Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:942/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
MÉTODOS INDIRETOS.
EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO.
OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS
Sumário:Em sede de IVA, a falta de cumprimento de obrigações declarativas que acrescem à emissão de facturas põe em causa a função de titulação destas últimas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

“G.............. – .............., Lda.”, melhor identificada nos autos, deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA emitidas após o pedido de revisão da matéria tributável - que havia apresentado na sequência das correções propostas no Relatório da Inspeção Tributária elaborado pelos Serviços da Inspeção Tributária - ter sido indeferido e, assim, ter sido fixado através de métodos indiretos, relativamente ao exercício de 2007, um montante total de € 447.214,32 de IVA a pagar. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 409 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 20 de Julho de 2017, julgou procedente a impugnação. A Fazenda Pública interpôs o presente recurso, tendo, nas respetivas alegações (fls. 459 e ss., numeração em formato digital – sitaf) formulado as seguintes conclusões:

«I - A douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos e que respeita à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, com a consequente anulação dos actos de liquidação de IVA impugnados.

II - A quantificação utilizada pela AT, assentou no cálculo indirecto da base tributável do sujeito passivo no ano de 2007 e foi desenvolvidamente fundamentada, com recurso a uma amostra de facturas resultante da circularização junto de clientes daquela.

III - E sendo julgada como correcta a bondade da decisão da utilização dos métodos indirectos de avaliação, cabia à Impugnante a prova do erro ou exagero da quantificação.

IV - Considerou a este propósito a douta sentença a quo que, mercê dos valores revelados pelas facturas entregues pela Impugnante em sede de procedimento de revisão da matéria tributável e das inerentes declarações periódicas de IVA, entretanto submetidas, os revelavam a real e efectiva matéria tributável para aquele ano, motivo pelo qual, devia o montante do IVA ser apurado com base nas citadas declarações periódicas.

V - Contrariamente ao assim doutamente sentenciado, entende esta RFP que não se pode sustentar como suficiente para efeitos de quantificação do imposto em falta, a mera aceitação dos valores das declarações periódicas de IVA entretanto submetidas com alegada base nas 212 facturas exibidas.

VI - Para aquilatar da credibilidade e fiabilidade destas facturas, necessário se tornaria recorrer à análise de outros elementos que permitissem corroborar da veracidade da informação que delas consta, como o seriam, de acordo com a posição demonstrada pela AT em sede de procedimento de revisão, a exibição do mapa dos elementos do activo imobilizado ou da informação que se podia colher da declaração anual de informação contabilística e fiscal, os quais sempre foram omitidos pela Impugnante.

VII - Ou seja, para assentar como correcta a matéria tributável efectiva para o ano de 2007, a informação decorrente das declarações periódicas teria de ser confirmada por adicional informação contabilística e fiscal (V.g. balanço e demonstração de resultados) e ainda informação anual para efeitos de IVA (v.g. vendas a taxa normal e reduzida, vendas isentas; compras com e sem IVA dedutível, entre outros) e pelos mapas recapitulativos de clientes e fornecedores, os quais nunca foram revelados.

VIII - Quer isto dizer que as facturas disponibilizadas pela Impugnante em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, por si só, não têm a virtualidade de revelar a real e efectiva matéria tributável do ano de 2007, posto que apenas seria susceptível de alcançar tal desiderato se a respectiva disponibilização se fizesse acompanhar da informação contabilística e fiscal contida, precisamente, na declaração anual de informação contabilística e fiscal.

IX - Sendo que, também concorre para a não aceitação dos dados revelados pelas ditas facturas o facto, já evidenciado em sede de procedimento de revisão, de estas facturas apresentarem diversas irregularidades formais o que de per si sempre seria obstativo de as qualificar como documentos inidóneos para efeitos de demonstração da efectiva e real matéria tributável relativamente ao ano de 2007.

X - Decidindo como decidiu, a douta sentença a quo violou todas as regras relativas à produção de prova, do mesmo passo que, postergou o que se dispõe na LGT, na parte relativa à avaliação da matéria tributável, nomeadamente os seus artigos 87.º, 88.º e 90.º.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências….».


X

Nas contra-alegações de fls. 482 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrida, G.............. – .............., Lda, formulou as conclusões seguintes:

«1 - A escrita/contabilidade da contribuinte reunia todos os elementos para que, com rigor, a A.T. pudesse determinar a real situação da faturação da contribuinte no ano de 2007.

2 - A A.T. podia, com rigor, determinar a matéria tributável da contribuinte sujeita a I.V.A. 2007, sem ter que recorrer a métodos indiretos para determinação daquele valor.

3 - A contribuinte no ano 2007 emitiu 212 faturas e não as 178 que a A.T. presumiu, tendo, com base naquelas 212 faturas, entregue as declarações de I.V.A. no ano de 2007, períodos 2007/03T; 2007/06T; 2007/09T e 2007/12T.

4 - O recurso a métodos indiretos pela A.T. violou o disposto nos artigos 85° nº 1 e 87° nº 1 b) da L.G.T.

5 - As liquidações adicionais de I.V.A. para o período de 2007, porque obtidas com recurso a métodos indiretos, são ilegais e consequentemente devem ser anuladas.

6 - Bem andou a sentença recorrida, não só ao julgar ilegal o recurso a métodos indiretos pela A.T. como, ainda, ao julgar que como consequência dessa ilegalidade, são nulas as liquidações adicionais de I.V.A., por aquela via efetuadas.

Termos em que deve a sentença recorrida ser integralmente mantida…».

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da procedência do recurso por razões diversas.


X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) A Impugnante constituiu-se como sociedade por quotas em 27-02-2002, com sede na Rua………., Lagariça, no concelho de Loures (conforme cópia de certidão permanente a fls. 331 do processo administrativo tributário);

B) Iniciou a atividade de aluguer de contentores para remoção de lixo em 15-04-2002 a que corresponde o código CAE n.º 081292 – “Outras Atividades de Limpeza” (conforme cópia de certidão permanente a fls. 331 do processo administrativo tributário, ponto II, n.º 3.1 do Relatório da Inspeção Tributária – a fls. 319 do processo administrativo tributário, sendo que esta foi a única atividade da Impugnante que foi referida por ambas as testemunhas inquiridas);

C) Entre 08-04-2002 e 08-04-2007 foi titular do Alvará n.º .............., tendo três veículos licenciados para o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (conforme certidão emitida pelo IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP., a qual foi junta aos autos em sede de audiência de julgamento em 05-01-2017, e prova testemunhal);

D) Ficou enquadrada em sede de IVA no regime normal de tributação, com periodicidade trimestral (conforme print da síntese cadastral da Impugnante retirado do sistema informático da Administração Tributária, a fls. 446 do processo administrativo tributário);

E) Foram nomeados como gerentes os dois únicos sócios – V.............. e J.............., cada um com uma quota de € 25.000,00 – obrigando-se a sociedade com a assinatura conjunta de ambos (conforme cópia de certidão permanente, a fls. 331 e 332 do processo administrativo tributário);

F) Em 05-01-2010, no Cartório Notarial de Lisboa, os dois gerentes, em conjunto e em representação da Impugnante, constituíram como procurador da mesma J.............., conferindo-lhe os poderes discriminados na procuração junta de fls. 17 a 24 do documento n.º 005434200 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

G) Em 03-02-2011 a Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa solicitou à Impugnante que apresentasse nas respetivas instalações, no dia 25-02-2011, os documentos e registos da contabilidade (dossier fiscal, balancetes e extratos de conta), em conformidade com a lei comercial e fiscal, relativos, entre outros, ao exercício económico de 2007 (conforme ofício n.º 010081 e registo dos CTT – Correios de Portugal, a fls. 334 e fls. 335 do processo administrativo tributário);

H) Em 25-02-2011 o procurador da Impugnante - J.............. – foi ouvido em declarações nas instalações da Direção de Finanças de Lisboa, tendo referido que “… de momento não podia apresentar a contabilidade em virtude de não estar feita, mas solicita um prazo de um mês para efetuar a contabilidade do ano de 2007 …” (conforme termo de declarações, a fls. 344 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

I) Em 20-04-2011 os gerentes da Impugnante solicitaram a prorrogação do prazo para a apresentação dos documentos contabilísticos solicitados por um período de 15 dias, “… uma vez que motivos diversos, incluindo ausência e problemas de saúde do responsável pela escrita, impediram aquela apresentação até ao momento” (conforme carta a fls. 345 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

J) Em 20-05-2011 a Impugnante tomou conhecimento que a muito curto prazo, técnicos do Serviço da Inspeção Tributária se iriam deslocar à sede da mesma, a fim de verificar o cumprimento das correspondentes obrigações tributárias (conforme carta aviso, datada de 10-05-2011, registada nos CTT – Correios de Portugal a 11-05- 2011 e rececionada em 20-05-2011 – fls. 312 a 315 do documento n.º 005434200 do SITAF, não impugnados);

K) Em 27-05-2011 os Serviços da Inspeção Tributária iniciaram uma ação de inspeção externa à Impugnante, relativo ao exercício de 2007, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201102465, datada de 04-05-2011 (conforme certidão marcando hora certa, certidão de verificação hora certa, nota de notificação com hora certa e comunicação nos termos do artigo 241º do CPC, a fls. 353, fls. 354, fls. 355 e fls. 352 do processo administrativo tributário, respetivamente);

L) Em 27-05-2011 os Serviços da Inspeção Tributária, na pessoa de P.............. - presente na sede da Impugnante -, solicitaram que a Impugnante apresentasse na sua sede, no dia 06-06-2011, os “Documentos e registos da contabilidade (dossier fiscal, balancetes e extratos de conta), em conformidade com a lei comercial e fiscal, relativos ao exercício económico de 2007” (conforme notificação a fls. 357 do processo administrativo tributário);

M) Em 08-06-2011 e em 20-06-2011, os Serviços da Inspeção Tributária, solicitaram a J.............., na qualidade de técnico oficial de contas da Impugnante, para enviar para os respetivos serviços as fotocópias das declarações de IVA, da Modelo 22 e de Informação Empresarial Simplificada (IES) relativas ao exercício de 2007 (conforme ofícios a fls. 359 e 361 do processo administrativo tributário);

N) Em 30-06-2011, J.............. informou que estava impedido de apresentar quaisquer declarações, em virtude da Impugnante não lhe ter fornecido quaisquer elementos que lhe permitissem elaborar a contabilidade (conforme e-mail a fls. 362 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

O) Em 14-06-2011 os Serviços da Inspeção Tributária remeteram a J.............., na qualidade de procurador da Impugnante, carta registada solicitando a apresentação nos respetivos serviços das declarações periódicas de IVA, de rendimentos – Modelo 22 de IRC, de Informação Empresarial Simplificada (IES) e os documentos e registos contabilísticos (dossier fiscal, balancetes e extratos de conta) em conformidade com a lei comercial e fiscal, relativos ao exercício de 2007 da Impugnante, a qual foi devolvida pelos CTT – Correios de Portugal com a informação de “Não entrega no Domicílio por: não atendeu” (conforme ofício e registo dos CTT – Correios de Portugal a fls. 365 e 366 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

P) Em 06-07-2011 os Serviços da Inspeção Tributária comunicaram à Impugnante a conclusão dos atos de inspeção (conforme ofício e certidão de verificação hora certa, a fls. 402 e 403 do processo administrativo tributário);

Q) Em 11-07-2011 os Serviços da Inspeção Tributária deram conhecimento à Impugnante do Projeto do Relatório da Inspeção Tributária, dando-lhe um prazo de 15 dias para exercer o seu direito de audição prévia (conforme ofício a fls. 406 do processo administrativo tributário);

R) Em 05-08-2011 a Impugnante, no âmbito do exercício do seu direito de audição, requereu que fosse marcada data para proceder à exibição e entrega dos elementos solicitados junto dos serviços da inspeção tributária (conforme carta a fls. 407 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido: a data vem referida no ponto VII do Relatório da Inspeção Tributária, a fls. 328 do processo administrativo tributário e no ofício a fls. 310 do documento n.º 005434200 do SITAF, não impugnada);

S) Em 22-08-2011 os Serviços da Inspeção Tributária comunicaram à Impugnante que ficava marcado o dia 25-08-2011 para a mesma apresentar os elementos solicitados (conforme ofício a fls. 310 do documento n.º 005434200 do SITAF e registo dos CTT – Correios de Portugal, a fls. 409 do processo administrativo tributário);

T) Em 15-09-2011 foram sancionadas pelo Chefe de Divisão dos Serviços da Inspeção Tributária as conclusões do Relatório da Inspeção Tributária elaborado em 12-08-2011, o qual propôs correções à matéria tributável através da aplicação de métodos indiretos, em sede de IVA e relativamente ao exercício de 2007, no montante de € 447.214,32 (conforme despacho, parecer e relatório da inspeção tributária de fls. 314 a 329 e respetivos anexos de fls. 330 a 410 do processo administrativo tributário, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzido);

U) Do Relatório da Inspeção Tributária mencionado na alínea anterior, destacam-se os seguintes excertos:


«imagens no original»




V) Em 14-10-2011 a Impugnante tomou conhecimento do Relatório da Inspeção Tributária (conforme referido no despacho de fixação da matéria tributável, a fls. 441 do processo administrativo tributário, não impugnado);

W) Em 27-10-2011 a Impugnante apresentou as declarações periódicas de substituição referentes aos períodos de 2007/03T, 2007/06T, 2007/09T e 2007/12T de IVA, apurando um valor a pagar de € 9.331,97 e € 7.868,56 (relativamente às duas primeiras) e um valor a receber de € 164,12 e € 6.099,03, relativamente às duas últimas (conforme comprovativos de entrega via internet de fls. 28 a 31 do documento n.º 005434200 do SITAF, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos);

X) Em 27-10-2011 a Impugnante apresentou a primeira declaração de rendimentos de IRC – modelo 22, referente ao exercício de 2007 (conforme comprovativo de entrega via internet, de fls. 32 a 36 do documento n.º 005434200 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

Y) A Impugnante não entregou a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal - Informação Empresarial Simplificada (IES) referente ao exercício de 2007 (prova testemunhal);

Z) Durante o ano de 2007 a Impugnante emitiu 212 faturas (juntas aos autos de fls. 37 a fls. 306 do documento n.º 005434200 do SITAF, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos e de acordo com o quadro síntese junto ao laudo do perito da Impugnante, a fls. 437/verso do processo administrativo tributário e prova testemunhal);

AA) Em 31-10-2011 a Impugnante apresentou um pedido de revisão contra a fixação do IVA por métodos indiretos (conforme referido no despacho de fixação da matéria tributável, a fls. 441 do processo administrativo tributário, não impugnado);

BB) Em 28-11-2011 efetuou-se na Direção de Finanças de Lisboa a primeira reunião entre os peritos designados pela Administração Tributária e pela Impugnante para o procedimento de revisão – Inspetora Tributária M.............. e J.............., respetivamente -, tendo o perito da Impugnante entregue “… diversa documentação, balancetes e mapas com o apuramento do IVA em falta, bem como fotocópias das faturas emitidas no decorrer do ano de 2007” (conforme laudo da perita da Administração Tributária, a fls. 436/verso do processo administrativo tributário, não impugnado);

CC) Em 06-12-2011 reuniram-se novamente os peritos mencionados na alínea precedente, não tendo havido acordo entre os mesmos no debate contraditório efetuado, conforme laudos elaborados de fls. 435/verso a fls. 437/frente e a fls. 435/frente e 440 do processo administrativo tributário, respetivamente, cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos (conforme ata n.º 68/11, a fls. 434 do processo administrativo tributário);

DD) Em 09-12-2011 a Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa considerou justificada a determinação da matéria tributável com recurso aos métodos indiretos, tendo fixado o valor de IVA, relativamente a 2007, em € 447.214,32 (conforme despacho de fls. 442 a 445 do processo administrativo tributário, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);

EE) Em 17-12-2011 foram emitidas as liquidações n.º ………, n.º……., n.º ………. e n.º………….., referentes aos períodos de IVA 0703T, 0706T, 0709T e 0712T, no montante de € 87.784,21, € 68.258,96, e 22.776,08 e € 257.457,69, respetivamente, num total de € 436.276,94, com data limite de pagamento voluntário de 28-02-2012 (conforme print do sistema informático da Administração Tributária, a fls. 417 do processo administrativo tributário);

FF) Em 29-12-2011 a Impugnante tomou conhecimento das liquidações referidas na alínea precedente (conforme fls. 418, 419, 420 e 421 do processo administrativo tributário);

GG) Em 23-03-2012 a Impugnante deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa da presente impugnação (conforme carimbo aposto a fls. 1 do documento n.º 005434200 do SITAF: apesar de não se encontrar assinado nem ter número de entrada e haver outro carimbo com esses elementos datado de 26-03-2012, o Tribunal relevou a primeira data, dado até ser a que é assumida pela Administração Tributária no artigo 5º da contestação);

HH) Em 28-03-2012 foram emitidas as certidões de dívida n.º………., n.º……….., n.º ………… e n.º…………, nos montantes correspondentes às liquidações mencionadas na alínea CC, respetivamente (conforme prints do sistema informático da Administração Tributária, de fls. 418 a 421 do processo administrativo tributário);

II. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.

E. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA:

Relativamente à matéria de facto dada como provada, a convicção do tribunal formou-se a partir dos articulados das partes e dos documentos não impugnados constantes dos autos e do processo administrativo tributário junto em apenso, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Relevou-se igualmente os testemunhos prestados em sede de audiência de julgamento: assim, J.............. prestava apoio à Impugnante, deslocando-se com frequência à mesma desde 2007, dado que o sócio era seu filho e, no início de 2007, foi trabalhar para São Paulo – Brasil: daí que lhe tivesse sido outorgada uma procuração para tratar das contra-ordenações e das multas que fossem surgindo; era quem levava os papéis da contabilidade ao contabilista da Impugnante: o seu depoimento revelou-se de uma forma geral credível, embora por vezes não muito preciso, não sendo valorado nessas partes.

Por seu lado, J.............. era o contabilista certificado da Impugnante e quem supervisionava a respetiva contabilidade desde o início; em 2007, foi quem processou as faturas e submeteu as declarações de IVA da Impugnante; o seu depoimento, quanto aos factos que presenciou, revelou-se credível e fidedigno.

Especificamente, relativamente às seguintes alíneas da matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal assentou nos seguintes elementos:

C) A testemunha J.............. corroborou este facto, tendo referido que a Impugnante tinha dois motoristas e três camionetas, uma das quais fazia trabalhos dentro do estaleiro e duas é que andavam a fazer o serviço;

Y) A testemunha J.............. – contabilista da Impugnante - confirmou de forma categórica que a mesma não foi entregue;

Z) O Tribunal baseou a sua convicção no facto de as faturas juntas aos autos encontrarem-se em consonância com as cinco faturas que a Administração Tributária teve conhecimento durante a ação de inspeção, mediante a circularização aos clientes constantes dos anexos recapitulativos (os quais enviaram fotocópias de cinco faturas emitidas pela Impugnante, especificamente, as n.º 18/2007, n.º 39/2007, n.º 67/2007, n.º 78/2007 e n.º 178/2007 - conforme anexo 14 ao Relatório da Inspeção Tributária); por outro lado, enquanto a Administração Tributária presumiu que a Impugnante emitiu 178 faturas durante o ano de 2007, a mesma apresentou 212, o que abona em favor da veracidade das mesmas; por fim, as incongruências suscitadas pela Administração Tributária relativamente às mesmas foram rebatidas pelas duas testemunhas inquiridas: assim, J.............. explicou que as faturas apenas eram emitidas quando o contentor era levantado do sítio onde tivera sido colocado, o que podia durar meses – o que justifica o facto de não estarem processadas cronologicamente e algumas serem referentes a anos anteriores a 2007 (quanto a este ponto, J.............. esclareceu que hoje os programas de faturação não permitiriam esta situação, mas na altura não havia a obrigatoriedade de serem certificados e era possível processarem-se dessa maneira as faturas); explicou igualmente que nunca tiveram clientes particulares, já que a colocação de contentores implicava uma licença respetiva, sendo que os empreiteiros é que tratam disso; por outro lado, ambas as testemunhas asseveraram que o programa de faturação era o Primavera; por fim, J.............., quando questionado sobre se as faturas reflectiam a realidade da faturação da Impugnante desse ano, foi perentório em afirmar que sim;

FF) A convicção do Tribunal assentou nos prints do sistema informático da Administração Tributária que constam do processo administrativo tributário, que referem a data de 29-12-2011 como sendo a da notificação à Impugnante das liquidações em causa; por outro lado, essa data foi mencionada no artigo 33º da contestação e não foi impugnada, considerando-se assim como admitida por acordo, nos termos do disposto no artigo 574º, n.º 2, primeira parte do CPC, ex vi artigo 587º, n.º 1 do CPC».


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto em que terá incorrido a sentença recorrida, ao julgar procedente a presente impugnação, relativa às liquidações adicionais de IVA (2007).

2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese a argumentação seguinte:
«Em primeiro lugar importa atentar no critério que a Administração Tributária utilizou a fim de quantificar a matéria tributável da Impugnante. // Não tendo conhecimento de qualquer elemento contabilístico referente à Impugnante do ano de 2007, os Serviços da Administração Tributária notificaram os clientes da mesma, que constavam nos anexos recapitulativos que esses mesmos clientes tinham apresentado, a fim de os mesmos remeterem cópias das faturas que haviam sido emitidas pela Impugnante (é o que se designa por “circularização a clientes”). // Dessa “circularização” resultou que três clientes da Impugnante enviaram cinco faturas emitidas por esta, a primeira com o número 18/2007 (de 31-01-2007) e a última com o número 178/2007 (de 13-12-2007). // Com base nestas faturas, a Administração Tributária presumiu que a Impugnante havia emitido durante o ano de 2007, 178 faturas, tendo estimado o valor das vendas totais com base na média do valor das faturas conhecidas (ou seja: € 59.820,00 [somatório do valor das cinco faturas] / 5 = € 11.964,00), multiplicada em seguida pelo número das faturas desconhecidas (€ 11.964,00 x 173 = € 2.069.772,00) e procedido à soma dos dois valores apurados (€ 59.820,00 + € 2.069.772,00 = € 2.129.592,00). // Em seguida, distribui as faturas em falta pelos vários trimestres de 2007 enquadrando-as entre as datas das faturas conhecidas e aplicou a taxa respetiva de IVA, pelo que apurou um montante total de IVA de € 447.214,32. // Após esta análise, constata-se que a Administração Tributária cumpriu com o ónus que sobre si impendia, dado que “A decisão da tributação pelos métodos indirectos … indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável ” (conforme estatui a parte final do artigo 77º, n.º 4 da LGT).
Porém, igualmente se constata que a Impugnante logrou provar a efetiva e real base tributável pela qual se deve apurar o montante de IVA em causa. // De facto, antes de se analisar se as deficiências apontadas pela Administração Tributária às faturas em causa são pertinentes ou não, há que ter em conta que o critério utilizado para a quantificação indirecta da matéria tributável se baseou, precisamente, numa amostra dessas faturas (cinco, para ser exato). // Pelo que, se concluíssemos - como a Administração Tributária - que as 212 faturas apresentadas pela Impugnante apresentavam deficiências tais que levassem a considerá-las como não credíveis, então, as cinco faturas que serviram de critério ao apuramento da base tributável da Impugnante (e que se encontram incluídas nas 212 faturas apresentadas) igualmente não poderiam ser consideradas credíveis, o que levaria a considerar o critério adotado pela Administração Tributária como desajustado e não apoiado em factos comprováveis (sendo que é esta a questão fundamental na apreciação da correção dos critérios adotados, ou seja, “… a de saber se o critério utilizado se revela adequado, racionalmente ajustado e se está alicerçado em factos comprováveis ” – conforme explicitado pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0407/12, de 19-11-2014, disponível em www.dgsi.pt). // Daí que se devam relevar as 212 faturas juntas pela Impugnante e entender-se que a mesma comprovou a matéria tributável efetiva e real do ano de 2007, pelo que, sendo a avaliação indirecta subsidiária da avaliação direta (conforme o disposto no artigo 81º, n.º 1 da LGT), deve o montante de IVA ser apurado com base nas declarações periódicas que a Impugnante apresentou em 27-10-2011, referentes aos períodos de 2007/03T, 2007/06T, 2007/09T e 2007/12T, que tiveram como suporte as 212 faturas aludidas».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega, para tanto, nos termos seguintes: «[p]ara aquilatar da credibilidade e fiabilidade destas facturas, necessário se tornaria recorrer à análise de outros elementos que permitissem corroborar da veracidade da informação que delas consta, como o seriam, de acordo com a posição demonstrada pela AT em sede de procedimento de revisão, a exibição do mapa dos elementos do activo imobilizado ou da informação que se podia colher da declaração anual de informação contabilística e fiscal, os quais sempre foram omitidos pela Impugnante»; // «para assentar como correcta a matéria tributável efectiva para o ano de 2007, a informação decorrente das declarações periódicas teria de ser confirmada por adicional informação contabilística e fiscal (V.g. balanço e demonstração de resultados) e ainda informação anual para efeitos de IVA (V.g. vendas a taxa normal e reduzida, vendas isentas; compras com e sem IVA dedutível, entre outros) e pelos mapas recapitulativos de clientes e fornecedores, os quais nunca foram revelados»; // Quer isto dizer que as facturas disponibilizadas pela Impugnante em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, por si só, não têm a virtualidade de revelar a real e efectiva matéria tributável do ano de 2007, posto que apenas seria susceptível de alcançar tal desiderato se a respectiva disponibilização se fizesse acompanhar da informação contabilística e fiscal contida, precisamente, na declaração anual de informação contabilística e fiscal».

A recorrida contesta a presente argumentação. Invoca que: «A A.T. podia, com rigor, determinar a matéria tributável da contribuinte sujeita a I.V.A. 2007, sem ter que recorrer a métodos indiretos para determinação daquele valor»; «[a] contribuinte no ano 2007 emitiu 212 faturas e não as 178 que a A.T. presumiu, tendo, com base naquelas 212 faturas, entregue as declarações de I.V.A. no ano de 2007, períodos 2007/03T; 2007/06T; 2007/09T e 2007/12T; O recurso a métodos indiretos pela A.T. violou o disposto nos artigos 85° nº 1 e 87° nº 1 b) da L.G.T».

Apreciação. No que respeita à demonstração do excesso na quantificação da matéria colectável por métodos indiretos, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam»[1].
ii) «(…) ainda que a AT esteja legitimada a recorrer aos métodos indirectos para a fixação da matéria tributável, na respectiva decisão tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado»[2].

No caso em exame, a questão que se suscita consiste em saber se era exigível à AT, na fixação da matéria colectável (base tributável de IVA 2007), considerar as 212 facturas, juntas pela impugnante em sede de procedimento de revisão da matéria colectável e assim proceder à avaliação directa da matéria colectável, a qual prefere, segundo o critério legal, à avaliação indirecta.

A recorrente tem razão ao afirmar que tal avaliação directa está precludida. Ou seja, «para assentar como correcta a matéria tributável efectiva para o ano de 2007, a informação decorrente das declarações periódicas teria de ser confirmada por adicional informação contabilística e fiscal (v.g. balanço e demonstração de resultados) e ainda informação anual para efeitos de IVA (v.g. vendas a taxa normal e reduzida, vendas isentas; compras com e sem IVA dedutível, entre outros) e pelos mapas recapitulativos de clientes e fornecedores, os quais nunca foram revelados. // Quer isto dizer que as facturas disponibilizadas pela Impugnante em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, por si só, não têm a virtualidade de revelar a real e efectiva matéria tributável do ano de 2007, posto que apenas seria susceptível de alcançar tal desiderato se a respectiva disponibilização se fizesse acompanhar da informação contabilística e fiscal contida, precisamente, na declaração anual de informação contabilística e fiscal»[3].

Trata-se de empresa dedicada à actividade de aluguer de contentores para remoção de lixo, enquadrada em IVA, no regime normal de periodicidade trimestral. As obrigações declarativas do contribuinte, no âmbito do CIVA, não se resumem à emissão de facturas, pela prestação de serviços, avultando outras, como sejam: «[e]nviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo»[4]; «[e]ntregar uma declaração de informação contabilística e fiscal e anexos respeitantes à aplicação do Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de Agosto, e dos regimes especiais previstos em legislação complementar a este diploma (…)»[5]; «[e]ntregar um mapa recapitulativo com identificação dos sujeitos passivos seus clientes, donde conste o montante total das operações internas realizadas com cada um deles no ano anterior (…)»[6]; «[d]ispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto»[7]. A lógica de tributação do imposto assente no método subtractivo exige o cumprimento, não apenas da obrigação de emissão de facturas, mas também a observância das demais obrigações declarativas. Sem o cumprimento destas últimas, a função das facturas, que consiste na titulação de crédito sobre o Estado e na garantia da liquidação e cobrança do imposto devido, em cada operação, deixam de poder ser assegurados.

 «Na verdade, no funcionamento da técnica de tributação do IVA a factura assume uma importância fundamental, cabendo-lhe desempenhar três funções essenciais: permite determinar o regime e o montante do IVA incidente sobre operações tributáveis; possibilita à administração tributária o controlo do imposto; e serve de suporte para os sujeitos passivos exercerem e comprovarem o direito à dedução»[8].

No caso, as facturas apresentadas pela impugnante, sem qualquer suporte contabilístico, não assumem as funções referidas, nem podem ser consideradas pela AT, como sucedeu com a liquidação em exame. Em face dos elementos coligidos nos autos, o critério de quantificação da matéria colectável por recurso aos métodos indirectos (supra descrito, na transcrição da sentença e na alínea U), do probatório), constitui uma aproximação à realidade tributável assente num raciocínio razoável e plausível, pelo que o mesmo não enferma do erro ou do vício que lhe é apontado.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que não julgue procedente a impugnação, com base na presente asserção.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório prévio (ofício de 07.07.2020), impõe-se conhecer em substituição dos demais fundamentos da impugnação.

A recorrida sustentou a presente intenção impugnatória nos alegados vícios de preterição da caducidade do direito à liquidação (i), falta de demonstração dos pressupostos de facto e direito do recurso aos métodos indirectos (ii), excesso na quantificação da matéria colectável através do recurso aos métodos indirectos (iii) e preterição de formalidades legais na fixação da matéria colectável (iv).

Uma vez que os demais fundamentos da impugnação foram julgados improcedentes, resta apreciar o bem fundado do fundamento referido em (iv).

A recorrida invoca que na determinação da matéria colectável não foram observados os critérios referidos no preceito do artigo 90.º, alíneas c) e f), da LGT.

A este propósito, dir-se-á que o argumento em apreço procura retomar a discussão sobre o alegado excesso na quantificação da matéria colectável, o qual, à luz dos elementos coligidos nos autos, não logra ser demonstrado. Como se referiu no ponto anterior da presente fundamentação. Mais se refere que os critérios elencados no preceito do artigo 90.º da LGT têm um carácter exemplificativo[9]. O que releva é a existência de uma relação proporcional e congruente entre a aludida quantificação e a realidade tributável do contribuinte. Relação cuja inverificação não se mostra comprovada no caso.

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente imputação.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, nos termos referidos em 2.2.3. e, em substituição, julgar improcedente a impugnação.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta)



 (2.ª Adjunta)


_______________


[1] Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12.
[2] Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14
[3] Alegações de recurso.
[4] Artigo 28.º/1/c), do CIVA, versão vigente.
[5] Artigo 28.º/1/d), do CIVA, versão vigente.
[6] Artigo 28.º/1/e), do CIVA, versão vigente.
[7] Artigo 28.º/1/g), do CIVA, versão vigente.

[8] Acórdão do STA, de 14-12-2011, P. 076/11.
[9] V., por exemplo, José Fernandes Pires, LGT, anotada, 2015, anotação ao artigo 90.º.