da excepção de incompetência não resulta de facto imputável ao sujeito passivo, o Tribunal Arbitral (bem ou mal) fez apreciação e valoração da conduta das partes no procedimento administrativo subjacente à prática do acto tributário contestado (o que aliás se colhe da fundamentação do ac. arbitral), o que nada tem a ver com a relação processual.

Neste modo de ver, sendo requisitos do alargamento do prazo de impugnação previsto no n.º 3 do art.º 24.º do RJAT, que a decisão arbitral tenha posto termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão, que tal tenha ocorrido por facto não imputável ao sujeito passivo e que a impugnação recaia sobre os actos objecto da pretensão arbitral deduzida, não se discutindo o primeiro e terceiro requisitos e tendo-se formado caso julgado material quanto ao segundo, unicamente resta aferir da tempestividade da impugnação à luz do alargamento do prazo ali previsto.

Ora, colhe-se do probatório que a Recorrente foi notificada da decisão arbitral por ofício de 3 de Novembro de 2015 e apresentou a presente impugnação em 27 de Janeiro de 2016 (pontos 9. e 10. do probatório).

O prazo de impugnação é de três meses (artigo 102.º, n.º 1, do CPPT), contados a partir da notificação da decisão arbitral (art.º 24.º, n.º 3 do RJAT).

Como assim, a presente impugnação mostra-se apresentada dentro de prazo. A sentença recorrida que concluiu pela caducidade do direito de acção enferma de erro nos pressupostos, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas nas conclusões do recurso.

Na procedência da apelação haveria que conhecer das questões que o tribunal recorrido deu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio.

Sucede, porém, que se por um lado não foram levados ao probatório quaisquer factos pertinentes à discussão das questões de mérito colocadas na P.I. de impugnação, por outro, o tribunal recorrido não deixou de conhecer apenas de “certas questões” relativas à pretensão material (art.º 665.º, n.º 2 do CPC), pura e simplesmente não conheceu do mérito da pretensão, pelo que seria muito limitador do princípio do duplo grau de jurisdição e do alcance da tutela judicial efectiva se a discussão das questões factuais e jurídicas se restringisse, na sua globalidade, a uma única instância.

Nesse entendimento, o processo deverá baixar à 1.ª instância para que aí se proceda à instrução dos autos e se levem ao probatório os factos pertinentes ao conhecimento das questões de mérito colocadas na impugnação, com oportuna prolação de nova sentença de mérito.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para instrução e oportuna prolação de nova sentença em que se conheça das questões de mérito colocada.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022


_______________________________
Vital Lopes



________________________________
Luísa Soares



________________________________
Tânia Meireles da Cunha