Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13191/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/16/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ACESSO A DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS, SEGREDO, PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - A necessária motivação da convicção do tribunal sobre o julgamento dos factos (artigo 607º/4/5 do Código de Processo Civil) é, segundo o nosso Código de Processo Civil, não uma nulidade decisória (artigo 615º/1 do Código de Processo Civil), mas uma (grave) irregularidade da sentença.

II - O artigo 268.º/2 da CRP impõe que a Administração paute a sua atividade pelos princípios da transparência e da publicidade, de modo a que as suas decisões sejam públicas e possam ser objeto de consulta e informação, pois que só assim se permite que os interessados conheçam as razões que determinaram os seus atos.

III - Havendo um todo confidencial, técnico e de engenharia, em sede de diminuição efetiva das zonas de auto interferência na rede TDT (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada), respeitante a procedimentos, estratégias, metodologias e dados de operação da rede TDT, da responsabilidade da PTC, as quais respeitam inequivocamente à criatividade e ao interesse comercial e empresarial da PTC, não é correto e coerente cindir as partes desse todo que não contenham os respetivos desenhos e gráficos.

IV - O artigo 6º/6 da LADA protege o interesse concorrencial dos operadores económicos e eventuais técnicas a utilizar ou desenvolver no futuro; afinal, o segredo é a alma do negócio, seja este meramente comercial, seja também tecnológico.

V – Ali, a máxima metódica da proporcionalidade no exercício da margem de livre decisão administrativa exige três testes ou exames: adequação ou aptidão (o meio escolhido deve ser apto para o fim pretendido), necessidade ou proibição do excesso (a lesão das posições dos interessados pelo meio escolhido tem de ser a estritamente necessária ou exigível, não havendo outro meio ou forma de satisfazer o interesse público), e equilíbrio ou razoabilidade (ponderação dos custos e benefícios, no sentido de que a lesão sofrida pelos interessados seja justa e proporcionada em relação ao benefício a alcançar para o interesse público, nomeadamente decorrentes da utilização e condições de cada um dos procedimentos, seguindo-se a máxima de quanto maior for o grau de não realização ou de afetação de um bem, interesse ou valor, maior terá de ser a importância de realizar o outro bem, interesse ou valor).

VI - Trata-se de uma atividade metodológica racional, que pondera ou sopesa racionalmente e justificadamente bens, interesses ou valores jurídicos, tendo em conta de modo expresso as possibilidades de facto e de direito concretamente existentes, ao que se segue a concretização de uma “norma para o caso concreto” e a sua aplicação.

VII - Ali, o intérprete-aplicador (1º) identifica as realidades conflituantes, depois (2º) avalia as realidades em causa e atribui, através de um discurso justificativo racional, um peso (leve, moderado ou grave) a cada uma das realidades conflituantes para, (3º) finalmente, decidir sobre a prevalência de um dos pratos da balança (ou, caso hajam pesos iguais, procura a harmonização de ambos os pratos da balança).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR - DECO, pessoa coletiva de utilidade pública, domiciliada para efeitos judiciais na Rua Nova da Trindade, 1, 5º S, em 1200 - 301 Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

intimação para prestação de informações contra

· AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES ICP – ANACOM, com sede na Av. José Malhoa, 12 em 1099 - 017 Lisboa.

Pediu o seguinte no Tribunal Administrativo de Círculo:

- Acesso à informação estatística relativa à identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH e aos anexos suprimidos nos documentos 5 a 9 juntos ao r.i.

*

Após a discussão da causa e por sentença de 3-2-16, o referido tribunal decidiu:

-Declarar a extinção parcial da lide, por inutilidade superveniente da mesma, no que se refere ao pedido de identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, com a consequente absolvição da entidade requerida desse pedido;

-Intimar a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos n.ºs 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos), no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória.

*

Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

I. O dever de fundamentação da sentença a que alude o Art. 607º n.º 3 do CPC (anterior artigo 659º do CPC de 1961) implica o dever de, na própria sentença, se fazer constar a análise critica das provas, estatuindo a al. b) do n.º 1 do Artigo 615.º do CPC (anterior Art.º 668.º CPC 1961) que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

II. Não constando da sentença a análise, ainda que sumaríssima, das provas, é nula a sentença por ausência da fundamentação de facto nos termos das normas suprarreferidas;

III. Nos mesmos termos, não constando igualmente da sentença a fundamentação de direito que a suporta, é nula a sentença por ausência da fundamentação de direito;

IV. Sem prejuízo do uso oficioso dos poderes previstos no Art. 662.º n.º2 do CPC, caso se julgue útil o esclarecimento de algum facto, designadamente, sobre a natureza ou conteúdo dos documentos em causa, deverá ser aditado, nos termos do Art. 662.º n.º 1 do CPC, para o caso de se haver de concluir que os documentos em causa contêm segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, que sempre a PTC teria de autorizar a divulgação de tais informações nos termos do Art. 6.º n.º 6 da LADA, devendo por isso aditar-se, após o facto IV), que a PTC – Portugal Comunicações, S.A., recusou a divulgação das suas comunicações nos seguintes termos:

“Em 27.02.2013 foi recebida carta da PTC com a ref. 20334060, junta como Doc. nº 11 com a oposição da requerida, que se dá por reproduzida, em que esta comunicou não se opor ao acesso, pela DECO, à correspondência relativa à licença temporária de rede TDT que lhe foi atribuída, «com exceção dos anexos às [suas] cartas (…) com as refs. 20284423 de 20.06.2012, 20293554 de 30.07.2012, 20300033 de 03.09.2012, 20305537 de 01.10.2012 e 2031166 de 31.10.2012, os quais compõem os relatórios das ações de otimização prosseguidas pela PT Comunicações no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT que são, na sua totalidade, confidenciais e que […]a referida informação respeita, no seu essencial, a procedimentos e estratégias e a metodologias e dados de operação da rede, as quais respeitam ao interesse comercial e empresarial da PTC, devendo por isso manter-se, exclusivamente, sob os seus domínios […] os elementos em causa nos ditos anexos envolvem segredo comercial e industrial da PTC, sendo confidenciais por natureza […] toda a informação constante dos ditos anexos consubstancia informação de carácter técnico específico e especializado, protegida por direitos de propriedade intelectual» da PTC […] o conhecimento e a interpretação dos ditos relatórios têm, necessariamente, que ser realizados de forma enquadrada com a informação de rede constante da proposta TDT, […] que a PT Comunicações já classificou, fundamentadamente, como sendo confidencial, não podendo por isso aceitar-se ou autorizar-se o acesso sem restrições de terceiras entidades à informação constante dos ditos relatórios […] solução diversa iria colocar seriamente em causa o “interesse concorrencial dos operadores económicos (como é referido no Parecer nº 44/2002 da CADA), o que é, naturalmente, de afastar”.

V. Nos mesmos termos se deverá aditar ao §5 da decisão de facto, em conformidade com o alegado no artigo 16 do r.i., e artigos 163º a 166º da resposta e Doc. 4 anexo ao requerimento inicial, para que a avaliação da existência de um eventual segredo comercial e industrial da PTC seja possível, que:

“Tais relatórios continham informação sobre procedimentos estratégicos, metodologias e dados de operação da rede que respeitam ao interesse comercial e empresarial da então PTC.”

VI. Os cinco relatórios mensais de otimização da rede da autoria da PTC que se referem no § 5 da decisão de facto, que a ANACOM foi condenada a facultar à Reqda com a exclusão de alguma informação apresentada em forma gráfica são, pela natureza das coisas, técnicos, por referirem soluções de engenharia, procedimentos e soluções técnicas que são uma criação intelectual de um terceiro;

VII. Tendo o Tribunal a quo julgado, e bem, que a informação desses relatórios apresentada em forma gráfica, por ser técnica, estava excluída do âmbito do pedido que a Reqte dirigiu à Reqda e que se descreve no §1 da decisão de facto, forçosamente se conclui que aquela outra informação constante dos relatórios que não está apresentada de forma gráfica, está igualmente fora do âmbito do pedido devendo pelas mesmas razões, ser recusada à Reqda.;

VIII. Ainda que tivesse sido pedida, o artigo 6º n.º 6 da Lei 46/07 de 24.08 (LADA) estatui que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”;

IX. A previsão dessa norma abrange um conjunto de informações heterogéneo: qualquer informação que se traduza numa partilha forçada de informação do operador económico, que revele o seu know-how e, só por isso, seja suscetível de lhe gerar um dano ou afetar a sua competitividade, designadamente a revelação de esquemas e diagramas de arquiteturas de rede/ arquiteturas do “Head-End”; de listas de clientes, fornecedores, preços contratados, condições de financiamento; o planeamento de recursos; as soluções tecnológicas e estratégias para a resolução dos problemas e gestão de qualidade que crie ou adote; moradas de potenciais clientes - ou até datas de aniversário; estudos de mercado; trabalhos de investigação; etc…

X. Aquela restrição ao direito de acesso a documentos administrativos configura um poder vinculado da Administração;

XI. O “interesse direto, pessoal e legítimo” que a Reqte. invoca para conhecer estes elementos é o “acompanhamento que (…) tem feito relativamente ao desenvolvimento gradual» da rede TDT”. Só o qual não foi julgado, nem é, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, para permitir o acesso a tal informação e à suscetibilidade, que é séria, do prejuízo gerado a terceiros pela sua divulgação;

XII. A Reqte não está autorizada pela proprietária da informação constante daqueles relatórios a aceder-lhes (a PTC);

XIII. Não tem, pelo exposto, o direito a aceder à mesma, conforme foi decidido e comunicado à requerente após consulta à PTC, de acordo com as boas práticas defendidas pela CADA.

XIV. Finalizando: se o Tribunal entendeu que os diagramas de radiação eram confidenciais e mereciam proteção, então, porque os diagramas e a restante informação técnica constante dos mesmos documentos constituem um “todo” da solução técnica adotada em cada situação, a “proteção das soluções técnicas” a que a sentença alude (na pág. 13), só se conseguirá se, para além de se ocultarem os diagramas de radiação, se ocultem também os restantes elementos que fazem parte dessa solução.

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O recorrido contra-alegou, sem concluir.

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O MP, através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Para decidir, este tribunal superior tem omnipresente a nossa Constituição como síntese da ideia-valor de Direito vigente. Consideram-se as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático, por referência à ação e ao dever-ser (I. KANT, Lógica, trad., Ed. Texto & Grafia, Lisboa, 2009, p. 86), quais sejam, a dimensão factual social e seus princípios (que influenciam muito e continuamente o Direito através das janelas de um sistema jurídico uno e real), a dimensão ética e seus princípios (que influenciam continuamente o Direito também através das janelas do sistema) e a dimensão normativa e seus princípios jurídicos. E, como há muito foi sintetizado por KANT (Crítica da Razão Prática, 1788, Livro 1º, Capítulo 1º, §1º), princípios práticos são proposições que encerram uma determinação universal da vontade (1), subordinando-se a essa determinação diversas regras práticas; o Direito tem o mais possível a ver com isso.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:

1. A Requerente solicitou ao Requerido, ICP-ANACOM, por carta datada de 5 de fevereiro de 2013, um conjunto de informações e de documentos relevantes sobre a evolução da rede de Televisão Digital Terrestre (doravante também designado por “TDT”), na modalidade de entrega e reprodução por fotocópias, solicitando, ainda, nos termos do artigo 16º e seguintes da LADA, autorização para reutilizar os documentos no âmbito da sua iniciativa própria e particular, tendo em vista a prestação correta e adequada de informação aos consumidores (cf. Documento 1junto à p.i.).

2. O Requerido, por carta datada de 20 de fevereiro de 2013, respondeu parcialmente à solicitação da Requerente disponibilizando informações e documentos relativos à evolução da rede TDT em Portugal (cf. Documento 2 junto à p.i.), referindo que alguns dos elementos solicitados teriam de ser posteriormente enviados e que remetia informação expurgada de elementos “confidenciais” que revelavam “segredos comerciais”. (cf. Documento 2).

3. A Requerente iniciou a análise da muita documentação disponibilizada a qual, por sua vez, gerou novas dúvidas e necessidade de clarificação, que motivaram o pedido formulado em 3 de abril de 2013 (cf. Documento 3 junto à p.i.).

4. O Requerido respondeu, por carta rececionada a 19 de abril de 2013, mas não satisfez integralmente o solicitado (cf. Documento 4 junto à p.i.), pois não respondeu ao pedido da Requerente de:Identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, tendo em conta a alínea d) do nº 2 da cláusula 9ª do DUF” informando que “ainda não tomou decisão definitiva sobre a matéria” (e que irá “muito em breve” solicitar parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos cf. Documento 4).

5. O Requerido, após ter auscultado a empresa regulada, a PTC – Portugal Comunicações, SA, entendeu, entre outros, que a “informação constante dos relatórios consubstancia informação de caráter técnico específico e especializado, protegida por direitos de propriedade intelectual da PTC(cf. documento 4 fls 2), tendo suprimido e aposto um carimbo com a palavra “CONFIDENCIAL” nos seguintes documentos:

-O Anexo 1, intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 18-06- 2012” e o Anexo 2, intitulado “Reclamações de clientes TDT-situações exemplificativas” anexos à carta da PTC à ANACOM, de 20.06.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 5 junto à p.i.);

-O Anexo intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 27-07- 2012” anexo à carta da PTC à ANACOM, de 30.07.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 6 junto à p.i.);

-O Anexo intitulado “ações de otimização da rede TDT-Ponto da situação: 29-08- 2012” anexo à carta da PTC à ANACOM, de 30.08.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” (cf. documento 7 junto à p.i.);

-O Anexo inominado da carta da PTC à ANACOM, de 01.10.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” – e que corresponderá às ações realizadas entre 25-082012 e 25-09-2012 (cf. documento 8 junto à p.i.);

-O Anexo inominado da carta da PTC à ANACOM, de 31.10.2012 com o assunto “Decisão “TDT-licenciamento temporário da rede” – e que corresponderá às ações realizadas entre 28-09-2012 e 25-10-2012 (cf. documento 9 junto à p.i.).

6. Na pendência dos autos veio a ser satisfeita a informação relativa à informação estatística relativa à identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, cf. doc. de fls 372-376 dos autos em suporte de papel.

7. A entidade requerida apresentou o teor integral dos anexos aos DOCs. 5 a 9 juntos à p.i., em envelope fechado e lacrado, anexo ao seu requerimento de 29.5.2014, para visualização exclusiva do tribunal, imprescindível à apreciação da alegada confidencialidade dos mesmos.

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há condições para se compreender este recurso e para apreciar o seu mérito de acordo com os princípios estruturantes de um Estado democrático e social de direitos e deveres fundamentais, designadamente os princípios (i) da juridicidade e legalidade administrativa, (ii) da igualdade de tratamento de todas as pessoas humanas, (iii) da certeza e segurança jurídicas e (iv) da tutela jurisdicional efetiva no âmbito do direito fundamental a um processo equitativo também e sobretudo no Contencioso Administrativo (tudo reflexo da ordem axiológica de um Estado democrático de juridicidade material). Utilizamos, por isso, um método de Ciência do Direito que seja adequado à garantia efetiva e transparente dos direitos dos “cidadãos administrados”.

Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Vejamos, pois, as questões a resolver.

1ª – Da alegada nulidade decisória por falta de análise crítica das provas (artigos 607º e 615º/1-b do Código de Processo Civil)

Como se sabe hoje, a sentença da 1ª instância deve ter o seguinte esquema racional-legal-expositivo:

(i) relatório e fixação das questões a resolver (artigo 607º/2 do Código de Processo Civil);

(ii) exposição dos factos relevantes julgados como provados e como não provados (artigo 607º/2/3/4-1ª parte do Código de Processo Civil);

(iii) motivação da convicção do tribunal sobre aquele julgamento dos factos (artigo 607º/4/5 do Código de Processo Civil), com a análise crítica das provas e onde se devem referir os factos instrumentais;

(iv) fundamentação de direito ou enquadramento jurídico dos factos relevantes provados e

(v) decisão.

Ora, no caso presente, é verdade que a sentença, estranhamente, omitiu por completo a necessária motivação da convicção do tribunal sobre o julgamento dos factos (artigo 607º/4/5 do Código de Processo Civil).

Trata-se, no entanto e infelizmente, segundo o nosso Código de Processo Civil, não de uma nulidade decisória (artigo 615º/1 do Código de Processo Civil), mas de uma (grave) irregularidade da sentença, a ser possivelmente “sanada” de acordo com o artigo 662º do Código de Processo Civil (cfr., abordando este assunto, PAULO RAMOS DE FARIA/A.L.L., Primeiras Notas ao Novo …, 2ª ed., 2014, págs. 602-603).

Assim, havendo na sentença exposição dos factos provados e não provados, bem como alguma fundamentação de direito, improcede esta questão do recurso, que se reduz a uma irregularidade da sentença.

2ª – Da alegada nulidade decisória por falta de fundamentação de direito

A real fundamentação de direito da sentença é (apenas) isto:

«Recorda-se que o direito à informação está consagrado no artigo 268º, nºs. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo também tutelado, ao nível da legislação ordinária, nos artigos 61º a 65º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aplicável à data dos factos.

«Importa aferir se os relatórios em causa contêm informação protegida por qualquer dos segredos alegados ou por direitos de propriedade intelectual.

«Da sua leitura e análise, resulta que não contêm qualquer informação confidencial protegida por segredo. Porém, tendo presentes as indicações dos técnicos prestadas na audiência de esclarecimentos, acerca da necessidade de proteção das soluções técnicas da PT, apenas não poderão ser divulgados os diagramas de radiação (desenhos) constantes dos relatórios em apreço, não obstante não ter sido indicados os concretos direitos de propriedade intelectual que os protegem. Ou seja, o tribunal entende que a informação técnica constante dos desenhos extravasa o pedido da Requerente, pois que esta diz necessitar de “meros” dados estatísticos necessários à prestação dos seus serviços».

Ora, improcede manifestamente esta questão do recurso, porque a sentença tem uma parte, pior ou melhor, suficiente ou insuficiente, referente ao enquadramento jurídico dos factos provados (ver pág. 13 da sentença).

Quer dizer, a fundamentação de direito, propriamente dita, resume-se a 3 parágrafos de 1 página (pág. 13) de entre 14 páginas, mas existe. Logo, esta rara situação não cabe na rara situação prevista na al. b) do artigo 615º/1-b do Código de Processo Civil.

3ª – Da alegada necessidade de aditar factos provados

3.1.

O Tribunal Administrativo de Círculo pretendeu fundamentar a sentença assim:

«…. Mais alega que “No âmbito da licença temporária atribuída, a PTC ficou vinculada a afetar as frequências em causa às finalidades e às respetivas condições previstas no direito de utilização de frequências associado ao Mux A, mantendo-se obrigada a otimizar as características técnicas da rede suportada no canal 56, tendo em vista uma diminuição efetiva das zonas de auto interferência (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada).” (cf. art.º 131.º da resposta) sendo que “Foi neste contexto que a Deliberação acima identificada determinou à PTC o envio mensal, à ARN, de um relatório com indicação das alterações das características técnicas efetuadas na rede, tendo em vista a diminuição das potenciais zonas de auto interferência, indicando também as zonas onde era garantido o incremento da relação sinal/ruído (S/N) face à situação anterior (cfr. o respetivo ponto 5.).” (cf. art.º 132.º da resposta). É o acesso a estes relatórios da PTC que a DECO pede, sendo que não obstante a informação que lhe foi prestada na pendência dos autos, mantém o interesse neste pedido (cf. requerimento de 6.5.2015). O pedido de acesso aos documentos em questão foi formulado pela DECO através da sua carta de 06.02.2013. Diz a entidade requerida que “Feita uma primeira análise do pedido apresentado, os Serviços Técnicos do Requerido tiveram dúvidas se a informação constante dos documentos em causa não poderia conter matéria reservada. Assim sendo, e embora reconhecendo genericamente o direito de acesso da DECO à referida documentação, ao remeter à interessada o seu ofício de 20.02.2013, o Requerido, dando nota daquele seu entendimento, referiu também que a resposta ao pedido feito implicava a consulta da titular dos dados em causa (a PTC). Mencionando ainda que, após a receção da posição (devidamente fundamentada) da referida empresa, teria que proceder à análise de um conjunto relevante de informação (de carácter técnico e muito específico), a fim de tomar uma decisão quanto à existência, ou não, de elementos confidenciais na correspondência enviada pela PTC, e, em caso afirmativo, uma intervenção no sentido de expurgar a informação considerada reservada. Como tal, perante a complexidade das informações em causa e o volume de trabalho associados à satisfação do Requerido (tendo também em conta o contexto mais alargado da solicitação que a DECO lhe havia dirigido), decidiu prorrogar o prazo de que dispunha para resposta ao pedido aqui em causa, até ao período máximo de 2 meses, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 4 da LADA. Contudo, comunicou de imediato à interessada – através do aludido ofício –, a decisão adotada nesse sentido, respeitando, por isso, o prazo de resposta estabelecido no nº 1 do mesmo preceito legal. No ofício em questão informou também a DECO de que seria posteriormente contactada – mas sempre dentro daquele prazo de 2 meses – para proceder ao levantamento da documentação que viesse a ser facultada em resposta ao mencionado pedido (eventualmente expurgada dos elementos que, porventura, viessem a ser considerados confidenciais) e disponibilizou-lhe desde logo cópias de alguma correspondência trocada com a PTC tendo em vista a renovação da Licença temporária da rede TDT (em relação aos quais não tinha dúvidas quanto à inexistência de informação sujeita a reserva). No dia 26.02.2013 remeteu então à PTC a comunicação com a ref. ANACOM-S009162/2013 (Doc. nº 10). No ofício em questão, para além de questionar a referida empresa sobre a questão da manutenção da classificação de confidencialidade quanto a alguns aspetos do Plano Técnico da Proposta que aquela apresentara no âmbito do concurso público de que resultou a emissão do DUF de que é titular – o que deu origem à “desclassificação” de confidencialidade de alguns elementos daquele Plano, que permitiu que viessem a ser posteriormente fornecidos à DECO mais alguns elementos daquela Proposta (conforme ficou acima mencionado – vide os artigos 67º e 68º supra); Deu também conta do pedido de acesso da DECO quanto à informação contida nas cartas da PTC com as refs. 20284423, 20293554, 20300033, 20305537 e 2031166 e solicitou que a referida empresa se pronunciasse fundamentadamente, nos termos da legislação em vigor (nomeadamente do artigo 6º, nº 6 da LADA), sobre a possibilidade de os referidos elementos serem disponibilizados à interessada. Em 27.02.2013 foi recebida carta da PTC com a ref. 20334060 (Doc. nº 11), em que esta referia não se opor ao acesso, pela DECO, à correspondência relativa à licença temporária de rede TDT que lhe foi atribuída, «com exceção dos anexos às [suas] cartas (…) com as refs. 20284423 de 20.06.2012, 20293554 de 30.07.2012, 20300033 de 03.09.2012, 20305537 de 01.10.2012 e 2031166 de 31.10.2012, os quais compõem os relatórios das ações de otimização prosseguidas pela PT Comunicações no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT que são, na sua totalidade, confidenciais», fundamentando, acrescentou que «a referida informação respeita, no seu essencial, a procedimentos e estratégias e a metodologias e dados de operação da rede, as quais respeitam ao interesse comercial e empresarial da PTC, devendo por isso manter-se, exclusivamente, sob os seus domínios»; referindo ainda que, nesse sentido, «os elementos em causa nos ditos anexos envolvem segredo comercial e industrial da PTC, sendo confidenciais por natureza». Na comunicação em referência, a PTC defendeu também que «toda a informação constante dos ditos anexos consubstancia informação de carácter técnico específico e especializado, protegida por direitos de propriedade intelectual» da PTC e que, por outro lado, «o conhecimento e a interpretação dos ditos relatórios têm, necessariamente, que ser realizados de forma enquadrada com a informação de rede constante da proposta TDT, (…) que a PT Comunicações já classificou, fundamentadamente, como sendo confidencial, não podendo por isso aceitar-se ou autorizar-se o acesso sem restrições de terceiras entidades à informação constante dos ditos relatórios», pois qualquer «solução diversa iria colocar seriamente em causa o “interesse concorrencial dos operadores económicos (como é referido no Parecer nº 44/2002 da CADA), o que é, naturalmente, de afastar». Considerando o disposto nos artigos 5º e 6º da LADA e atendendo a que a indicação, por parte da titular dos dados em causa sobre os documentos, que esta classificava como confidenciais, não dispensava o Requerido de proceder à avaliação da informação em questão – uma vez que recai sobre este a competência para proferir decisão sobre o pedido apresentado, nos termos do artigo 14º da citada Lei – o ICP-ANACOM decidiu proceder a uma análise (técnica) dos elementos constantes da documentação em causa, como lhe competia. Porém, enquanto se encontrava a analisar e preparar os elementos necessários para disponibilização de cópia da documentação solicitada, foi recebido, nas suas instalações, novo pedido da Requerente (…) através da carta recebida em 03.04.2013, vindo referir que gostaria de «recordar» que se encontrava por satisfazer «totalmente» o seu «pedido de informações e de envio/levantamento de documentos, no que respeita à alínea d) do primeiro bloco de informações requeridas [na sua comunicação anterior] e alínea e) do segundo bloco», pedindo o «envio urgente da informação cuja entrega foi remetida para mais tarde e, até ao momento, não foi posta à disposição». Ora, para além de os pedidos a que se referia não se encontrarem «totalmente» por satisfazer (pois, conforme ficou referido no artigo 32º da presente Resposta, já haviam sido disponibilizadas cópias de alguns dos documentos solicitados através do pedido mencionado na alínea d) do artigo 2º supra); encontrava-se ainda a decorrer o prazo para satisfação do mesmo pedido, por força da prorrogação decidida e notificada à interessada; e tinha sido decidido diferir para momento posterior à tomada de decisão no procedimento em curso, a disponibilização da informação requerida na «alínea e) do segundo bloco» de informações constante da carta da DECO de 06.02.2013, tendo a interessada sido já notificada também da decisão adotada nesse sentido. De qualquer forma, o ICP-ANACOM concluiu, entretanto – e, logo, dentro do prazo de dispunha para efeito – a análise que se encontrava a efetuar. Como tal, ao responder à 2ª comunicação da DECO – através do seu ofício de 17.04.2013 –, depois de a relembrar da resposta que havia dado no seu anterior ofício; esclareceu que, entretanto, em resultado da auscultação feita, já conhecia a posição perfilhada pela PTC (quanto à existência, ou não, de elementos confidenciais) e, na sequência desta, tinha procedido à análise que lhe competia fazer; tendo, em resultado das referidas diligências, concluído que poderiam ser disponibilizadas à Requerente fotocópias das cartas da PTC «que remetem ao ICP-ANACOM os relatórios das ações de otimização prosseguidas no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT, até à renovação da licença temporária da referida rede, expurgadas dos referidos relatórios por conterem elementos considerados confidenciais». Explicou, quanto ao expurgo feito, que na consulta efetuada à PTC sobre a matéria esta tinha manifestado o seu entendimento de que os relatórios anexos às suas cartas com as refs. 20284423, 20286178, 20293554, 20300033, 20305537 e 2031166 continham matéria reservada, por envolverem segredo comercial e industrial; referindo ainda que, depois da análise que efetuara e de ponderar os argumentos aduzidos pela referida empresa, tinha concluído que os referidos relatórios em causa envolvem, de facto, segredo comercial e industrial, por conterem informação sobre procedimentos estratégicos, metodologias e dados de operação da rede que respeitam ao interesse comercial e empresarial da referida empresa; segredos esses que merecem tutela face ao direito de acesso da DECO; tendo a PTC declarado também que a informação constante dos aludidos relatórios consubstanciava igualmente informação de carácter técnico específico e especializada, protegida por direitos de propriedade intelectual da empresa. assim sendo, decidira facultar à Requerente cópias das cartas da PTC mencionadas, expurgadas dos relatórios que as acompanhavam. A questão que importa decidir é saber se a entidade requerida, ao não facultar o teor integral dos anexos aos doc.s 5 a 9 juntos à p.i., violou ou não o dever de prestar a informação pedida. Atente-se que a entidade requerida mantém a sua posição inicial, ou seja, entende que tais anexos que contêm relatórios mensais exigidos à PT contêm informação protegida pelos segredos “comercial e industrial, por conterem informação sobre procedimentos estratégicos, metodologias e dados de operação da rede que respeitam ao interesse comercial e empresarial da referida empresa, segredos esses que merecem tutela face ao direito de acesso da DECO. Tendo a PTC declarado também que a informação constante dos aludidos relatórios consubstanciava igualmente informação de carácter técnico específico e especializada, protegida por direitos de propriedade intelectual da empresa.”

«Recorda-se que o direito à informação está consagrado no artigo 268º, nºs. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo também tutelado, ao nível da legislação ordinária, nos artigos 61º a 65º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aplicável à data dos factos. Importa aferir se os relatórios em causa contêm informação protegida por qualquer dos segredos alegados ou por direitos de propriedade intelectual. Da sua leitura e análise, resulta que não contêm qualquer informação confidencial protegida por segredo. Porém, tendo presentes as indicações dos técnicos prestadas na audiência de esclarecimentos, acerca da necessidade de proteção das soluções técnicas da PT, apenas não poderão ser divulgados os diagramas de radiação (desenhos) constantes dos relatórios em apreço, não obstante não terem sido indicados os concretos direitos de propriedade intelectual que os protegem. Ou seja, o tribunal entende que a informação técnica constante dos desenhos extravasa o pedido da Requerente, pois que esta diz necessitar de “meros” dados estatísticos necessários à prestação dos seus serviços».

3.2.

A título introdutório das questões a resolver, diremos que o artigo 268.º/2 da CRP impõe que a Administração paute a sua atividade pelos princípios da transparência e da publicidade, de modo a que as suas decisões sejam públicas e possam ser objeto de consulta e informação, pois que só assim se permite que os interessados conheçam as razões que determinaram os seus atos.

O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (“princípio do arquivo aberto”) vem sendo considerado como um direito fundamental, cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas.

O legislador da LADA adotou um critério abrangente para definir o que se deve considerar por documento administrativo e por atividade administrativa.

O regime geral que regula o acesso à documentação administrativa estipula que o interessado tem direito a esse acesso, mas que ele pode ser restringido ou condicionado quando estiver em causa a consulta de documentos que revelem os segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.

A recusa ao acesso à documentação é um poder vinculado aos princípios e objetivos fixados por lei, a ser exercido segundo os princípios da transparência e da proporcionalidade.

3.3.

Ora, para o recorrente faltaria aditar ao facto provado 4 o seguinte:

«Em 27.02.2013 foi recebida carta da PTC com a ref. 20334060, junta como Doc. nº 11 com a resposta da requerida, que se dá por reproduzida, em que esta comunicou não se opor ao acesso, pela DECO, à correspondência relativa à licença temporária de rede TDT que lhe foi atribuída, «com exceção dos anexos às [suas] cartas (…) com as refs. 20284423 de 20.06.2012, 20293554 de 30.07.2012, 20300033 de 03.09.2012, 20305537 de 01.10.2012 e 2031166 de 31.10.2012, os quais compõem os relatórios das ações de otimização prosseguidas pela PT Comunicações no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT que são, na sua totalidade, confidenciais e que […]a referida informação respeita, no seu essencial, a procedimentos e estratégias e a metodologias e dados de operação da rede, as quais respeitam ao interesse comercial e empresarial da PTC, devendo por isso manter-se, exclusivamente, sob os seus domínios […]; os elementos em causa nos ditos anexos envolvem segredo comercial e industrial da PTC, sendo confidenciais por natureza; […] toda a informação constante dos ditos anexos consubstancia informação de carácter técnico específico e especializado, protegida por direitos de propriedade intelectual da PTC; […] o conhecimento e a interpretação dos ditos relatórios têm, necessariamente, que ser realizados de forma enquadrada com a informação de rede constante da proposta TDT, (…) que a PT Comunicações já classificou, fundamentadamente, como sendo confidencial, não podendo por isso aceitar-se ou autorizar-se o acesso sem restrições de terceiras entidades à informação constante dos ditos relatórios; […] solução diversa iria colocar seriamente em causa o “interesse concorrencial dos operadores económicos (como é referido no Parecer nº 44/2002 da CADA), o que é, naturalmente, de afastar».

Tal seria imposto, com referência aos artigos 148 a 152 do R I, pelo DOC. 11 da Resposta à petição inicial.

Na verdade, teria a ver ainda com a falta da autorização referida no artigo 6º/6 da LADA atual.

E tem toda a razão. O facto descrito pelo tribunal é curto ante o invocado pelos cits. artigos da petição inicial e o teor do cit. doc. 11.

Pelo que, ao abrigo do artigo 662º/1 do Código de Processo Civil, se adita tal matéria de facto ao probatório como facto nº 4-A.

3.4.

E faltaria ainda aditar ao facto provado 5 (com base no artigo 16º da petição inicial, no artigo 163º da Resposta e no doc. 4 da petição inicial) o seguinte:

«Tais relatórios continham informação sobre procedimentos estratégicos, metodologias e dados de operação da rede que respeitam ao interesse comercial e empresarial da então PTC».

Trata-se, no entanto não de um facto, mas de uma conclusão a retirar de factos, do teor de documentos a ler e estudar, pelo que não pode ir ao probatório.

4ª – Do alegado erro de julgamento de direito sobre a disponibilização à autora dos documentos com informação técnica não gráfica (violação do nº 6 do artigo 6º da LADA)

4.1.

Como vimos, o Tribunal Administrativo de Círculo deu razão parcial à DECO, decidindo:

-Intimar a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos n.ºs 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos), no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória.

Para tal, considerou:

- «Importa aferir se os relatórios em causa contêm informação protegida por qualquer dos segredos alegados ou por direitos de propriedade intelectual.

«Da sua leitura e análise, resulta que não contêm qualquer informação confidencial protegida por segredo.

«Porém, tendo presentes as indicações dos técnicos prestadas na audiência de esclarecimentos, acerca da necessidade de proteção das soluções técnicas da PT, apenas não poderão ser divulgados os diagramas de radiação (desenhos) constantes dos relatórios em apreço, não obstante não ter sido indicados os concretos direitos de propriedade intelectual que os protegem.

«Ou seja, o tribunal entende que a informação técnica constante dos desenhos extravasa o pedido da Requerente, pois que esta diz necessitar de “meros” dados estatísticos necessários à prestação dos seus serviços».

4.2.

A recorrente entende aqui o seguinte:

-a solução técnica da PTC (MEO) aqui em causa é um todo;

-se a informação existente de forma gráfica deve ser excluída do acesso da DECO, também o deve ser a restante informação em forma não gráfica, dado que trata do mesmo assunto, tendo a ver com o “know-how” da MEO e sendo soluções técnicas e de engenharia.

Refere ainda que foram violadas as duas exigências alternativas previstas no artigo 6º/6 da LADA atual:

«Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».

4.3.

Vejamos a coerência, a não contradição, do decidido pelo Tribunal Administrativo de Círculo a pág. 13 da sentença, relativamente àquilo que a recorrente apelida de “um todo da solução técnica”.

A materialização do que se deve entender por segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna de uma empresa deve ter em conta os seguintes parâmetros:

- o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos – de que a LADA constitui um desenvolvimento normativo – está consagrado no artigo 268º, nº 2 CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o regime próprio destes (cfr. artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa). Deste modo, uma vez que o segredo configura uma limitação ao exercício do direito de acesso, apenas nas situações em que esse segredo seja acolhido pela CRP, sob a forma de direitos ou interesses por esta reconhecidos, pode ter como consequência uma tal limitação (cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa);

- a restrição de acesso prevista no artigo 6º, nº 6 da LADA tem como pressuposto que os documentos sujeitos à mesma contenham informação secreta, uma vez que nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas tem essa natureza. Por isso, qualquer interpretação diversa desta será contrária à lei, por colocar em causa o princípio da administração aberta e a sua aplicação a entidades empresariais públicas, a entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos e ainda a outras criadas para satisfazer, de modo específico, necessidades de interesse geral;

- a norma que protege o segredo tem como finalidade impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitua uma maneira de colher, a coberto duma maior abertura dos arquivos da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo dessa forma as regras do mercado;

- a delimitação do que seja um segredo comercial e industrial juridicamente relevante pode ter como ponto de partida o artigo 318º do Código de Propriedade Industrial, que no âmbito da matéria da concorrência desleal se refere à proteção das informações não divulgadas. Partindo desta definição, é possível afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial atual ou potencial e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas.

Em 1º lugar, parece-nos certo que o Tribunal Administrativo de Círculo fez uma cisão “informativa” relativamente aos 5 documentos citados (mantendo em segredo apenas os diagramas de radiação – desenhos - constantes dos relatórios em apreço), os quais, porém, fazem parte, sem dúvida, de um todo, de um todo técnico relativo àquilo que é da PTC/Meo: os relatórios das ações de otimização prosseguidas pela PT Comunicações no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT.

São, todos (com ou sem gráficos e desenhos) partes de um todo técnico e de engenharia, em sede de diminuição efetiva das zonas de auto interferência na rede TDT (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada), sendo por isso confidenciais para uma empresa como a PTC/Meo; respeitam a procedimentos, estratégias, metodologias e dados de operação da rede TDT, da responsabilidade da PTC, as quais respeitam inequivocamente à criatividade e ao interesse comercial e empresarial da PTC.

Há, portanto, segredo comercial e industrial da Meo, a cujo acesso esta não deu a sua necessária autorização à DECO.

4.4.

Quanto ao juízo de proporcionalidade também referido o artigo 6º/6 cit., a recorrente sublinha que o interesse da DECO não se sobrepõe aos riscos previsíveis para a PTC/Meo.

Mais refere, nesta sede, que a DECO nunca pediu o acesso a esses 5 relatórios, relativos ao tema da diminuição efetiva das zonas de auto interferência na rede TDT (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada).

4.4.1.

Ora, desde já, entendemos que a recorrente não tem razão nesta 2ª tese. Lidos os vários pedidos feitos pela DECO à autoridade administrativa aqui demandada e recorrente (cfr. DOCS. 1 e 3 da petição inicial), temos de concluir que também estes relatórios integram a amplitude da informação pedida.

4.4.2.

O artigo 6º/6 da LADA protege o interesse concorrencial dos operadores económicos e eventuais técnicas a utilizar ou desenvolver no futuro; afinal, o segredo é a alma do negócio, seja este meramente comercial, seja também tecnológico.

Aqui chegados, temos de aferir se a DECO demonstra um interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante, segundo o princípio da proporcionalidade, para “atingir” o segredo comercial/técnico da M………...

A máxima metódica da proporcionalidade no exercício da margem de livre decisão administrativa exige três testes ou exames:

- Adequação ou aptidão – o meio escolhido deve ser apto para o fim pretendido;

- Necessidade ou proibição do excesso - a lesão das posições dos interessados pelo meio escolhido tem de ser a estritamente necessária ou exigível, não havendo outro meio ou forma de satisfazer o interesse público; e

- Equilíbrio ou razoabilidade - ponderação dos custos e benefícios, no sentido de que a lesão sofrida pelos interessados seja justa e proporcionada em relação ao benefício a alcançar para o interesse público, nomeadamente decorrentes da utilização e condições de cada um dos procedimentos, seguindo-se a máxima de quanto maior for o grau de não realização ou de afetação de um bem/interesse/valor, maior terá de ser a importância de realizar o outro bem/interesse/valor)

Cfr. o artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo; e as sínteses do mestre alemão Prof. ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in o Direito, Ano 146º, IV, 2014, págs. 817 ss; bem como de PAULO OTERO, Manual…, I, 2013, págs. 370-372 e 441-449, e Direito do Procedimento Administrativo, I, 2016, págs. 174 ss, maxime pág. 180.

Trata-se de uma atividade metodológica, do Estado-Legislador, do Estado-Juiz e do Estado-Administração, que pondera ou sopesa bens, interesses ou valores jurídicos, tendo em conta as possibilidades de facto e de direito concretamente existentes, ao que se segue a concretização de uma “norma para o caso concreto” e a sua aplicação.

Ali, o intérprete-aplicador (1º) identifica as realidades conflituantes, depois (2º) avalia as realidades em causa e atribui, justificada e racionalmente, um peso (leve, moderado ou grave) a cada uma das realidades conflituantes para, (3º) finalmente, decidir sobre a prevalência de um dos pratos da balança (ou, caso hajam pesos iguais, procura a harmonização de ambos os pratos da balança).

Ora, no caso presente, estamos ante:

- O interesse da DECO: acesso à informação estatística relativa à identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, no âmbito da TDT em Portugal, para efeitos de defesa dos consumidores de TDT; ora, a afetação deste interesse pela não publicidade dos dados informativos constantes de todos os citados 5 relatórios tem um peso que nos parece ser médio ou mediano, já que é frágil a relação entre aquele concreto acesso e a diminuição efetiva das zonas de auto interferência na rede TDT (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada);

- O interesse da M……: segredo comercial e industrial da empresa, pois que os documentos aqui em causa dizem respeito a matéria técnica e de engenharia exclusiva da PTC/M……, que merece ser reservada ou escondida do público, isto é, da concorrência à M….; estamos em sede das técnicas utilizadas pela PTC/M……. para obter a exigida diminuição efetiva das zonas de auto interferência (com carácter prioritário nas zonas não abrangidas pela rede overlay temporariamente licenciada); ora, a afetação deste interesse pela não publicidade dos dados informativos constantes de todos os citados 5 relatórios tem um peso que nos parece ser grave ou sério, já que se tratam de dados ou informações que, publicitadas, podem afetar uma empresa de âmbito nacional como a M……., consabidamente uma das maiores empresas do setor, talvez a maior, e portanto com grandes riscos de prejuízos financeiros e de concorrência.

Dali concluímos que prevalece o interesse da PTC/M….. e que o artigo 6º/6 cit. impõe a recusa da pretensão da DECO.

Improcede, assim, este ponto das conclusões do recurso.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que intimou a entidade demandada e assim absolvendo a demandada do 2º pedido formulado (cfr. al. b) do petitório).

Custas a cargo da DECO, em ambos os tribunais, quanto ao 2º pedido referido na sentença recorrida.

Not. Reg.

Lisboa, 16-6-2016


(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

(1) Ou razão prática: KANT, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1785, trad. de 1947 por Paulo Quintela, Edições 70, Lisboa, 2007, Segunda Secção, p. 47.