Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:19/10.3BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
PROCEDIMENTO INSPECTIVO.
Sumário:I. Na pendência do procedimento de inspecção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada (cfr. o artigo 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária).
II. Trata-se, do exercício da competência atribuída à Administração Tributária para realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, a executar mediante procedimento da inspeção, que seguirá os termos que lhe foram fixados na lei, artigo 63.º da LGT.
III. Se os procedimentos foram sucessivos (e não simultâneos - pois que o segundo começou após a conclusão do primeiro), não logra aplicabilidade o artigo 15.º do RCPIT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

E..., Lda, veio deduzir Impugnação Judicial contra a liquidação n.° 2009 83..., no montante de € 8.651,99, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2006, pedindo a anulação da mesma.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, por decisão de 7 de Novembro de 2017, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, E..., Lda veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) O que o procedimento de inspeção demonstra é que existiu uma única ação de inspeção, de natureza externa, desencadeada por despacho de 02/02/2007 emitido ao abrigo do artigo 46.°, 4, 5 do RCPIT, e por isso legalmente limitada aos fins genéricos fixados naquele artigo e no art.° 50.°,1 do mesmo RCPIT e aos anos de 2004 e 2005, ação que no entanto extravasou esses limites, abrangendo, de facto, a prática de todos os atos relacionados com a avaliação indireta da matéria tributável de IRC e do IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006 e do IVA dos 1.° e 2.° trimestres de 2007, e a elaboração do relatório final de inspeção; verificando-se assim que todos os atos tributários baseados nos resultados dessa ação se mostram feridos de ilegalidade, no caso dos de 2004 e 2005, por a ação ter ultrapassado os limites daquelas duas normas do RCPIT, e no caso dos de 2006 e 2007, por o despacho os não abranger em absoluto.

B) No ato de notificação do Despacho que ordenou, ao abrigo do artigo 46.° do RCPIT, a realização da ação de inspeção não foi entregue à impugnante o Anexo a que se referem o artigo 49.°, n.° 3 e artigo 50.°, n.° 2, do RCPIT, vendo-se assim impedida de conhecer e exercer os direitos, deveres e garantias que lhe assistiam no procedimento de inspeção, e portanto privada do direito fundamental à proteção que legalmente lhe era devida, desamparo que arrasta a nulidade da notificação, e esta a ilegalidade da ação de inspeção e do ato tributário.

C) O anonimato da assinatura do despacho de 02/02/2007 que ordenou a realização da ação de inspeção, traduzindo-se numa diminuição das garantias de defesa e dos direitos protegidos da impugnante, e na ilegalidade insanável do correspondente ato administrativo e da ação de inspeção por ele ordenada, é fundamento suficiente da anulação do ato tributário; tanto mais que, no caso, havia uma especial obrigação de identificar a entidade que proferiu o despacho, assim como o superior hierárquico dos agentes que iam proceder à inspeção, já que, não tendo havido lugar à emissão de "Ordem de Serviço", foi através daquele despacho que os mesmos foram credenciados nos termos do n.° 2 do artigo 46.° do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT).

D) E também a falta de fundamentação do mesmo despacho que ordenou a realização da ação de inspeção é fundamento suficiente de anulação do ato tributário.

E) Como a falta de pronúncia por parte do Tribunal sobre essa mesma ausência de fundamentação por parte da administração é causa de nulidade da sentença.

F) Prevenindo a hipótese deste Venerando Tribunal de Recurso entender que houve uma segunda ação de inspeção, interna ou externa, dir-se-á que os atos tributários sempre enfermariam de ilegalidade por falta de despacho da entidade competente que tivesse ordenado a realização dessa pretendida segunda ação de inspeção, devendo com esse fundamento ser mandados anular.

G) Como a falta de pronúncia sobre a ausência do mesmo despacho por parte do douto Tribunal recorrido deveria arrastar a nulidade da sentença.

H) Como a Carta Aviso enviada para notificar a impugnante dos fins, âmbito e extensão dessa segunda ação de inspeção teria sido assinada por entidade que não invocou competência para proceder à notificação, que assim deve considerar-se nula; e da Carta Aviso não fez parte o Anexo com os direitos, deveres e garantias que assistiam à impugnante na qualidade de entidade a inspecionar, omissão que correspondendo à omissão duma parte essencial da carta-aviso, se traduz na inexistência de notificação, irregularidades que correspondendo ao incumprimento de formalidades essenciais, seriam causa de anulação dos atos tributários.

I) E como também a "Ordem de Serviço" emitida em 5 de Setembro para credenciar os agentes para a segunda ação de inspeção o teria sido de forma ilegal, uma vez que o despacho exarado, não só não foi reportado a esse necessário, mas inexistente, despacho anterior do diretor de finanças a ordenar a ação de inspeção que o legitimasse, mas também porque nele não é indicada a entidade que o proferiu, e no uso de que competência o fez, sendo também essas ilegalidades fundamento da anulação dos atos tributários.

J) E prevenindo também a hipótese de se pretender ver nessa pretensa segunda ação de inspeção uma extensão da primeira, sempre essa ação unificada seria ilegal, uma vez que não teria sido proferido pelo Diretor de Finanças o necessário despacho que fundamentasse a alteração, nos termos do artigo 15.° do RCPIT.

K) Os atos administrativos praticados pelo Diretor de Finanças no âmbito do novo procedimento de revisão da matéria tributável desencadeado após as decisões judiciais que anularam atos tributários resultantes de procedimento anterior com o mesmo objeto são atos inválidos:

a) Não só porque não foram, prévia e formalmente, praticados os necessários atos revogatórios dos atos inválidos anteriores que os novos pretendiam substituir.

b) Também porque a necessária revogação e substituição dos atos anteriores que os novos atos pressupõem só seria possível mediante o único fundamento legalmente admitido, mas nunca invocado, qual seria o da invalidade dos atos a revogar e substituir;

c) E ainda porque a revogação e substituição dos atos inválidos anteriores não foi feita dentro do prazo em que, legalmente, o poderia ter sido.

L) Assim, e também com fundamento na ilegalidade dos atos de fixação da matéria tributável de IRC e do IVA no âmbito do novo procedimento de revisão promovido pelo Diretor de Finanças (e de que resultaram os atos tributários agora impugnados) sem que, previa e atempadamente, aquela entidade tenha procedido à revogação e substituição dos atos do primeiro procedimento com o mesmo objeto - deve o ato tributário agora impugnado ser mandado anular.

M) A douta sentença recorrida enferma ainda de nulidade por falta de pronúncia, uma vez que, tendo a impugnante e ora recorrente invocado a falta de cumprimento de disposições do Código de Procedimento Administrativo, nomeadamente as dos seus artigos 141.° e 147.°, como origem de ilegalidade dos atos de fixação da matéria tributável de IRC e do IVA no âmbito do novo procedimento de revisão promovido pelo Diretor de Finanças, e da consequente invalidade dos atos tributários nele baseados, o douto Tribunal recorrido ignorou tal invocação, ao abster-se da necessária apreciação de tão decisivo fundamento da impugnação.

Termos em que,

com tais fundamentos, e com os demais de Direito que este Venerando Tribunal saberá suprir, se requer, pois, a V.Ex.as que, uma vez recebido e autuado que seja o presente, seja dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, seja a douta sentença recorrida revogada, substituindo-se a mesma por outra que mande anular o ato tributário impugnado, assim se fazendo a necessária, devida e costumada JUSTIÇA!»

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

«Entende a recorrente que o Tribunal a quo decidiu mal as questões por ela colocadas na petição inicial, referindo que deixou de se pronunciar sobre estas, tendo abordado outras em que não atendeu aos seus argumentos, tendo decidido contra si.

Relativamente às questões colocadas apenas basta citar a Douta sentença do tribunal a quo para verificar que a Recorrente carece de razão, o que por economia de meios nos escusaremos a fazer, uma vez que já foram abordadas as razões que sustentam esta tese no corpo destas alegações, concluindo apenas que i) as causas de invalidade do procedimento de inspeção, desenvolvido a coberto do despacho n.° DI200700109, foram sanadas e não atendida a argumentação da Recorrente; ii) as causas de invalidade do procedimento de inspeção, desenvolvido a coberto da ordem de serviço n.° 0I200700029, foram abordadas e corretamente afastadas; e, iii) as vinculações emergentes dos julgados anulatórios, proferidos nos processos n.°s 71/2008 e n.° 70/2008, não afetam o procedimento da AT, estando o processado corretamente desenvolvido.

Relativamente à omissão de pronúncia, pressupõe esta que o julgador deixe de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes, ou seja, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, o que, claramente, não é o caso, pelas razões supra explanadas.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente por não provado, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»



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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Em 20 de dezembro de 2006, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboraram uma informação com o seguinte teor:

"Análise do sector de ensino em escolas de condução

Informação recolhida das estatísticas remetidas aos concelhos da Horta e da Madalena pela Direção de Serviços de Viação e Transporte Terrestres da Horta, e das declarações anuais de informação contabilístico fiscal, dos anos de 2004 e 2005:

Escola de condução I... (...)


«Imagem no original»


Da análise efectuada aos elementos recolhidos, podemos verificar que a relação entre o número de candidatos e o valor declarado em prestação de serviços, para as Escolas de Condução I... e P... é muito semelhante.

O mesmo não acontece com a E..., apresentando como prestação de serviços uma verba muito abaixo das outras escolas, face ao número de candidatos propostos a exame.

Em face do exposto propõe-se acção inspectiva para este sujeito passivo e para os anos de 2004 e 2005.

(…)

Horta, 20 de dezembro de 2006

M..." (cfr. informação de fls. não numeradas do processo administrativo).

2) Em 20 de dezembro de 2006, sobre uma ficha de fiscalização extraída em nome da E..., Lda., foi exarado o seguinte:

"oportunamente, quando existirem recursos humano nesta D.F. na área da I.T., o S.P. será objecto de uma acção de inspecção a iniciar a coberto de um despacho

Horta, 2006.12.20

o D.F." (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

3) Em 1 de fevereiro de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboraram um documento, ao qual foi atribuído o n.° DI200700109, denominado "Procedimento de Inspeção Despacho (Nos termos dos n° 4 e 5 art.° 46° do RCPIT)", com o seguinte teor:


«Imagem no original»


“ (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

4) Em 30 de agosto de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram o ofício n.° 2941, dirigido à E..., Lda., com o seguinte teor:


«Imagem no original»


(cfr. anexo 5, junto ao relatório de inspeção tributária, a fls. não numeradas do processo administrativo).

5) Nos dias 31 de agosto, 2, 5, 6 e 7 de setembro, os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças da Horta, elaboraram os autos de declarações de clientes da E..., Lda., tendo-os inquirido sobre as quantias e modos de pagamento efetuados a esta, como contraprestação pelos serviços, os quais constam do anexo 4 do relatório de inspeção em apenso, a fls. não numeradas do processo administrativo.

6) Em 5 de setembro de 2007, foi elaborado um documento ao qual foi atribuído o n.° OI200700029, denominado "Procedimento de Inspeção Externa - Ordem de Serviço (Art.° 46° do RCPIT)", com o seguinte teor:


«Imagem no original»


(cfr. quadro 4) (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

7) Em 5 de setembro de 2007, o quadro 2 do documento com o n.° OI200700029, referenciado em 6), foi preenchido da seguinte forma:

"Despacho


Proceda-se à inspeção externa

O responsável (assinatura ilegível)" (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

8) Em 5 de setembro de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças da Horta, elaboraram o ofício n.° 3066, dirigido a E..., Lda., indicando o seguinte:

"(...)

N° Ordem de Serviço OI200700029

(…)

Carta Aviso

Nos termos da alínea l) do n.° 3 do artigo 59.° da Lei Geral Tributária – LGT e do artigo 49.° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (...) fica(m) Vª(s) Ex.ª(s) notificado(s) de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária.

A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de Vª(s) Exª(s) e terá o âmbito e extensão a seguir indicados:

(…)

A eventual alteração ao âmbito e extensão da acção inspectiva, resultará de despacho fundamentado da entidade que a ordenou (...) (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

9) O ofício n.° 3066 foi enviado através da carta registada com o n.° RO…PT, tendo sido entregue a 7 de setembro de 2007 (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

10) Em 12 de setembro de 2007, o quadro 7 do documento com o n.° OI200700029, referenciado em 6), foi preenchido da seguinte forma:

"Tomei conhecimento do conteúdo desta Ordem de Serviço, de que me foi entregue cópia (assinatura ilegível) na qualidade de sócio gerente" (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

11) O campo 2, do documento com o n.° NDD200701818, denominado de "Nota de Diligência (art. 61° do RCPIT) Duplicado" foi preenchido da seguinte forma:

"Despacho

N° DI200700109

Inspecção iniciada 2007/06/28 às 10:00

Concluída 2007/09/05 às 17:00 (...)"(cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

12) Em 12 de setembro de 2007, o campo 8, do documento com o n.° NDD200701818, foi preenchido da seguinte forma:

"Recebi a NOTA DE DILIGÊNCIA

O(s) Sujeito(s) Passivo(s) (assinatura ilegível)" (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

13) Em 13 de setembro de 2007, a E..., Lda., respondeu ao ofício n.° 2941, tendo requerido ao Diretor de Finanças da Horta a prorrogação do prazo por período não inferior a 30 dias, que considerou ser "indispensável para a recolha dos elementos solicitados" (cfr. pág. 5, do anexo 5, junto ao relatório de inspeção tributária, a fls. não numeradas do processo administrativo).

14) Por despacho de 13 de setembro de 2007, o Diretor de Finanças da Horta decidiu indeferir o requerido em 13) (cfr. pág. 6, do anexo 5, junto ao relatório de inspeção tributária, a fls. não numeradas do processo administrativo).

15) Em 17 de setembro de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboraram o projeto de relatório de inspeção tributária (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

16) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboraram o ofício com o n.° 3185, de 17 de setembro de 2007, dirigido à E..., Lda., pelo qual lhe transmitiram o seguinte:

"(…)

Notifica(m)-se Vª(s) Ex.ª(s) de que, no prazo de 15 dias poderá, querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de relatório de Inspecção tributária, que se anexa (...) (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

17) O ofício com o n.° 3185, referenciado em 16), foi enviado para a E..., Lda., através da carta registada com o n.° RO7…PT, a qual foi entregue a 18 de setembro de 2007 (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

18) A E..., Lda., não exerceu a sua pronúncia por escrito, sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção (cfr. capitulo IX do relatório de inspeção tributária, de fls. nao numeradas do processo administrativo).

19) Em 15 de outubro de 2007, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboraram o relatório de inspeção tributária, pelo qual se introduziram correções à matéria coletável ao exercício de 2006, em sede de IRC, com recurso a métodos indiretos, no valor de € 66.420,16, tendo sido considerado em falta o imposto no valor de € 8.634,62 (cfr. mapa resumo do relatório de inspeção tributária, a fls. não numeradas do processo administrativo).

20) O relatório de inspeção referenciado em 19), justificou a aplicação dos métodos indiretos com a seguinte fundamentação:

"(…)





(...)

«Imagem no original»







(...)" (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

21) A E..., Lda., impugnou o ato de liquidação do IRC, do exercício de 2006, o qual deu origem à impugnação judicial n.° 27/2009, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, o qual proferiu sentença de anulação da liquidação, em 11 de setembro de 2009, com fundamento na convocação irregular do perito designado pela impugnante (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

22) Em 16 de setembro de 2006, o Diretor de Finanças de Ponta Delgada determinou a designação de uma nova comissão de revisão e a emissão de novas liquidações de IRC (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

23) Em 1 de outubro de 2009, o Diretor de Finanças da Horta elaborou o seguinte despacho:

"Tendo em consideração que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada anulou as liquidações de IRC do ano de 2006, (...), por sentenças de 11 de setembro de 2009, exaradas nos processos de impugnação n.°s 27/09.7BEPDL (...), em virtude de não ter sido respeitado o prazo estipulado no n.° 5 do artigo 91.° da Lei Geral Tributária, assim urge repor a legalidade e iniciar o processo a partir do pedido de reunião apresentado pelo contribuinte (...), razão pela qual, nos termos do n.° 3 do artigo 91.° da Lei Geral Tributária designo como perito o senhor (...), marcando a 1ª reunião para as 10H00 do próximo dia 19 de outubro de 2009 nesta Direção de Finanças (...)"(cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

24) Através dos ofícios n.° 2462 e n.° 2461, de 1 de outubro de 2009, dirigidos à E..., Lda., e ao perito indicado por esta, a Divisão de Tributação e Justiça Tributária levou ao conhecimento dos mesmos o teor do despacho referenciado em 23), (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

25) Em 10 de dezembro de 2007, a Divisão de Tributação e Justiça Tributária elaborou a seguinte informação:

"Cumpre-me informar V. Exa. que, o Perito indicado pelo contribuinte, foi por carta registada de 01 de Dezembro de 2009, convocado para comparecer a uma nova reunião marcada para hoje, 19 de outubro de 2009, às 10H00, nesta Direcção de Finanças. Porém não compareceu, nem justificou a falta à 1.a reunião." (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

26) Em 19 de outubro de 2009, o Diretor de Finanças decidiu designar nova data para a realização da reunião, com a advertência que o "perito do contribuinte (deveria) justificar a falta à primeira reunião, e que a não justificação da falta ou a não comparência à segunda reunião valer como desistência da reclamação'' (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

27) Através dos ofícios n.° 2589 e n.° 2590, de 19 de outubro de 2009, dirigidos à E..., Lda., e ao seu perito, a Divisão de Tributação e Justiça Tributária levou ao conhecimento dos mesmos o teor do despacho referenciado em 26), (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

28) Em 26 de outubro de 2008, a Divisão de Tributação e Justiça Tributária elaborou a seguinte informação:

"Cumpre-me informar V. Exa. que, o Perito indicado pelo contribuinte, foi por carta registada de 19 de outubro de 2009, convocado para comparecer a uma nova reunião marcada para hoje, 26 de Outubro de 2009, às 10H00, nesta Direcção de Finanças. Porém não compareceu, nem justificou a falta à 1.ª reunião.

Assim, nos termos do n.° 6 do artigo 91.° da Lei Geral tributária, valem como desistência da reclamação a não justificação da falta à 1ª reunião ou a não comparência à segunda reunião" (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

29) Em face da informação referenciada, o Diretor de Finanças da Horta decidiu, em 26 de outubro de 2009, arquivar o procedimento de revisão "por desistência da reclamação'' (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

30) Através dos ofícios n.° 2628 e n.° 2627, de 27 de outubro de 2009 dirigidos à E..., Lda., e ao seu perito, a Divisão de Tributação e Justiça Tributária levou ao conhecimento dos mesmo o teor do despacho referenciado em 29), (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

31) O Serviço de Finanças da Horta procedeu a liquidação n.° 2009 8…, no montante de € 8.651,99, relativo ao exercício do IRC de 2006 (cfr. informação de fls. 3 e 21 do suporte físico do processo).


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Da instrução da causa inexistem factos não provados.

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O Tribunal fundou a sua convicção a partir da análise aos documentos constantes do processo administrativo e juntos ao suporte físico do processo, nos termos especificados.»


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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto:


Por se entender relevante para a decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:


32) A acção de inspecção externa inscrita no ponto 3) incidiu sobre os exercícios de 2004 e 2005, e teve âmbito geral (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).


33) A acção de inspecção externa inscrita no ponto 3) foi concluída em 05.09.2007 (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo)


- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas pela Recorrente, importa apreciar e decidir as seguintes questões:

(i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia - [Conclusão E, G e M];

(ii) Vícios formais do procedimento de inspecção

- violação do artigo 46.º, n.ºs 4 e 5 e artigo 50.º, n.º1 ambos do RCPIT - [Conclusões A) e B)];

- violação dos artigos 49º, n.º 3 e 50º, n.º 2 ambos do RCPIT - [Conclusão B];

- se o anonimato da assinatura do Despacho de 02/02/2007 que ordenou a realização do procedimento de inspecção acarreta numa diminuição das garantias de defesa e dos direitos protegidos da Impugnante, com a consequente ilegalidade insanável do procedimento de inspecção e actos subsequentes - [Conclusão C)];

- se o despacho que ordenou a realização do procedimento de inspecção padece do vício de falta de fundamentação - [Conclusão D)];

- falta de Despacho da entidade competente que ordenou a realização do segundo procedimento de inspeção - [Conclusão F)];

- irregularidades da “Carta- Aviso”- por ter sido assinada por entidade que não invocou competência para proceder à notificação e não ter sido acompanhada do Anexo com os direitos, deveres e garantias que assistiam à Impugnante - [Conclusões H)];

- falta de credenciação dos inspectores que realização o segundo procedimento de inspecção - [Conclusão I)];

(iii) Vício de violação de lei por ofensa do artigo 15.º do RCPIT - [Conclusão J)];

(iv) invalidade dos actos administrativos praticados pelo Director de Finanças no âmbito do novo Procedimento de Revisão da Matéria Tributável, desencadeado após as decisões judiciais que anularam actos tributários resultantes de procedimento anterior com o mesmo objecto - [Conclusões K) e L)].

Uma vez que foi proferido Acórdão por este TCAS, no âmbito do processo nº 18/10, em que se suscitaram as mesmas questões, recuperamos o ali decidido, e que subscrevemos na íntegra:

“(…) NULIDADE DA SENTENÇA por omissão de pronúncia

Conforme acima se deixou inscrito, a primeira questão que cumpre conhecer traduz-se em saber se a sentença sob recurso enferma de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º do CPPT), por, segundo a recorrente, não conhece das questão que devia conhecer, relativamente à « [f]alta de fundamentação do (…) Despacho que ordenou a realização da Ação de Inspeção» , e quanto à « (…) falta de cumprimento de disposições do Código de Procedimento Administrativo, nomeadamente as dos seus artigos 141º e 147º, como origem de ilegalidade dos atos de fixação da matéria tributável de IRC e do IVA no âmbito do novo Procedimento de Revisão promovido pelo Diretor de Finanças, e da consequente invalidade dos atos tributários nele baseados» .

É sabido que a nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.

E, é igualmente sabido que, essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, nº. 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Como se infere do que vem dito, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de «petitionem brevis», a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No caso a sentença só seria nula se tivesse deixado de se pronunciar sobre as questões que devesse resolver.

Ora, pela leitura da sentença recorrida se pode concluir que o Tribunal «a quo» apreciou expressamente todas as questões que a recorrente afirma ter o seu conhecimento sido omitido.

Com efeito, após ter enunciado as questões que a recorrente colocou na petição inicial (a saber: Tribunal vai apreciar as alegações da impugnante em três partes: i) das causas de invalidade do procedimento de inspeção, desenvolvido a coberto do despacho n.º DI200700109; ii) das causas de invalidade do procedimento de inspeção, desenvolvido a coberto da ordem de serviço n.º OI200700029; iii) das vinculações emergentes do[s] julgado [s] anulatório[s], proferido[s] no[s] processo[s] n.º[s] [71/2008 e nº70/2008] (…) conheceu expressamente todas as questões, conforme se pode ler das seguintes passagens:

Quanto à questão i) entende o Tribunal « a quo» que «a falta de indicação da entidade que assinou o despacho propulsor do procedimento de inspeção, titulada pelo despacho n.º DI200700109, não implicou qualquer diminuição das garantias de defesa ou dos direitos da impugnante.

Aplicando-se a jurisprudência já referenciada, tal omissão degradou-se em formalidade não essencial ou irrelevante», bem como «não foram cumpridas as formalidades prescritas para a realização do procedimento, porquanto não foi provado o envio de carta-aviso, para a impugnante, com a antecedência legal», mas «a Direção de Finanças da Horta deu efetivo conhecimento à impugnante da existência do procedimento e do seu objeto, a tempo de nele participar, tendo-lhe sido dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspetivo», pelo que «de acordo com o princípio do aproveitamento do ato administrativo, o Tribunal considera que tal irregularidade não gera efeito invalidante, devendo considerar-se que as irregularidades foram sanadas (cfr. acórdão do 6 de abril de 2017, processo n.º 164/12.0BEBJA, do Tribunal Central Administrativo Sul, disponível em www.dgsi.pt)».

Quanto à questão ii), entende o Tribunal «a quo» «relativamente ao procedimento de inspeção desenvolvido em primeiro lugar (cfr. 3)), que a omissão de elementos exigidos pela referida norma não produzia qualquer efeito invalidante, por igualdade de razão conclui-se o mesmo relativamente ao procedimento de inspeção em análise», e que o facto de «o procedimento de inspeção em análise não conter qualquer referência ao procedimento inspetivo anterior, o Tribunal entende que a ligação entre ambos existe e manifesta-se, desde logo, pelo facto de abrangerem os mesmos exercícios e os mesmos impostos».

Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo que «não se divisa qualquer irregularidade pelo facto de a carta-aviso ter sido assinada por um inspetor-tributário», assim como «nenhuma ilegalidade se verifica pelo facto de não ter sido proferido o despacho previsto no artigo 15.º».

Por último, quanto à questão iii), entendeu o Tribunal «a quo» que «do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, resulta claramente o poder/dever de a Administração Tributária praticar novos atos que não reincidam na mesma ilegalidade», pelo que «Foi o que a Direção de Finanças da Horta fez, ao ter retomado o procedimento de revisão, justamente no ponto em que o Tribunal considerou existir uma ilegalidade: na forma/prazo de convocação do perito da impugnante».

Assim, diversamente do sustentado pela recorrente, a análise da sentença recorrida permite concluir que o Tribunal «a quo» apreciou as questões que alegadamente as conclusões de recurso surgem enunciada afirmar não terem sido conhecidas.

Improcede, por isso, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Do mérito do recurso

A questão que seguidamente se coloca é a de saber se o Tribunal «a quo» errou no julgamento de direito ao ter concluído que o procedimento de inspeção tributária que deu origem às liquidações impugnadas não padece dos vícios procedimentais invocados na petição de impugnação judicial que originou os presentes autos.

Vejamos, de per si, cada um dos invocados vícios.

Antes de mais, recorde-se que, o procedimento de inspecção reportado nos presentes autos decorreu ao abrigo do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, na versão introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Isto dito, e revertendo às Conclusões de recurso, verifica-se que a recorrente, entende que a Administração Tributária “extravasou” a extensão do procedimento de inspecção realizado sob a ordem interna de serviço n.º D.I200700109, emitida em 02.02.2007, na medida em que tinha como âmbito inicial apenas o IRC e IVA e como extensão os exercícios de 2004 e 2005 de 2012 e foi alterado para o IRC e IVA dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 e do IVA dos 1º e 2º Trimestres de 2007. E, por isso, conclui que a sentença patenteia uma violação dos artigos 46.º, n.ºs 4 e 5 e artigo 50.º, n.º1 ambos do RCPIT [Conclusões A) e B)].

Como resulta do probatório a Administração Tributária a realizou duas acções de inspecções à recorrente que qualificou de natureza externa (cujas naturezas não se discute) a primeira, foi efectuada na sequência da ordem interna de serviço n.º D.I200700109, emitida em 01.02.2007 (Cfr. ponto 7 do probatório), que determinou a realização de um procedimento de inspecção externo a incidir sobre os exercícios de 2004 e 2005 (Cfr. ponto 32) do probatório, aditado por este Tribunal).

A segunda acção de inspecção, foi realizada com base na ordem de serviço OI200700029, emitida em 05.09.2007, relativamente aos exercícios de 2005, 2005, 2006 e 2007, a incidir sobre IRC e IVA.

Ou seja, foi após a conclusão do primeiro procedimento inspectivo (credencial DI200700109) ocorrida em 05.09.2007 (Cfr. ponto 33) do probatório, ora, aditado) é que foi determinada a realização do procedimento ora questionado (credencial OI200700029) com, âmbito e extensão diferentes daquele outro (Cfr. ponto 7 e 34 - aditado por este Tribunal-)

Desde modo, porque os procedimentos foram sucessivos (e não simultâneos - pois que o segundo começou após a conclusão do primeiro), não se verifica assim, a apontada ilegalidade no segundo procedimento de inspecção.

Aliás, ciente da sua falta de razão, talvez por isso, acabe a recorrente, por alegar que ainda assim, o segundo procedimento de inspecção sempre seria ilegal por afrontar o artigo 15.º, n.º1 do RCPIT.

Mas mais uma vez, sem razão.

Prevê o normativo supra citado, sob a epígrafe «Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento»), no seu n.º1, que na pendência do procedimento de inspecção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.

Trata-se, do exercício da competência atribuída à Administração Tributária para realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, a executar mediante procedimento da inspeção, que seguirá os termos que lhe foram fixados na lei, artigo 63.º da LGT.

Efectivamente, a obrigação de notificação ao contribuinte do despacho de alteração dos fins, do âmbito ou da extensão do procedimento de inspecção, pressupõe, como de resto, o legislador deixou sublinhado através da expressão «durante a sua execução», que aquela tem de verificar-se na pendência do procedimento.

Ora, na situação fáctica relatada nos autos, não logra aplicação a norma legal invocada pela recorrente, pois que, como já atrás dissemos e repetimos novamente, foi após a conclusão do primeiro procedimento inspectivo (credencial DI200700109) foi determinada a realização do segundo procedimento de inspecção.

Como se esclarece no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.01.2014, proferido no processo n.º 0827/12, « [p]orque os procedimentos foram sucessivos (e não simultâneos - pois que o segundo começou após a conclusão do primeiro), também não se pode dizer que a AT deveria ter alterado o primeiro em vez de iniciar o segundo ou que, não tendo optado por eventual alteração, haja violado o disposto nos citados normativos e ocorra ilegalidade da liquidação adicional» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Alega, ainda, a recorrente, que não lhe foi entregue o Anexo a que se referem os artigos 49.º, n.º 3 e 50.º, n.º 2 do RCPIT, « [v]endo-se assim (…)impedida de conhecer e exercer os direitos, deveres e garantias que lhe assistiam no Procedimento de Inspeção (…) » e que o «[a]nonimato da assinatura do Despacho de 02/02/2007 que ordenou a realização da Ação de Inspeção, traduzindo-se numa diminuição das garantias de defesa e dos direitos protegidos da Impugnante» [Conclusões C) e D)], que « [a] “Carta-Aviso” enviada para notificar a Impugnante dos fins, âmbito e extensão dessa segunda Ação de Inspeção teria sido assinada por entidade que não invocou competência para proceder à notificação[Conclusão I)]; «“Carta-Aviso” não fez parte o Anexo com os direitos, deveres e garantias que assistiam à Impugnante na qualidade de entidade a inspecionar, omissão que, correspondendo à omissão duma parte essencial da “Carta-Aviso”, se traduz na inexistência de notificação, irregularidades que correspondendo ao incumprimento de formalidades essenciais, seriam causa de anulação dos atos tributários. [Conclusão (…)]; e, ainda que « a “Ordem de Serviço” (emitida em 5 de Setembro) para credenciar os Agentes para a segunda Ação de Inspeção o teria sido de forma ilegal, uma vez que o Despacho exarado não só não foi reportado a esse necessário, mas inexistente, Despacho anterior do Diretor de Finanças a ordenar a Ação de Inspeção que o legitimasse, mas também porque nele não é indicada a entidade que o proferiu, e no uso de que competência o fez, sendo também essas ilegalidades fundamento da anulação dos atos tributários.» [Conclusão (…)].

Não se ignora que por força do disposto no artigo 59.º, n.º3 da LGT, a colaboração da Administração Tributária com os contribuintes compreende, designadamente, nos termos da sua alínea l), « A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo».

E, em decorrência desse princípio de colaboração, o artigo 49.º do RCPIT, sob a epígrafe «Notificação prévia para procedimento de inspecção» determina que:

«1 - O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

2 - A notificação prevista no número anterior efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:

a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;

b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.

3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção.».

Retornando ao caso dos autos é fácil de ver que da “Carta – Aviso” em causa, dela consta, além do mais, o seguinte: « Anexo: Folheto informático contendo os direitos, deveres e garantias que assistem ao sujeito passivo.».

É certo que não há prova directa de que o referido Anexo foi remetido à recorrente, porém, caso não tivesse sido remetido, impunha-se, por via do princípio da boa-fé, que de pronto reagisse contra a irregularidade, agora, invocada.

Mais: nem sequer neste recurso a recorrente adianta que, caso tivesse sido remetida a documentação que alega em falta, resultasse algo útil em termos da sua intervenção do procedimento de inspecção.

Prosseguindo.

A norma extraída do nº 3 do artigo 46.º do RCPIT, determina o seguinte:

«3 - A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:

a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspecção;

b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos actos de inspecção, do respectivo chefe de equipa e da entidade a inspeccionar;

c) O âmbito e a extensão da acção de inspecção».

Sendo esse o conteúdo obrigatório da ordem de serviço e regressando aos autos, como se alcança do despacho exarado sobre a ficha de fiscalização mostra-se o mesmo assinado pelo Diretor de Finanças da Horta (cfr. ponto 2 do probatório), sendo que a referência nele contida (“DF”) pese embora a assinatura se apresente como ilegível respeita ao Director de Finanças, que nos termos do artigo 16.º do RCPIT, é a entidade competente para a instrução do procedimento de acção inpectiva.

No que concerne ao despacho n.º DI200700109 (Cfr. ponto 3 do probatório) denominado «Procedimento de Inspeção Despacho (Nos termos dos nº 4 e 5 art.º 46º do RCPIT)» pese embora se mostre assinado, desconhece-se a qualidade da entidade que assinou tal despacho, porquanto apenas consta a referência à qualidade de «Responsável».

É certo que a lei obriga a fazer constar do acto «[a] indicação da autoridade que o praticou» (artigo 123.º, n.º1, alínea a) do CPA – na redacção à data dos factos) e que tal não sucedeu, na medida em que só consta do despacho n.ºDI200700109 a assinatura do seu autor com a menção « Responsável» mas isso não significa que tal irregularidade constitua vício que determine a sua anulabilidade visto que essa irregularidade não ter afectado ou prejudicado os direitos de defesa da recorrente.

Com efeito, compulsada a matéria de facto, da mesma decorre que a recorrente teve conhecimento do despacho que determinou o início da ação de inspeção, a coberto do despacho n.º DI200700109, em 28 de junho de 2007, tendo-lhe sido entregue uma cópia do mesmo (Cfr. ponto 3) do probatório) e como refere, e bem, a sentença recorrida, do « (…) o teor de tal documento, verifica-se que o mesmo ostenta o timbre da Direção-Geral dos Impostos, fazendo-se a referência aos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta e a “Procedimento de Inspeção – Despacho nos A”, bem como a referência a “Objectivos da Acção Inspetiva”, a “Âmbito e extensão da acção inspetiva – Anos/Exercício/Períodos a fiscalizar” e, ainda a “identificação dos funcionários”, sendo que a recorrente bem alcançou o respectivo conteúdo, como se pode ver do requerimento apresentado em 13 de setembro de 2007, em respondeu ao ofício n.º 2941, no qual solicita ao Director de Finanças da Horta a prorrogação do prazo por período não inferior a 30 dias, que considerou ser “indispensável para a recolha dos elementos solicitados” ( Cfr. ponto 13) do probatório).»

Sendo assim, é bom de ver que a falta de indicação da entidade que assinou o despacho propulsor do procedimento de inspeção, titulada pelo despacho n.º DI200700109, não implicou qualquer diminuição das garantias de defesa ou dos direitos da recorrente.

No tocante à invocada existência de irregularidades na credenciação, decorrentes de irregularidades na ordem de serviço, importa notar que, não implicam ilegalidade do procedimento inspetivo, tornando, sim, legitima oposição do sujeito passivo aos actos de inspecção e no caso, não existe evidência de que a recorrente se opôs aos actos inspectivos relativos a 2007 (Cfr. artigos 46.º e 47.º do RCPIT).

E, ainda que entenda a recorrente que o despacho que ordenou a realização do primeiro procedimento de inspeção sofra do vício de forma por falta de fundamentação, tal não ocorre porquanto se nos ativermos ao teor do despacho « Proceda-se em conformidade» ( Cfr. Ponto 3 do probatório) e à informação que lhe serve suporte, logo constatamos a existência de fundamentação minimamente compreensível.

Mas, ainda que se verificasse o invocado vício de forma por falta de fundamentação não teria a consequência jurídica que a recorrente dele pretende retirar, desde logo, porque as liquidações impugnadas não foram efectuadas na sequência do procedimento de inspecção determinado pelo despacho identificado no parágrafo antecedente.

Quanto à questão da invalidade dos actos administrativos praticados pelo Diretor de Finanças no âmbito do novo Procedimento de Revisão da Matéria Tributável, desencadeado após as decisões judiciais que anularam atos tributários resultantes de procedimento anterior com o mesmo objecto, também aqui, não assiste razão à recorrente.

Com efeito, por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, foi julgada procedente a impugnação judicial n.º [27/2009], apresentada pela aqui recorrente contra liquidaç[ão] de I[RC de 2006] , anulando a liquidaç[ão].

Como sabemos, a execução de sentenças proferidas nos tribunais tributários é regulada pelas normas do CPTA por força do disposto no artigo 102º, n.º1 da LGT (diz o preceito: «A execução de sentenças dos tribunais administrativos e aduaneiros segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos»).

Nos termos do artigo 100.º da LGT, «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade».

Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (Vide, por todos, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 21.05.2015, proferido no processo n.º 8379/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Daqui resulta, desde logo, uma primeira consideração que a anulação da decisão final do procedimento de revisão por preterição da falta de notificação do perito para comparência na reunião dentro do prazo ( fundamento que suporta a procedência da impugnação judicial n.º 37/2009) fez recuar o procedimento de revisão a um momento que antecede a sua decisão final deste, tendo como consequência a anulação de todos os actos praticados nesse procedimento, e, também, obviamente a sua decisão final e, fora desse procedimento, afecta de ilegalidade os actos de liquidação do exercício de 200[6], na medida em que estes ficaram sem determinação da matéria tributável, elemento primordial da sua génese.

O que significa, que a anulação da decisão final do procedimento de revisão por preterição da falta de notificação do perito para comparência na reunião dentro do prazo (fundamento que suporta a procedência da impugnação judicial n.º 37/2009) fez recuar o procedimento de revisão a um momento que antecede a sua decisão final deste, tendo como consequência a anulação de todos os actos praticados nesse procedimento, e, também, obviamente a sua decisão final e, fora desse procedimento, afecta de ilegalidade os actos de liquidação sindicados, na medida em que estes ficaram sem determinação da matéria tributável, elemento primordial da sua génese.

Como se afigura evidente, os actos de liquidação em causa, constituem actos consequentes do procedimento de fixação da matéria colectável os quais, repete-se, deixaram de subsistir porque directamente consequente daquele, sendo nulos todos os actos subsequentes ao acto anulado (incluindo as liquidações sindicadas) (cfr. alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de CPA – na redacção à data -).

Por outro lado, os actos nulos não são susceptíveis de revogação e não estão, por isso, sujeitos aos limites, designadamente ao prazo, para a revogação de actos inválidos (cfr. artigos 139º e 141º do CPA).

Na improcedência "in totum" das conclusões de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que, assim, se mantém na Ordem Jurídica.(…)”

Acolhendo expressamente o decidido no Acórdão transcrito e respectiva fundamentação, será, também nos presentes autos, de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Março de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)