Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1026/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
GERENTE DE FACTO E GERENTE DE DIREITO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
Sumário:1. A determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
2. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
3. A mera assinatura de cheques em branco não permite que se conclua pela efectividade da gerência, se do probatório consta outra factualidade conflituante com aquela conclusão, designadamente, que o oponente “não trabalhava nem se deslocava à SDO; não tinha conhecimento das dívidas às finanças, nem as assumiu porque a SDO não tinha qualquer actividade; quem geria a SDO e tomava decisões sobre a gestão do projecto empresarial era o gerente operacional e não o oponente; este só tomou conhecimento das dívidas quando para tanto foi pessoalmente notificado”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por F.......... à execução fiscal n.º ......... contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “M........., Lda.” por dívidas de IRC dos exercícios de 2004 e 2005, no montante de 3.752,38 Euros.

O Recorrente conclui as suas alegações assim:
«
4. - CONCLUSÕES:

I. Incide o presente recurso sobre a douta Sentença que, julgando procedente a oposição em epígrafe, considerou como não provado o exercício efectivo das funções de gerência da sociedade devedora originária por parte do Oponente.
II. Todavia e sempre com a ressalva da devida vénia pelo assim doutamente decidido, resulta inequivocamente demonstrado nos autos, por um lado, a nomeação do Oponente para gerente da sociedade devedora originária, no período a que respeitam as dívidas e, por outro, que em nome desta, aquele assinava cheques, sendo que esta factualidade surge confirmada pelos depoimentos testemunhais e foi dada como assente na douta Decisão recorrida.
III. Perante tal quadro factual não pode esta Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na douta Sentença a quo, posto que, provando- se que o Oponente assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade e assim vinculando-a perante terceiros, deve ter-se por verificada a gerência de facto.
IV. Para o Oponente assinar os cheques da devedora originária é porque detinha os respectivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária da sociedade devedora originária, o que resulta manifesto da factualidade apurada nos autos.
V. Este exercício de poderes representativos da sociedade não podia ser desvalorizado como o foi na douta Sentença a quo, sob pena de se cair no paradoxo de admitir a prática de actos de gestão, vinculativos da sociedade, por parte de quem não era gerente de facto e assim ludibriar terceiros que com aquela se relacionem, convictos da qualidade de gerente do Oponente.
VI. Por outro lado, é do senso comum que qualquer pessoa normal, minimamente informada, não desconhecerá as consequências dos actos por si praticados, no que toca ao preenchimento e assinatura de cheques e, bem assim, do impacto de tal actuação na esfera societária (estamos a falar de meios financeiros que se têm por triviais em qualquer actividade comercial e imprescindíveis à realização do respectivo objecto social) e no reconhecimento da gerência de facto.
VII. Assim, não se pode concordar com o afastar da prática de assinar cheques (com as consequências de tal prática na gestão comercial e financeira da sociedade), enquanto prática materializadora do exercício das funções de gerência de determinada sociedade.
VIII. Ficou deste modo demonstrado que o Oponente participou activamente na administração da sociedade originária devedora, vinculando-a perante terceiros, em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.
IX. Em suma, entende-se que a factualidade provada impõe a conclusão de que o Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão, sendo, por conseguinte, responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.
X. Dos elementos constantes do processo, não se conclui pelo afastamento da responsabilidade do oponente pelas dívidas em cobrança nos processos de execução fiscal, devendo os mesmos prosseguir os seus termos contra ele, até que sejam excutidos os bens da originária devedora, motivo pelo qual não pode manter-se a douta decisão recorrida por violação do disposto, entre outros, nos art.ºs 23º e 24º , nº 1 b) da LGT e art.º 153º CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».


Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merecerá provimento.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a factualidade dos autos não suporta a conclusão de que o oponente exerceu a gerência da sociedade devedora originária.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
III – I. De facto.

Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:

A)

Pela apresentação Ap. ………… da Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, verifica-se que o oponente constitui a sociedade como sócio a par de M......... e M........., tendo sido designado gerente a par de M......... e J.........;

(cf. Fls. 28 e 29 dos autos)

B)

O Contrato de Sociedade celebrado em 26.08.2002, a sociedade obrigava-se com a assinatura de dois dos gerentes nomeados;

(cf. Fls. 28 e 29 dos autos)

C)

A sociedade devedora originaria não tinha empregados e tinha com atividade o desenvolvimento de atividades de markting, publicidade e comunicação, nomeadamente através de edição de paginas eletrónicas na internet, cujo objetivo era formar uma cidade de serviços virtual com os países de língua portuguesa;

(cf. Fls. 28 dos autos e depoimento da testemunha M........)

D)
Em 05.09.2008 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa-1 o processo de execução fiscal n.º …….., no montante de
€3.752,38, contra a sociedade «M........, Lda.» por dívidas de IRC relativas aos exercícios de 2004 e 2005;

(cf. Fls. 17 a 20 dos autos)

E)

Em 18.12.2008 o Órgão da Execução Fiscal procedeu à emissão de Mandado de Penhora dos bens pertencentes à executada «M........, Lda.»;

(cf. Fls. 21 dos autos)

F)

Em 21.07.2009, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º …………….. foi proferido pelo Órgão da execução Fiscal, Despacho de Reversão da quantia exequenda de €3.752,38, contra o oponente contendo a sua fundamentação o seguinte teor:

«(…) Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º24/nº1/b) LGT] (…)»;

(cf. Fls. 88 dos autos)

G)

Em 15.05.2009 exerceu o direito de audição prévia invocando a sua ilegitimidade face à execução fiscal tendo arrolado uma testemunha;

(cf. Fls. 56 dos autos)

H)

Em 07.09.2009 o oponente foi citado por reversão das dívidas da devedora originária «M........, Lda.», no montante de €3.752,38;

(cf. Fls. 102 e 103 dos autos)

I)

O oponente não trabalhava nem se deslocava à sociedade «M........, Lda.», era a secretaria do Eng.º T....... que ia ao escritório da empresa do Sr. F....... quando necessitava que este assinasse algum cheque sem qualquer inscrição de valores;

(cf. Depoimento da testemunha A.......)

J)

As reuniões da sociedade eram inconclusivas e o oponente, a par de M......., nunca tiveram conhecimento que havia dívidas às finanças porque a sociedade não tinha qualquer atividade;

(cf. Depoimento da testemunha M........)

K)

Quem geria a sociedade e quem tomava as decisões sobre as ideias de gestão e conceção do software para a criação das páginas na internet era o gerente operacional J.........;

(cf. Depoimento da testemunha A....... e M........)

L)
O oponente e M....... apenas tiveram conhecimento das dívidas fiscais aquando da notificação pessoal das mesmas pelas finanças;

(cf. Depoimento da testemunha A....... e M........)

M)

A petição de oposição judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-1, em 20.12.2010, onde foi registada com o número 19838, cf. fls. 6 dos autos;


III.II - Factos não Provados.

Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.

MOTIVAÇÃO.

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e na posição assumida pelas partes nos articulados, bem como da prova testemunhal produzida em audiência, tendo os depoimentos das testemunhas, A....... Diretora Administrativa da empresa «F....... Lda.» que trabalha diretamente com o oponente, desde 1995 e M......... antigo sócio gerente da devedora originária, relevado, sobretudo na medida em que confirmaram os factos provados nas alíneas D) e de G) a J) ou seja, que foi o Eng.º J......... que geriu unicamente os destinos da sociedade «M........, Lda.», que tinha a sede da empresa na sua residência, não tinha trabalhadores e os demais sócios não tinham qualquer conhecimentos de informática para desempenhar qualquer função ou ideia. O depoimento das testemunhas revelou-se isento, espontâneo sem hesitações o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A única questão colocada no recurso reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegitimidade substantiva do oponente e ora Recorrido, para a execução fiscal.

Na óptica do Recorrente, a prova produzida e os factos vertidos no probatório, suportam a inequívoca conclusão de que o Recorrido exerceu a gerência da sociedade devedora originária (SDO) no período a que se reportam as dívidas.

Com o devido respeito, não assiste razão ao Recorrente, avançamos já.

A execução fiscal em causa nos presentes autos destina-se à cobrança de dívida proveniente de IRC dos períodos de 2004 e 2005 (cf. ponto D) da matéria assente).

Constitui jurisprudência firme do STA (cf. por todos os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 24/3/2010, tirado no proc.º 58/09 e de 11/05/2011, tirado no proc.º 0175/11, bem como os demais arestos neste último citados), a responsabilidade subsidiária dos gerentes e respectivos pressupostos é matéria regulada pela lei vigente à data do facto gerador dessa responsabilidade.
Assim, estando em causa dívida exequenda proveniente de IRC de 2004 e 2005, o regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes concretamente aplicável é o previsto no art.º 24º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado no despacho de reversão (cf. ponto F) da matéria assente).

O n.º 1 desse art.º 24º da LGT, estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 – (…)».

Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a)] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].

Outrossim, decorre desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício.

Ou seja, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que vulgarmente se designa por gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 74º, nº 1, da LGT.

Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente nominal ou de direito, o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova que recai sobre a Administração tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art.º11º do Código do Registo Comercial) de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. art.º350º, nº 1, do Código Civil).
Com pertinência e a propósito, deixou-se consignado no acórdão do STA, de 02/03/2011, tirado no proc.º 0944/10, o que com a devida vénia se transcreve:

«Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar».

Não perdendo de vista o regime legal aplicável e a jurisprudência citada, vejamos agora se a matéria factual assente na sentença recorrida permite concluir que o oponente/Recorrido exerceu a gerência da sociedade devedora originária.

Não constituindo a mera nomeação (ou inscrição no registo) como gerente base factual bastante para se concluir pela efectividade da gerência, importa verificar afinal que actos imputáveis ao oponente e susceptíveis de revelar o exercício da gerência ressaltam do probatório, sendo certo que o Recorrente não impugna, ou não impugna eficazmente (isto é, com observância do ónus imposto no art.º 640/1 do CPC), a matéria de facto.

«A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros» - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, “Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, cit. no acórdão do TCA Norte , de 18/11/2010, proferido no proc.º00286/07.0BEBRG.

No caso dos autos, o Recorrente pretende se conclua pela efectividade da gerência com base na única circunstância provada de o oponente repetidamente ter assinado cheques em branco (“sem inscrição de valores” – cf. ponto I) da matéria assente) a pedido do J........., identificado como sendo o gerente operacional da sociedade devedora originária (cf. ponto K) da matéria assente).

Ora, se a demonstrada assinatura de cheques é um razoável indicador razoável do exercício da gerência do oponente, a verdade é que os autos também mostram que o oponente os assinava em branco e a restante matéria assente é toda no sentido do distanciamento da gestão, da dinâmica, do contro centro de decisão e dos projectos empresariais da sociedade. E embora não o tenha traduzido em factos levados ao probatório, a sentença não deixa de referir que «O oponente e M........ apenas participaram na constituição da sociedade por depositarem confiança absoluta em J….. T....... do que resultou terem entrado para a mesma com o seu dinheiro e assinado alguns cheques em branco, pensando que este estava a criar as bases de dados informáticos para concretização do projecto» e, mais adiante, que «O facto de ter assinado cheques da sociedade e da forma como o fez revela a confiança perante o gerente operacional que, de facto, geriu e tomou as decisões que entendeu tomar e que no fim de contas nada fez e, segundo o depoimento de M........, quando tiveram conhecimento das dívidas nem a constituição do Software de raiz da sociedade estava efectuada».

Portanto, os actos em causa – assinatura de cheques da SDO – ocultam uma realidade substancialmente diferente daquela que prima facie revelam, na medida em que o oponente se limitava a assinar documentos (cheques) que lhe era pedido que assinasse não detendo qualquer controlo sobre os destinos da sociedade, ou seja, não é ele que compra, vende ou contrata, tudo é decidido pelo dito gerente operacional, J........., ou seja, o oponente não tem, ou tinha, qualquer «poder» de decisão em relação aos negócios (em sentido amplo) do ente societário, em que se traduz a efectividade da gerência que o art.º 24.º da LGT pressupõe como requisito da responsabilidade subsidiária.

Assim, rematando, não obstante ter assinado cheques em branco, a prática de tais actos no contexto da restante factualidade evidenciada de sentido contrário, não permite se conclua que o oponente e ora Recorrido tenha exercido funções de gerência efectiva da devedora originária no período das dívidas revertidas.


Na ausência desse requisito da responsabilidade subsidiária, o oponente é parte ilegítima na execução por dívidas da SDO.


Com pertinência se deixou escrito no Acórdão deste TCA, de 02-12-2008, tirado no proc.º 01954/07, Rel. Lucas Martins: «O mero gerente de direito quando pratica os actos formais de gerência, como assinar cheques, por exemplo, não visa prosseguir os fins societários, que podem ser-lhe completamente alheios, mas apenas cumprir uma determinação de outrem que por razões de favor ou reverência aceita levar a cabo. Presta-se a figurar como “testa de ferro” dos verdadeiros gerentes da sociedade com o fim de lhes possibilitar constitui-la e exercer a respectiva actividade (…)».

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento, merecendo ser inteiramente confirmada e negado provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.º Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 17 de Setembro de 2020.




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Vital Lopes





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Luísa Soares






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Cristina Flora