Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:743/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
RESIDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I-São sujeitos passivos de IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro lado, as pessoas singulares não residentes (cfr. artigos 13.º e 16.º do CIRS).
II-A tributação dos residentes pauta-se pelo princípio da universalidade ou do rendimento mundial e quanto aos não residentes a tributação rege-se pelo princípio da territorialidade, ou seja, são tributados apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal.
II-A residência apresenta-se como o elemento de conexão mais importante, sendo com referência a ela que se define a própria extensão de imposto.
III- Se perante a factualidade fixada está afastada a possibilidade de aplicação do critério da habitação enquanto residência habitual, visto que o Recorrente aqui permaneceu menos de 183 dias, e bem assim da “residência por dependência”, há que considerá-lo, efetivamente, como não residente, com as devidas repercussões em termos de retenção na fonte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, do presente processo que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A....., tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ....., relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2003.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I– Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.

II – Nos presentes autos está em causa saber se o impugnante permaneceu ou não mais de 183 dias para se considerar residente.

III - Ao decidir como decidiu o Tribunal ad quo, a douta sentença fez errada aplicação do direito aos factos controvertidos.

IV – A Fazenda entende que não tendo o impugnante provado com o certificado de residência da Arménia em como era contribuinte até àquela data e, tendo solicitado o NIF e inscrição na Segurança Social se considera como residente em Portugal, sendo tributado à taxa devida.

V – Por outro lado, na douta sentença foi decidido que o impugnante não era residente, não tendo permanecido mais de 183 dias em território nacional, sendo a taxa aplicada de 25%, como trabalhador independente, enquanto que a AT entende o contrário, tendo-lhe aplicado a taxa de 29,5%.

VI – Ora, o impugnante não é trabalhador independente, cat. B de IRS mas, sim, categoria A, trabalhador dependente, sendo a taxa aplicada a dos residentes, ou seja, a 29,5%.

VII – Ao não ser tido em consideração que o impugnante era residente e, como tal sujeito a tributação pelos rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro, a douta sentença viola os preceitos dos arts.º 13.º, 16.º do CIRS.

VIII - Tendo decidido como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de direito, violando as disposições legais supra citadas.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) O Impugnante foi inscrito no registo de contribuintes da AT através da ficha de registo nº ....., apresentada em 29.08.2003 (cfr. fls. 12 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

B) O Impugnante foi enquadrado junto dos Serviços da Segurança Social no regime dos trabalhadores por conta de outrem com efeitos a partir de 01.09.2003, na sequência de comunicação efetuada pela “M..... (Sucursal em Portugal)” efetuada em 24.09.2003 ( cfr. fls. 51 dos autos – numeração em suporte de papel- e 293 dos autos – numeração do SITAF).

C) A “M.....  (Sucursal em Portugal)” pagou rendimentos de trabalho dependente ao Impugnante durante os meses de setembro a dezembro de 2003, no total de 37.809,52€, efectuando retenções na fonte no montante de 11.152,00€ (acordo e cfr. fls. 70 dos autos e 56 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

D) Não foi emitida qualquer liquidação de IRS do ano de 2003 referente ao Impugnante, na qual o mesmo tenha sido considerado como residente em território nacional, não obstante constar nos registos informáticos da AT – anexo J/Modelo 10, a indicação dos rendimentos e retenções na fonte referidos em B) (cfr. informação prestada pela Representante da Fazenda Pública a fls. 251 dos autos – numeração do SITAF -, não impugnada pelo Impugnante e fls. 256 a 258 dos autos – numeração do SITAF).

E) Em 07.11.2007 foi assinado por Representante Legal da “M.....”, documento atestando que o Impugnante iniciou funções no H..... de Lisboa em 27.08.2003, em cumprimento de contrato assinado em 16.06.2003, sendo que até àquela data encontrava-se a desenvolver funções no “H.....”, gerido pela “M.....”, sito em Yereva, Arménia, o que fez durante 5 anos (cfr. fls. 37 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

F) O Impugnante deslocou-se de Yerevan – Arménia, para Portugal, em 27.08.2003, através da Austrian Airlines, com partida de Lisboa e chegada a Lisboa (fls. 40 e 41 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

G) Em 26.10.2004 o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a retenção na fonte efetuada com referência ao ano de 2003, pedindo a restituição do montante de 1.699,62€, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Loures 1 sob o nº ..... (cfr. fls. 1 a 4 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

H) Por despacho proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da DF de Lisboa em 29.02.2008, foi a reclamação graciosa referida na alínea antecedente indeferida, com os seguintes fundamentos:

“(…)

III – ANÁLISE DO PEDIDO

(…)

O Reclamante permaneceu em território nacional por um período inferior a 183 dias no ano de 2003, não foram verificadas mais nenhuma das regras de residência fiscal portuguesas, pelo que deverá ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 16º do Código do IRS.

O Reclamante é não residente, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, nos termos do n.º 2 do artigo 15º do Código do IRS.

Os rendimentos auferidos pelo reclamante em 2003 pagos pela M...... Sucursal em Portugal, foram de € 37.809,52 e tributados à taxa de 29,5%, ascendendo o imposto retido e entregue na quantia de €11 152,00. Os rendimentos deveriam ser tributados a título definitivo à taxa de 25%, sendo a quantia a entregar de €9 452,38, por se tratar de rendimentos do trabalho dependente auferidos em território nacional, por não residente, nos termos dos artigo 71º do código do IRS.

IV – CONCLUSÃO

O n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Assim, conclui-se que o reclamante deve fazer prova da sua permanência em território nacional.

(…)” (cfr. fls. 42 a 44 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

I) Notificado da decisão referida na alínea antecedente em 10.04.2008, a presente impugnação judicial foi apresentada em 28.04.2008 (cfr. fls. 16 dos autos).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, tudo como concretamente e especificadamente referido em cada alínea do probatório.

Salienta-se que a prova testemunhal não relevou, não obstante os depoimentos prestados se revelarem sinceros e espontâneos, uma vez que o lapso de tempo decorrido desde os factos relevantes (ano de 2003) e a prestação dos depoimentos (2017) levou a uma certa indeterminação do teor dos mesmos, revelando alguma falta de concretização factual.”


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C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ....., relativa ao IRS do ano de 2003.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, aferir se o Tribunal a quo valorou corretamente a factualidade dos autos ao concluir que o Recorrente é não residente daí retirando as devidas consequências legais em termos do montante de retenção na fonte.

Apreciando.

A Recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, porquanto face à factualidade provada e com a devida aplicação do regime jurídico, deveria acarretar posição diversa.

Concretiza, para o efeito, que não tendo o Impugnante, ora Recorrido, apresentado o competente certificado de residência da Arménia em como era contribuinte até àquela data nesse país e, tendo solicitado o número de identificação fiscal e inscrição na Segurança Social, tem o mesmo de considerar-se como residente em Portugal, donde tributado à taxa devida.

Mais releva que, na douta sentença foi decidido que o Impugnante não era residente, não tendo permanecido mais de 183 dias em território nacional, sendo a taxa aplicada 25%, como trabalhador independente, enquanto que a Autoridade Tributária entende que deve ser aplicada a taxa de 29,5%, enquanto trabalhador dependente.

Conclui, assim, que a decisão recorrida violou os normativos 13.º e 16.º do CIRS, devendo, por isso, ser revogada.

Apreciando.

Comecemos por convocar a fundamentação jurídica em que se estribou a procedência da impugnação judicial.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, começou por convocar a incoerência da fundamentação em que estribou o indeferimento da reclamação graciosa, relevando, neste particular que basta, para o efeito, “[a]tentar no teor decisório da reclamação graciosa e no teor da informação da Divisão de Justiça Contenciosa constante do PAT” para se considerar que face à “[d]iversidade de posições antagónicas não pode deixar qualquer pessoa indiferente”.

Mais relevando que “[n]ada resulta dos autos que evidencie que o Impugnante tenha permanecido em território português em 2003 por mais de 183 dias seguidos ou interpolados. Bem pelo contrário, a prova produzida nos autos demonstra que o Impugnante apenas permaneceu em Portugal a partir de 27.08.2003, pelo que permaneceu por período bem inferior a 183 dias.”

Sublinhando, outrossim, que “[t]al como a própria decisão de reclamação graciosa evidencia, o Impugnante não cumpre qualquer outro critério legal para ser considerado residente em termos fiscais em Portugal no ano de 2003, nada resultando dos autos que o mesmo aqui dispusesse em 31.12.2003 de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, nem a própria AT o alegou em sede de impugnação judicial.”

Mais evidenciando que não releva, tão-pouco, “[q]ual o país de residência fiscal do Impugnante em 2003, porquanto isso não está em causa nos autos, na medida em que o Impugnante apenas invoca não ser residente, pretendendo ser tributado à taxa de 25% como qualquer não residente, sendo que aquela efetiva residência apenas poderia relevar para o eventual accionamento de uma CDT, em caso de dupla tributação, o que não é o caso.”

Enfatizando, a final, que “[é] difícil de perceber a posição da AT em todo o processo, na medida em que se entende que o Impugnante é residente em território português, teria obrigatoriamente de ter realizado uma liquidação oficiosa de IRS em nome do Impugnante, na qual teria de fazer constar a dedução específica da categoria A, e as deduções à coleta pessoais, assim chegando à fácil conclusão de que teria de restituir um montante ainda superior àquele aqui peticionado pelo Impugnante.”

Sendo que, “[n]a verdade, a AT nada fez, agora pretendendo fazer seu o montante total de imposto retido na fonte, que perfaz uma percentagem de 29,5% do rendimento total bruto, sem que para tal exista norma legal que o permita.”

Concluindo, assim, que face ao consignado no artigo 71.º, nº2, alínea c), do CIRS, os rendimentos em questão seriam tributados à taxa de 25%, donde teria de ter pago apenas o montante de 9.452,38€ de IRS do ano de 2003, pelo que tendo sido efetuadas retenções na fonte no montante total de 11.152,00€, tem a Administração Tributária de proceder à restituição ao Impugnante do montante de 1.699,62€.

Ora, atenta a fundamentação jurídica supra expendida nenhuma censura nos merece a decisão recorrida porquanto realizou uma adequada transposição da realidade fática dos autos, ao regime jurídico vigente.

Senão vejamos.

Importa, desde já, convocar os normativos que relevam para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 13.º do CIRS, sob a epígrafe de sujeito passivo:

“1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”

Mais dispondo o artigo 15.º, relativamente ao âmbito de sujeição que:

“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. “

Estatuindo, por seu turno, o artigo 16.º, nº1, alíneas a) e b) do CIRS, quanto ao conceito de residência que:

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual (…)”

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direção do mesmo.(…)”

Resulta, assim, dos normativos legais citados que são sujeitos passivos de IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro lado, as pessoas singulares não residentes.

Sendo que, relativamente aos residentes a tributação pauta-se pelo princípio da universalidade ou do rendimento mundial e quanto aos não residentes a tributação rege-se pelo princípio da territorialidade, ou seja, são tributados apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal.

Porquanto, a residência apresenta-se como o elemento de conexão mais importante, sendo com referência a ela que se define a própria extensão de imposto.

Criando a lei, especificamente, o artigo 16.º do CIRS, critérios específicos para qualificar as pessoas e outras entidades como residentes ou não residentes em território português.

Como visto, no caso de pessoas singulares tais critérios reportam-se, no essencial, à permanência em território português por determinado período mínimo de tempo (183 dias) ou à permanência nesse território por menos tempo mas acompanhada pela disponibilidade em certa data (31 de dezembro) de uma habitação própria em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

Conforme doutrina André Salgado Matos[1]:

“[o] art. 16 .° fornece os critérios para a determinação do conceito de residência em território português.

A alínea a) do n .° 1 estabelece que se consideram como residentes os sujeitos passivos que hajam permanecido por mais de 183 dias (ou seja, em mais de metade dos dias do ano) em território português. O número de dias fixado poderia ser outro (como sucede em leis fiscais estrangeiras), mas é razoável considerá-lo como suficiente para indiciar uma ligação efectiva ao território português que justifique a tributação enquanto residente. Neste aspecto, a lei portuguesa é menos restritiva do que as de outros Estados europeus, que se bastam com um número muito menor de dias de permanência em território nacional para desencadear a sujeição aos seus impostos sobre o rendimento pessoal.

O critério principal para a determinação da residência em território português é este.

Mas outros critérios funcionam subsidiariamente .

2. Assim, a al. b) permite ainda que sejam considerados como residentes em território português as pessoas que, não tendo permanecido neste o número de dias exigido pela al. a), aqui mantenham, em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita, (habitação em condições de fazer supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual”.

Evidenciando o citado autor, relativamente ao critério estabelecido na alínea b) que:

“Este critério está, por natureza, destinado a ter aplicação apenas em situações patológicas, em que a pessoa em causa não se declarou como residente em Portugal, não tendo cumprido os deveres declarativos nem, por consequência, a obrigação principal de imposto, furtando-se assim à incidência da lei fiscal portuguesa, pelo menos quanto aos rendimentos obtidos fora de Portugal.

A própria redacção do preceito não deixa dúvidas de que tem como destinatário a Administração fiscal, que poderá, em sede de fixação da matéria colectável (art. 66.°, 2-5), qualificar o sujeito passivo como residente e tributá-lo de acordo com essa qualificação. Trata-se de uma norma específica antifraude, que visa evitar a manipulação do elemento de conexão residência para obter o resultado da não sujeição à lei portuguesa. Sendo esta a natureza da norma presente, haverá que entendê-la com cautela.”

Visto o direito que importa para o caso dos autos, regressemos ao caso sub judice.

Cumpre, desde já, relevar que a Recorrente não impugna a matéria de facto estando a mesma devidamente estabilizada, com o efeito o que entende é que o Tribunal a quo valorou erradamente a matéria de facto ao retirar a conclusão que o Recorrente é não residente.

Mas a verdade é que a aludida posição não pode lograr provimento, não só porque é a própria Administração Tributária que na análise do pedido da reclamação graciosa, entende e qualifica o Recorrente como não residente, como a matéria de facto constante no probatório permite, efetivamente, retirar que o sujeito passivo é não residente.

Vejamos, então, porque assim o entendemos.

Comecemos pela fundamentação constante na reclamação graciosa e que se transcreve na parte que para os autos releva:

É evidenciado expressamente no item intitulado “análise do pedido”, e como bem aduz o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, o seguinte:

“O Reclamante permaneceu em território nacional por um período inferior a 183 dias no ano de 2003, não foram verificadas mais nenhuma das regras de residência fiscal portuguesas, pelo que deverá ser qualificado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 16º do Código do IRS.

O Reclamante é não residente, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, nos termos do n.º 2 do artigo 15º do Código do IRS.

Os rendimentos auferidos pelo reclamante em 2003 pagos pela M...... Sucursal em Portugal, foram de € 37 809,52 e tributados à taxa de 29,5%, ascendendo o imposto retido e entregue na quantia de €11 152,00. Os rendimentos deveriam ser tributados a título definitivo à taxa de 25%, sendo a quantia a entregar de €9 452,38, por se tratar de rendimentos do trabalho dependente auferidos em território nacional, por não residente, nos termos do artigo 71º do código do IRS.”

Concluindo, depois que face ao disposto no artigo 74.º da LGT, “[q]ue o reclamante deve fazer prova da sua permanência em território nacional.”

Ora, face ao supra aludido constata-se, desde logo, que é a própria Administração Tributária que valida a assunção fática enquanto não residente subsumindo-a normativamente no 16.º, nº1, alínea a), do CIRS, ainda que -de forma incompreensível e que traduz, no limite, incoerência-  depois indefira o pedido com base na falta de prova.

É certo que na informação da Divisão de Justiça Contenciosa, é feita alusão que “[c]abia ao Sujeito Passivo fazer prova de que permaneceu em território português por um período inferior a 183 dias, para efeitos do art.º 71.º e da alínea a), do nº1 do art.º 16.º do CIRS.”, pelo que não “[t]endo cumprido tal ónus de prova, deve concluir-se que o Impugnante residiu em Portugal mais de 183 dias.”

Mas a verdade é que, como é consabido, a fundamentação que releva para efeitos da assunção do indeferimento é a que consubstanciou o indeferimento da reclamação graciosa, não relevando, por não ser contemporânea, a constante na aludida informação oficiosa.

De todo o modo, e não obstante o exposto e contrariamente ao defendido pela Recorrente a realidade fática constante no probatório permite alicerçar a não residência alegada pelo Recorrido e, ab initio, acatada pela Administração Tributária.

Senão vejamos.

Do recorte probatório dos autos, resulta que :

Apenas em 29 de agosto de 2003, o Recorrido foi inscrito no registo de contribuintes da Administração Tributária através da ficha de registo nº ....., tendo o mesmo  sido enquadrado junto dos Serviços da Segurança Social no regime dos trabalhadores por conta de outrem com efeitos a partir de 01 de setembro de 2003, na sequência de comunicação efetuada pela “M...... (Sucursal em Portugal)” efetuada em 24 de setembro de 2003.

Dimanando, outrossim, do probatório que a  “M..... (Sucursal em Portugal)” apenas procedeu ao pagamento de rendimentos de trabalho dependente ao Recorrido durante os meses de setembro a dezembro de 2003, no total de 37.809,52€, efetuando retenções na fonte, no montante de 11.152,00€.

Sendo certo que, a 07 de novembro de 2007, foi, igualmente, atestado, por Representante Legal da “M.....”, que o Recorrido apenas iniciou funções no H..... de Lisboa em 27 de agosto de 2003, em cumprimento de contrato assinado em 16 de junho de 2003, porquanto até àquela data encontrava-se a desenvolver funções no “H.....”, gerido pela “M......”, sito em Yereva, Arménia, o que fez durante 5 anos.

Dimanando, outrossim, do probatório os comprovativos das deslocações, ou seja, de que, nessa data, se deslocou de Yerevan – Arménia, para Portugal, através da Austrian Airlines.

Ora, face à realidade fática supra expendida, ter-se-á de concluir que a mesma permite inferir que o Recorrido era, efetivamente, não residente em território português, porquanto permaneceu em território nacional por um período inferior a 183 dias.

De relevar, neste particular, que quanto aos demais elementos de conexão a Administração Tributária não indicou, como visto, qualquer realidade fática que permitisse subsumir a questão, designadamente, na alínea b), do artigo 16.º do CIRS[2] e bem assim no seu nº2.

Assim, excluída que está, perante a factualidade fixada e perante as alegações da Administração Tributária, a possibilidade de aplicação do critério da habitação enquanto residência habitual, visto que o Recorrente aqui permaneceu menos de 183 dias, e bem assim da “residência por dependência”, há que considerá-lo, efetivamente, como não residente.

In fine, importa relevar que não importa, para o caso vertente, a apresentação de qualquer certificado de residência, visto que, in casu, a questão não entronca no acionamento de uma Convenção de Dupla Tributação e subsequente aferição dos requisitos para obtenção, designadamente, de redução na fonte.

E por assim ser, tendo o Recorrido auferido o montante de €37.809,52, a título de rendimentos de trabalho dependente, a retenção na fonte deveria ter-se cifrado em 25%, como bem decidiu o Tribunal a quo e como resulta, claramente, do teor do artigo 71.º, nº2, alínea c), do CIRS, o qual consigna expressamente que “São tributados à taxa de 25% (…) c) Os rendimentos do trabalho dependente e os rendimentos de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º, ainda que decorrentes de atos isolados, e nas alíneas d), e) e g) do n.º 2 do artigo 3.º, auferidos por não residentes em território português, com exceção dos rendimentos provenientes de intermediação na celebração de quaisquer contratos”.

Face ao supra aludido, a retenção deveria ter ascendido a €9.452,38, e não a €11.152,00, reputando-se a mesma ilegal no valor diferencial de €1.699,62, com a inerente restituição ao Recorrido.

E por assim ser, sendo este o sentido decisório da sentença visada, deve a mesma manter-se, na íntegra, na ordem jurídica.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de janeiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

___________________
[1] in Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares Anotado, de André Salgado Matos, em anotação ao artigo 16.º, página 206.
[2] Quanto à subsunção normativa na alínea b), e à exigência de um corpus e de um animus vide, designadamente, o processo nº 01347/15, de 24.01.2018.