Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:133/22.2 BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROCESSO CAUTELAR;
DANO MORTE;
RESPONSABILIDADE HOSPITALAR;
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
Sumário:I – Estando no recurso exclusivamente em causa o Fumus Boni Iuris, não pode ser ignorado que resulta provado da autópsia médico-legal realizada à visada que a sua morte se deveu a “tromboembolia pulmonar aguda”, o que constituirá causa de morte natural.
II - O fumus boni iuris é agora enquadrado no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que para o deferimento da providência tem que ser “provável” que a ação principal “venha a ser julgada procedente.
III - É sempre difícil e delicado considerar se a realização de determinado ato ou tratamento de natureza médica foi o mais correto e adequado às circunstâncias ou se, pelo contrário, na realização dessa atividade houve violação das regras de ordem técnica (as leges artis) e/ou das regras de cuidado e prudência comum que deviam ter sido observadas, pois não sendo o exercício da medicina uma ciência exata em que o diagnóstico e o tratamento que lhe corresponde tenham de ser um único, é forçoso concluir que um mau resultado não prova, sem mais, um mau diagnóstico e/ou um mau tratamento.
IV - Não se tendo concluído que os clínicos que intervieram nos diversos passos do tratamento da falecida, não terão usado do cuidado, da ponderação, dos meios e dos conhecimentos técnicos e científicos que lhe eram exigíveis, não se pode pois pode deixar de considerar que os mesmos cumpriram o seu dever, não lhes sendo assim imputável qualquer responsabilidade civil extracontratual a título de ilicitude e culpa.
V - A atividade de prestação de serviços médicos não se enquadra na previsão do art. 493.º, n.º 2, do CC, prevendo a responsabilidade pelo risco, por tal atividade não ser, na sua essência, genericamente, perigosa, nem por si nem nas suas consequências, devendo, por isso, o que retira proveito daquela sofrer as consequências da sua prática e prová-las, sendo excessiva a presunção de culpa no caso da atividade médica.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
F......, por si, e na qualidade de representante legal de J...... e A......, suas filhas e menores de idade, no âmbito do Processo Cautelar apresentado contra o SESARAM, Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPE, tendente, em síntese, ao arbitramento de uma reparação provisória (dele e filhas), da quantia mensal a fixar, em valor nunca inferior a €2.500 em resultado da sua cônjuge e mãe, respetivamente, R......, no dia 30.12.2018, ter falecido no Hospital Dr. N......, em virtude de complicações associadas ao parto de gémeos, após 14 dias de internamento.
O Autor, inconformado com a Sentença proferida em 9 de janeiro de 2023, no TAF do Funchal, que julgou improcedente o presente processo cautelar, veio recorrer para esta instância, em 25 de janeiro de 2023, concluindo:
“I. No âmbito dos presentes autos, processo cautelar de regulação provisória de quantia, melhor identificado nos autos acima epigrafados, foi requerido o arbitramento da quantia mensal de €2.500 para reparação provisória dos Requerentes, que o Tribunal recorrido julgou improcedente.
II. Porquanto em suma, ter considerado o douto procedimento que: “Em face do exposto, julga-se não demonstrada indiciariamente pelos Requerentes a ocorrência de violação do dever de cuidado ou das legis artis da medicina nas instalações do Hospital Dr. N......, possível de merecer um juízo de censura por parte deste Tribunal ”
III. O Tribunal recorrido decidiu assentar a matéria de facto V.. dando como V.l Factos Provados os constantes na douta sentença sob os números 1) a 66). páginas 12 a 38 da sentença recorrida e como V.2 Factos Não Provados os constantes nos números 1) a 10) na página 38 e 39. Para motivar a factualidade teve o Tribunal recorrido em consideração V.3 - processo clínico factos provados 1) a 56): prova pericial e o depoimento de S...... e das declarações de parte do Requerente.
IV. Entendem os Requerentes que os factos dados como não provados, nomeadamente, os factos não provados 1) a 6). deveriam também constar da factualidade dada como provada. Como ainda deve ser aditado um facto que consta do processo clínico junto aos autos que não foi impugnado relativo ao dia 25 de dezembro.
V. Este facto deve fazer parte da factualidade dada como provada, a colocar entre os factos dados como provados sob os n.°s 35 e 36. por relatar factos do dia 25 de dezembro, como facto n.° 36), devendo ficar a constar - O Aspartato Aminostransferase estava em 192.3 U/L, a Gamaglutamiltransferase estava nos 353,2 U7L, a Lactatodesidrogenase estava em 693,0 U/L, a Fosfatase Alcalina estava nos 296 U/L e a Proteína C reativa estava nos 191,24 mg/ L.
VI. Os eventos ocorridos durante a hospitalização da R......, nomeadamente o n.° 56) da factualidade dada como provada, contraria, imediatamente, o que consta nos factos não provados sob os n.°s 1) a 6) Por si só, o facto dado como provado sob o n.° 56). em leitura conjugada com os factos provados n.°s 2 a 54.°. impunham decisão diversa daquela ora recorrida, por provar a ilicitude e culpa da requerida, por violação da legis artis.
VII Diz-nos o facto provado n.° 56) - “As análises clínicas de R...... exigiam uma intervenção médica” - Este facto evidencia que em virtude dos valores verificados nas análises de R......, se exigia uma intervenção médica urgente, fossem exames complementares, fosse a mudança de terapêutica.
VIII. Pelo menos desde 20 de dezembro (facto provado n.° 17). até dia 28 de dezembro (facto provado n.° 50). data de verificação das últimas análises de R......, os valores analíticos médicos sempre foram anormais. A ocorrência desta situação, de valores proibitivamente excessivos verificados nas análises de R...... durante um período tão longo, não pode ser vista como uma situação normal, tanto mais que, resultou em morte.
IX. Para a leitura do valor de Proteína C reativa no dia 20 de dezembro (facto provado n.° 171) - apresentava-se um valor de 103.23 ms/L (o recomendado é um valor inferior a 6.10 mg/L); no dia 21 (facto provado n.° 19)) - o valor era de 88; no dia 23 de dezembro (facto provado n.° 26)) - 141,71: no dia 25 (facto que se pretende que se adite) - 191.24 ms/L.\ no dia 27 de dezembro (facto provado n.° 45)) - 307.12 ms/L e; no dia 28 de dezembro (facto provado n.° 50)) - 156,94
X. A subida brutal dos valores da Proteína C reativa que foram referenciados como resultados fora do intervalo de referência, 0 a 10 mg/L, um quadro inflamatório que poderia pronunciar risco de tomboembolia. Tanto mais que, os valores de Proteína C reativa em R...... foram sempre superiores em mais de 20 vezes ao valor de referência (menos ou igual a 6 mg/L).
XI. Para a leitura da Lactato desidrogenase, cujos primeiros valores só contam medidos em 23 de dezembro, 6 dias depois da R...... ter dado entrada no hospital N......, os valores são inexplicavelmente altos - 422,0 mg/L (quando deveria ser inferior a 246,0) (facto provado n.° 26); no dia 25 de dezembro (facto que se pretende que se adite, por constar do relatório clínico) -693,00 U/L: no dia 27 de dezembro (facto provado n.° 45) -779,00 U/L; no dia 28 de dezembro (facto provado 50)) 573,00 U/L.
XII. Os valores medidos para a lactatodesidrogenase foram obtidos fora dos valores de referência, chegando a 300% acima do que é aceitável, sendo tais valores reveladores de que poderíamos estar perante uma evidente lesão dos tecidos internos, nomeadamente, na formação de coágulos ou alguma lesão de ordem hepática.
XIII. Do Aspartato Aminotransferase, cujos primeiros valores também só contam medidos em 23 de dezembro a leitura é sempre a mesma, elevados e fora dos parâmetros em mais de 400% -112,7 ms/L, bem acima do valor padrão, que deve ser inferior a 35,0 mg/L; no dia 25 de dezembro (facto que se pretende que se adite) - 192J U/L: no dia 27 de dezembro (facto provado n.° 4511 -192,7 U/L\ no dia 28 de dezembro não constam medidos os valores desta enzima.
XIV. Os valores acima de 150 U/L geralmente indicam alguma lesão no fígado. Os valores evidenciados por R......, mereceriam métodos de diagnóstico que apreciassem a componente hepática, pois os valores de R......, desde pelo menos, 25 de dezembro estavam bem acima do valor que indica enfermidade hepática (4 vezes superior ao recomendado).
XV. A leitura de Gamaglutamiltransferase surge pela primeira vez no dia 25 de dezembro, (facto que se pretende que se adite) -estava nos 352,2 U/L\ no dia 27 de dezembro (facto provado n.° 45) —491,7 UL: no dia 28 de dezembro (facto provado n.° 501 - 791,6 UL. Os valores encontrados em R...... para esta enzima, encontravam-se mais de 1000% acima dos valores tidos como de referência (igual ou menor que 38 U/L). Estes valores deveriam ter sido tidos em conta na alteração da terapêutica ou realização de exames complementares.
XVI. Resta analisar os resultados obtidos para a velocidade de Sedimentação no dia 26 de dezembro (facto provado n.° 45) - “Os resultados laboratoriais feitos no dia 26 são: a velocidade de sedimentação que atingiu o valor de 92 mm quando o normal seria abaixo de 20 mm”, o sague coagulava rápido, quatro vezes mais rápido do que o normal.
XVII. Os valores excessivamente anormais das análises clínicas, para estes biomarcadores, durante um período de tempo tão longo, numa pessoa que era saudável, relatam que algo no procedimento médico ou na sua omissão correu mal. Pois que, a R...... entrou saudável no hospital e só saiu de lá falecida sem que se tenha abordado novas terapêuticas e/ou realizado exames complementares para descobrir o que se passava e resolver.
XVIII. De resto, os biomarcadores analisados, em pessoas saudáveis, como era o caso da R......, são os mais recomendados para afastar o cenário de tromboembolia, verificando-se os valores ditos normais.
XIX. Deveria o Hospital N......, ter avaliado e realizado diferente abordagem terapêutica com vista a ver se os resultados mudavam. Tanto mais que, o risco de tromboembolia, por natureza das circunstâncias, no caso da R...... ser maior. Era purpura de duas gémeas e tinha 38 anos e tinha passado por uma cesariana.
XX. O fígado não estava bem, e não conseguia processar a heparina de baixo peso molecular, o sangue coagulava mais rápido e existia uma inflamação generalizada no corpo de R......, o que evidencia um quadro de infeção não detetado. Num período mínimo de 9 dias, de dia 19 a 28 de dezembro. Sendo que, mesmo assim, no dia 29 de dezembro se falou de “possível alta nesse dia” (dia 31) - facto provado n.° 53.
XXI. Existiam outros sintomas anormais que assolavam a R...... e resultam provados durante um período superior a 10 dias. A febre persistente, a dor no hiponcondrio direito e dieta zero.
XXII. Certo é que se retirou a administração de heparina, facto n.° 49, não resultando que tenha sido dada nova terapêutica ou que tenham sido feitas novas análises depois disso ou ainda algum tipo de intervenção urgente que era exigida. Ainda que, os resultados clínicos constatados nesse dia relativamente ao dia 27 apresentassem valores, todos eles fora dos parâmetros ditos normais.
XXIII. De resto, não resultam demonstrados a realização de exames complementares de diagnóstico nesse hiato temporal. Especialmente, angiografia clássica pulmonar. Apontada como o exame gold standard para o diagnóstico de tromboembolia como elevadas sensibilidade e especificidade. E um teste fiável, que pese embora seja invasivo, se justificava no caso da R......, por os biomarcadores estarem tão elevados e fora dos parâmetros durante tanto tempo.
XXIV. O facto provado n.° 56 em conjugação com os factos provados n.°s 2 a 55. evidenciam que, só em resultado da violação de uma regra de prudência {legis artis), exigência de cuidados médicos e, ainda uma violação da arte médica (diagnóstico e terapêutica) que exigiam uma intervenção urgente, não concretizada, originou tai resultado, podendo (e devendo) a mesma ter sido evitada pelos serviços da Requerida.
XXV. A presunção de culpa do agente apenas é ilidida pela demonstração de que atuou, não apenas como teria atuado o bom pai de família pressuposto no artigo 487.°, n.° 1 - uma pessoa medianamente cautelosa, atenta, informada e sagaz - mas, mais do que isso, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. O que, no caso em apreço não resulta demonstrado.
XXVI. E, portanto, tal violação é, neste sentido, culposa, na justa medida em que a culpa consiste na capacidade e possibilidade de evitar o facto ilícito gerador do dano.
XXVII. Em face do exposto, julgam-se verificados os pressupostos relativos à ilicitude e à culpa. Geradora de responsabilidade civil extracontratual da Requerida, previstos nos artigos 7.° e seguintes da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro e artigo 493.°, do Cód. Civil, analisado apenas aquilo que ficou provado nos n.°s 2 a 56 da factualidade dada como provada.
XXVIII. Devem ainda os factos dados como não provados n.° 1 a 6. serem dados como provados.
XXIX. Do facto não provado n.° 1 - os resultados das análises clínicas da R...... evidenciam um quadro de inflamação interna, problemas hepáticos, e de maior rapidez de coagulação do sangue, o que demonstra uma maior propensão para que o desfecho fosse aquele que ocorreu, em virtude de uma infeção não detetada, por falta de diagnóstico e intervenção médica urgente. Resultados esses que, se foram agravando com o internamento.
XXX. A R...... entrou no Hospital N...... no dia 16.12.2018 (facto provado n.° 2b sem qualquer patologia anterior, e nos últimos exames realizados evidencia valores anormalmente altos nos biomarcadores. O que despoletou este incremento nos valores só pode resultar dos tratamentos clínicos administrados a R....... Motivo pelo qual, deve passar este facto não provado n.° 1. para o lado da factualidade dada como provada.
XXXI. Do facto não provado n.° 2 - Os valores obtidos para esta enzima (processada pelo fígado) das análises clínicas de R...... no período que esteve internada, de 112,7 mg/1, 192,3 mg/1 e 192,7 mg/I, superiores ao valor de referência máximo de 35mg/I, demonstram que o fígado apresentava uma lesão, que se foi agudizando com o passar do internamento.
XXXII. Registando-se um incremento dos valores do aspartato aminotransferase, nesse período de administração da enoxaparina, o fígado não estava a metabolizar a heparina de baixo peso molecular, e que, esta estava a piorar o funcionalismo daquele, como resulta do aumento do aspartato. Deve o facto não provado V.2.21» ser dado como provado, passando a constar desta configuração.
XXXIII. Do facto não provado n.° 3 - Face aos valores dos biomarcadores, nomeadamente, da análise dos valores de coagulação do sangue de R......, parece demonstrado que o risco era elevado no dia 27 de dezembro de ocorrer alguma lesão relacionada com a formação de coágulos.
XXXIV. Aumentando a velocidade de coagulação (4 x mais rápida a sedimentação do sangue), maior a propensão à formação de coágulos. Tanto mais que, era evidente o estado inflamatório da R...... e a existência de lesões internas através da análise dos demais biomarcadores.
XXXV. Apesar dos valores recebidos das análises clínicas continuou-se a administrar uma heparina que não era metabolizada pelo fígado até ao final da prescrição (dia 28), sendo que a partir daí e até à morte, não se fizeram novos exames e não se administrou nenhum novo tipo de heparina, nem se fez qualquer tipo de diagnóstico preventivo ou intervenção urgente que evitasse a morte. O facto não provado n.° 3. deve passar a fazer parte da factualidade dada como provada.
XXXVI. Do facto não provado n.° 4 - Parece notório de um ponto de vista normal e previsível que, face aos valores constantes das análises clínicas de R...... se abordasse uma nova terapêutica, com a realização de exames complementares que permitissem escolher uma nova terapêutica, mais urgente e que tivesse em conta a redução dos valores dos biomarcadores verificados. Deve o facto não provado sob o n.° 4. ser dado como provado.
XXXVII Do facto não provado n.° 5 - face ao que resulta da leitura dos resultados da avaliação clínica de R...... de dia 27 de dezembro, recebidos no dia 28 de dezembro e que constam do facto provado n.° 50, algo não estava bem.
XXXVIII. O facto de se não terem realizado novos exames, nomeadamente, no dia 28 e 29 de dezembro, demonstram que não se deu o relevo necessário ao que constava dos valores analisados das análises clínicas. Não houve o devido zelo e cuidado expectáveis de uma entidade de saúde publica ao serviço de todos os cidadãos da região.
XXXIX. Estava a R...... num quadro de necessidade de intervenção médica urgente e ao invés de ter tido essa urgente intervenção médica, com a primaria realização de exames, obteve alta médica para o dia 31. Faleceu dia 30 de dezembro, de manhã. O facto não provado n.° 5 deve passar a ser dado como provado.
XL. Do facto não provado n.° 6 - Face ao histórico clínico e analítico que consta da factualidade dada como provada de R...... enquanto permaneceu internada, que os valores dos biomarcadores se vão agravando, que as febres surgem no internamento e que a dor no hipocôndrio direito surge no internamento. Ou seja, não suscita duvidas que “O estado de saúde de R...... agravou-se com o internamento no hospital.” - 0 facto dado como não provado sob o n.° 61 deve passar a ser dado como provado, a aditar-se na factualidade dada como provada.
XLI. Devem ser aditados os factos dados como não provados sob o n.° 1) a 6) e ainda, o facto que se pretende aditar que consta do relatório clínico, perfazendo um total de 7 factos novos a aditar à factualidade dada como provada.
XLII. Foi violada a legis artis, sendo que, como se disse, bastaria uma profunda análise ao facto dado como provado sob o n.° 56, para se chegar a um mesmo porto.
XLIII. Alegou-se o erro médico por parte da equipa profissional da requerida, porquanto se tivesse atuado de forma diligente e em conformidade com as legis artis, a R...... não teria falecido com todas as consequências e danos daí advenientes para os Requerentes. E é possível estabelecer um nexo de casualidade entre a atuação dos serviços médicos prestados a R...... e a morte da desta.
XLIV. Por outro lado, a prova nos autos de que não existiu Responsabilidade médica e que foi dada como provada, não refutou o que aqui se disse e foi requerido no requerimento inicial quanto à terapêutica, sua manutenção e não intervenção urgente, face aos valores das análises clínicas de R...... que esta evidenciava desde 19 de dezembro.
XLV. Veja-se o facto dado como provado sob o n.° 63, o Parecer do Conselho Médico- Legal, n.° 7 da reposta aos quesitos - A resposta àquele quesito apesar de dizer que os danos não são “evocadores do diagnóstico de embolia pulmonar”, deixa no ar algumas outras questões que não foram respondidas pela requerida e que, já o foram aqui e nas alegações proferidas em Ia instância e até encontra contradições na mesma resposta.
XLVI. O LDH (lactato desidrogenase), BNP, Proteína C- Reactiva, velocidade de coagulação, Gamaglutamiltransferase (GGT) e o Aspartato Aminotransferase (AST) são reveladores de que podemos estar próximos de uma tromboembolia, é a própria resposta que faz menção à análise do valor de LDH, indicando que é revelador. E sabe-se que os valores no corpo da R...... eram superiores em 300% ao normal. Merecia um diagnóstico definitivo que “pode ser obtido por angio-TC, arteriografia pulmonar ou cintigrama”, como refere a resposta ao quesito, mas que se sabe não foi realizado.
XLVII. A resposta ao quesito não refuta a argumentação dos requerentes, antes, se analisada, corrobora, bastando para tal, confrontar com os elementos clínicos que serviram para fundar os factos provados n.° 2 a 56.
XLVIII. O falecimento de R...... não pode ser descrito como um dos possíveis “incidentes” neste tipo de internamentos pós-parto, tão demorado e com valores clínicos analíticos tão dispares do normal ao longo desse hiato temporal.
XLIX. A recorrida / Requerida não tentou “minimizar” o que constava das análises clínicas de R....... Não foram efetuados exames de diagnóstico e complementares, e não existiu uma intervenção médica urgente como se impunha para a situação.
L. Ficou demonstrado que tenha sido no caso em concreto, perante o juízo e a avaliação e evolução clínica da R...... durante o período de internamento, que resultou na morte desta, que foram violadas as regras de ordem técnica e o dever geral de cuidado.
LI. Por isso, se verificam preenchidos os requisitos para responsabilizar a requerida pelos alegados danos peticionados, a ilicitude da conduta ou da omissão de algum médico ou da equipa médica que com culpa, ainda que fosse leve, agiram.
LII. Mesmo que não se venha a julgar procedente o recurso da matéria de facto, e face ao que consta da factualidade dada como provada e não provada, sempre há lugar a indemnização, a título de responsabilidade pelo risco.
LII. O Tribunal recorrido poderia decidir com base no risco, sem incorrer em excesso de pronúncia, como nos ensina Antunes Varela, Carlos Alberto Fernandes Cadilhe e diversos Acórdão das Instâncias Superiores.
LIV. Os factos articulados no requerimento inicial, são, eles próprios, compatíveis com a aplicação de um regime jurídico diverso daquele que a decisão judicial veio a adotar, podendo verificar-se uma convolação da responsabilidade civil pelo risco.
LV. A causa de pedir não é o facto jurídico abstrato tal como foi configurado, mas os factos concretos que os requerentes pretendem atingir. Nada impede que o juiz integre a matéria de facto no âmbito da responsabilidade pelo risco, ainda que a ação tenha sido proposta na base da responsabilidade delitual, desde que, exista aplicabilidade de tal regime à situação em apreciação, à luz dos factos apurados.
LVI. Tal convolação pode ocorrer em sede de recurso jurisdicional. Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/01/2019, tirado no Proc. n.° 01350/09.6BELSB 0389/18.
LV11. Numa situação como a que temos em juízo, provado que em consequência da cirurgia de cesariana de parto de gémeos, resultou um internamento prolongado, que levou à morte, tem de se admitir que se passe a presumir-se a requerida como culpada, de tal modo que é sobre esta que deve impender a ónus de provar que os seus profissionais atuaram de forma zelosa e cumpridora. O que de resto, não resulta provado.
LVIII. No caso em apreço, estamos perante uma atividade excecionalmente perigosa - Acórdão TCAS de 04.06.2009 - Existiu uma intervenção cirúrgica que obrigou ao corte de 5 tecidos, como é uma cesariana e que obrigou a repetidos exames e procedimentos, mesmo que alguns, não adotados durante um período longo de tempo e que levou à morte de R.......
LIX. Era previsível que a atividade médica pudesse vir a provocar mais perigos do que aqueles que normalmente lhe estão associados, os quais incluem a morte, pelo que a mesma, no momento em que foi realizada, podia ser qualificada como uma atividade excecionalmente perigosa.
LX. Mesmo que não se viesse a dar como provado o ilícito e a culpa da requerida, que salvo o devido respeito, tem de ser dado como provado, sempre se verificam os demais pressupostos atinentes, a que no caso em apreço, se analise a existência de responsabilidade pelo risco e, que, se dê como provada a mesma.
LXI. Assim, consideram os Requerentes que, está preenchido o requisito para o arbitramento da presente providência cautelar, da aparência do direito.
LXII. Resultando provado o periculum in mora, sempre deveria o presente procedimento cautelar ser julgado procedente.
LXIII. De tudo acima exposto, deve o presente recurso ser admitido e, por provado, ser revogada a sentença recorrida, admitindo o presente procedimento cautelar de arbitramento de quantia.
LXIV. Com a condenação do requerido / recorrido no pagamento de uma pensão de arbitramento.
LXV. Pela prova da insuficiência económica dos recorrentes / Requerentes em virtude da perda da falecida mulher e mãe como do rendimento que auferia para sustento do agregado familiar.
LXVL Tudo com base nos factos provados - factos.
LXVII. De tudo acima exposto, deve o presente recurso ser admitido e, por provado, ser revogada a sentença recorrida, admitindo o presente procedimento cautelar de arbitramento de quantia.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e admitido, julgando-o procedente e, em consequência revogar a sentença recorrida, admitindo o processo cautelar de arbitramento de uma pensão na quantia peticionada e provada.
Contudo, Vossas Excelências farão a sempre e necessária INTEIRA JUSTIÇA.”

Nas contra-alegações apresentadas pelo SESARAM, EPERAM, em 23 de fevereiro de 2023, concluiu-se do seguinte modo:
“A) Nas presentes contra alegações de recurso vem também a requerida requerer a ampliação do objeto do recurso nos termos do art. 636.º do CPC, na parte em que, contra si, dá por verificado o PERICULIUM IN MORA, requisito da providencia cautelar; B) A Sentença sub judice julgou “porque não provado, improcedente o presente processo cautelar de regulação provisória de quantia.”, por não se verificar” o preenchimento cumulativo dos pressupostos da ilicitude e da culpa, conclui-se que não estão reunidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar.”, Dando como “não demonstrada indiciariamente pelos Requerentes a ocorrência de violação do dever de cuidado ou das legis artis da medicina nas instalações do Hospital Dr. N......, passível de merecer um juízo de censura por parte deste Tribunal.”
C) A assistência médica prestada durante o internamento da utente R...... foi objeto de um processo de inquérito de natureza criminal que decorreu no Ministério Público do Funchal que mereceu despacho de arquivamento – Processo n.º 70/22.0T9FNC da 2.a Secção do DIAP, precedido pelo Processo n.º 31/18.4T1FNC, do Juízo de Instrução Criminal, ambos com despacho de arquivamento, não imputando responsabilidade criminal aos profissionais de saúde que no Hospital Dr. N...... prestaram cuidados de saúde àquela utente.
D) No âmbito do referido processo criminal n.º 31/18.4T1FNC foi promovida a prova pericial de autópsia médico-legal da utente R......, que concluiu que a sua morte tenha sido devida a tromboembolia pulmonar aguda que constitui causa de morte natural.
E) As conclusões deste relatório pericial determinam a não verificação cumulativa dos elementos jurídicos essenciais constitutivos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade adequada (nexo causal) entre o facto e o dano tal como definidos nos art. 7.º e ss. do RRCEPC e como resulta da teoria geral da responsabilidade civil, no art. 483.º e ss do CC.
F) De igual modo noa presente providência cautelar não está verificado o pressuposto da aparência do bom direito, o fumus boni iuris. Em momento algum, demonstrou o Requerente, que fosse claro, notório e evidente que a pretensão a formular no futuro processo principal viria a ser julgada procedente;
G) O procedimento cautelar não se coaduna com a discussão técnica, ponto por ponto, da assistência médica prestada à utente durante o seu internamento nem tão pouco com a sujeição dessas mesmas matérias à prova pericial como sucedeu nos autos. Há antes uma antecipação da discussão da causa principal.
H) A aparência do bom direito tem de ser de resultar indiciariamente da matéria exposta à decisão do Juiz, o que não sucede nos autos.
I) A decisão da matéria de facto que versa sobre os dados técnicos das análises laboratoriais que foram feitas à utente R...... a douta sentença assentou nas conclusões da autópsia e da perícia médico-legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra, comunicado aos autos, não merecendo assim qualquer censura.
J) O ora Recorrente, que insistiu na submissão ao Instituto de Medicina Legal das análises efetuadas à R...... durante o internamento e já após a cesariana, veio aquele Instituto de Coimbra, por ofício de 16 de Novembro de 2022, inserido no processo, notificado a 14/12/2022 (ref. 004145145) referir que os resultados ai contidos já se encontrava integrados no processo analisado anteriormente e foram considerados no parecer técnico de 21/06/2021 (a que se refere o art. 61 e 62.º da matéria assente como provada), o que impede a afirmação do nexo causal entre facto e dano.
K) O A. circunscreve a sua causa de pedir ao regime da responsabilidade civil extracontratual do estado, conforme resulta dos art.109.º a 112.º da sua petição a que a R. deduziu oposição. Não pode em sede de recurso tenta trazer à discussão uma outra causa de pedir – a responsabilidade civil pelo risco, por a isso estar vedado pelo princípio da estabilidade da instância.
L) Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas - salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - e não criar decisões sobre matéria nova. Não pode o recorrente eximir-se de a alegar e provar em primeira instância.
M) Não cabe em sede de recurso apreciar questões novas. Pasme-se que até esta sede de Recurso e colhidas as peças processuais da PI e Oposição, peças que conformam o e delimitam o pedido e a causa de pedir, em suma, o objeto do processo, não se encontra articulada tal pretensão seja a título principal seja a título subsidiário, nem a douta sentença, que é totalmente omissa (como não podia deixar de ser atento a que é matéria nova), nem, tal pretensão consta da delimitação do objeto do recurso.
N) Por isso, não se pode tratar nos Recursos de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada.
O) Os atos médicos prestados no hospital público constituem uma obrigação de meios, e não uma atividade potencialmente perigosa na aceção do regime da responsabilidade civil pelo risco a que se refere o 493.º, n.º 2, do CC. Atividades perigosas são aquelas que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de causar dano; uma probabilidade maior do que a normal, derivada de outras atividades, devendo tratar-se de atividades que, mercê da sua natureza ou dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral.
P) O ato médico é na sua génese um ato de cura, é um ato de defesa do interesse público na sua forma mais elementar, visto que está em causa a vida e saúde dos cidadãos.
Q) O ato médico consubstancia uma obrigação de meios, o médico obriga-se a prestar cuidados ao doente, a minorar-lhe a dor, a proporcionar-lhe bem-estar, saúde, aliviá-lo do padecimento, restitui-lo à vida se em perigo, envidar todos os esforços ao seu alcance, pôr em prática os seus conhecimentos de acordo com a ciência e a executá-los conforme os seus meios técnicos disponíveis, de acordo com as “legis artis “, um especial dever objetivo de cuidado, tendo como padrão um médico minimamente cuidadoso, diligente, sensível ao sofrimento alheio e aos bens jurídicos da vida e saúde, tal como suposto pela ordem jurídica, que nas condições do caso concreto agiria de forma diferente, como um “bonus pater familias“.
R) E não uma obrigação de resultado, de assegurar a todo o custo, a cura, mas a prestar os seus serviços, incluindo cuidados e conselhos, esclarecimentos dos riscos usuais e comuns em certos tratamentos, mas não já produzir um resultado esperado, porque na prestação de serviço podem interferir variáveis absolutamente incontroláveis e imprevisíveis, mesmo que seja empregue toda a diligência.
S) O médico apenas se compromete a empregar a diligência e a prudência típica da sua especialidade em ordem a conseguir certo efeito, tratar o doente, para evitar o mal iminente, que se anuncia.
T) A responsabilidade civil a título de risco não se coaduna com a natureza do ato médico prestado no âmbito do serviço público de saúde, em que os médicos são procurados pelo doente para curar ou mitigar o seu sofrimento e não para exposição a riscos daquela dimensão; como regra tal prestação não comporta risco, sem esquecer, no entanto, que, por vezes, concorrem consabidos riscos graves e outros, supervenientemente, de forma imprevisível e absolutamente indominável.
U) A prestação de atos médicos não se enquadra na previsão do art. 493.º, n.º 2, do CC, por tal atividade não ser, na sua essência, genericamente, perigosa, nem por si nem nas suas consequências, devendo, por isso, o que retira proveito daquela sofrer as consequências da sua prática e prová-las, sendo excessiva a aplicação da presunção de culpa na atividade médica.
V) Na aceção do n.º 1 do art. 6.º, do Regulamento nº 698/2019, da Ordem dos Médicos, o ato médico consiste “na atividade diagnóstica, prognóstica, de vigilância, de investigação, de perícias médico-legais, de codificação clínica, de auditoria clínica, de prescrição e execução de medidas terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas, de técnicas médicas, cirúrgicas e de reabilitação, de promoção da saúde e prevenção da doença em todas as suas dimensões, designadamente física, mental e social das pessoas, grupos populacionais ou comunidades, no respeito pelos valores deontológicos da profissão médica.”
W) A responsabilidade civil pelo risco não despensa a verificação do nexo causal entre o facto e o dano que resultou para o lesado. Ora na situação dos Autos esqueceu o Recorrente que a perícia médico-legal concluiu que a morte da R......, se ficou a dever a uma tromboembolia pulmonar aguda que constitui causa de morte natural. (art. 61.º e 63.º da matéria assente como provada).
X) Requer a Recorrida a ampliação do objeto de recurso com vista à revogação da sentença na parte em que dá por provada a verificação do periculum in mora, nos termos do art. 636.º do CPC.
Y) O recorrente faz a sua vida e paga as despesas mensais com o rendimento que a família lhe proporciona, com quem pode sempre contar, como decorre das palavras do pai da R......, que, orgulhosamente, contribui para o sustento da família.
Z) Da matéria de facto dada como provada, consta no art. 64.º que o pai da R...... continua a pagar as despesas mensais dos requerentes. Tal facto teve por base o seu depoimento onde referiu, orgulhosamente, que vai continuar a ajudar o requerente e as netas.
AA) As famílias são para isso mesmo. Fornecem a estrutura de apoio aos membros que a integram. E neste caso é esta, como poderia ser outra qualquer. E nada mais natural que o Avó materno com poder económico sustente as netas e o pai destas, sua única família, proporcionando-lhe os rendimentos necessários para o efeito.
BB) Realça-se que o pai da utente R...... recebe uma pensão de reforma de 6.000,00€ e que a penhora que tinha à data era de 3.000,00€ “não o vai prejudicar”, nas suas próprias palavras.
CC) Por outro lado, o recorrente F. A., nasceu a 11/10/74, tendo apenas 49 anos de idade, tem licenciatura em engenharia civil. Nada impede que o ora Recorrente se insira na vida laboral ativa.
DD) Na estrutura familiar criada nada falta às crianças e ao seu desenvolvimento, encontrando-se a frequentar um estabelecimento de creche. Já passaram 4 anos desde esse evento fatídico. O tempo entretanto decorrido faz consolidar a situação do Recorrente e suas representadas; Não está em causa os limites da dignidade humana que os meios cautelares visam evitar. Ao Recorrente e suas filhas nada falta.
EE) Face ao que, nada sustenta a conclusão da meritíssima juíza que considerou verificado o requisito do periculum in mora, mantendo-se em todo o mais a douta sentença recorrida.
FF) Deve por tudo isto manter-se a decisão do Tribunal ad quo, nos termos supra defendidos com a revogação da decisão que incidiu sobre o periculum in mora.”

O presente Recurso foi admitido por Despacho de 24 de março de 2023.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de abril de 2023, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, do preenchimento dos pressupostos das providências Cautelares, a suscitada alteração da matéria de facto, mais se impondo atestar se deverá ser analisada a inovatoriamente invocada responsabilidade pelo risco.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se reproduz.
“Factos provados
1) O Requerente era companheiro de R......;
2) No dia 16.12.2018, às 03h37min, após ter ocorrido “rotura de membrana com perda de líquido amniótico”, R...... deu entrada na sala de partos, onde ficou internada, no serviço de urgência, para a tentativa de indução do parto;
3) No dia 16.12.2018, às 08h36min, R...... fez um hemograma e um PCR, que apresentaram valores normais;
4) No dia 17.12.2018, às 08h05min, R...... fez, novamente, a análises clínicas, novo hemograma, PCR e continuou com a mediação que lhe havia sido prescrita no dia anterior;
5) Os valores apresentavam-se dentro dos parâmetros expectáveis para uma pessoa saudável, com exceção da Proteína C reativa que apresentava um valor de 8.51 mg/L, ligeiramente superior ao recomendado (6.10 mg/L);
6) Foi-lhe prescrito ENOXAPARINA (heparina de baixo peso molecular), ESOMEPRAZOL, METAMIZOL, CETOROLAC, MORFINA, ONDANSETROM e METOCLOPRAMIDA para a preparar para o parto que iria ocorrer por cesariana;
7) Depois de 36 horas, “após a rotura da membrana e contrações”, R...... deu entrada na sala de indução, com diagnóstico de “Rotura prematura pré-termo de membranas, tempo em rotura e início de trabalho de parto" (cf. artigo 16.º do requerimento inicial);
8) No dia seguinte saiu com um diagnóstico similar para o bloco operatório;
9) No dia 17.12.2018, às 23h57min, deu-se a realização do parto das gémeas, ora Requerentes, por cesariana urgente;
10) No dia 18.12.2018, poucas horas depois do parto, R...... começou a apresentar os primeiros sintomas febris;
11) Às 08h55min, foi registada uma temperatura de 37.1º;
No dia 19.12.2018 (segundo dia),
12) Às 09h00, foi registada uma febre de 39.º;
13) Por volta das 10h00, a temperatura mantinha-se acima do nível normal, nos 37.3º e, às 15h 35min, nos 37.º;
14) Era o 2.º dia consecutivo com sintomas febris, e não foi feito qualquer tipo de diagnóstico ou exames;
No dia 20.12.2018 (terceiro dia),
15) Às 00h00min, foram medidos os sinais vitais de R......, e “registado uma escala de dor numérica de dois”, às 09h00 a temperatura estava nos 37.7º;
16) Às 13h03min, a médica regista que R...... “refere sensação de astenia”, às 14h28min, fez os primeiros exames após as queixas;
17) Pela primeira vez os resultados laboratoriais apresentaram discrepâncias, a análise química do sangue, nos valores da Proteína C reativa apresentava um valor de 103.23mg/L (o recomendado é um valor inferior a 6.10 mg/L) (cf. artigo 25.º do requerimento inicial);
18) Às 16h00min, a temperatura situava-se nos 36.7º e apresentava edemas nos membros inferiores e às 21h23min a médica mandou repetir “hemog. + PCR amanhã” e apresentava dores na zona infra pulmonar direita;
No dia 21.12.2018 (quarto dia),
19) Às 09h00min, a temperatura estava nos 37.7º, fez uma série de exames, o valor da proteína C reativa continuava elevado e o PCR em 88;
20) A Dra. C...... registou uma “maior sudorese” e às 12h55min, “para paracetamol”, e optou por não iniciar antibioterapia (cf. artigo 33.º do requerimento inicial);
21) Às 14h20min, a temperatura de R...... era de 38.1º e uma escala de dor 2 e, dez minutos depois, a enfermeira administrou 1gr de paracetamol por indicação da Dra. F......;
22) Às 17h18min, foi registada uma temperatura de 38.1º e uma escala de dor de 2;
23) Às 20h29min, foi novamente registada a temperatura no valor de 38.3º, e às 21h00min, as Dras. F...... e S...... registaram “mucosite oral com úlceras linguais e de mucosa labial/jugal” e receitada bencocaína tópica e às 23h20min a temperatura era de 37.º;
24) Era o quatro dia febril e apresentava dores na zona do hipocôndrio direito;
No dia 22.12.2018 (quinto dia),
25) Às 09h00min, a temperatura era de 39.º, às 10h10 min, o médico ginecologista registou uma temperatura de 39.1º, orofaringe e hemocultura de pico febril, e pediu RX torácico e análises para “amanhã” e, novamente registados na parte da manhã, 38.6º e, às 14h00min, com 38.3º;
No dia 23.12.2018 (sexto dia),
26) Às 06h52min, foi sujeita a novos exames, hemograma e análises bioquímica ao sangue e urina, que evidenciaram valores muito elevados de proteína C reativa 141,71, lactotodedidrogenase 422,0 (quando devia ser inferior a 246,0) e aspartato aminotransferese 112,7mg/L, bem acima do valor padrão, que deve ser inferior a 35,0mg/L;
27) Às 9h00min, foi registada uma temperatura febril de 36.7º, com uma intensidade de dor de 8, “realizou analgésico consoante prescrição, por dor na região dorsal à direita que se acentua com a inspiração e mobilização para esse lado”;
28) Por volta das 11h39min, o Dr. P……. observou R...... e referiu que “iniciou ontem ampicilina”, às 12h30min, a intensidade da dor continuava em 8, foi administrado nolotil e nistatina oral;
29) Às 13h40min, foi registada uma intensidade de dor de 3 e, às 16h00min, uma temperatura de 36.8º e uma intensidade de dor 7, referiu manter dor na zona intercostal a direita e, às 18h00min, é dito que a utente refere “eritema sem prurido no dorso das mãos, abdómen e zona lombar” e, às 20h45min, a médica deu indicação para administrar ampicilina e 1 toma de ataraz de 25mg, às 23h45min, foi referido “dor moderada na região infra-costal direita, sobretudo à inspiração”, com uma escala de dor 4;
No dia 24.12.2018 (sétimo dia),
30) Foi registada uma temperatura de 36.7º e um nível de dor 6, referia astenia, “acessos de tosse seca, que refere se acentuar com a intensificação da dor no hipocôndrio à direita”;
31) Às 09h30min, foi realizada colheita de sangue para análise, hemograma, bioquímica e coagulação, tendo sido discutido com o chefe de equipa e urgência “Provável quadro viral, peço ecografia abdominal para exclusão de restante patologia – contactado Dr. D......”;
32) Às 16h00min, foi registada uma temperatura de 38.6º, foi administrado nolotil por indicação médica e, às 16h28min, a médica Dra. F.R..... registou “Leve a moderada quantidade líquida livre disperso pela cavidade peritoneal”, “mantém febre”, e o médico Dr. L....... deu indicação para ficar de dieta zero, iniciar piperacilina + tazobactam e raio-X". Antibioterapia, e às 20h20min, a temperatura registada era de 38.3º, foi-lhe administrado ibuprofeno 400mg e, às 23h00min, mantinha dieta zero;
No dia 25.12.2018 (oitavo dia),
33) Às 00h00min, a temperatura registada pela enfermeira era de 37.5º, às 06h15min, 38.2º, mesmo com dieta zero e grande panóplia medicamentosa, sobretudo, nolotil (cf. artigo 62.º do requerimento inicial);
34) Às 09h00min, a temperatura era de 37.7º e uma intensidade de dor de 5, “fáceis triste… mantém dieta zero”, “continua a referir dor no hipocôndrio direito aquando da respiração profunda e mobilização”;
35) A Dr.ª B......., ginecologia, referiu que R...... “tem dor no hipocôndrio direito sutura bem abd livre mas doloroso à palpação profunda do hipocôndrio”, e às 13h19min, o Dr. F.P....... registou “aparente caso de sarampo não provável”, tendo R...... ficado em jejum para o TAC abdominal;
35A) O Aspartato Aminostransferase estava em 192.3 U/L, a Gamaglutamiltransferase estava nos 353,2 U7L, a Lactatodesidrogenase estava em 693,0 U/L, a Fosfatase Alcalina estava nos 296 U/L e a Proteína C reativa estava nos 191,24 mg/ L. (Facto introduzido nos termos do Artigo 662.º (art.º 712.º CPC 1961);
36) Às 15h35min, a “médica Dra. N.F.......(infeciologista), observou a R...... que lhe referiu "dor no hipocôndrio direito . . . apresenta-se com febre . . Foi fazer um TAC após a observação” (cf. artigo 67.º do requerimento inicial);
37) Às 20h23min, R...... foi observado pela a Dra. I.......e a Dra. B.......;
38) Foi administrado contraste endovenoso, com aquisição em fase portal: derrame pleural bilateral de pequeno volume, com espessura máxima de aproximadamente 1,5 cm;
39) Às 21h30min, a temperatura registada era de 38.3º, às 23h05min a temperatura era de 38.4º e uma dor de intensidade 3 e apresenta acesso de tosse seca;
40) Às 23h45min, o resultado provisório de RNA do vírus do sarampo foi negativo;
No dia 26.12.2018 (nono dia),
41) Às 03h45min, R...... apresentava uma temperatura corporal de 39º e, às 05h00min, 38º, a médica Dra. B....... refere ter feito paracetamol, há menos de 8 horas e metazinol, às 14h03min, foi referido à Dra. A.P......., tosse seca e dor a nível do hiopcôndrio direito;
42) Às 16h00min, a temperatura era de 37.9º e a escala de dor 3, no abdómen e contínua, às 17h49min, continua a descrever uma “dor leve região hipocôndrio direito”;
43) Pelas 22h45min, a temperatura era de 38.1º, a intensidade da dor era de 4 e “encontra-se em decúbito lateral esquerdo e apresenta gemido”;
No dia 27.12.2018 (décimo dia),
44) A temperatura baixou, R...... referiu preocupação por não ter um diagnóstico para o seu quadro clínico e que a dor se acentua na posição deitada, foi observada às 11h00min pelo Dr. A.B....... e, às 12h00min, pela Dra. L.A........ (cf. artigos 80.º e 87.º do requerimento inicial);
45) Os resultados laboratoriais feitos no dia 26 são: a velocidade de sedimentação que atingiu o valor de 92 mm quando o normal seria abaixo de 20 mm, na coagulação, o fibrinogénio atinge o valor de 575,0 mg/L, quando o recomendado é abaixo dos 471,0 mg/L e o aspartato Aminotransferase estava em 192.7 U/L, a Gamaglutamiltransferase estava nos 491,7 UL, a Lactatodesedrogenase estava em 779,0 UL, e a Proteína C reativa estava nos 307,12 mg/L;
46) Foram feitas novas análises de hematologia, bioquímica e hormonologia;
47) A médica Dra. A.P....... confirmou o resultado do teste – RNA do vírus de sarampo negativo e pediu uma nova avaliação analítica, autoimune hepática para despiste de cirrose;
No dia 28.12.2018 (décimo primeiro dia),
48) A intensidade da dor era de 4, e pelas 11h15min, o Dr. A.B....... introduziu antifúngico e “cumpriu enoxoparina segundo protocolo de obstetrícia”, a enfermeira C.F....... administrou enoxoparina prescrita, e como fazia 10 dias comunicou à equipa médica (cf. artigo 88.º do requerimento inicial);
49) Foi-lhe retirada a prescrição de heparina de baixo peso molecular;
50) O fibrinogénio estava em 624 mg/dL, a Gamaglutamiltransferase estava em 791,6 UL, a Lactodesidrogenase estava em 573,0 U/L e a Proteína C reativa estava nos 156,94 mg/L, sendo que o valor de IgG (soros) estava abaixo dos padrões previstos para uma pessoa saudável, situando-se nos 49,2 g/L, ao invés de ter de ter no mínimo um valor recomendado de 60,0 g/L;
51) Pelas 16h00min, a medição da temperatura registou um valor de 37.1º e “lesões aftosas em na mucosa oral em regressão”, manteve o plano de piperacilina/tazobatam e fluconazol, aguardava estudo de autoimune, e às 23h30min, a temperatura registada é de 37.7º;
52) A Dra. A.P…., infeciologista, refere que R.M........ “se encontrava apirética desde à 2 dias”;
No dia 29.12.2018 (décimo segundo),
53) Às 09h00min, a temperatura corporal era de 36.7º e uma intensidade de dor de 4, às 15h45min, a temperatura registada era de 37.º, e às 23h00 uma temperatura de 37.9º;
54) R...... tinha análises pedidas para o dia 31.12, às 07h e “possível alta nesse dia e regressa a 03/01/2019”;
No dia 30.12.2018,
55) Às 01h30min, foi à casa de banho e às 06h00min, R...... foi encontrada sem pulso;
56) As análises clínicas de R...... exigiam uma intervenção médica;
Mais de provou:
57) Com o falecimento de R......, os Requerentes deixaram de auferir os rendimentos dela no valor de €1.365,76 na empresa “T.” e € 893,99 na empresa “B. D.”;
58) O Requerente vive com enormes dificuldades financeiras, agravados com o facto de terem nascido duas crianças prematuras;
59) O rendimento do Requerente desceu para € 246,67 euros por mês, no ano de 2019 e, atualmente, dispõe de cerca de € 255,50 por mês e suas filhas têm uma pensão de sobrevivência de € 105,72;
60) Os familiares dos Requerentes ajudam financeiramente a pagar as despesas mensais;
61) Consta do relatório da autópsia de R...... o seguinte (por excertos):
“(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cf. documento n.º 3, junto à oposição, a fls.304 do SITAF);
62) Consta do Relatório histopatológico o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
63) Em 16.06.2021, o Conselho Médico-Legal emitiu parecer na sequência da solicitação , de consulta técnico-científica pelo Ministério Público, da Comarca da Madeira, DIAP, 2.ª Secção do Funchal, da qual consta o seguinte:
“(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
64) O pai de R...... continua a auxiliar nas despesas mensais dos Requerentes;
65) O Requerente e as filhas menores têm despesas mensais de € 10,00 de água, € 40,00 de luz, € 480,00 de alimentação, € 100,00 de vestuário e calçado; € 260,00 euros de creche, € 200,00 de despesas de saúde, € 110,00 de despesas de consulta e outros, € 600,00 de arrendamento, no total de € 1.800,00 (facto admitido por acordo);
66) R...... tomou durante o período de internamento anticoagulantes e antibióticos (Cf. documentos n.ºs 31 e ss., juntos ao requerimento inicial).
Factos não provados
1) Os tratamentos clínicos administrados a R...... estava a levá-la a uma pré-trombose, por estar com uma infeção generalizada;
2) Os valores constantes dos exames clínicos indiciavam uma falência geral, nomeadamente do fígado;
3) Os procedimentos médicos e medicamentosos agravaram o risco de ocorrer uma tromboembolia;
4) As análises clínicas exigiam uma mudança de terapêutica;
5) A não realização de exames no dia 29.12.2018 demonstram a falta de cuidados médicos;
6) O estado de saúde de R...... agravou-se com o internamento no hospital, com sinais visíveis de enfarte de miocárdio;
7) O Requerente vive com enormes dificuldades financeiras;
8) O Requerente perdeu o apoio do avô das meninas que contribuía com cerca de € 3.000,00 por mês, que deixou de auferir rendimentos;
9) O Requerente encontra-se impossibilitado de angariar rendimentos;
10) À data do falecimento de R......, o Requerente auferia rendimentos no valor de € 2.030,87.”
IV – Do Direito
No que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância, designadamente e no que aqui releva, o seguinte:
“(...) i) Do periculum in mora
Extrai-se do normativo citado que este requisito está preenchido quando exista uma situação de necessidade decorrente dos danos sofridos e do prolongamento desta situação em caso de recusa da providência cautelar que possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis.
In casu, atento a configuração do presente procedimento cautelar prévio à ação principal de indemnização, no que concerne ao periculum in mora, o Requerente alegou que sem a ajuda dos familiares estaria na miséria, dado que com o óbito de R...... ficou sem possibilidade de angariar meios económicos e financeiros.
Mais refere que deixou de beneficiar da contribuição mensal que recebia do pai de R......, no valor de €3.000, devido à penhora da pensão auferida por este, que deixou de poder auxiliar as netas e o Requerente.
No caso em apreço, resulta da factualidade provada que o Requerente e as filhas auferem rendimentos da pensão de sobrevivência de R...... de cerca de €350 por mês, recebem auxílio financeiro da mãe do Requerente e de R......, bem como do irmão desta.
Também resulta demonstrado nos autos que o Requerente, à data da morte de R......, vivia apenas com os rendimentos auferidos pela companheira.
Ora, pese embora os Requerente afirmem que dependem das ajudas financeiras de familiares para pagar as despesas mensais com a renda, creche, alimentação, em especial da entrega por parte do pai de R...... de cerca de €800 por mês, que efetivamente recebem, resulta demonstrado nos autos que vivem em grave carência económica, visto que dependem de terceiros, desde a morte de R......, no final do ano de 2018, para pagar despesas essenciais à sobrevivência.
Pois bem, em face do alegado e da prova realizada, constata-se que o Requerente não consegue sozinho fazer face às despesas com a criação de duas meninas menores, com quatro anos de idade, que exigem, como é notório e aceite por um cidadão comum, gastos avultados, com vestuário, medicamentos, creche, alimentação, pelo que os factos provados nos autos são suscetíveis de sustentar um juízo de que os Requerentes vivem em grave carência económica, na dependência de terceiros, e que o prolongamento desta situação é suscetível de acarretar consequência graves e dificilmente reparáveis.
Ante o exposto, julgam-se verificados os requisitos previsto no artigo 133.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPTA.
ii) Do fumus boni iuris
O decretamento da providência cautelar encontra-se dependente da verificação cumulativa do critério da aparência do bom direito, ínsito no artigo 133.º CPTA.
Indaguemos do requisito da aparência do bom direito, ainda que em termos sumários e assente numa apreciação meramente perfunctória, considerando que está reservado ao processo principal uma análise exaustiva e definitiva sobre o direito de indemnização dos Requerentes.
Os Requerentes alegam que a Entidade Demandada, SESRAM, é devedora de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por falta de diagnóstico e pelo procedimento adotado pelos médicos, por não ter alterado a terapêutica administrada a R......, apesar dos resultados das análises apresentados pela paciente, que indiciavam uma falência do fígado, que resultou na morte e nos danos sofridos.
Atento a causa de pedir da pretensão indemnizatória, importa aquilatar se os médicos na sua atuação praticaram ou omitiram atos em desacordo com os deveres impostos pela legis artis, de forma ilícita e culposa, no tratamento dispensado a R......, o que a verificar-se gera a obrigação de indemnizar.
Vejamos, pois, o breve enquadramento legal da questão.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está prevista no artigo 22.º da CRP e funda-se nos mesmos pressupostos gerais estatuídos no Código Civil, para a responsabilidade extracontratual, no âmbito das relações entre particulares, prevista no artigo 483.º do CC, com as especificidades dos artigos 7.º a 10.º do RRCEE (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas.
O artigo 22.º da CRP estabelece o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, segundo o qual “civilmente responsável, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Segundo a jurisprudência recente do STA, com a qual se concorda, a responsabilidade civil do Estado por atos médicos configura uma responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Veja-se a este propósito o Acórdão do STA de 16.01.2014, Processo n.º 445/13, segundo o quando “Na verdade os atos prestados pelo Estado e demais entes públicos ao abrigo de regras de direito público, como é indiscutivelmente o Serviço Nacional de Saúde, são atos de gestão pública. Não é pelo facto da Administração Pública prestar serviços, pagar salários, se constituir em obrigações assistenciais que deixa de praticar atos de direito público. O que importa é saber se esses atos são, ou não, proferidos ao abrigo de normas de Direito Público ou de Direito Privado.
Os atos praticados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, num Hospital Público, são indiscutivelmente praticados ao abrigo de normas de direito público, pelo que a responsabilidade civil emergente da prática de tais atos (apesar de ser chamada “civil”) é responsabilidade prevista, na data dos factos”.
E, bem assim, o decidido no Acórdão do TCA Norte de 22.06.2012, Processo n.º 1497/06, “Não restando dúvidas de que a situação concreta cai no âmbito de aplicação das regras da responsabilidade civil extra contratual, temos que, como se refere no Ac. do STA de 20/04/2004, in rec. nº 982/03, os AA/recorrentes ao recorrerem ao estabelecimento público ré, fizeram-no «ao abrigo de uma relação jurídica administrativa de “utente”, modelada pela lei, submetida a um regime jurídico geral estatutário, aplicável, em igualdade, a todos os utentes daquele serviço público, que define o conjunto dos seus direitos, deveres e obrigações e não pode ser derrogado por acordo, com introdução de discriminações positivas ou negativas»…. E, deste modo, «o enquadramento da pretensão indemnizatória no âmbito da responsabilidade civil extracontratual implica uma consequência importante quanto à repartição do ónus da prova, que é a da aplicação do regime geral do nosso ordenamento jurídico (art. 342º, nº 1 CC), conforme o qual, cabe ao Autor fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito à indemnização, salvo caso de presunção legal (art. 344, nº 1 CC) ou, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (art. 344, nº 2 CC) (cfr., entre outros, o acórdão de 9.3.2000 e, na doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, «Sobre o ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade Civil Médica», in Direito da Saúde e Bioética, 1996, ed. AAFDL, pp. 130, ss..)”,
Está em causa, portanto, um alegado facto ilícito, dos órgãos ou agentes da Entidade Demandada, pelo que importa chamar à colação o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas (RRCEE), regulado na Lei n.º 67/2007, de 31.12, por ser o regime legal aplicável.
O artigo 1.°, n.º 5 desse diploma estabelece que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Assim sendo, releva do disposto nos artigos 7.º, 9.º, e 10.º do RRCEE, que as ações de responsabilidade civil emergente de facto ilícito depende da verificação dos seguintes pressupostos cumulativos e tem, por isso, uma causa de pedir complexa, por serem vários os requisitos exigidos por lei para que se verifique a obrigação de indemnizar.
Deste modo, a responsabilidade da Entidade Demandada está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos: facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, incumbindo ao lesado (a ora Requerentes) o ónus de alegar e provar os factos integradores dos pressupostos dessa responsabilidade civil.
O facto voluntário ilícito, decorrente de uma ação ou omissão (cf. artigos 7.º, n.º 1, e 9.º do RRCEE).
De acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do RRCEE, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
O ato ilícito pode traduz-se num comportamento ativo ou omissivo de natureza voluntária.
As omissões dão origem ao dever de indemnizar quando exista a obrigação legal ou contratual de praticar o ato, tal como previsto no artigo 486.º do CC, segundo o qual “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.
Dispõe do artigo 9.º, n.º 1, do RRCEE, por seu turno, que “Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
A ilicitude consiste na ofensa de direitos ou interesses de terceiros ou de disposições legais destinadas a protegê-los.
Por ser assim, para o que aqui importar, se a conduta de um titular de um órgão, funcionário ou agente consistir numa omissão, pela não adoção, de uma conduta imposta por princípios ou disposições legais e pelo dever objetivo de cuidado, tal omissão será ilícita para efeitos da responsabilidade civil em função do resultado da ofensa na esfera jurídica do titular do direito ou interesse legalmente protegido.
O comportamento culposo (cf. artigo 10.º do RRCEE), enquanto conduta censurável dos titulares de órgãos, funcionários e agentes e deve ser apreciado pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
Ou seja, a culpa como nexo de imputação ético-jurídico do facto ilícito ao agente traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência de homem normal perante as circunstâncias do caso concreto.
A culpa é apreciada em termos gerais ao abrigo do n.º 2 do artigo 497.º do CC, e verifica-se quando o lesante podia e devia ter agido com observância da norma violada, considerando uma pessoa diligente colocada nas mesmas circunstâncias.
Como ensina Mário Aroso de Almeida, “o preceito em análise integra, deste modo, no pressuposto da ilicitude – que, na hipóteses em referência, se concretizaria, à partida, na pura e simples lesão de uma situação subjetiva sem causa justificativa – um componente que nos quadros tradicionais, do nosso Direito Civil, correspondente à culpa” – cf. Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5.ª ed., 2018, p. 575.
O dano é a existência de uma lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial (moral) – (cf. artigo 3.º do RRCEE).
O nexo de causalidade entre a conduta e dano, apura-se segundo a teoria da causalidade adequada (cf. artigo 563.º do Código Civil).
Atente-se, ainda, ao decidido no Acórdão do STA de 20.02.2020, Processo n.º 129/08, disponível em www.dgsi.pt, “como vem sendo sustentado por este Supremo, o conceito de «ilicitude» acolhido no art. 06.º do aludido DL é mais abrangente que o estabelecido no art. 483.º do CC dado que neste o dever de indemnizar só nasce se o facto ilícito decorrer de uma violação, com dolo ou mera culpa, de uma disposição legal destinada a proteger os interesses de terceiros, ao passo que naquele se considera ilícito não só o ato/conduta que viole estas disposições legais, mas, também, aquele que viole as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e, bem assim, as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Posto isto, o Requerente invoca a violação de direitos absolutos por parte dos médicos que exercem as suas funções na entidade prestadora de cuidados de saúde, pelo que se exige que faça a prova da culpa destes e o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano sofrido e, bem assim, do próprio dano (cf. artigos 342.º, n.º 1, 344.º, n.º 1, e 344.º, n.º 2, do CC).
Na responsabilidade civil por atos médicos, a ilicitude consubstancia-se na infração de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado, e a culpa dos profissionais de saúde é apreciada em função do critério da diligência e aptidão razoavelmente exigíveis a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor das legis artis da medicina aplicáveis ao caso em concreto.
Atente-se ao recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.01.2021, Processo n.º 304/17, com o qual se concorda, onde se lê que “no âmbito da responsabilidade civil médica a nossa lei não consagra/prevê casos de responsabilidade civil objetiva ou de responsabilidade por factos lícitos danosos, mas tão só admite que a resolução de questão relacionada com um erro médico seja apreciada no âmbito da responsabilidade contratual e da extracontratual ou aquiliana, podendo a responsabilidade civil médica ter, simultaneamente, natureza extracontratual e contratual, pois o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física”.
No caso em apreço, os Requerentes imputam aos médicos da Entidade Requerida, erro de diagnóstico, uma situação que exigia uma mudança na terapêutica, falta de exames no dia 29.12.2018, existência de indícios de trombos que foram ignorados, devido à infeção generalizada de que R...... sofria.
Assim, está em causa saber se se mostra cumprida a legis artis, enquanto “conjunto de regras científicas e técnicas e princípios profissionais que, no caso, os médicos têm a obrigação de conhecer e utilizar tendo em conta o estado da ciência e o estado concreto do doente” (cf. Acórdão do TCA Norte de 03.12.2021, Processo n.º 1914/09).
Nessa medida, importa aferir (i) em que circunstâncias se afirma a ilicitude da conduta dos médicos, decorrente do incumprimento das regras técnicas que deveriam ter sido observadas na prestação dos cuidados de saúde (ii) em que medida ocorreu um incumprimento do dever de cuidado que lhes cabia atento o caso em concreto.
Vejamos, então, se ocorreu uma ação ou omissão levada a cabo violadora das regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado, que originou a violação do direito à vida de R.......
In casu, resulta da matéria de facto provada que no dia 16.12.2018, R......, grávida de gémeos com 34 semanas e dois dias, sofreu um rompimento das membranas com perda de líquido amniótico, e poucas horas depois da cesariana começou a ter febres.
Mais resultou provado que R...... sofreu de dores na zona do hipocôndrio direito, febres, por vezes acima de 38º, tinha os resultados das análises clínicas alteradas, era vigiada constantemente por enfermeiros, seguida por médicos de diversas especialidades, realizou diversos exames complementares de diagnóstico de análises clínicas e de imagens.
Na sequência, por desconhecer as causas da patologia que acometeu R......, foi cumprida a profilaxia para evitar a ocorrência de trombose e de antibióticos, segundo a perícia realizada pelo Conselho Médico-Legal (cf. facto provado n.º 64, ponto 14).
Nessa medida, no que respeita ao procedimento adotado na situação clínica apresentada por R......, não se pode concluir, ainda que indiciariamente, que tenha sido incumprido o dever de cuidado exigível aos profissionais de saúde que exercem funções no Hospital Dr. N......, e que com a medicação utilizada causou ou potenciar a ocorrência de trombose, que foi a causa da morte de R.......
Em face do exposto, julga-se não demonstrada indiciariamente pelos Requerentes a ocorrência de violação do dever de cuidado ou das legis artis da medicina nas instalações do Hospital Dr. N......, passível de merecer um juízo de censura por parte deste Tribunal.
Como acima se expôs, não se verificando o preenchimento cumulativo dos pressupostos da ilicitude e da culpa, conclui-se que não estão reunidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar.”

Analisemos então o suscitado no Recurso:
Refira-se, desde logo, que estando em causa um procedimento cautelar e urgente, a análise que se fará será, por natureza, provisória e meramente perfunctória do litígio, de modo a não substituir, ou condicionar a liberdade de julgamento em sede de processo principal.

Sem prejuízo da ampliação do objeto do Recurso apresentado a titulo subsidiário, está no Recurso independente recursivamente em causa exclusivamente o “fumus boni iuris”, uma vez que o próprio tribunal de 1ª Instância deu como verificado o periculum in mora.

Assim, estando aqui em causa predominantemente o fumus boni iuris, vem entendendo, nomeadamente o STA que, para a integração do referido requisito importa que seja “provável” a procedência do invocado, ou seja que haja “uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, sendo que, no domínio jurídico, “isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao ato suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato”, – cfr. os acórdãos de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16; de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16; de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17; de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17; 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17; de 08.02.2018 - Proc. n.º 01215/17; de 15.11.2018 - Proc. nº 229/17, entendimento que a sentença recorrida acolheu.

Posto que nos situamos em sede cautelar, provisória e urgente por natureza, o juízo que o tribunal cumpre fazer sobre a probabilidade de êxito da ação principal é sumário e assente numa apreciação perfunctória, dado estar reservada para o processo principal uma análise exaustiva e definitiva sobre os vícios invocados, aí se exigindo, pois, um juízo de certeza sobre a existência do direito.

Reafirma-se, assim, que para que se mostre verificado o fumus boni iuris necessário é que o Tribunal conclua pela probabilidade ou verosimilhança de procedência da pretensão formulada na ação principal, tendo presentes os factos provados e o direito aplicável.
Como se refere no aludido acórdão do STA de 15/09/2016, proc. n.º 0979/16, “o enunciado atual do art. 120º, n.º 1, do CPTA reconduziu o assunto às soluções processuais comuns, enquadrando o requisito no plano da probabilidade de existir o direito exercitado.
Assim, a pretensão cautelar da requerente só vingará se for «provável» que a ação principal «venha a ser julgada procedente».

Aqui chegados, e recentrando a análise na argumentação recursivamente suscitada, reafirma-se que o Recorrente circunscreve o objeto do recurso à discordância pela não verificação dos requisitos cumulativos da ilicitude e da culpa necessários para a verificação do Fumus boni iuris, à discordância da matéria de facto dada como não provada nos n.ºs 1 a 6 da sentença, mais propondo o aditamento de facto alegado no art. 66º da sua PI.

Com efeito, decidiu-se em 1ª Instância dar por não provado o presente processo cautelar de regulação provisória de quantia, pela não verificação dos pressupostos da ilicitude e da culpa, o que determinou que tivesse sido concluído que não estão reunidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar.

Assim, foi julgado “não demonstrada indiciariamente pelos Requerentes a ocorrência de violação do dever de cuidado ou das legis artis da medicina nas instalações do Hospital Dr. N......, passível de merecer um juízo de censura por parte deste Tribunal.”

Analisemos agora em concreto o recursivamente suscitado:
Da Alteração da matéria de facto
Pugna o Recorrente a alteração da matéria de facto que versa sobre as interpretações dos dados técnicos das análises laboratoriais que foram feitas a R.......

Refira-se desde logo e em abstrato, como entre muitos outros, sumariado no Acórdão deste TCAN nº 01952/15.1BEPRT, de 17-04-2020 que “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Com efeito, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.”

Efetivamente, o tribunal a quo socorreu-se, como lhe competia, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente a materialidade controvertida, em conformidade com o estatuído nos artigos 392.º e 396.º do Código Civil e 655.°, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil (Atual Artº 607º nº 5 CPC).

Ao referido acresce que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem pode e deve sindicar, sempre que ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.

Reafirma-se que se não vislumbra, relativamente ao segmento recursivo em análise, que se verifique qualquer erro de julgamento, muito menos que seja patente, ostensivo ou manifesto, suscetível de comprometer a decisão proferida, sendo que a alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.

É incontornável que a Sentença Recorrida assentou predominantemente na perícia médico-legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra.

Efetivamente, aquele Instituto de Medicina Legal no seguimento das análises realizadas, veio a afirmar, por oficio de 16 de Novembro de 2022, que os resultados ai contidos já se encontravam integrados no processo analisado anteriormente, tendo sido considerados no parecer técnico de 21/06/2021, constante dos Factos Provados 61 e 62.º.

Em qualquer caso, o facto que o Recorrente pretende introduzir na matéria de facto dada como provada, tem natureza técnica e é inócuo para o sentido da decisão proferida ou a proferir, mormente em sede de apreciação perfunctória.

Admite-se, no entanto, a sua inclusão nos factos provados, como “Facto 35A”, nos temos do Artigo 662.º CPC, uma vez que “quod abundat non nocet”.

Já os restantes 6 factos que se pretendia deverem “transitar” dos “Factos Não Provados” para os “Facto Provados”, entende-se não estar demonstrada a justificação do pretendido, exatamente por falta de prova do seu teor, pois que o Recorrente não logrou demonstrar a sua imprescindibilidade e utilidade.

É manifesto que o falecimento de M........ constituiu um lamentável infortúnio que terá penalizado fortemente o aqui Recorrente, só que nada demonstra que os clínicos que lhe prestaram assistência tenham incumprido a leges artis ou violado qualquer princípio ou regra que devessem ter adotado ou a que estivessem profissionalmente vinculados.

Em face de tudo quanto se expendeu, não se vislumbram pois quaisquer razões que pudessem justificar a alteração da matéria de facto dada como provada, para além do facto incorporado como 35A.

Do fumus boni iuris
Refira-se, desde logo, que resulta dos factos Provados 61 e 63 que no âmbito do processo criminal n.º 31/18.4T1FNC foi promovida a prova pericial de autópsia médico-legal de R......, a qual concluiu que a sua morte foi devida a tromboembolia pulmonar aguda, o que constitui causa de morte natural.

Efetivamente, resulta das conclusões da autopsia, no que aqui releva, nomeadamente, o seguinte:
“1ª Conjugando a informação clinica com os dados necrópsicos, é de admitir que a morte de R...... tenha sido devida a tromboembolia pulmonar aguda (ver discussão).
2ª Tal quadro constitui causa de morte natural.
(…)”.

Apontando a autopsia para a morte por “causa natural”, perfunctoriamente menos sentido faz ainda o recursivamente afirmado quanto à verificação cumulativa dos elementos jurídicos essenciais constitutivos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade adequada entre o facto e o dano tal como definidos nos art. 7.º e ss. do RRCEPC.

Como resulta, entre muitos outros, do Acórdão do STA de 04/05/2017, no processo nº 0163/17 “O fumus boni iuris é agora enquadrado no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que para o deferimento da providência tem que ser “provável” que a ação principal “venha a ser julgada procedente”.

Efetivamente a verificação deste item na providência cautelar não resulta demonstrado, pois que o Recorrente não logrou fazer prova de que fosse claro, notório e patente, que a pretensão a formular no futuro processo principal viria a ser julgada procedente, não havendo pois uma aparência do bom direito.

Como afirmado no Acórdão do STA de 09.05.2012, tirado do processo nº 093/12, “É sempre difícil e delicado considerar se a realização de determinado ato ou tratamento de natureza médica foi o mais correto e adequado às circunstâncias ou se, pelo contrário, na realização dessa atividade houve violação das regras de ordem técnica (as leges artis) e/ou das regras de cuidado e prudência comum que deviam ter sido observadas, pois não sendo o exercício da medicina uma ciência exata em que o diagnóstico e o tratamento que lhe corresponde tenham de ser um único, é forçoso concluir que um mau resultado não prova, sem mais, um mau diagnóstico e/ou um mau tratamento.
(...)
E, por ser assim, não é fácil definir quando é que no exercício dessa atividade - onde intervêm as mais variadas condicionantes e onde se colocam (ou podem colocar) inúmeras dúvidas e incertezas - foi cometido um erro e, mais difícil ainda, afirmar que esse erro resultou da falta de cuidado, da falta dos conhecimentos técnicos exigíveis – as designadas leges artis
(...)
Tanto mais quanto é certo que o médico, quer no diagnóstico quer no tratamento, não pode prever todas as hipóteses nem antecipar todos os riscos pelo que é errado pensar que as leges artes e as demais regras só estão cumpridas quando a sua ação é coroada de êxito. Daí que só se lhe possa exigir que represente os riscos prováveis ou os que, comummente, se produzem e, “de entre os demais possíveis, os que, por não serem extraordinários ou fortuitos, possam ainda caber nas expectativas de um avaliador prudente
(...)
Nesta conformidade, o erro médico capaz de desencadear os mecanismos indemnizatórios terá de ser aferido não em função do (mau) resultado obtido mas em função do juízo que se faça sobre a forma como o profissional agiu e desse juízo resultar a conclusão de que houve uma culposa violação das regras que ele devia respeitar e de que se ela não se tivesse verificado, os danos cuja reparação se peticiona não teriam sido existido. Ou seja, a apontada responsabilidade pressupõe a formulação de um juízo de reprovação que parte da existência de um comportamento padrão que o agente podia e devia observar e de que ele não foi observado e que foi esse desvio que provocou os danos que se impõe ressarcir.

Estando-se em presença de uma Ação fundada na responsabilidade civil é manifesto que essa responsabilidade sempre decorreria de atos de gestão pública, assentando assim nos pressupostos da responsabilidade civil, o que significa que a sua verificação sempre dependeria da prática de um ato (ou da sua omissão), da ilicitude deste, da culpa do agente, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em concreto, não se tendo concluído que os clínicos que intervieram nos diversos passos do tratamento da falecida R......, não terão usado do cuidado, da ponderação, dos meios e dos conhecimentos técnicos e científicos que lhe eram exigíveis, não se pode pois pode deixar de considerar que os mesmos cumpriram o seu dever, não lhes sendo assim imputável qualquer responsabilidade civil extracontratual a título de ilicitude e culpa.

É pois incontornável que da prova produzida em sede de julgamento, testemunhal, documental e esclarecimentos periciais, nada demonstra que a conduta adotada pelos profissionais de saúde tenha deixado de se mostrar adequada à Leges Artis vigente.

De sublinhar que a observância da leges artis consiste na obediência às regras teóricas e práticas de profilaxia, diagnóstico e tratamento, aplicáveis no caso concreto, em função das características do doente e dos recursos disponíveis pelo médico.

O conceito de leges artis é, no entanto, um conceito que deverá ser entendido dinamicamente, sempre em atualização, acompanhando o progresso científico.

Em concreto, não se mostra, pois, que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória e evidente, de tal modo que não necessita de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato, falha o pressuposto de que depende a adoção da providencia cautelar, conforme decorre do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

O próprio recurso vem suscitar questões técnicas que dificilmente poderão ser adequadamente ponderadas em sede de processo cautelar, como seja:
A) Parâmetros das análises efetuadas a R......, nomeadamente o marcador da proteína C ;
B) Lactato desidrogenase;
C) Gama glutamil transferase;
D) Velocidade de sedimentação.
O Requerente, aqui Recorrente, não logrou, efetivamente, demonstrar a probabilidade de procedência da Ação Principal.

Da responsabilidade pelo risco
O Requerente na sua PI inicial, aperfeiçoada, enquadra a assistência médica prestada pela Demandada no regime jurídico da responsabilidade civil-extracontratual do estado e demais entidades públicas, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, conforme art. 1.º do diploma preambular.

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância que o Requerente, aqui Recorrente, não demonstrou indiciariamente a ocorrência de violação do dever de cuidado ou das legis artis da medicina nas instalações do Hospital Dr. N......, passível de merecer um juízo de censura por parte do Tribunal.
Em momento algum, que não em sede Recursiva, invoca o aqui Recorrente a responsabilidade pelo risco ou alega quaisquer factos que eventualmente a integrem.

Apenas no Recurso, e perante o não reconhecimento em 1ª Instância da argumentação aí esgrimida, vem inovatoriamente o Recorrente suscitar a eventual verificação de responsabilidade pelo Risco.

Não se ignora o estabelecido no Acórdão do STA de 23/01/2019, tirado no Proc. n.° 01350/09.6BELSB 0389/18, em cujo sumário se pode ler, nomeadamente, que “Embora a ação de indemnização tenha sido intentada com base na prática de facto ilícito, é admissível a convolação para a responsabilidade pelo risco quando a situação também se enquadra nesta, dado que se está perante uma mera operação de qualificação jurídica dos factos materiais da causa que, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz pode livremente efetuar.
Assim, subsistindo um outro fundamento jurídico suscetível de determinar a condenação no pedido, tem o tribunal recorrido que apreciar a pretensão indemnizatória da A. com base na responsabilidade pelo risco.”

Em qualquer caso, para que assim fosse, teríamos de estar perante uma atividade de risco, o que está por demonstrar.

Mesmo admitindo que a inadmissibilidade de apreciação de questão nova suscitada recursivamente, deveria soçobrar perante o facto da situação também poder ser potencialmente enquadrável como “responsabilidade pelo Risco”, e como tal suscetível de ser convolada a Ação como tal, ainda assim, o Recorrente limita-se a invocar conclusivamente a necessidade de efetuar uma convolação do regime de responsabilidade civil extracontratual do estado, para o regime de responsabilidade civil pelo risco, com base em jurisprudência Administrativa que não se subsume à questão aqui controvertida, pois que se reporta a um acidente ferroviário, aí entendido como conexo com atividade perigosa.

No caso em apreciação estamos longe de entender que os atos médicos prestados no hospital público, que se consubstanciam numa obrigação de meios, possam ser considerados como atividade potencialmente perigosa na aceção do regime da responsabilidade civil pelo risco.

A obrigação de prestação de serviços médicos assume a natureza de prestação de meios não a de resultado; naquela o médico obriga-se a prestar cuidados ao doente, minorar-lhe a dor, proporcionar-lhe bem-estar, saúde, aliviá-lo do padecimento, restitui-lo à vida, se em perigo, envidar todos os esforços ao seu alcance, pôr em prática os seus conhecimentos de acordo com a ciência e a executá-los conforme os seus meios técnicos disponíveis, de acordo com as “leges artis“ vigente em cada momento.

O médico apenas se compromete a empregar a diligência e a prudência típica da sua especialidade em ordem a conseguir certo efeito, tratar o doente, para evitar o mal iminente, que se anuncia.

A responsabilidade a título de risco não se compatibiliza com a natureza do ato médico prestado no âmbito do serviço público de saúde, em que os médicos são procurados pelo doente para que lhes seja prestado o cuidado médico de que em cada momento carecem.

A responsabilidade médica só em situações muito excecionais se deve considerar perigosa, o que, assim não sendo, teria a desvantagem, se fosse de assumir como regra, de conduzir a uma medicina com efeitos defensivos, tendo o efeito nefasto e indesejado de retardar o progresso em certas especialidades com prejuízo para o próprio doente, além de conduzir a inqualificáveis repercussões na dignidade pessoal e profissional do médico.

Acresce que também na responsabilidade pelo risco, não se despensa a verificação do nexo causal entre o facto e o dano que resultou para o lesado.

Em concreto, é perfunctoriamente incontornável que a perícia médico-legal concluiu que a morte da R......, se ficou a dever a causa natural, alheia, até prova em contrário, a qualquer intervenção, por ação ou omissão, de qualquer ato médico.

Quanto à almejada convolação do regime da responsabilidade pelo risco, atenda-se no sumariado no Acórdão do STJ nº 804/03.2TAALM.L.S1 de 25-02-2015, onde, nomeada e lapidarmente, se afirmou
“(…)
XII - A atividade de prestação de serviços médicos não se enquadra na previsão do art. 493.º, n.º 2, do CC, prevendo a responsabilidade pelo risco, por tal atividade não ser, na sua essência, genericamente, perigosa, nem por si nem nas suas consequências, devendo, por isso, o que retira proveito daquela sofrer as consequências da sua prática e prová-las, sendo excessiva a presunção de culpa no caso da atividade médica.
XIII - A responsabilidade médica só em situações muito excecionais se deve considerar excecionalmente perigosa, o que teria a desvantagem, se fosse de assumir como regra, de conduzir a medicina com efeitos defensivos, trazendo o efeito de retardar o progresso em certas especialidades em prejuízo para o próprio doente, além de conduzir a inqualificáveis repercussões na dignidade pessoal e profissional do médico; de nada se lucrando alargar, sem reflexão, as hipóteses de responsabilidade objetiva, sendo salutar que a compensação pelos danos acidentais do ato médico, pelas suas “ faults “, se processe por meio de um seguro ou fundo de garantia, com vantagem para o paciente que não tem que arrostar o cansaço do processo e as dificuldades patrimoniais do médico em suportar o montante dos danos.
(…)
XXXII - Igualmente é vedado nesse “acrescento“ deduzirem alteração do pedido, inicialmente fundado na responsabilidade civil extracontratual, agora fundado na responsabilidade contratual e, também, em via subsidiária, na responsabilidade pelo risco, aliás sem suporte em qualquer acervo factual, desprovidas de causa de pedir (…)
XXXIII - A responsabilidade pelo risco não dispensa a comprovação do facto, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o evento.”

Resulta do Acórdão vindo de referenciar que a atividade médica não se integra no CC entre as atividades perigosas.

A par da responsabilidade extracontratual por facto ilícito, alinha-se a responsabilidade pelo risco, que, abstraindo da culpa e da ilicitude, não dispensa a prática do facto, bastando o naturalístico nexo causal e dano (cfr. Ac. do STJ, de 10.10.2006, e da Rel.Lx., de 5.3.2008, P.º 8162/08.6, só existindo nos casos previstos por lei – art.º 483.º n.º 2, do CC.

Como sumariado igualmente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, nº 26917/13.4T2SNT-A.L1-2, de 22-10-2015 “(…) A atividade de prestação de serviços médicos não se enquadra na previsão do art. 493.º, n.º 2, do CC, prevendo a responsabilidade pelo risco, por tal atividade não ser, na sua essência, genericamente, perigosa, nem por si nem nas suas consequências, devendo, por isso, o que retira proveito daquela sofrer as consequências da sua prática e prová-las, sendo excessiva a presunção de culpa no caso da atividade médica.
(…) Igualmente é vedado nesse “acrescento“ deduzirem alteração do pedido, inicialmente fundado na responsabilidade civil extracontratual, agora fundado na responsabilidade contratual e, também, em via subsidiária, na responsabilidade pelo risco, aliás sem suporte em qualquer acervo factual, desprovidas de causa de pedir, por não vigor em processo penal a modificação do pedido e causa de pedir em processo civil, ainda assim com incontornáveis restrições, nos termos dos arts. 264.º e 265.º, ambos do CPC , como é proibido aduzir resposta à contestação do enxerto cível.
A responsabilidade pelo risco não dispensa a comprovação do facto, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o evento.”

A responsabilidade do Estado pelo risco está, no que aqui releva, regulamentada no art.º 11.º, da Lei n.º 67/2007 de 31/12, quanto ao Estado, mas fundada num risco especial, num risco acentuado, anómalo, num perigo elevado de lesão da atividade ou serviço, fundada como é no proveito, no risco-proveito e na autoridade, mas, correndo em paralelo com a responsabilidade civil extracontratual também sem abdicar do facto, do nexo causal e dano –cfr. Carla Amado Gomes, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.

Em face de tudo quanto supra expendeu, não se vislumbram razões para perfunctoriamente divergir da decisão recorrida.
Da ampliação do objeto do recurso
Atenta a circunstância de se ir julgar improcedente o Recurso independente, mantendo-se a decisão que julgou improcedente a Providência Cautelar, fica, por natureza, prejudicada a análise da ampliação do objeto do Recurso, interposto a titulo subsidiário, cuja análise se mostraria neste contexto inútil e redundante.
*
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao Recurso independente, mais se julgando prejudicada a análise da ampliação do objeto do Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 27 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes (Declaração de Voto)

Lina Costa
Declaração de voto: Voto o sentido da decisão tomada, negar provimento ao recurso independente e, consequentemente, julgar prejudicada a análise da ampliação do objeto do recurso, sem prejuízo de entender que, desde a reforma do CPTA de 2015, as providências cautelares são adotadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente – art 120º, nº 1 do CPTA com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 214-G/2015, de 2.10 – e não, como parece resultar do texto do acórdão [fls 23: o Recorrente não logrou fazer prova de que fosse claro, notório e patente, que a pretensão a formular no futuro processo principal viria a ser julgada procedente, não havendo pois uma aparência do bom direito // fls 24: não se mostra, pois, que a procedência da pretensão principal se apresenta de tal forma notória e evidente, de tal modo que não necessita de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato, falha o pressuposto de que depende a adoção da providencia cautelar], do art 120º, nº 1, al a) do CPTA na redação inicial, dada pela Lei nº 15/2002, de 22.2. De todo o modo, porque estamos em sede cautelar, carece o tribunal na ação principal de instruir o processo, designadamente com outros meios de prova, além do relatório de autópsia, para aferir da ilicitude da conduta.
Lisboa 2023-04-27,
Alda Nunes.