Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:255/10.2BELRS-R1
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CONTA
DISPENSA DO REMANESCENTE
DISPENSA DO PAGAMENTO
VALOR TRIBUTÁRIO
Sumário:I. Tendo este TCAS negado provimento ao recurso apresentado pela FP, confirmando a sentença recorrida, e nada constando do segmento decisório que permita diferente interpretação, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça constante do acórdão proferido abrange apenas a tributação na 2.ª instância.

II. Tendo a 1.ª instância julgado parcialmente procedente a impugnação, não decidindo no sentido da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e não tendo a Impugnante recorrido na parte em que decaiu, transitou a sentença na parte à mesma respeitante.

III. A dispensa de pagamento prevista no n.º 9 do art.º 14.º do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2019, tem lugar apenas em caso de vencimento total.

IV. Estando nós perante Impugnante (parte ativa no processo de impugnação e que deu origem ao mesmo), que apresentou ação de valor superior a 275.000,00 Eur., (havendo diferimento, nos termos legais, de parte do pagamento da taxa de justiça), a exigência do pagamento de tal valor, quando a Impugnante obteve apenas ganho parcial na causa, não se revela atentatória do n.º 2 do art.º 18.º nem do art.º 20.º, ambos da CRP, não comprimindo excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça – sendo certo que sempre tem direito a lançar mão do instituto das custas de parte, através da apresentação da respetiva nota justificativa.

V. Tendo a impugnação sido apresentada em fevereiro de 2010, para efeito de custas tem de ser considerado o limite de 600.000,01 Eur., previsto na redação do RCP vigente no momento da propositura da ação, ainda que à causa tenha sido fixado, por aplicação da lei de processo respetiva, valor superior.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

F. S. V. (E.) Limited (doravante Recorrente) veio recorrer do despacho proferido a 10.01.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), no qual se indeferiram as reclamações da conta apresentadas, designadamente a apresentada pela ora Recorrente.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. O presente recurso tem por objeto a decisão da Meritíssima Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que, por despacho de 10.01.2022, indeferiu a reclamação da conta de custas deduzida pela ora recorrente em 24.06.2021 e assim manteve a conta de custas reclamada.

B. A decisão recorrida recusou que o douto acórdão do TCA Sul, proferido em 11.03.2021, tivesse dispensado a recorrente do excedente da taxa de justiça também na 1.ª instância, porque “parece-nos salvo melhor opinião que apenas na Instância superior foi dispensado taxa de justiça sobre o valor remanescente”.

C. Porém, nem a ora recorrente nem a AT encontram no acórdão de 11.03.2021 do TCA Sul qualquer restrição ao âmbito da dispensa do remanescente da taxa de justiça, sendo que a sua interpretação do aresto tem respaldo no Ac. da Relação de Évora, de 14.03.2019, no processo n.° 181/18.7T8STB-A.E1, em que se determinou que a avaliação dos pressupostos de que depende a dispensa do remanescente “apenas tem lugar uma vez, tendo em vista a globalidade do processo”.

D. Assim, a Meritíssima Juiz deveria ter determinado a reforma da conta reclamada, reconhecendo a dispensa do remanescente da taxa de justiça, conforme decidido pelo douto acórdão do TCA Sul, proferido em 11.03.2021.

E. Acresce que a decisão ora recorrida não faz qualquer referência ao artigo 14.°, n.° 9 do RCP, do qual resultava que não poderia ser assacada à recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, por esta ter logrado obter vencimento equivalente a 98,01% da sua pretensão.

F. A decisão recorrida é, pois, nula por omissão de pronúncia (artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC) e viola o disposto no artigo 14.°, n.° 9 do RCP, que exigia a reforma da conta no sentido da dispensa do remanescente da conta.

G. A recorrente poderia aceitar que, à semelhança do decidido no acórdão da Relação de Coimbra, de 14.12.2020, no processo n.° 4016/08.0TBLRA-A.C1, fosse dispensada, pelo menos, do remanescente da taxa de justiça na proporção do seu vencimento.

H. O que a recorrente nunca poderia aceitar é interpretar-se o artigo 14.°, n.° 9 do RCP no sentido de apenas estar dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça a parte que tenha obtido vencimento integral, posto que este entendimento se deve reputar inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2 e 20.° da CRP.

Por fim, caso tudo o resto soçobrasse, sempre se dirá que a decisão recorrida errou ao aceitar que a conta pudesse liquidar um remanescente de taxa de justiça de 167 UC, uma vez que por força do disposto no n.° 6 do artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, o valor da causa nunca poderia exceder € 600.000,01.

J. Conforme esclarece o acórdão da Relação de Lisboa, de 18.09.2014, no processo n.° 5394/09.0TVLSB-B.L1-6, o regime de aplicação da lei no tempo consagrado pelo artigo 8.° da Lei n.° 7/2012 determina que “que o valor da causa é cristalizado na data da instauração do processo”.

K. A Meritíssima Juiz deveria, pois, ter determinado a reforma da conta reclamada, fixando o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta a sua complexidade e o regime contido no artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, nunca podendo este ascender a € 17.034,00.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, requer seja o presente recurso julgado inteiramente procedente, substituindo este Venerando Tribunal a decisão recorrida por outra que determine a reforma da conta reclamada, emitindo uma nova em conformidade com o exposto”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o Acórdão proferido neste TCAS dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias?

b) Há omissão de pronúncia, por não ter sido apreciado o alegado quanto à aplicação do art.º 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), não podendo ser assacada à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça?

c) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que, atenta a data da propositura da impugnação, o valor da causa, para efeito de custas, não poderia ultrapassar os 600.000,01 Eur.?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação do presente recurso, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A Recorrente apresentou, junto do TTL, a 04.02.2010, impugnação judicial, tendo por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes aos exercícios de 1997 e 1998, tendo indicado como valor da causa 1.677.223,91 Eur., que deu origem ao processo 255/10.2BELRS (cfr. documento com o n.º 005164597 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) No âmbito do processo 255/10.2BELRS, foi proferida sentença, no TTL, a 30.05.2013, no âmbito da qual foi fixado como valor da ação o indicado na petição inicial e foram as partes condenadas nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, não tendo havido dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. documento com o n.º 004713136 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

3) A Fazenda Pública (FP) apresentou recurso da sentença referida em 2), não tendo, nas respetivas alegações, sido invocado qualquer erro de julgamento quanto à fixação do valor da causa e quanto à condenação em custas (cfr. documento com o n.º 005596292 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) A ora Recorrente apresentou contra-alegações, nas quais foi apenas contraditado o invocado pela FP nas suas alegações (cfr. documento com o n.º 005608740 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5) Na sequência do recurso apresentado, foi proferido, a 11.03.2021, acórdão neste TCAS, no qual foi negado provimento ao recurso apresentado pela FP e mantida a sentença na parte recorrida, condenando-se a ali Recorrente em custas, com dispensa do remanescente da taxa de justiça (cfr. documento com o n.º 004713135 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) No TTL foi elaborada conta, a 28.05.2021, com o seguinte teor, na parte a cargo da ora Recorrente:

Imagem: Original nos autos

(cfr. documento com o n.º 004713134 de registo no SITAF neste TCAS).

7) A ora Recorrente apresentou reclamação da conta mencionada em 6), da qual consta designadamente o seguinte:

“1. A conta ora reclamada contemplou o remanescente da taxa de justiça a que alude o n.° 7 do artigo 6.° do RCP, no valor de € 17.034,00.

2. Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é somente liquidado na conta, a final, nos termos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, cabendo então ao juiz, oficiosamente ou a requerimento, dispensar as partes desse pagamento se a especificidade do processo o justificar.

3. Foi justamente o que sucedeu no caso dos presentes autos.

4.A Secretaria incorreu assim em erro, pois não terá suficientemente atentado na parte final do douto acórdão do TCA Sul proferido nos presentes autos em 11 de março de 2021, que consignou que na presente causa, "atento o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta, a saber, utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes", dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

5.Acresce que, nos termos do disposto no n.° 9 do artigo 14.° do RCP, "Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.° 7 do artigo 6.°, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final."

6.Também por essa via nunca poderia ser assacada à ora reclamante a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, uma vez que logrou obter vencimento da quase totalidade da sua pretensão.

7.Acresce ainda que, o valor da causa, para efeitos de custas, é "sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo", nos termos do disposto no n.° 6 do artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro.

8.Ora, à data em que este processo deu entrada em juízo, em 04 de Fevereiro de 2010, determinava o RCP que o valor da causa, para efeitos de custas, nunca poderia exceder € 600.000,01, sendo a taxa de justiça devida fixada a final entre 20 e 60 unidades de conta (UC) em função do seu valor e complexidade.

9.Por outras palavras, "o art. 8° da lei n° 7/2012, de 13 de Fevereiro, consagrou, em matéria de custas judiciais, um regime de aplicação da lei no tempo que admite a aplicabilidade da lei nova aos processos pendentes, ressalva vantagens adquiridas e pagamentos feitos (...), e estabelece que o valor da causa é cristalizado na data da instauração do processo" (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Setembro de 2014 — negrito e sublinhado nossos).

10.Sempre seria por isso ostensivamente errado o remanescente da taxa de justiça liquidado na conta ora reclamada, correspondente a um total de 167 UC.

11.Deve, pois, o tribunal fixar o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo fundamentalmente em conta a sua complexidade e o regime contido no artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro, justamente relativo à aplicação no tempo do RCP.

12.Em qualquer caso, a ora reclamante entende que a conduta processual das partes, a simplicidade da causa e as tarefas adjetivas concretamente desenvolvidas sempre determinam a dispensa do pagamento do remanescente, conforme de resto foi já superiormente determinado pelo TCA Sul.

13.Sem essa dispensa, estaria a conta inquinada de inconstitucionalidade por violação da proporcionalidade e correspetividade entre o custo e o beneficio do acesso à justiça no caso concreto.

14.Conforme expressamente reconheceu o TCA Sul nestes autos, a presente causa não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes se pode considerar reprovável.

15.É assim ilegal a conta ora reclamada, quer por violação do douto acórdão do TCA Sul proferido nos presentes autos em 11 de março de 2021, que dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça, como por violação do n.° 9 do artigo 14.° do RCP, bem como do n.° 6 do artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro” (cfr. documento com o n.º 004713132 de registo no SITAF neste TCAS).

8) Na sequência da reclamação apresentada, foi elaborada informação, pela Unidade Central do TTL, a 20.08.2021, da qual consta designadamente o seguinte:

“Com informação que após compulsado os autos e a reclamação da conta de custas, apresentada pelo Impugnante em 24-06-2021, em resposta à conta de custas elaborada em 28-05-2020, cabe-me dizer o seguinte:

1-) A conta de custas elaborada em 28-05-2020, foi elaborada em conformidade com a douta decisão proferida em 1.ª Instância e por douto acórdão do TCA-Sul proferido em 30-05-2013 e 11-03-2021, respectivamente;

2-) Por decisão proferida em 30-05-2013, foram condenados Impugnante e Impugnado/AT na proporção do decaimento;

3-) Igualmente foi fixado “Valor da acção para efeito de custas: 1 677 223,91 € (cfr. artº 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT). ”, sem que tivesse havido reclamação ou pedido de reforma quanto a custas;

4-) Por esse motivo procedemos ao cálculo sobre o valor indicado, 1.677.223,91€, e não de 600.000,00€, que seria calculado no “corpo da conta”, caso não fosse ficado à causa o valor para efeito de custas, pois em caso de omissão, calculávamos o valor máximo indicado na tabela I-A, contante do RCP -2009, vigente à data a instauração do processo;

5-) Por esse motivo o cálculo foi feito sem dispensa do valor remanescente, art.º 6º, n.º 7 do RCP, e sobre o valor fixado para a causa, 1.677.223,91€;

6-) Por acórdão do TCA-Sul, parece-nos salvo melhor opinião que apenas na Instância superior foi dispensado taxa de justiça sobre o valor remanescente, de acordo com o art.º 6º,n.º 7 do RCP, fixando no valor de 275.000,00€ para efeito de recurso;

7-) Mais acrescento, que a parte liquidou o montante devido pela taxa de justiça do incidente de reclamação no valor de 51,00€, nos termos do art.º 7º, n.º 4 e n.º 8 do RCP” (cfr. documento com o n.º 004713129 de registo no SITAF neste TCAS).

9) Foi proferido, no TTL, a 10.01.2022, despacho, indeferindo a reclamação referida em 7), com base no teor da informação mencionada em 8), para cuja fundamentação remete (cfr. documento com o n.º 004713127 de registo no SITAF neste TCAS).


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

A motivação do Tribunal sustentou-se nos elementos documentais identificados junto a cada um dos factos julgados provados.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto ao âmbito do Acórdão proferido neste TCAS

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, a dispensa do remanescente da taxa de justiça decidida no Acórdão proferido neste TCAS, a 11.03.2021, abrange a taxa de justiça em ambas as instâncias.

Vejamos.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro:

“7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como sumariado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2014 (Processo: 0547/14):

“I - A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 do CPC” (sublinhado nosso).

Como tal, ao contrário do que refere a Recorrente, a dispensa do remanescente não é apreciada de forma global, devendo ser apreciada separadamente para a situação de cada uma das instâncias, dado que são tributadas separadamente e os seus pressupostos também podem diferir, podendo dar-se o caso de a situação ter uma complexidade que não justifique, por exemplo, a dispensa do pagamento do remanescente em 1.ª instância e o justifique na instância de recurso (ou vice-versa).

In casu, na sentença proferida em primeira instância, foram ambas as partes, Impugnante e FP, condenadas em custas, na proporção do respetivo decaimento, não tendo havido dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Apenas a FP recorreu da sentença, naturalmente na parte em que lhe foi desfavorável – sendo que, no seu recurso, nunca foi posta em causa a decisão proferida pelo Tribunal a quo em matéria de custas, relativamente à não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Ora, atendendo ao teor do segmento decisório proferido no mencionado Acórdão deste TCAS, foi negado provimento ao recurso, “assim se mantendo a sentença recorrida”. Sendo a decisão nestes termos, tal inclui a condenação em custas – dado nada ser dito no referido Acórdão que permita interpretação diversa.

Logo, a parte do segmento decisório atinente à dispensa do remanescente constante do mencionado aresto apenas abrange as custas em sede de recurso.

Ademais, como referimos, a Impugnante não apresentou recurso da sentença, na parte em que decaiu, pelo que, quanto à parte das custas a que a mesma foi condenada logo em primeira instância, há muito transitou a decisão.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2016 (Processo: 0586/16):

“[O]correndo erro de julgamento no segmento decisório quanto a custas, pode (…) a parte recorrer nos termos gerais, cfr. art. 616º, n.º 3 do CPC; e não o fazendo, tal decisão quanto a custas fica imutável, não podendo mais ser alterada, quer por vontade das partes ou a pedido do Ministério Público, quer ex officio pelo próprio juiz, cfr. arts. 619º e ss. do CPC.

(…) [N]os termos do disposto no artigo 614º do CPC, existindo a condenação em custas, sem que seja feita aquela ponderação [prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP], não ocorre a omissão da sentença quanto a custas. Ou seja, apenas nos casos em que não exista qualquer pronúncia quanto a custas na sentença é que verdadeiramente se pode falar de omissão, todas as outras situações devem ser reconduzidas ao erro de julgamento.

Dispõe este artigo 6º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Do teor literal desta norma podemos surpreender que a regra é o do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Apenas nos casos em que o juiz, ex officio, a requerimento das partes ou do Ministério Público, entenda ser de dispensar tal pagamento é que se lhe exige que pondere de forma fundamentada essa mesma dispensa de pagamento.

(…) E ao proferir esta decisão sobre custas, nos termos habituais, já o juiz está a fazer um julgamento expresso quanto a custas, uma vez que sabe que, faltando a ponderação a que alude a 2ª parte do preceito em análise, será aplicado aquele regime regra estabelecido na 1ª parte do mesmo preceito.

Sendo certo, como resulta do disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC (novo), o momento próprio para a condenação das partes, ou de alguma delas, em custas é precisamente a decisão que julga a acção.

(…) [O] erro de julgamento quanto a custas apenas poderá ser conhecido pelo juiz que proferiu a decisão, no caso de lhe ser expressamente pedida a reforma quanto a custas, e pelo Tribunal Superior, por via do recurso (sublinhados nossos).

Face ao exposto, carece de razão, nesta parte, a Recorrente.

III.B. Da omissão de pronúncia, relativamente à não aplicação do art.º 14.º, n.º 9, do RCP

Entende ainda a Recorrente que a decisão recorrida não faz qualquer referência ao art.º 14.º, n.º 9, do RCP, expressamente por si invocado e do qual resulta que não poderia ser assacada à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da decisão, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Vejamos, in casu.

Com efeito, atento o despacho recorrido, que, em termos de fundamentação, se sustenta na informação mencionada em 8), nada é dito em torno do alegado, quanto ao art.º 14.º, n.º 9, do RCP, pelo que se verifica omissão de pronúncia.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.

Assim, cumpre conhecer o erro de julgamento alegado pela Recorrente.

Nos termos do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, “o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.

Como referimos, in casu, cada uma das partes foi condenada em custas, na proporção do respetivo decaimento. Ou seja, inexiste uma parte integralmente vencedora ou vencida.

A questão que se coloca é a de saber se o n.º 9 do art.º 14.º do RCP é apenas aplicável no caso de vencimento total por parte do responsável pelo impulso processual ou também nos casos em que haja parcial vencimento de cada uma delas.

Consideramos que tal norma é apenas aplicável a situações nas quais tenha havido total vencimento da causa.

Neste sentido, v. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 812/2021, de 26.10.2021:

“[A] solução resultante da nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do RCP (introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março), pressupõe um vencimento integral da causa, o que não se verificou com a reclamante”.

A este propósito, chamamos também à colação o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 02.03.2023 (Processo: 2209/14.0TBBRG-C.G1.S1), e jurisprudência no mesmo citada, aresto com o qual concordamos e a cuja fundamentação aderimos. Ali se escreveu:

“O art. 14.º, n.º 9, do RCP (…) surgiu no seguimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21-11-2018 (…), que julgou inconstitucional a norma anterior do art. 14.º, n.º 9, do RCP (…).

(…) Quanto ao sentido da norma inovadora, socorremo-nos das palavras de Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, págs. 138 e seg.):

«A expressão normativa “o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final” significa que a parte vencida é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, de cujo pagamento a parte vencedora é dispensada, e que o respetivo valor é inserido na conta final do processo a débito da primeira.

Esta nova solução legal conforma-se com o princípio tendencial da justiça gratuita para a parte vencedora, na medida em que a dispensa de exigir o referido remanescente à parte vencida, a título de custas de partes, evitando-lhe o risco da impossibilidade ou da dificuldade da sua cobrança.

Mas é seu pressuposto que se trate de vencimento e decaimento integral. Se assim não for, ou seja, tratando-se de vencimento e decaimento parcial, o remanescente da taxa de justiça é incluído na conta de custas de uma e de outra das partes, o mesmo é dizer que este normativo só se aplica no caso de o responsável pelo impulso processual não ser condenado a final.». [negrito nosso]

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não foi encontrada decisão que directamente se pronuncie sobre a questão sub judice. Ainda assim, dos acórdãos deste Supremo de 24-10-2019 (proc. n.º 1712/11.9TVLSB-B.L1.S2), de 01-10-2019 (proc. n.º 2741/16.1T8PTM.L1.S1) e de 07-03-2019 (proc. n.º 21112/16.3T8LSB-A.L1.S2), nos quais foram apreciadas questões conexas, afigura-se resultar o entendimento de que a dispensa prevista no n.º 9 do art. 14.º do RCP, na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, apenas tem lugar em caso de vencimento total.

Quanto à questão da invocada inconstitucionalidade desta interpretação normativa, pronunciou-se o Tribunal Constitucional pela Decisão Sumária n.º 432/2021 (…), de 28-06-2021, confirmada em conferência pelo Acórdão n.º 812/2021 (…), de 26-10-2021, decidindo:

«Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na interpretação segundo a qual, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o autor deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.».
No mesmo sentido, v. o Guia Prático – Custas Processuais, do Centro de Estudos Judiciários (em linha, 5.ª Edição, março de 2021, Lisboa, p. 130):(1)

“Caso ambas as partes sejam responsáveis em virtude de ter havido decaimento (sucumbência) de cada uma, será elaborada uma conta para cada uma, na qual se imputará o valor referente ao remanescente, independentemente da proporção do decaimento, tendo em conta que o acerto dos valores será feito através do instituto de custas de parte previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e nos artigos 30.º a 33.º da Portaria n.º 419- A/2009, de 17-04”.

Esta interpretação, salvo melhor opinião, não é atentatória dos art.ºs 18.º, n.º 2, e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 116/2020, de 12.02.2020, que, apesar de atinente à redação do n.º 9 do art.º 14.º do RCP anterior a 2019 (ou seja, na redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro), fá-lo na perspetiva do autor ou réu reconvinte (distinta daqueloutra constante do Acórdão do mesmo Tribunal n.º 615/2018, no qual estava em causa a posição do Réu totalmente absolvido do pedido).

Ali se refere:

[O] Tribunal Constitucional veio a concluir que a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, se revela uma solução inconstitucional, na medida em que comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença.

Contudo, para a formulação de tal juízo foram determinantes as especificidades do caso então analisado, salientadas no ponto 20 de tal Acórdão (…).

[N]ão é constitucionalmente desconforme uma solução legislativa que, diferindo para momento posterior o pagamento de parte da taxa de justiça, adiando, assim, o momento em que a parte será obrigada a liquidá-la, enquanto contrapartida do serviço de justiça por si impulsionado, sendo por isso de aceitar que o autor, mesmo tendo tido ganho de causa, total ou parcialmente, deva proceder, após a elaboração da conta, ao pagamento da taxa por si devida, no que respeita ao remanescente cujo pagamento foi diferido para esse momento.

Daí que o regime em análise, visando impedir a transferência, para a comunidade, da responsabilidade individual dos sujeitos processuais pelo pagamento dos custos da administração da justiça, assenta em fundadas razões no sentido tal pagamento ser exigido à parte que litigou na ação em causa que suporte a contrapartida desse serviço público prestado.

Por isso se compreende, conforme se salientou no referido Acórdão n.º 615/2018, que quem recorre à justiça, ou seja, o autor, garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.

Contudo, conforme se entendeu ainda, estas razões não valem em relação a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa, na medida em que, «se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido – o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais –, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça».

Na verdade, é a este tipo específico de situações que se dirigiu o juízo de censura deste Tribunal, sendo a desproporção censurada a resultante da exigência do pagamento de parte substancial dos seus custos, «a quem não recorreu à justiça – nem dela procurou retirar qualquer benefício –, tendo sido absolvido da pretensão do autor».

(…) Tal não se verifica, todavia, nas situações, como a dos autos, em que o réu na ação não se limita a responder ao impulso processual do autor, através da chamada “contestação-defesa”, mas formula também ele um pedidoo pedido reconvencional.

Nestes casos, verifica-se, com referência a tal pedido, como que uma inversão de papéis. Sendo a reconvenção uma “contra-ação”, na qual o réu assume a posição de autor (e cuja admissão pode ter – como sucedeu in casu – efeitos na fixação do valor da causa), o prosseguimento dos autos tem em vista, também, apreciar um pedido formulado pelo primitivo réu. Desse modo, o diferimento para momento posterior do pagamento de parte da taxa de justiça devida pelo réu-reconvinte, e a sua consequente exigibilidade após a elaboração da conta, enquanto contrapartida do serviço de justiça (também) por si impulsionado, não se revela uma solução que deva merecer censura no plano constitucional.

Conclui-se, por isso, que a norma ora em análise não viola qualquer dos parâmetros com base nos quais a sua aplicação foi recusada, nem qualquer(veja-se igualmente o já citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 812/2021, de 26.10.2021).

Assim, estando nós perante Impugnante, ou seja, parte ativa no processo de impugnação e que deu origem ao mesmo, que apresentou ação de valor superior a 275.000,00 Eur., e havendo diferimento de parte do pagamento da taxa de justiça (taxa que, em regra, é paga com o impulso processual), a circunstância de esse pagamento ser exigido, em sede de elaboração de conta, numa situação em que obteve apenas ganho parcial na causa, não se revela atentatória do n.º 2 do art.º 18.º nem do art.º 20.º, ambos da CRP, não comprimindo excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça – sendo certo que sempre tem direito a lançar mão do instituto das custas de parte, através da apresentação da respetiva nota justificativa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, em virtude de o valor da causa nunca poder exceder os 600.000,01 Eur.

Considera ainda a Recorrente que, por força do disposto no n.º 6 do art.º 8.° da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, o valor da causa nunca poderia exceder 600.000,01 Eur.

Vejamos então.

A presente impugnação deu entrada no TTL a 04.02.2010.

À época, dispunha assim o art.º 6.º, do RCP:

“1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

(…) 5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às ações e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final”.

À época, a tabela I-A previa uma taxa variável, nos processos de valor superior a 600.000,01 Eur., entre 20 e 60 UC.

Com o DL n.º 52/2011, de 13 de abril, a tabela I-A foi alterada, instituindo-se um regime progressivo, a partir dos 275.000,00 Eur., determinando-se, no seu art.º 5.º, que as alterações operadas apenas abrangiam os processos entrados a partir da entrada em vigor do mencionado diploma.

São ainda de considerar as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, que aditou, ao art.º 6.º do RCP, o seu atual n.º 7, prevendo a dispensa de pagamento do remanescente nos termos aí consagrados.

Cumpre ademais atentar nas normas de aplicação da lei no tempo, previstas no art.º 8.º do mencionado diploma, nos termos do qual:

“1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.

2 - Relativamente aos processos pendentes, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei só se aplica aos atos praticados a partir da sua entrada em vigor, considerando-se válidos e eficazes todos os pagamentos e demais atos regularmente efetuados ao abrigo da legislação aplicável no momento da prática do ato, ainda que a aplicação do Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei, determine solução diferente.

3 - Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei.

4 - Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, ou em que não havia lugar ao pagamento de custas em virtude das características do processo, e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém -se em vigor, no respetivo processo, a isenção de custas.

(…) 6 - O valor da causa, para efeitos de custas, é sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo” (sublinhado nosso).

Sendo este diploma aplicável aos processos pendentes, nos termos definidos, seria admissível, em abstrato, o uso da faculdade conferida pelo art.º 6.º, n.º 7, do RCP, o que, como vimos, não ocorreu na decisão proferida em primeira instância.

A questão que se coloca é, no entanto, a de se considerar como limite, em termos de valor da causa para efeitos de custas, o de 600.000,01 Eur., previsto na redação do RCP vigente no momento da propositura da presente ação.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.09.2022 (Processo: 799/09.9TBOER.L1.S1):

“I – Tendo a ação principal sido proposta em 29/01/2009 (…), a determinação da taxa de justiça na ação principal deve continuar a fazer-se atendendo à base tributável de € 600.000,01, que se configura como o limite relevante para o efeito de liquidação de custas, não obstante o pagamento de quaisquer montantes em dívida passar a ser feito pelas regras da Tabela introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/04”.

A este respeito chama-se também à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.09.2014 (Processo: 5394/09.0TVLSB-B.L1-6), onde se refere:

“Este artigo [art.º 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro] consagrou um regime de aplicação da lei no tempo que contém alguns filões interpretativos que deverão iluminar a análise pedida. Assim, há que ter presente que o mesmo consagra a aplicabilidade da lei nova aos processos pendentes; ressalva vantagens adquiridas e pagamentos feitos e declara-se aplicável apenas a actos ulteriores; (…) para efeitos de custas, refere que o valor da causa é cristalizado na data da instauração da acção.

Neste quadro, a Recorrente tem razão quando quer referir que o valor tributário da acção não se altera com a mudança de regimes. O valor da causa para efeitos de custas é correspondente à noção de base tributável vertida no art. 11.º do Regulamento das Custas Processuais. Segundo esta norma, a «base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo». Ora da tabela I contida na versão de 2009 do apontado Regulamento resultava, efectivamente, que o limite relevante para o efeito de liquidação de custas nas acções previstas no Código de Processo Civil era de 600.000,01 Eur. Tem, assim, que se concluir deste contexto normativo que o apontado regime de definição da aplicação da lei no tempo imobilizou em tal valor o montante relevante para a finalidade de liquidação de custas na presente acção. Faz todo o sentido que assim seja. O legislador optou, desta forma, por manter fixo um dos referentes essenciais da fixação das custas, ganhando assim margem de manobra para intervir nos critérios de liquidação sem atingir limites de perda de proporcionalidade e de agressão da previsibilidade e da confiança do cidadão num sistema jurídico em cujos contornos constrói as suas opções de tutela de direitos.

Esta questão surge a montante e como prévia à colocada pelo Ministério Público na sua resposta. É certo que, para solucionar o problema da determinação da regra aplicável, há que conjugar o disposto nos n.ºs 3 e 7 no art. 8.º citado que, com grande clareza, atendem ao tempo da constituição da obrigação de pagamento: o que já foi pago não é alterado; os novos actos praticados têm novo regime «tributário», designadamente quanto a taxas de justiça, encargos, multas ou outras penalidades. É no momento da condenação que se define a obrigação do pagamento de custas. As decisões de fundo proferidas, nas instâncias e no Supremo Tribunal de Justiça, são posteriores à entrada em vigor da referida Lei 7/2012. São os novos critérios de liquidação os aplicáveis. Não emerge da fixação do valor tributário a imobilização de regime no que tange à questão da aplicabilidade da tabela I do Regulamento das Custas Processuais (RCP) vigente em 2009. Porém, o valor de incidência da nova tabela é o congelado pelo mecanismo imobilizador emergente no n.º 6 do art. 8.º do RCP.

É positiva a resposta quanto à questão do valor. O valor «tributário» da acção é de 600.000,01 Eur”.

Cumpre salientar que, para efeitos de custas, o art.º 11.º do RCP prevê, desde sempre, que a base tributável, para efeitos de taxa de justiça, corresponde ao valor da causa, fixado de acordo com as regras da lei de processo, com os acertos constantes da tabela I.

Ou seja, ainda que à causa tenha sido fixado, por aplicação da lei de processo respetiva (concretamente o art.º 97.º-A do CPPT), um valor superior a 600.000,01 Eur., para determinação da base tributável para efeitos de taxa de justiça não pode deixar de se ter em conta aquele limite dos 600.000,01 Eur., vigente à data da propositura da presente ação.

Como tal, não tendo sido utilizada, na sentença de primeira instância, a faculdade conferida pelo art.º 6.º, n.º 7, e atenta a redação do RCP, à data da propositura da presente impugnação, lida em consonância com o regime transitório previsto no art.º 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, decorre que a conta deveria ter tido em consideração o valor máximo de 600.000,01 Eur. O que não ocorreu.

Assim sendo, assiste nesta parte razão à Recorrente.

Como tal, não assistindo integralmente razão à Recorrente, na medida em que há um valor de remanescente a pagar, o seu cálculo deve ser reformulado nos termos explanados supra.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso:

a.1. Declarando-se parcialmente nulo o despacho recorrido, por omissão de pronúncia quanto ao alegado no tocante à violação do art.º 14.º, n.º 9, do RCP, julgando-se, nesta parte, improcedente a pretensão da Recorrente;

a.2. Revogando-se parcialmente o despacho recorrido e, em consequência, determinando-se a reformulação da conta nos termos referidos;

b) Custas pela Recorrente, na parte em que decaiu, fixando-se tal decaimento em 22%, e sem custas quanto ao demais;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

















1) Disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=mBfuThSKNbM%3d&portalid=30.