Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:98/11.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS;
IRS
REGIME TRANSITÓRIO;
PRÉDIO RÚSTICO.
Sumário:I. O ato tributário só está fundamentado quando estão evidenciadas as premissas subjacentes à conclusão extraída.
II. O momento temporal relevante para efeitos de determinação da aplicação do regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é o do início da vigência do CIRS e o do fim da vigência do CIMV.
III. Não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio adquirido como rústico antes da entrada em vigor do CIRS e que conservava tal natureza no momento da entrada em vigor deste Código.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.06.2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de S... , na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M... (doravante Recorrida ou impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2003.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença que julgou totalmente procedente os presentes autos de Impugnação Judicial, intentados por M... , NIF 10... contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2003, no montante total de € 587.539,57.

B - O acto tributário de liquidação é um acto impositivo de deveres e encargos para o particular e como tal está sujeito a fundamentação (Cfr. n.º 3 do artigo 268.º da CRP, artigos 124.º e 125.º do CPA e em especial o artigo 77.º da LGT).

C - Como tem sido plasmado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente, do STA, a exigência legal e constitucional de fundamentação tem como objectivo, primordialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração Fiscal a agir, possibilitando-lhes, desta forma, uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

D - Assim, em ordem a ser atingido este escopo, deve a fundamentação ser capaz de proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrida pela Administração Fiscal, de forma a poder saber-se, claramente, quais as razões porque decidiu num determinado sentido e não noutro; por outras palavras, a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente, cfr. acórdão do STA, de 15-04-2009, proferido no âmbito do recurso n.º 065/09.

E – Ao contrário do que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo, à Impugnante sempre foi permitido conhecer o itinerário cognoscitivo percorrido pela administração tributária tendente à emanação do acto tributário impugnado, o que se constata, ademais, mediante uma simples leitura do petitório aduzido pela Impugnante, não apenas no âmbito da p.i da impugnação judicial, mas também a nível da reclamação graciosa e recurso hierárquico anteriormente deduzidos, donde se extrai que a Impugnante sempre demonstrou saber que se tratavam de rendimentos respeitantes à categoria H do exercício de 2003 que não haviam sido declarados, tal como se lhe impunha.

F - Paralelamente, embora singela, a fundamentação utilizada mostra-se perfeitamente consentânea com as necessidades de fundamentação que a situação em apreço exigia, pois que permitiu a administração tributária saber, através da expressão utilizada, que o valor corrigido corresponde ao valor de rendimentos de categoria H – pensões - , pagos ou colocados à disposição pelo Instituto da Segurança Social e auferidos pela Impugnante no ano de 2003, os quais não foram pela mesma declarados, em virtude da sonegação da declaração modelo 3 de IRS relativa a tal período.

G - As correcções foram efectuadas pela administração tributária em virtude, apenas, da não entrega da declaração modelo 3 de IRS por parte da Impugnante, como lhe competia e onde seriam obrigatoriamente incluídos os valores que se lograram corrigir; efectivamente, não existem quaisquer adicionais razões pelas quais a administração tributária efectuou a citada correcção, tendo sido, no relatório de inspecção, devidamente enunciadas as respectivas disposições legais, bem como a qualificação e quantificação dos factos tributários relevantes.

H – Portanto, a administração tributária fez a devida ponderação fundamentadora acerca do acto tributário impugnado, sem que, a nosso ver, tenha logrado obter a justa valoração do Tribunal a quo para efeitos da boa decisão da causa.

I - Por outro lado, dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, as mais-valias, desde que não sejam consideradas rendimentos de outras categorias, constituem incrementos patrimoniais sujeito a tributação em sede de IRS; postulando a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, que as mais-valias, são constituídas pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

J - No entanto, surge-nos o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 42-A/88, de 30 de Novembro, diploma legal que aprovou o CIRS, a estabelecer um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias (IMV) criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.

K - Por sua vez, preceituava o artigo 1.º do revogado CIMV que o imposto incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial e, em conformidade com o n.º 2 desta mesma disposição legal, eram considerados terrenos para construção os que se situassem em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.

L - Para que possamos qualificar um prédio como terreno para construção e socorrendo-nos da jurisprudência emanada pelo acórdão do TCA Norte de 23-06-2005, proc. n.º 0149/04, segundo o qual a natureza do prédio “tem de ser vista em função das circunstâncias, qualidades e propriedades que o bem detém à data do acto translativo gerador dos rendimentos (…)pois que aí radica o facto tributário na sua dimensão temporal”, não podemos fazer uso um conceito meramente formal, mas antes material, dirigido às realidades para que foi formulado, ou seja, no caso em apreço, na imputação específica do terreno a fins construtivos.

M - Atente-se, ainda, ao entendimento veiculado pelo acórdão do TCA Sul de 15-10-2002, proc. n.º 6380/02, onde se sumariza que “Terrenos para construção são aqueles que ainda que no título de aquisição assim não hajam sido declarados, desde que a sua situação seja em zona urbanizada, se localize em locais abrangidos por planos de urbanização e a destinação seja declarada como tal pelos intervenientes na transmissão, ainda que tudo seja revelado por indícios objectivos”.

N - Efectivamente, no caso em apreço, tudo aponta para que o prédio em apreço tinha apetência para construção, em face de todos os indícios objectivos e subjectivos recolhidos, designadamente através da sua inclusão em zona urbanizável no respectivo Plano Director Municipal, bem como pelo facto de ter sido objecto de um contrato de urbanização, sendo, ainda de relevar o facto de a sua alienação visar, entre outros, estudos de operações urbanísticas sobre o imóvel objecto deste contrato e prédios contíguos.

O - Da mesma forma, todo o circunstancialismo descrito indicia que a Impugnante destinava o prédio à construção, o que é revelado, ademais, pela sua intervenção na acção de intimação judicial para a emissão de alvará de loteamento e de obras de urbanização, já junta aos autos; sendo que a Impugnante, já por diversas ocasiões, teve oportunidade de abordar a natureza do prédio em causa, nunca se coibindo de actuar como se de um terreno para construção se tratasse, apesar de se ora se pretender eximir à tributação inerente ao mesmo.

P - Desta forma, no caso em apreço, em face de toda a factualidade relevante, outra conclusão não subsiste que não a de estarmos perante um terreno para construção, cujos ganhos obtidos pela Impugnante com a respectiva alienação são sujeitas a tributação como rendimentos da categoria G de IRS (mais-valias), contrariamente àquilo que foi decidido na Sentença, ora recorrida.

Q - O Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no artigo 125.º do CPA, no artigo 77.º da LGT e na alínea i) do n.º 3 do artigo 62.º e n.º 1 do artigo 63.º, ambos do RCPIT, na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS e no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, onde formulou pedido subsidiário de ampliação do objeto do recurso, tendo concluído nos seguintes termos:

A) Não se pode considerar fundamentado o acto tributário que apenas identifica o montante de € 4.483,00 (alegadamente enquadrado como rendimento da categoria H - pensões) e a “entidade pagadora”;

B) Conforme entendido pela doutrina e jurisprudência a fundamentação deve ser expressa, concreta e directa, pelo que a AT omitiu a fundamentação de facto e de direito legalmente exigida ao não identificar as razões de facto e direito que motivaram tal correcção, nos termos dos artigos 77.° da LGT, e 125.º do CPA;

C) Consequentemente, não houve errónea apreciação e julgamento da matéria de facto provada e relevante para a boa decisão da causa, relativamente aos rendimentos da categoria H imputados à Recorrida;

D) Demonstrou a Recorrida cabal e inequivocamente que, ao contrário do afirmado pela AT, o prédio sito em A... conservou a sua natureza rústica desde a data da aquisição até à data da alienação ocorrida no ano de 2003, na medida em que não possuía qualquer alvará de loteamento, licença de construção ou autorização administrativa equivalente, sendo efectivamente utilizado como prédio rústico;

E) A AT não demonstrou, como lhe competia, a verificação de indícios que permitissem asseverar que o prédio sito em A... objectivamente se destinava à construção à data da sua alienação, nos termos exigidos no artigo 6 °, n ° 3, do Código da CA (vigente à data da alienação do imóvel em apreço);

F) Esses indícios objectivos são também invocados pela doutrina administrativa e jurisprudência para efeitos de qualificação jurídica dos prédios como terrenos para construção;

G) Tem inclusivamente sido reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que as partes não têm qualquer poder legal de conformação do facto tributário, não relevando meras expectativas ou intenções sem qualquer suporte na realidade objectiva;

H) A AT nunca hesitou em qualificar o prédio sito em A... como rústico para efeitos de CA e, após 2003, de IMI;

I) À data da venda a Recorrida estava consciente que não tinha constituído, na sua esfera, qualquer direito à construção firme, seguro e concreto e que, portanto, o mesmo mantinha a sua natureza rústica, face à ausência de autorização de loteamento e de construção por parte da entidade legalmente competente (a Câmara Municipal de S... );

J) Foi precisamente esse facto que levou a Recorrida, juntamente com os demais contraentes de contrato de urbanização, a intentar uma acção judicial contra a Câmara Municipal de S... ;

K) Não podendo o prédio sito em A... ser qualificado como terreno para construção à data da alienação, a correcção imposta pela AT aos rendimentos do ano de 2003 da Recorrida, designadamente no que respeita à alegada mais-valia imobiliária, viola o regime transitório da categoria G previsto no Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, verificando-se ter o mesmo sido adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989, não estando os ganhos derivados da alienação de prédios rústicos sujeitos ao IMV, o que determina a sua exclusão de tributação em sede de IRS;

L) Termos em que, não houve erróneo julgamento da matéria de facto provada, relativamente aos rendimentos da categoria G imputados à Recorrida;

M) Acresce que a actual jurisprudência do STA e TCAS pronunciam-se no sentido de que, se à data da entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989) um imóvel não revestia a natureza de terreno para construção, tanto basta para considerar vedada a tributação em IRS das mais-valias auferidas com a alienação do mesmo, ainda que este venha, posteriormente a assumir essa referida natureza;

N) E, efectivamente, a Fazenda Pública nunca coloca em causa que o prédio sito em A... detinha a qualidade de rústico à data da respectiva aquisição e a 1 de Janeiro de 1989, tendo tal sido inclusivamente provado pela Recorrida, conforme consta na sentença recorrida;

O) Ainda que se admitisse que o prédio sito em A... tinha a natureza de terreno para construção à data da alienação - o que por mera hipótese de raciocínio se concede -, destinando-se o mesmo à futura construção de um campus universitário (conforme consta no contrato de urbanização celebrado no ano de 2001), nos termos da posição defendida pela jurisprudência, do STA, também por essa razão poderia a liquidação oficiosa de IRS de 2003 ser considerada ilegal por violação do regime transitório da categoria G previsto no Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, verificando-se não estarem tais ganhos sujeitos ao IMV;

P) A Recorrida requer desde já, a título subsidiário e por cautela de patrocínio no caso de proceder a argumentação da Fazenda Pública, a apreciação dos fundamentos referidos nos M) a O) anteriores, nos termos do artigo 636° do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, por via de ampliação do objecto do presente recurso, verificando-se que tais fundamentos – não analisados pelo Douto Tribunal recorrido por procedência do argumento de que o prédio sido em A... não detinha à data da venda a natureza de terreno para construção – se enquadram ainda no âmbito do pedido de anulação da liquidação formulado pela Recorrida no ponto III.2 da respectiva petição de impugnação judicial, analisado na sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento em virtude de a correção relativa aos rendimentos da categoria H estar devidamente fundamentada?

b) Há erro de julgamento em virtude de a norma de exclusão constante do regime transitório previsto no art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não ser aplicável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Administração Tributária, através da Direcção de Finanças de Lisboa, desencadeou uma acção inspectiva de controlo fiscal interno dos rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis que a ora Impugnante auferiu no ano de 2003;

2. Foi então apurado, que:

“(…) o sujeito passivo em causa, conjuntamente com M... , auferiu no exercício de 2003 rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Categoria G – cujo valor de realização foi de 3.491.585,28 €, referente à alienação do prédio rústico sito em A... , freguesia de R... , concelho de S... , conforme escritura lavrada no 12.º CN de Lisboa em 20/03/2003 (anexo I), não entregou a declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2003, omitindo os rendimentos da categoria G e da categoria H.

O prédio identificado tem a área de cinquenta e seis mil e seiscentos metros quadrados e encontra-se descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de S... sob o número cinco mil trezentos e trinta e seis da freguesia de R... .

«Este prédio encontra-se ainda omisso na matriz, tendo sido pedida a sua inscrição em onze de Fevereiro do corrente ano, e resultou da divisão em dois prédios distintos (…) do prédio também omisso na respectiva matriz, do qual foi igualmente pedida a inscrição em trinta de Janeiro do corrente ano» (ver anexo I, fls. 9).

Os rendimentos auferidos consubstanciam rendimentos da categoria G, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS e como tal são sujeitos à tributação em sede de IRS, de acordo com as regras estatuídas na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º e atendendo ao preconizado nos artigos 44.º e 46.º do referido diploma legal.

De acordo com os elementos disponíveis neste Serviço não se verificam as condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS nem no artigo 5.º do DL 442-A/88 de 30/11 quanto à exclusão da tributação dos referidos rendimentos. Salienta-se ainda que o Sujeito Passivo foi notificado pelo n/ofício n.º 50514 de 25/06/2007, para apresentar a Declaração Modelo 3 com o respectivo anexo G, nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do CIRS (anexo II). Esta veio devolvida pelo que foi enviada uma segunda notificação com o ofício n.º 60426 de 20/07/2007 com carta registada com aviso de recepção (anexo III). Também esta veio devolvida e foi efectuada uma terceira tentativa de notificação através do ofício n.º 69221 em 20/08/2007 com carta registada com aviso de recepção (anexo IV).

Como todas as notificações vieram devolvidas com a indicação “não reclamado”, foram efectuadas diversas diligências no sentido de saber qual os títulos que estiveram na base da transmissão.

Foi enviado um fax à Câmara Municipal de S... solicitando colaboração, no sentido de conseguir determinar o enquadramento fiscal do rendimento resultante da alienação do terreno rústico em análise ocorrido no ano de 2003 (anexo V).

Através das informações recebidas verificou-se que foi planeado a construção de um Campus Universitário da responsabilidade da Universidade Católica Portuguesa no concelho de S... , com o objectivo de servir os interesses da região e contribuir para o desenvolvimento do país.

Este Campus iria ficar situado em terrenos enquadrados na Carta de Ordenamento do Plano Director Municipal de S... em vigor desde 04-10-1999 como «Classe de Espaço Urbanizável/Categoria de Espaços de Desenvolvimento Estratégico Especifico, respeitante à área definida como Espaço Envolvente ao Parque de Ciência e Tecnologia da Região de Lisboa», tendo sido aprovado um projecto de loteamento LT1997… homologado por Sua Excelência o Sr. Secretário de Estado do Orçamento do Território, em 12/08/1999 após parecer favorável da CCRLVT e posterior deliberação camarária em 24/05/2000 (anexo VI).

Dada a dimensão do projecto e o número de intervenientes, entre os quais o sujeito passivo em análise, foi celebrado um contrato de urbanização considerado, por todos, como necessário em todos os protocolos e acordos por si celebrados (anexo VI).

No entanto em 20 de Março de 2003 aliena o prédio assim como «todos os direitos e obrigações assumidos até esta data por ela primeira outorgante e sua representada, enquanto proprietárias do mesmo, perante a Câmara Municipal de S... e outras entidades, públicas ou privadas, em protocolos, acordos e contratos já celebrados e que visam, entre outros, estudos de operações urbanísticas sobre o imóvel objecto deste contrato e prédios contíguos» (ver anexo I).

O bem ora alienado reveste assim um carácter diferente do que é descrito no título da sua transmissão.

Durante o processo de concretização do Campus Universitário o prédio assume a forma de lote de terreno enquadrado na Carta de Ordenamento do Plano Director Municipal de S... e sofre um processo de loteamento, existem assim fortes indícios de que, inquestionavelmente, o mesmo se irá destinar à construção urbana.

É também esse o entendimento do TCA que no seu Acórdão de 15-10-2002, Processo 6380/02, «terrenos para construção devem-se considerar mesmo aqueles que no título de aquisição assim não hajam sido declarados, desde que verificados os aludidos requisitos quais sejam, a situação do terreno em zona Urbanizada – o conceito de terreno para construção para efeitos fiscais não pode ser um conceito formal, antes devendo ser um conceito material , dirigido à realidade para que foi formulado».

Apesar do rótulo de “rústico”, o objecto da negociação e da transmissão levado a cabo pelo sujeito passivo integra e é subsumível ao conceito legal de “terreno para construção” com os contornos acima enunciados no campo específico das mais-valias.

Por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30/11 é indispensável o recurso ao conceito de lote de terreno para construção de acordo com as regras estatuídas no extinto Código de Imposto de Mais-valias (CIMV). Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º «o imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terrenos para construção qualquer que seja o título por que se opere», ou seja, tributam-se em sede de Mais-Valias os ganhos realizados na alienação de terrenos para construção independentemente da forma que o titulo revista.

A alienação é passível de tributação em função do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10 do CIRS conjugado com o prescrito no n.º 1 do artigo 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30/11

III – Conclusões/propostas

Pelo exposto, propomos que se proceda à correcção oficiosa dos seguintes anexos:

- “A” – relativo a pensões pagas pelo Instituto da Segurança Social, IP, no valor de 4.483,00 €

- “G”, relativo à obtenção de mais-valias como a seguir se discrimina:




(…)

Cálculo da Mais-valia Fiscal (MVF):


MVF=(VR-VA x coef) x 0.5

(…)

Teremos a seguinte mais valia fiscal:

[2.618.688,96€ - (4.500,00 x 2,94)] x 0,5 = 1.302.729,48€

(…)”.

3. Em consequência do apuramento da factualidade descrita, foi proposta a correcção oficiosa do Anexo G da Declaração de IRS, Modelo 3, nos seguintes termos:

“ (…) Correcção proposta 1.302.729,48€”;

4. A ora Impugnante foi notificada para se pronunciar, sobre a proposta acima vertida, tendo-o feito;

5. Ponderando a pronuncia da Impugnante, refere-se no relatório final que:

Assim o próprio sujeito passivo admite que só não foram emitidos os alvarás respectivos em consequência da deliberação camarária de aprovação da operação de loteamento urbano em 24/05/2000 e a deliberação das obras de urbanização em 22/08/2001 porque a Câmara Municipal de S... não cumpriu os prazos previstos na Lei.

Razão pela qual com base no Decreto-Lei n.º 448/91 accionaram os meios legais para obrigar a Câmara a emitir o alvará de loteamento e obras de urbanização.

Por estar em causa a natureza do imóvel à data da sua transmissão bem como a data da sua aquisição é inquestionavelmente necessário recorrer ao regime transitório da categoria G, do DL n.º 442-A/88 de 30/11.

Este no seu n.º 1 do artigo 5.º refere que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, nos termos do Decreto-Lei 46.673 de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.

Este conceito conduz-nos às regras estatuídas no extinto Código de Imposto de Mais Valias (CIMV), uma vez que a aquisição do bem ocorreu antes de 1989.

Este código no seu n.º 1 do artigo 1.º refere que «o imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terrenos para construção qualquer que seja o título por que se opere».

As dúvidas dissiparam-se quando o próprio sujeito passivo apresenta o documento reproduzido no anexo IX que nos demonstra que à data da alienação este não é oficialmente um terreno para construção porque a Câmara Municipal de S... não cumpriu os prazos previstos na Lei para a emissão do respectivo alvará de loteamento.

O bem alienado, à luz da lei anterior, estava sujeito a tributação em sede de mais-valias devido à sua inquestionável qualificação de terreno para construção e ao ser-lhe atribuído o valor de 3.491.585,28€ na data da escritura da sua venda, em 20 de Março de 2003, já na vigência do CIRS, é enquadrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10 do mesmo código porque o artigo 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30/11 o faz transpor para o novo regime.

Pelo exposto não se irão fazer alterações à proposta efectuada, pelo que se manterão as correcções apresentadas no valor de 1.302.729,48€”.

6. Por despacho de 2 de Novembro de 2007, o Director de Finanças da DFL, determinou a tributação em conformidade com o proposto;

7. Em consequência do despacho referido em 6. foi emitida a liquidação impugnada, datada de 20.11.2007;

8. A ora Impugnante deduziu reclamação graciosa desta liquidação, alegando entre o mais, a falta de fundamentação da liquidação emergente da falta de notificação das conclusões do relatório final de inspecção, a qual, foi indeferida;

9. Do indeferimento da reclamação graciosa a Impugnante recorreu hierarquicamente;

10. O recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 2010.10.07, do substituto legal do Director-Geral dos Impostos (que aqui se dá por legalmente reproduzido);

11. No ano de 1989 o prédio sito em A... era um terreno utilizado para fins agrícolas e de pastagem de animais, em terra batida, sem qualquer via publica pavimentada, iluminação, água canalizada, electricidade ou esgotos;

12. Em 25 de Agosto de 2001 a Impugnante e a sua filha celebraram com a Câmara Municipal de S... um contrato de urbanização referente ao prédio de A... .

13. Em 20 de Março de 2003 a Impugnante e a sua filha venderam o prédio de A... ;

14. O alvará de loteamento referente ao prédio dos autos foi emitido em 13 de Outubro de 2003”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto foi decidida com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, e no depoimento das testemunhas ouvidas, as quais manifestaram conhecimento directo dos factos e se revelaram idóneas e credíveis”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Como tal, é a seguinte a redação dos factos que se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

13. Por escritura pública, datada de 20 de março de 2003, outorgada no décimo segundo cartório notarial de Lisboa, M... , por si e enquanto procuradora da impugnante, na qualidade de primeira outorgante, declarou vender ao segundo outorgante e este declarou comprar-lhes, pelo preço de 3.491.585,28 Eur., o prédio rústico sito em A…, na freguesia de R... , concelho de S... , omisso na matriz (cfr. fls. 55, 56 e 66 a 69 dos autos).

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

15. Sobre o Relatório de Inspeção Tributária mencionado em 5. foi, entre outros, proferido parecer, a 18.10.2007, pelo Chefe de Equipa, do qual consta designadamente o seguinte:

“Concordo com o teor e fundamentos da informação prestada.

Face à situação de facto verificada e, em pormenor exposta no ponto II e III (…) nada tenho a opor quanto à fixação efectuada nos termos do n.º 2 do art.º 65.º do C.I.R.S., decorrente de omissão de rendimentos auferidos, no exercício de 2003, e que ascende a € 1.302,729,48, derivados dos seguintes rendimentos:

a) Rendimentos da categoria H, conforme disposto no art.º 11.º do CIRS, e apurado nos termos do art.º 53.º é igual ao rendimento - € 4.500 … ” (cfr. fls. 439 e 440 do processo administrativo).

16. A aquisição pela impugnante do prédio mencionado em 13) enquanto prédio rústico estava registada junto da administração tributária como reportando a 1985 (cfr. fls. 55, 56 e 66 a 69 dos autos).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento atinente ao vício de falta de fundamentação

Entende a Recorrente existir erro de julgamento em virtude de, na sua perspetiva, não existir falta de fundamentação, no que respeita à correção no valor de 4.483,00 Eur., tendo, na sua perspetiva, sido, no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), devidamente enunciadas as respetivas disposições legais, bem como a qualificação e quantificação dos factos tributários relevantes

Vejamos.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(2), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

A fundamentação a considerar, para efeitos da apreciação do alegado, radica no RIT, mencionado em 1. e 2. do probatório, considerando ainda o parecer referido no facto 15., ora aditado.

Considerou o Tribunal a quo que, no que respeita exclusivamente a esta correção, o RIT não encerrava se não um juízo conclusivo, “não permitindo dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade normal de entendimento as razões que justificam um determinado acto com um certo conteúdo decisório”.

Adiante-se desde já que se acompanha este entendimento.

Com efeito, compulsado o RIT verifica-se que, no que a esta correção respeita, são feitas as seguintes menções:

¾ [O] sujeito passivo em causa, conjuntamente com M... , auferiu no exercício de 2003 rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Categoria G – cujo valor de realização foi de 3.491.585,28 €, referente à alienação do prédio rústico sito em A... , freguesia de R... , concelho de S... , conforme escritura lavrada no 12.º CN de Lisboa em 20/03/2003 (anexo I), não entregou a declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2003, omitindo os rendimentos da categoria G e da categoria H (sublinhado nosso);

¾ Pelo exposto, propomos que se proceda à correcção oficiosa dos seguintes anexos:

- “A” – relativo a pensões pagas pelo Instituto da Segurança Social, IP, no valor de 4.483,00 €.

No parecer mencionado em 15) refere-se ainda que se concorda com a correção relativa a “a) Rendimentos da categoria H, conforme disposto no art.º 11.º do CIRS, e apurado nos termos do art.º 53.º é igual ao rendimento - € 4.500”.

São exclusivamente estas as menções feitas e que constituem a fundamentação da correção em crise.

Ora, desde já se refira que não se acompanha o entendimento da Recorrente. Com efeito, e tal como salientado pelo Tribunal a quo, não está evidenciado o itinerário cognoscitivo percorrido quanto a esta correção. Para que se possa considerar adequadamente fundamentada uma correção cumpre que estejam evidenciadas todas as premissas que conduzem à conclusão retirada, o que não é o caso. É feita uma menção a falta de declaração de rendimentos, referido como sendo da categoria H, não estando suficientemente caraterizados tais rendimentos (quando foram pagos, a que título), de forma a permitir, desde logo, a aferição da sua adequada subsunção em termos tributários, surgindo apenas conclusões desprovidas de elementos que as sustentem. Aliás, a menção a estes rendimentos surge em sede de conclusão de parágrafo atinente à descrição da factualidade relativa à alienação do prédio rústico, completamente descontextualizada.

Face ao exposto, não estando evidenciado o itinerário cognoscitivo percorrido, uma vez que não constam da fundamentação todas as premissas subjacentes às conclusões extraídas, verifica-se vício de falta de fundamentação, motivo pelo qual não assiste razão à Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento concernente à aplicação do regime transitório previsto no art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro

Considera, por outro lado, a Recorrente que, no que respeita à correção relacionada com as mais-valias apuradas resultantes da alienação do prédio mencionada em 13. do probatório, incorreu o Tribunal a quo em erro, em virtude de se tratar de terreno para construção e, por esse motivo, não lhe ser aplicável a norma de exclusão prevista no art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Em causa está a alienação, em 2003, de prédio, que como resulta do próprio RIT, estava inscrito na matriz como prédio rústico e que fora adquirido pela Recorrida em 1985, ou seja, em ambos os casos antes da entrada em vigor do Código do IRS (CIRS).

Cumpre, antes de mais, atentar no regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Assim, nos termos de tal regime só seriam sujeitos a IRS (categoria G) aqueles rendimentos resultantes da alienação onerosa de bens que tivessem sido adquiridos após a entrada em vigor do CIRS (isto é, 1 de janeiro de 1989), no caso de se tratar de ganhos que não fossem sujeitos ao pretérito imposto de mais-valias.

Ou seja, caso um bem tivesse sido adquirido antes de 1 de janeiro de 1989 e alienado já na vigência do CIRS, o mesmo não estaria sujeito a tributação pela Categoria G, caso o não estivesse face ao Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV).

Cumpre, pois, verificar o âmbito de incidência do IMV.

Nos termos do art.º 1.º do pretérito CIMV, aprovado pelo DL n.º 46 373, de 09 de junho de 1965:

“1. O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos atos que a seguir se enumeram: 1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2 030, de 22 de junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial…”.

No seu § 2 era facultado um conceito de terreno para construção, entendendo­-se como tal “… os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”.

Assim, como decorre deste enquadramento legal, nem todos os rendimentos resultantes da alienação de prédios urbanos estavam sujeitos a imposto sobre as mais-valias(3), sendo que o estariam os ganhos decorrentes de alienação de terrenos para construção.

Para tal efeito, eram terrenos para construção:

a) Os situados em zonas urbanizadas;

b) Os compreendidos em planos de urbanização; e

c) Os assim declarados no título aquisitivo.

Resulta, assim, desde logo que não é qualquer prédio que tem a virtualidade de ser considerado como terreno para construção para efeitos de IMV(4).

Como tal, desde logo, terreno para construção é um conceito distinto de terreno suscetível de ser considerado como terreno para construção(5).

Por outro lado, como é jurisprudência pacífica nesta matéria, é elemento fundamental, para efeitos de aplicação ou não aplicação da mencionada norma de exclusão, a definição do momento temporal relevante para aferição dos pressupostos de facto da tributação.

Tal momento situa-se no dia 31.12.1988, último dia de vigência do CIMV. Assim, a eventual ocorrência de factos modificativos do conteúdo do direito de propriedade que sejam ulteriores não relevam para efeitos de afastamento da aplicação da norma de exclusão(6).

Concretamente em relação aos prédios rústicos, a jurisprudência tem ido no sentido de não estarem sujeitos a IRS os ganhos com a transmissão onerosa de terrenos que, mesmo que entretanto tenham passado a ter natureza de urbanos e, especificamente, de terrenos para construção, à data da entrada em vigor do CIRS tivessem a natureza de rústicos(7).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como decorre do probatório, designadamente do RIT, do título aquisitivo resultava tratar-se de prédio rústico.

Resta, pois, aferir o outro critério constante do § 2.º do art.º 1.º do CIMV, i.e., a sua qualificação como tal, por estar, eventualmente, situado em zona urbanizada ou compreendido em planos de urbanização.

Ora, a este respeito há que atentar, desde logo, na posição assumida pela administração tributária (AT) em sede de RIT, para efeitos de aferição dos pressupostos de facto que fundam a liquidação em crise.

Do mesmo resulta que a AT fundou a sua posição no facto de ter apurado, junto da Câmara Municipal de S... , que o prédio se situava numa zona enquadrada na Carta de Ordenamento do Plano Diretor Municipal de S... , em vigor desde 04.10.1999, como «Classe de Espaço Urbanizável/Categoria de Espaços de Desenvolvimento Estratégico Específico, respeitante à área definida como Espaço Envolvente ao Parque de Ciência e Tecnologia da Região de Lisboa», zona essa onde fora planeada a construção de um Campus Universitário da responsabilidade da Universidade Católica Portuguesa. Fundou ainda a sua posição no facto de ter sido aprovado um projeto de loteamento LT1997… e na circunstância de, entre outras, a Recorrida ter celebrado um contrato de urbanização.

Partindo destes elementos a AT concluiu que o prédio, não obstante ter sido alienado enquanto prédio rústico, reveste um caráter distinto, sendo terreno para construção.

Ora, reportando-nos ao relatório que fundamenta a liquidação impugnada, o mesmo incorreu desde logo em vício invalidante, na medida em que não atentou na natureza do prédio à data do fim da vigência do CIMV (31 de dezembro de 1988), decorrendo, aliás, dos elementos coligidos que o mesmo era nessa altura prédio rústico.

Ou seja, face aos elementos constantes do RIT, a conclusão no mesmo extraída decorre de elementos relativos a momentos ulteriores ao da entrada em vigor do CIRS (desde um instrumento de gestão territorial ulterior a 1989, a planos de construção de um campus, contratos e atos administrativos, todos também ulteriores a 1989).

Tal implica que não tenham sequer sido considerados os pressupostos de facto da tributação nos termos exigíveis, não resultando, pois, sequer alegado que, a 31.12.1988, se tratasse de prédio situado em zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização.

Os elementos constantes do RIT, que, como já referido, são relativos a momentos ulteriores ao da entrada em vigor do CIRS, não permitem, assim, extrair a conclusão extraída pela AT. Como já referido, a potencialidade de o prédio vir a ter, no futuro, viabilidade construtiva não é ponderosa para o afastamento da norma de exclusão.

Complementarmente, da matéria de facto provada resulta, sem margem para dúvidas, que, em 1989, o prédio em causa era efetivamente um prédio rústico (cfr. facto 11.), na medida em que era nessa altura utilizado para fins agrícolas e para pastagem de animais, em terra batida, não dispondo, aliás, de iluminação, água canalizada, eletricidade ou esgotos.

Em suma, o momento temporal relevante é o dia 31.12.1988, data em que o prédio em causa era prédio rústico, não tendo sido demonstrada pela AT qualquer factualidade passível de fazer concluir que se tratasse, nem nesse momento nem mesmo no momento da alineação, de terreno para construção e tendo, aliás, sido demonstrado pela Recorrida tratar-se de prédio rústico em 1989.

Como tal, nada há a apontar ao Tribunal a quo no julgamento efetuado, não assistindo razão à Recorrente.

Face ao exposto, resulta prejudicada a apreciação da matéria constante da ampliação de recurso.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

In casu, face à reiterada jurisprudência sobre a matéria, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 08 de maio de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.

(3) V., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.06.2005 (Processo: 00149/04): “Tendo os impugnantes adquirido em 1975 um prédio urbano, cuja transformação em terreno para construção é posterior à transmissão económica que efectuaram em 1991, não pode deixar de concluir-se pela ilegalidade da liquidação adicional de IRS, por violação do disposto no art. 5º nº1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, assim tendo de proceder a impugnação”.

(4) V., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.11.2005 (Processo: 0733/05): “O art. 1º do CIMV determinava a incidência do imposto de mais-valias sobre os ganhos realizados pela transmissão onerosa de terrenos para construção, considerando como tal os situados em zonas urbanizadas ou abrangidas por planos de urbanização já aprovados, bem como os assim declarados no título aquisitivo. O que se pretendia tributar com tal imposto, no dizer do preâmbulo do código, eram só “as valorizações ocasionais”, os “ganhos trazidos pelo vento”, isto é, os anormais ganhos que a transmissão dos terrenos para construção traziam para o beneficiário e que eram exteriores à sua actividade. Como referia Galhardo Simões, citado no acórdão nº 21702 deste Supremo Tribunal Administrativo, este tipo de imposto elege, como capacidade contributiva economicamente relevante, os ganhos de capital realizados através dos factos taxativamente eleitos no artigo, deixando de fora outros casos de ganhos de capital. O que o legislador pretendeu tributar foram os ganhos resultantes da construção urbana que, pela sua grande expansão, subiam consideravelmente e com grande rapidez. Por isso se tem entendido em variados acórdãos que o termo “construção” sobre que o imposto incide só abrange as destinadas a fins habitacionais, comerciais ou industriais. E que por isso os ganhos obtidos pela transmissão do terreno destinado à construção de edifícios escolares não estava sujeito ao imposto de mais-valias pois não seria o facto de o terreno estar situado em zona urbanizada ou com plano de urbanização já aprovado que majoraria o seu preço e determinaria tal tributação”.

(5) V. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.01.2012 (Processo: 0529/11).

(6) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.01.2012 (Processo: 0529/11), de 02.07.2014 (Processo: 01396/13), de 10.09.2014 (Processo: 01381/13) e de 08.07.2015 (Processo: 0584/15) e ampla jurisprudência no mesmo citada.

(7) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.06.2010 (Processo: 0998/09) e ampla jurisprudência aí citada, de 10.09.0214 (Processo: 01381/13), de 12.05.2015 (Processo: 01266/13), de 20.05.2015 (Processo: 0149/15) e de 08.07.2015 (Processo: 0584/15)