Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02803/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/02/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IRC.
CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
CORRECÇÕES TÉCNICAS E MÉTODOS INDIRECTOS.
UTILIZAÇÃO SIMULTÂNEA.
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO.
Sumário:1. Visando, a contabilidade, os métodos de registo e de cálculo dos actos relevantes à vida das empresas, no desenvolvimento dos respectivos objectos sociais, deve, a mesma, reflectir, enquanto um todo e pelos períodos económicos relevantes, os factos patrimoniais ocorridos ao longo da existência daquelas;

2. Sem embargo, a circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correcção, por parte da AF, através da utilização simultânea de correcções técnicas e métodos indirectos;

3.A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, mão só, uma faculdade, mas um poder/dever da AF na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar;

4. Impondo-se, à AF, a fundamentação substancial dos critérios de quantificação de venha a lançar mão, na utilização de métodos indirectos, tal ónus cumpre-se pela referência a elementos que se apresentem como justos e adequadas, à luz de parâmetros de aferição pautados por juízos de normalidade e probabilidade, ao alcance do resultado final;

5. Legitimada a utilização de métodos indirectos e cumprindo a AF o ónus referido no ponto anterior, a eventual dúvida que possa subsistir sobre a quantificação da matéria colectável desfavorece a impugnante a quem incumbia demonstrar, positivamente, que aquela carece de aderência à realidade;

6. Julgada procedente, na totalidade, a impugnação judicial, mas com conhecimento desfavorável à impugnante de alguns dos fundamentos invocados no articulado inicial, a apreciação destes, em sede de recurso, está dependente da solicitação da ampliação do respectivo âmbito, nos termos do disposto no art.°684.°-A, do CPC, por força do art.° 2.°/e, do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- O RFPública, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Lisboa (2) e que julgou procedente esta impugnação judicial deduzida por «C..................., S.A.», com os sinais dos autos, e deduzida contra liquidação adicional de IRC, derrama, tributações autónomas e juros compensatórios, no valor global de € 414.899,26, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

4.1.- O presente recurso, visa reagir contra a decisão de anulação do acto de liquidação impugnado, proferida pelo Tribunal “a quo”, e fundamentada no entendimento de que o acto impugnado não se encontra devidamente fundamentado por existir uma verdadeira contradição na fundamentação do acto impugnado.

4.2.- Constam do relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, documento incluso nos autos e ao qual a sentença faz referência, os motivos e fundamentos, nos quais a Administração Tributária se estribou para proceder à determinação do lucro tributável deitando mão à utilização de correcções técnicas e métodos indirectos.

4.3.- Efectivamente, a forma privilegiada para a determinação dos rendimentos sujeitos a tributação é avaliação directa, baseada na auto confissão do sujeito passivo (artigos 82.º/1 e 81.º da LGT) e de que é manifestação a presunção de verdade que gozam as declarações do contribuinte (artigo 75.º/1 da LGT), sendo que por força do estatuído no artigo 17.º/3-b) do CIRC, a contabilidade deve “reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de molde a que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes”.

4.4.- No entanto, se a contabilidade não for fiel, isto é, se “revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (no dizer do artigo 75.º/2 da LGT), ocultando “uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa” (nº 4 do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo DL 410/89 de 21/11), cai por terra a credibilidade nela depositada, ilidindo-se, assim, a presunção de verdade inicial conferida ao contribuinte.

4.5.- Da acção de inspecção externa levada a cabo pelos serviços da administração Fiscal resulta inequivocamente a contabilidade da Impugnante não reunia, pelo menos àquela data, as características exigidas, senão veja-se:
a) Não revelou contabilisticamente um activo e um passivo;
b) Valoriza as existências de produtos acabados e intermédios ao preço de venda;
c) Regista existência sem custo correspondente e vice-versa;
d) Não apresenta a verdadeira realidade financeira no que respeita aos custos efectivos;
f) Indicia a omissão do valor real de aquisição de diversas fracções (Cfr. fls. 8 a 23 do Relatório de Inspecção).

4.6.- Pelo que, tudo somado, revela clara e inequivocamente que a contabilidade da impugnante não merecia credibilidade, fazendo assim cessar a presunção de verdade de que gozava em vésperas da acção inspectiva (artigo 75.º/1 da LGT).

4.7.- Não se encontrando a contabilidade da Impugnante devidamente organizada, nem permitindo uma correcta determinação da matéria colectável, através das competentes correcções, por um lado, e tendo em conta que a gravidade das irregularidades e omissões tornava impossível comprovar e quantificar directa e exactamente todos os elementos necessários à determinação da matéria tributável, por outro, forçosamente será de concluir que a Administração Tributária, necessária e legitimamente, se viu na contingência de recorrer: á avaliação directa, para os valores facilmente quantificáveis, no caso correcções técnicas relativas aos custos financeiros não aceites para efeitos fiscais (€ 279.872,77), porque facilmente detectáveis e quantificáveis face aos extractos bancários irregularmente contabilizados, e a correcções por métodos indirectos para todas as restantes situações.

4.8.- Como professa o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2006-10-31, no âmbito do processo 122/04:
(…) III- A AF pode e deve lançar mão do recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria colectável sempre que a contabilidade do contribuinte revele anomalias e incorrecções por causa das quais não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável e, recorrendo a métodos indiciários (…) (disponível em www.dgsi.pt)

4.9.- Resulta assim que o ordenamento jurídico fiscal português consagra o princípio do sistema declarativo como meio de apuramento da matéria colectável. Em tal contexto, as outras vias de determinação da matéria colectável, da iniciativa da Administração Tributária, apresentam-se como meios subsidiários, já que o sistema jurídico tinha necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria tributável dos impostos, no caso daquele princípio não poder ser aplicado por motivos imputáveis ao contribuinte.

4.10.- A alternativa ao método declarativo, consiste, segundo a lei fiscal portuguesa, na aplicação de correcções técnicas, procedimento que tendo ainda por base a contabilidade do contribuinte, se consubstancia em correcções e ajustamentos efectuados à contabilidade, ou ainda, na utilização da avaliação indirecta, quando as correcções técnicas se mostrem impraticáveis no apuramento do lucro tributável (Acórdão do STA, de 07/05/2003, processo n.º 243/03).

4.11.- Sustentam no entanto os artigos 81.º a 85.º da Lei Geral Tributária, que a Administração Tributária não goza de liberdade na adopção de correcções técnicas ou, da avaliação indirecta, encontrando-se originariamente vinculada às primeiras e, apenas quando o apuramento do lucro tributável se apresentar inviável, deverá recorrer á avaliação indirecta, na caso, as segundas.

4.12.- Temos assim que a avaliação por métodos indirectos é subsidiária da avaliação directa, pelo que se lhe aplicam, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigos 81.º/1 e 85.º da LGT).

4.13.- Como explica CASALTA NABAIS

(…) No respeitante aos critérios, em que a avaliação indirecta se deve basear, são de distinguir dois grandes grupos de situações; um grupo, em que a matéria tributável é determinada com base em elementos exclusivamente objectivos, como acontece nos casos do regime simplificado de tributação, de afastamento dos padrões de rendimento evidenciados pelas manifestações de fortuna ou pelo acréscimo de património ou de consumo, bem como no caso de indicadores de actividade inferiores aos normais; outro grupo, em que a matéria colectável é determinada com base numa combinação de elementos objectivos e subjectivos, como acontece nos casos da impossibilidade e comprovação e quantificação directa e, bem assim, de sistemática apresentação de resultados tributáveis nulos ou de prejuízos (in “Direito Fiscal”, edição – Almedina; 2003, Pág. 321) (sublinhado nosso).

4.14.- Motivos pelos quais não comungamos do entendimento contido na sentença proferida, até porque o que está posto em causa é a credibilidade da organização contabilística, e não a credibilidade de documentos que, como já anteriormente exposto, permitem quantificar de imediato as irregularidades contabilísticas cometidas.

4.15.- Como decorre do entendimento proferido pelos Tribunais Superiores (Acórdão do TCA Sul, n.º 02383/08, de 27/05/2008), é lícita a utilização simultânea de métodos directos e indirectos para a determinação da matéria colectável, o que no caso sub Júdice encontra plena justificação.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se revogue a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que julgue a impugnação improcedente.

- A recorrida/impugnante contra-alegou tendo, no entanto, as suas contra- -alegações sido mandadas desentranhar dos autos por intempestivas (cfr. despacho de fls. 266).

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 289 pronunciando-se, a final, no sentido da procedência do recurso, acolhendo a argumentação da recorrente, de que se apropriou.

*****


- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A sentença ora recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). Em 31/08/2005, teve início a inspecção tributária levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, relativamente ao exercício de 2001, com base na Ordem de Serviço n.º............... (cfr. doc. junto a fls. 116 do processo instrutor junto aos autos);

B). Por ofício de 10/02/2006, foi a impugnante notificada para exercer o seu direito de audição, tendo sido remetida uma encomenda postal com 3,060gr (cfr. doc. junto a fls. 117 a 122 do processo instrutor junto aos autos);

C). Em 22/02/2006, foi efectuado o Relatório Final da Inspecção Tributária, de acordo com o qual, foram efectuadas correcções à matéria tributária da impugnante em sede de IRC do exercício de 2001, com recurso a métodos indirectos, a qual foi fixada em € 1.234.472,85 (cfr. doc. junto a fls. 169 a 212 do processo instrutor junto aos autos);

D). Do Relatório identificado no ponto anterior consta o seguinte;
“DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS NOTA PRÉVIA
11.1 – EM SEDE DE IRC
11.1.1. Custos não aceites para efeitos fiscais
11.1.1.1. Custos financeiros
Da análise à estrutura do balanço da empresa e no sentido de confirmar o valor dos saldos das contas de depósitos à ordem, através da conferência das reconciliações bancárias elaboradas no final do exercício, foi detectado que a sociedade era titular de duas contas junto da instituição Banco .................... (B....), sendo que somente uma delas foi revelada contabilisticamente, de acordo com o seguinte quadro: (…)
Questionado sobre a existência de tal conta e a sua omissão em termos contabilísticos, foi referido pela empresa que tal resulta de um acordo com o balcão local do banco, no sentido de que para efeitos de apresentação de produtividade do mesmo banco perante a sede, contraiu a empresa um empréstimo (com o n. n.o 0020020.011.40) e em simultâneo um depósito do mesmo montante ou sensivelmente do mesmo montante.
A sua não revelação contabilística tem como causa a apresentação de melhores rácios financeiros perante a banca, no sentido da obtenção de financiamentos junto da mesma, desiderato este que não era atingido se constassem das peças financeiras o activo (depósito à ordem) e passivo (empréstimo) referidos, dado que dessa mesma forma os rácios viriam degradados.
De acordo com fax enviado pelo banco à empresa, apresenta esta um saldo a 31.12.2001 no que concerne ao empréstimo acima referido de 4.987.979,00 € /1.000.000.006$00.
Da análise efectuada à rubrica de custos e perdas financeiros. Mais especificamente às diversas subcontas de juros bancários (681 a 687), foi detectado o registo de juros bancários debitados pelo BNC e referentes à conta empréstimo 0020020.011.40 de acordo com o seguinte quadro (…) Tendo em conta as condicionantes acima referidas, ou seja as condições em que foi contraído o empréstimo e não estando relevado o mesmo na contabilidade da empresa, não são aceites para efeitos fiscais um total de 279.982,77 €, na medida em que consubstanciam operações sem qualquer correlação com os proveitos da empresa nos termos do art. 23.º e atendendo ao disposto nos termos da alínea b) do n.º 3 do arteº 17.º e da alínea a) do n.º 3 do art. 115.º (anterior 98.º), todos do Código do IRC.
Anexa-se cópia dos documentos bancários comprovativos dos saldos acima referidos e dos extractos de conta corrente e respectivos documentos de suporte dos juros bancários, que constitui Anexo n.º 1 de vinte e quatro folhas (cfr. doc. junto a fls. 169 a 212 do processo instrutor junto aos autos);

E). Do mesmo Relatório consta ainda que:
«Da análise efectuada à contabilidade da empresa de acordo com os elementos e informações recolhidos junto dos serviços da mesma foi possível apurar os seguintes factos que determinaram a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exactas dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável e consequentemente justificam a aplicação de métodos indirectos da determinação da matéria colectável nos termos do n.º 1 do art.º 52.º do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88 de 30 de Novembro, e da alínea b) do art.º 87.º e as alíneas a) e d) do art.º 88.º, e atendendo ao disposto no n.º 3 do art.º 74.º, todos da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro.
III.I – OMISSÃO DE PROVEITOS
Conforme referido no ponto II.1.1.1. acima, a empresa não revelou contabilisticamente um activo e um passivo, ambos no valor aproximado de um milhão de contos, o que tem uma expressiva relevância no total do balanço, ou seja, para um total de activo ou passivo mais capital próprio de 19.690.579,80 €/3.947.606.819$00. Adicionalmente, a possibilidade da compensação dos saldos não está prevista no POC, ou seja não se pode compensar saldos de contas activas com contas passivas (balanço) nem de contas de custos e perdas com contas de proveitos e ganhos (demonstração de resultados), pelo que a empresa tinha a obrigação de registar tais activo e passivo. Adicionalmente, foram seleccionados, por amostragem diversos documentos da conta B...... que consta da contabilidade da empresa (conta 12.1) verificamos que são registados nessa conta documentos bancários (a débito ou a crédito) que se reportam a duas contas bancárias de que empresa é titular (com os n.ºs .................. e ................), pelo que o saldo apresentado na contabilidade da conta 121 (4.983.441$50) não apresenta qualquer identidade com a realidade.
111.2 – EXISTÊNCIAS
111.2.1. – Valorização existências finais produtos acabados
De acordo com o inventário de existências finais apresentado pela empresa para o exercício de 2001, temos que a mesma apresenta um total de 783.000.000$00 para os produtos acabados, assim discriminado: (…) A valorização dos produtos acabados deve ser efectuada, nos termos do ponto 5.3.1. do Plano Oficial de Contabilidade (POC, aprovado pelo Decreto-lei n.º 410/89 de 21 de Novembro) ao custo de aquisição ou de produção.
Admite-se e de acordo com o critérios valorimétricos consagrados nos pontos 5.3.4. e 5.3.5. do POC e concretizados fiscalmente nos art.ºs 26.º e 36.º do Código do IRC, nos casos em que o custo de aquisição ou de produção for superior ao preço de mercado, será este o utilizado, sendo de aceitar uma provisão para depreciação de existências, dependente a constituição desta provisão, contudo, de justificação, designadamente a definição concreta do preço de mercado das fracções em inventário e sua comparação com o preço de aquisição/produção das mesmas, o que não ocorre na situação adrede descrita.
Ora e nos termos da Nota 3 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, é referido que a empresa valoriza as existências de produtos acabados e intermédios ao preço de venda.
Mais, é o próprio Revisor Oficial de Contas, no ponto 6 da Certificação Legal de Contas (CLC) por ele emitida, na parte dedicada às reservas, refere e citando, “Conforme se refere na Nota 3 do Anexo ao Balanço, a empresa valoriza as existências de produtos acabados e intermédios ao preço de venda. A provisão que seria necessária para reduzir o preço de venda estimado ao custo de produção não foi susceptível de quantificação, mas tem, seguramente, alguma expressão”. Nos termos dos art.ºs 43.º e 44.º e n.ºs 4 e 5 do art.º 45.º do Regime Jurídico dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99 de 16 de Novembro, a revisão legal de contas é dotada de fé pública, estando sujeita aos regimes do direito à informação e do registo e publicação nos termos da lei respectiva, pelo que podemos assim constatar que é o próprio Revisor Oficial de Contas, enquanto profissional independente e seguindo o seu juízo profissional, admite estarmos perante a presença de um problema grave de valorização de existências, mas não consegue concretizar em números a divergência entre as existências finais constantes do inventário final e a que deveria constar do mesmo. Ou seja, não podemos confiar no inventário apresentado.
Anexa-se cópia do inventário de existências constante das peças finais do exercício de 2001 e da certificação legal das contas – Anexo 0.º 2 de cinco folhas.
III.2.2. Existências sem custo correspondente/Custo sem existências correspondente
Verificamos que a empresa tem registado em Produtos e Trabalhos em curso, mais concretamente na conta 3514 Quinta D’.......... um saldo final de 63.969.675$00, sem que contudo tenham sido registados no exercício quaisquer custos de aquisição de terrenos/matérias primas/subcontratos ou outros, nem que a mesma obra apresente existências iniciais, facto este que é inconcebível em termos contabilísticos.
Vide inventário de existências em Anexo n. 2.
111.2.3 – Custos indirectos
Na valorização das existências finais de produtos em curso, a empresa procedeu à imputação de parte dos custos indirectos (ou dos custos registados nas contas 622 e 63 a 69), mediante um coeficiente técnico sobre tais custos, sendo que tal coeficiente é calculado da seguinte forma: ao valor das facturas do exercício levadas a existências finais de produtos em curso é imputado um coeficiente de 22,43% dos custos indirectos (622 a 69), % esta obtida pelo quociente:
Coeficiente = Somatório contas 622 a 69
Existências finais produtos em curso
Cálculo este que para o ano de 2001 permitiu determinar um coeficiente de 22,43%, de acordo com o seguinte quadro: (…).
Nos termos do ponto 5.3.3. do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto- -Lei n.º 410/89 de 21 de Novembro, e citando: “Considera-se como custo d eprodução de um bem a soma dos custos das matérias-primas e outros materiais directos consumidos, da mão-de-obra directa, dos custos industriais variáveis e dos custos industriais fixos necessariamente suportados para produzir e colocar no estado em que se encontra e no local de armazenagem.
Os custos industriais fixos poderão ser imputados ao custo de produção, tendo em conta a capacidade normal dos meios de produção.
Os custos de distribuição, de administração geral e os financeiros não são incorporáveis no custo de produção”. Desta forma, a metodologia utilizada pela empresa não nos parece ser a mais adequada dado que:
Os custos de distribuição, de administração geral e os financeiros não são incorporáveis no custo de produção, de acordo com o POC, norma esta que não é aplicada pela empresa, dado que imputa às existências e ao custo das obras parte deste custos contabilizados nas diversas contas; os custos incorridos no exercício e a imputar são apenas imputados ás obras em curso, ou seja, as obras em curso no início do exercício e concluídas no exercício não sofrem qualquer imputação dos custos indirectos suportados. Assim, as deficiências encontradas na imputação dos custos indirectos às obras reforçam a ideia de que não é confiável o valor do inventário final de existências e do custo das obras vendidas no exercício.
Este procedimento foi aplicado de forma consistente pela empresa, pelo que as existências iniciais (finais de 2000) de produtos em curso estão influenciados pelo mesmo coeficiente. Contudo, não foi possível obter junto dos serviços da empresa o valor e o respectivo método de cálculo aplicado para o ano de 2000, pelo que e de acordo com a informação contabilística disponibilizada pela leitura da declaração anual de informação contabilística e fiscal de 2000, foi possível calcular tal rácio, no valor de 18,93%, como demonstra o seguinte quadro: (…)
III.2.4. – Custos Quinta D’.........
Da leitura das peças financeiras da empresa, nomeadamente do balancete a 31 de Dezembro de 2001, verificamos que esta obra tinha de existências iniciais um valor de 989.713.583$00.
No decurso dos actos de inspecção, informaram os serviços da empresa que à obra “Quinta D’.......” não foram imputadas quaisquer aquisições de matérias-primas/ subcontratas no ano de 2001 tendo contudo essas aquisições sido imputadas a uma outra obra denominada “Quinta Nova/Quinta do Poço”, valores estes que foram registados em obras em curso no final do exercício, ou seja, não constituíam custo da sobras vendidas no exercício em 2001. No entanto e de acordo com a mesma fonte, este conjunto de facturas efectivamente constituíram custo da obra “Quinta D’......”, tendo sido relevadas contabilisticamente em existência final da obra “Quinta Nova”, no sentido da empresa não apresentar resultado negativo, dado que tal é um indicador fundamental para a empresa obter financiamentos junto das entidades bancárias. Assim, a empresa apresentou um conjunto de algumas centenas de facturas que totalizam 583.173.854$00, assim discriminadas: (…) Nestes cálculos, pretendeu a empresa adicionar o coeficiente de custos indirectos (22,43% para 2001), o que, atendendo à fundamentação atrás aduzida (ponto 111.2.2), não é aceitável.
Revela este comportamento que não pretendeu a empresa apresentar (de acordo coma normalização contabilística e fiscal vigente a sua verdadeira realidade financeira concernente aos custos efectivos, mas antes obter um resultado líquido final que fosse de acordo com os seus objectivos de gestão. Por aquilo que pudemos verificar pela análise dos documentos contabilísticos, o custo da obra denominada “Quinta d’ ” vem influenciado de um saldo inicial de 989.713.583$00, e tendo-lhe sido imputados um total de 583.173.854$00 de custos do exercício de 2001, isto quando: as vendas de fracções desta obra iniciaram-se no segundo semestre do ano de 2001; alguns dos valores que compõem o total de 583.173.854$00 referem-se a fornecimentos de matérias-primas/subcontratas realizados no segundo semestre de 2001, quando nesta altura é suposto a obra estar concluída e as fracções prontas a serem habitadas;
Não é possível em todos os casos imputar directamente as facturas à obra “Quinta D’.........”, por deficiência de indicação nas facturas ou nas guias de remessa/ transporte do local da obra/descarga dos materiais adquiridos ou obras realizadas, não nos foi possível de todo comprovar os custos que a empresa pretendeu desta forma imputar a esta obra, dado que a ser assim nos levaria a nada condizentes coma realidade, conforme mapa da obra que se segue; (…)
III.3 – OMISSÃO ÀS VENDAS
No âmbito da acção de inspecção supra referida dos “Mútuos duvidosos”, foram apurados indícios de omissão do valor real de aquisição de diversas fracções, com repercussão em sede de SISA (para os compradores) e em sede de IRC (na esfera tributária do vendedor).
Assim, foram notificados os adquirentes para prestar esclarecimentos sobre o valor efectivamente pago ao vendedor e aplicação dos mútuos contraídos, bem como a apresentação de elementos comprovativos sobre a aplicação da diferença entre o valor de aquisição declarado e o valor total do(s) mútuo(s).
Do total das 92 vendas efectuadas no exercício, resultou que da análise efectuada às declarações efectuadas por vinte e três compradores (dos noventa e dois) e cruzando tal informação com as contas correntes dos mesmos junto da contabilidade da “CONSTRUÇÕES R................., S.A.”, foi possível verificar que o valor de aquisição divergiu do constante da escritura de compra e venda, traduzido no seguinte quadro: (…) Anexa-se cópia dos termos de declarações efectuadas pelos compradores que compareceram nestes serviços da inspecção tributária, das cópias do cheques enviados pelos mesmos e comprovativos das transacções e dos extractos de conta dos mesmos clientes/compradores (ano de 2001) e respectivos documentos de suporte junto da contabilidade da empresa conforme o seguinte quadro de anexos: (…)
III.4 – CONCLUSÃO
Estabelece o art.º 75º da Lei Geral Tributária que quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial e fiscal, presume-se a veracidade dos, dados e apuramentos decorrentes, salvo se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Assim, e atendendo os factos adrede apresentados e o estatuído legalmente, fica deste modo comprovado que nos termos do n.º 1 do art.º 52.º do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88 de 30 de Novembro, e da alínea b) do artº 87.º e alíneas a) e d) do art.º 88.º, e atendendo ao disposto no n.º 3 do art.º 74.º, todos da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro, é aplicável a metodologia de apuramento da matéria colectável através do recurso aos métodos indirectos. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 169 a 212 do processo instrutor junto aos autos);

F). Em 24/02/2006, foi lavrada a Certidão de Notificação de acordo com a qual se procedeu à notificação da ora impugnante do Relatório Final da Inspecção, datado de 24/02/2006 (cfr. doc. junto a fls. 12 123 do processo instrutor junto aos autos);

G). Em 06/03/2006, deu entrada nos Serviços de Inspecção Tributária um requerimento subscrito pela impugnante, exercendo o seu direito de audição (cfr. doc. junto a fls. 88 a 97 dos autos);

H). Em 08/03/2006, foi elaborada uma notificação de acordo com a qual os fundamentos invocados pela impugnante no seu direito de audição, foram analisados (cfr. doc. junto a fls. 74 a 87 dos autos);

I). Foi junto aos autos um “print” dos CTT Correios, de acordo com o qual , em 14/02/2006, não foi conseguida a entrega de um objecto (motivo de força maior), tendo a entrega do mesmo sido conseguida em 22/02/2006 (cfr. doc. junto a fls. 58 dos autos);

J). Em 17/03/2006, a impugnante dirigiu um requerimento à Estação do Serviços dos CTT’s, departamento GRM, solicitando informações sobre a entrega da encomenda remetida pelos Serviços de Inspecção Tributária (cfr. doc. junto a fls. 60 dos autos);

K). Em resposta ao requerimento identificado no ponto anterior, a Direcção de Qualidade Desenvolvimento dos CTT, respondeu à impugnante informando o seguinte: “(…) informa-se que aquela encomenda foi aceite como encomenda postal normal, que já por si é sempre registada. Foi entregue ao destinatário em 22/02/2006, depois de estar avisada na Estação dos Correios do Carregado desde 2006.01.14. O aviso para levantamento foi levado pelo Carteiro Distribuídos juntamente com toda a correspondência daquela área de distribuição. Quanto à hora constante no print é aquela em que o objecto é tratado no sistema informático, (pistolado na linha óptica) e não a entrega do aviso. No entanto, e uma vez que o aviso de entrega é correspondência não registada, não sujeita a qualquer anotação, não possuímos qualquer testemunho da ocorrência que nos permita garantir com absoluta certeza que o aviso tivesse sido depositado no receptáculo postal de destino. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 63 dos autos);

L). Em 30/03/2006, foi elaborada uma informação de acordo com a qual o pedido de consideração do direito de audição formulado pela impugnante ser considerado tempestivo, foi indeferido (cfr. doc. junto a fls. 143 a 148 do processo instrutor junto aos autos);

M). Em 26/04/2006, foi lavrada a Acta n.º 18/06, referente ao pedido de revisão efectuado pela impugnante, de acordo com a qual não houve acordo entre os peritos, tendo sido mantido o valor apurado pela Inspecção Tributária (cfr. doc. junto a fls. 151 a 168 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

N). Em 21/06/2006, foi recepcionado pela impugnante a Demonstração de acerto de contas da liquidação adicional de IRC do exercício de 2001, de acordo com o qual é apurado o montante a pagar de € 413.644,56 (cfr. doc. junto a fls. 51 dos autos);

O). Em 21/06/2006, é recepcionada pela impugnante a Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios de IRC referente ao exercício de 2001 (cfr. doc. junto a fls. 52 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).


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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, distintos dos mencionados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida que; «A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- “In casu” a Mm.ª juiz recorrida julgou procedente a presente impugnação por entender que o acto tributário carece de fundamentação, na medida em que a empregue se apresenta contraditória uma vez que, para o mesmo exercício, para a mesma espécie de imposto e para o mesmo contribuinte a AF se socorreu, simultaneamente, de métodos indirectos e de correcções técnicas.

- Assim, depois de se reportar aos preceitos legais em que se pode ancorar o recurso à metodologia indiciária (cfr. fls. 201 a 203 dos autos), consignou-se, nesta matéria, na decisão recorrida, o seguinte;
«Dos preceitos citados resulta que, por um lado, e em princípio, a matéria tributável/ colectável dos contribuintes deve ser apurada com recurso a métodos directos de tributação, por outro lado, resulta também que a Administração Tributária se encontra legitimada para aplicar métodos indirectos de tributação quando a contabilidade dos contribuintes possua erro, omissões e inexactidões que impossibilitem a quantificação da matéria tributável com recuso a métodos directos de tributação.

Ou seja, decorre do exposto que a aplicação de métodos indirectos de tributação é subsidiária e apenas deve ser aplicada quando doutra forma não seja possível determinar correctamente a matéria tributável dos contribuintes.

[…]

Analisando o ponto 5 do probatório supra, não parecem restar dúvidas que a aplicação de métodos indirectos à ora impugnante se encontra devidamente fundamentada, sendo indicados de forma clara e exa(u)stiva os motivos que levaram à aplicação de tais métodos indirectos de tributação.

O problema que se levanta nos presentes autos é o de saber como conjugar a fundamentação constante do ponto 5 do probatório que justifica a aplicação de métodos indirectos de tributação, com a afirmação anterior, constante do ponto 4 do probatório, efectuada pela própria Administração Tributária, de que procede a correcções meramente aritméticas à contabilidade da impugnante. De facto, sendo a contabilidade um todo, não se compreende como para uns efeitos – efectuar correcções meramente aritméticas e não considerar certas realidades como custos fiscalmente relevantes – a contabilidade permite efectuar correcções técnicas e para outros efeitos a mesma contabilidade já não permite apurar a matéria colectável de forma directa.

Há aqui se(m sombra de dúvidas uma contradição nos termos.
Ou a contabilidade da impugnante se encontra organizada de forma a permitir o apuramento da matéria tributável de forma directa e, consequentemente, efectuam-se correcções técnicas ou meramente aritméticas à mesma, ou se afirma, como a Administração fiscal faz no ponto seguinte, que a contabilidade não se encontra organizada de molde a permitir a quantificação da matéria tributável com recurso a métodos directos e se torna necessário proceder à aplicação de métodos indirectos de tributação. As duas coisas não são possíveis sob pena de haver uma contradição, clara das afirmações efectuadas pela Administração tributária.

[…]

Assim, e sem necessidade de mais considerações que o acto impugnado não se encontra devidamente fundamentado por existir uma contradição na fundamentação do acto tributário impugnado.»

- É contra este entendimento que se insurge a recorrente na consideração de que a utilização que fez de correcções técnicas e de métodos indirectos, para o apuramento da matéria colectável da recorrida impugnante no exercício em causa se apresenta conforme ao ordenamento jurídico, não padecendo, por isso, a fundamentação do acto impugnado da imputada contradição.

- Diga-se que, se no essencial concordamos com as doutas considerações expendidas na decisão recorrida, já que no que concerne à fundamentação a que se arrimou a decisão recorrida, para se decidir como se decidiu, se diverge da mesma o que vale por dizer que, a nosso modo de ver, a razão se encontra do lado da recorrente.

- Vejamos sucintamente porquê.

- A escrituração comercial, através da contabilidade, tem por objectivo proceder ao registo do desenvolvimento da vida das empresas, quer no seu próprio interesse, quer no interesse daqueles que, com elas se relacionam, quer no interesse geral da sociedade, na medida em que, organizada segundo os princípios da lei, permite um controlo seguro, de todos aqueles, no desenvolvimento da sua vida comercial e dos direitos e obrigações por ela gerados.

- Ou seja, a contabilidade, seja em sentido estrito, ou em sentido lato, tem por objecto os métodos de registo e de cálculo dos actos relevantes à vida da empresa, no desenvolvimento do seu objecto social.

- Segundo Gonçalves da Silva (1) a contabilidade é a técnica de relevação patrimonial, pela descrição e colocação em evidência dos factos relevantes sendo que «a contabilidade em strictu sensu, ou seja, escrituração, (…) é a técnica de registo e de representação de todas as transformações sofridas pelo património de qualquer entidade económica durante o exercício da sua actividade, de modo a saber em qualquer momento a sua composição e o seu valor» e «a contabilidade latu sensu (…) é a ciência dos processos descritivo-quantitativos utilizados na análise, registo, interpretação e controlo dos factos de gestão.» visando «”quantificar” tudo o que ocorre numa unidade económica fornecendo, simultaneamente, dados para a tomada de decisões de gestão.».

- Ou seja, na feitura da contabilidade relevam de sobremaneira os factos patrimoniais da empresa, enquanto os acontecimentos, normais ou extraordinários, ocorridos ao longo da sua vida, em geral, e de cada exercício, em particular, com reflexos, positivos ou negativos, pela variação no mesmo sentido, do seu património.

- Mas sendo assim, então crê-se que, apesar da contabilidade ser una, tal não significa que sua correcção, quando se apure dever ser corrigida, tenha, necessariamente, de ser efectuada segundo uma única metodologia, se e na medida em que a utilização de mais do que uma se revele não só como possível mas como mais adequada, o que se afigura coerente quando estejam em causa factos patrimoniais sujeitos a registo contabilístico que, embora contribuindo para o todo do resultado final que a contabilidade visa apurar, apresentem, entre si, a autonomia necessária á respectiva aferição em separado.

- E, a ser assim, então a conclusão a extrapolar é a de que o recurso aos métodos indirectos não constitui qualquer inibição à utilização dos elementos revelados pela contabilidade, para apuramento da matéria tributável, dos mesmos contribuinte e exercício, desde que, obviamente, não correspondam a dados revelados pela (parte da) contabilidade tida por não fiável e não suprível por si, da mesma forma que, com o mesmo tipo de limitação, o recurso a correcções técnicas não é colidente com a utilização de métodos indirectos.

- Mais do que isso, é, a nosso ver, não só perfeitamente possível e legal, como, pensamos nós, mesmo exigível, que a AT, em resultado da fiscalização a um qualquer contribuinte, por referência a determinado exercício, proceda ao apuramento/correcção da respectiva matéria colectável, verificados que sejam os respectivos pressupostos legais, pelo recurso simultâneo às métodologias alternativas (ao sistema declarativo vigente) de que dispõe, ou seja, a correcções técnicas e a métodos indiciários, na medida em que, pressupondo o recurso a presunções a impossibilidade de quantificação, onde as deficiências detectadas a (impossibilidade de quantificação) não imponham, o recurso às correcções técnicas significará um maior proximidade á realidade a tributar e, nessa medida, um mais adequado acatamento do princípio programático e constitucional da tributação, na medida do possível do lucro real das empresas.

- E, sendo assim forçoso se impõe concluir no sentido de que a decisão recorrida se não pode manter na ordem jurídica, cabendo, por outro lado, a este Tribunal e na medida em que tal seja imposto pelo ordenamento jurídico e os autos os permitam, o conhecimento do mérito da impugnação.

- Sobre esta matéria, contudo, há que ter em linha de conta que, como decorre, aliás, da sinopse feita de fls. 177 a 179 dos autos, que a recorrente, em síntese, esgrimiu com a violação do seu direito de audição, com a caducidade do direito á liquidação, com a inverificação, no suporte fundamentador suscitado pela AT, dos necessários e legais pressupostos à correcção da sua matéria tributável por métodos indirectos, com a errónea quantificação assim operada e com a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

- Na decisão recorrida, a Mm.ª juiz, por seu turno, ainda que julgando procedente a impugnação e, assim, determinando a anulação do acto impugnado, conheceu de todas aquelas questões elencadas no § que antecede, excepção feita às referentes à errónea quantificação da matéria tributável e à ilegalidade da liquidação dos Juros Compensatórios, por vícios próprios e autónomos, na medida em que necessariamente prejudicadas pela solução encontrada.

- E a apreciação que fez das referidas questões foi em sentido desfavorável á recorrida/impugnante, já que entendeu não ter sido preterido o respectivo direito de audição (cfr. fls. 194), de que não é caso de caducidade do direito à liquidação (cfr. fls. 197) e de que o recurso à metodologia indiciária, por parte da AT, se mostra legitimada e fundamentada (cfr. fls. 204).

- Por consequência, a recorrida/impugnante, se pretendia ver tais questões re- -apreciadas por este Tribunal, em caso de procedência do recurso da FP, como se referiu ser caso disso, teria, necessariamente, de ter solicitado a ampliação do âmbito do recurso, a coberto do estatuído no art.º 684.º-A, do CPC, de aplicação subsidiária, o que não sucedeu, uma vez que as suas contra-alegações não foram, sequer, admitidas por extemporâneas; Ou seja, o decidido pela sentença aqui em apreciação, quanto aos referidos fundamentos da impugnação apreciados de forma desfavorável ao pretendido pela recorrida mostra-se firmado na ordem jurídica.

- Resta, assim, saber se as liquidações de imposto e juros compensatórios padecem de ilegalidade, a primeira por errónea quantificação e, a segunda, não só como consequência da eventual resposta afirmativa que se dê àquela mas ainda por vícios próprios e autónomos.

- No que concerne àquela errónea quantificação estriba-a, a recorrente, no que concerne aos preços de venda de fracções autónomas, que a AT o que quis foi servir-se do disposto no art.º 38.º do CIMI que, à data, tão pouco se encontrava em vigor e que o critério da permilagem de que se serviu, para o efeito, não tem aderência à realidade tendo influenciado exageradamente o resultado final do exercício em causa, ao espelhar uma realidade despropositada, de que tendo em linha de conta os rácios indicados pelo BdP para o seu sector de actividade decorrente da análise de 747 empresas, o valor das vendas corrigidas implicaria uma correcção positiva dos custos, sendo que a AF, não só os não aumentou como, ainda, os reduziu, e ainda que as contas consideradas, 622 e 63 a 69, se reportam a custos a atender como custos de produção sendo que a correcção das existências iniciais do exercício de 2001 impunham idêntica correcção nas existências finais do exercício de 2000, sob pena dupla tributação, sendo que tal correcção às referidas existências finais não foi feita nem o podia ser por decorrido o prazo de caducidade (2).

- Ora, como o atestam os autos, a conclusão de que a AF se pretendeu servir, “a posteriori”, de um critério que, à data em que ocorreram os factos não encontrava, ainda, existência na ordem jurídica estabelecida, reportando-se ao art.º 38.º do CIMI, para efeitos do VPT, é da exclusiva responsabilidade da recorrida, já que, como se dá conta a fls. 75 dos autos, “in fine”, e espelhando uma realidade inquestionável, pela AT, e particularmente no relatório da acção inspectiva em causa, «nunca foi utilizada, mencionada nem sequer manifestada implícita ou explicitamente no relatório da inspecção qualquer metodologia que se aproxime dos critérios de avaliação da propriedade consagrados no novo regime legal, e estatuídas no art.º 38.º e seguintes do (…) Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.».

- Por outro lado, as disparidades que aponta ao critério da permilagem, merecem as seguintes considerações.

- Desde logo há que não perder de vista que nos movemos no âmbito da aplicação de métodos indirectos para a correcção da matéria tributável da recorrida, o que, por si só e necessariamente, acarreta um juízo de incerteza, na medida em que suportado em parâmetros de avaliação que o que visam é a obtenção de um resultado final que se aproxime, tanto quanto possível, da realidade mas que, por isso mesmo, só por mera casualidade, pode ter uma identidade absoluta com essa mesma realidade.

- Por outro lado, não se crêem procedentes os argumentos de que se serviu a recorrida, no sentido de afectar a validade do referido critério da permilagem, quando recorre à comparação de fracções autónomas que, à luz daquele, deveriam apresentar resultados divergentes e inversos daqueles de que se veio a servir a AF, na medida em que, apresentando-se, em si mesmo, tal critério, como justo e adequado, à luz de parâmetros de aferição pautados por juízos de normalidade e probabilidade, aquelas apontadas divergências em resultado da comparação feita, não teve em linha de conta que a AT apenas presumiu e, por consequência, apenas deles se serviu, nos casos em que os compradores nada vieram dizer de diferente ao teor do preço referenciado nas respectivas escrituras de compra, já que nos restantes casos em que tais compradores vieram revelar ter pago um preço superior ao declarado nos respectivos instrumentos de compra, foi esse o preço atendido, sendo certo que os imóveis invocados comparativamente pela recorrida foram adquiridos por qualquer daqueles (tipos) de compradores (cfr. fls. 132 a 135 do PAT apenso).

- No que diz respeito aos rácios com origem no BdP, também se crê que a razão se não encontra do lado da impugnante, já que sendo uma mediana resultante de amostragem de 747 empresas, é conclusivo que o seu apuramento decorre de margens inferiores e superiores, encontrados nas mesmas, sendo, por isso, uma mediana; Por outro lado, mesmo sendo uma mediana, o seu apuramento pressupõe a análise da escrituração daquelas empresas como uma escrituração sem quaisquer vícios ou erros, transparente na revelação dos factos patrimoniais que o permitem.

- Por último e no que concerne à valorização das existências finais dos produtos acabados, quanto aos custos indirectos considerados pela AF e nessa medida não atendidos para aquele referido efeito, cabe desde logo referir, face ao alegado pela impugnante (cfr. art.ºs 144.º a 153.º da p.i.), que o que está em causa não são nenhuns dos que elenca no art.º 152.º daquele articulado (ou seja, custo com ferramentas ou utensílios, com rendas e alugueres, com seguros, com transporte de pessoal, com deslocações e estadas, com comissões, com trabalhos especializados, com taxas, com custos com pessoal, com amortizações e ajustamentos de exercício ou com provisões) mas antes, como se refere no ponto III.2.3., com despesas relativas a distribuição, à administração geral da impugnante e as de natureza financeira, já que não directamente suportados para a produção daqueles referidos bens.

- Cabe, aqui, ter presente que, como é entendimento jurisprudencial firme, uma vez assente/demonstrada a necessidade de recurso à metodologia indirecta e, por consequência, a legitimidade de actuação da AF ao assim proceder, mostrando-se adequadamente fundamentados, por parte dela (AT) os critérios quantificativos utilizados na fixação do rendimento tributável, é ao contribuinte/impugnante que incumbe demonstrar que a matéria colectável assim fixada carece de aderência à realidade, o que, em última instância, implica que a ausência de tal prova importe uma sentido decisório (no que dela dependa) que lhe seja desfavorável.

- Ora, no caso e como acima se referiu, estando definitivamente decidido que, no caso, a AF demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que, como temos por manifesto e na linha do acima referido, não logrou fazer.

- Por isso que se tenha de concluir que a liquidação de imposto aqui impugnada não padece das apontadas ilegalidades.

- E, aqui chegados, conclusivo se torna que a razão também lhe não assiste quanto acusa de ilegal a liquidação dos juros compensatórios por período superior a 180 dias, já que, face à matéria de facto dada por provada e assente a verificação dos necessários pressupostos legais à utilização de metodologias correctivas, designadamente indirecta, é assertivo que a motivação que lhes subjaz não foi revelada pela impugnante na sua declaração de rendimentos; por outro lado, uma vez que é a própria recorrida que admite que a actuação da AF se conteve dentro do prazo legal de caducidade, é igualmente assertivo que, ao actuar dentro de tal condicionalismo, ainda que próximo do seu limite, não pode ser acusada inércia penalizadora da impugnante.

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- D E C I S Ã O


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e em julgar improcedente a presente impugnação mantendo-se, por consequência, na ordem jurídica o acto tributário impugnado.
- Custas pela recorrida/impugnante, apenas em 1.ª instância.
09JUN02
LUBAS MARTINS
ASCENSÃO LOPES
MANUEL MALHEIROS
(1) Contabilidade Geral, I vol., 58.
(2) Isto porque embora nos art.ºs 137.º a 143.º, da p.i., a impugnante se insurja contra o entendimento da AF de não ser de aceitar a valorização das existências ao preço de venda face ao estatuído no art.º 23.º/1/c, do CIRC,, questionando-se sobre as razões porque, face a tal entendimento, não quantificou a AF a divergência de valorização entre a operada por ela recorrida e a devida, a verdade é que, como se nos afigura manifesto, particularmente dos art.ºs 142.º e 143.º, o faz na perspectiva de que não se verifica qualquer irregularidade que pudesse suportar juízos de valor susceptíveis de afectarem a credibilidade da contabilidade e, assim, servir de fundamento à utilização de metodologia indirecta, questão esta que, como se referiu, foi já apreciada e decidida pela decisão recorrida.