Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:124/19.0BEFUN-A
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONCURSO DE PROVIMENTO;
CANDIDATA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA;
D.L. N.º 29/2001, DE 03/02.
Sumário:I. Não se prova o erro de julgamento de facto se não se mostra alegado em juízo – nem na petição inicial, nem no presente recurso –, nem provado nos autos, que a Autora tenha procedido à caracterização da doença de que padece no formulário de candidatura que apresentou ou que tenha fornecido essa informação ao júri do concurso.

II. Ao concurso aberto por entidade pública na Região Autónoma da Madeira, a que se candidate pessoa com deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, tem aplicação o D.L. n.º 29/2001, de 03/02 e o Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001.

III. O recurso técnico específico previsto nos artigos 4.º, n.º 3 e 5.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02 tem razão de ser durante o procedimento do concurso e antes de realizadas as provas previstas no sistema de seleção, pois depois desse momento já não é apto a produzir qualquer efeito útil.

IV. Não sendo fornecidos elementos que permitam ao júri do concurso conhecer a caracterização da doença na concreta pessoa da candidata, para além da sua menção e do grau de incapacidade, nem sendo requerido o recurso técnico específico pela candidata durante o procedimento, não se mostram violados os artigos 4.º e 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, ao não ter o júri do concurso recorrido oficiosamente ao recurso técnico específico, nem adequado as fases de seleção do concurso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A…………………………, devidamente identificada nos autos de ação de contencioso de procedimentos de massa, instaurada contra o Município do Funchal, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 15/11/2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou a ação improcedente e absolveu a Entidade Demandada e os Contrainteressados do pedido.


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Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A) Para além dos factos provados constantes da sentença, deve ser, também, considerado, como provado, que a Apelante padece de epilepsia generalizada não controlável ou dificilmente controlável (cfr. 2.3.1 b) do Capítulo III da TNI aprovado pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23/10) e de Síndrome pós-traumática (manifestada por cefaleias, sensação de peso na cabeça, instabilidade no equilíbrio, dificuldade de concentração e de associação de ideias, fatigabilidade intelectual, alterações mnésticas, modificações do humor e da maneira de ser habitual, perturbações do sono (cfr. 2.2 do Capítulo III da TNI aprovado pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23/10);

B) Ao contrário do que consta da sentença, a Apelante forneceu todos os elementos necessários ao júri para que este cumprisse com o disposto do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, dado que com o Formulário de Candidatura, esta juntou o Atestado de Médico de Incapacidade Multiuso, onde consta padecer de epilepsia generalizada não controlável ou dificilmente controlável (cfr. 2.3.1 b) do Capítulo III da TNI aprovado pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23/10);

C) Bem como de Síndrome pós-traumática (manifestada por cefaleias, sensação de peso na cabeça, instabilidade no equilíbrio, dificuldade de concentração e de associação de ideias, fatigabilidade intelectual, alterações mnésticas, modificações do humor e da maneira de ser habitual, perturbações do sono (cfr. 2.2 do Capítulo III da TNI aprovado pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23/10);

D) Por padecer desta deficiência e por ter comunicado todos os elementos, em conformidade com o disposto dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro, o júri tinha o dever de adequar a entrevista profissional da Apelante às suas capacidades de comunicação/expressão, o que não o fez, como se observa pelo teor dos Factos Provados (e pela “Ficha da Entrevista Profissional de Selecção” – cfr Doc. 6 junto com a Petição Inicial da Providência Cautelar) uma vez que nada diz;

E) Sobretudo pelo facto do júri ter concluído, durante a entrevista profissional que a Apelante demonstrou capacidade de escutar e de se relacionar com os outros, bem como capacidade reduzida de gerir conflitos;

F) Esta discrepância notória de comportamento da Apelante, em tão poucos minutos, durante a entrevista profissional, deveria o júri ter, por iniciativa própria, recorrido para entidade de recurso técnico específico, como prescreve o n.º 3 do artigo 4.º e do n.º 2 do artigo 7.º, ambos do Decreto- Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro;

G) Como tal, há de vício de violação de lei, por desrespeito do disposto do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro e, consequentemente, falta de fundamentação da avaliação, por falta de apoio técnico adequado e de não ter a Entidade Administrativa recorrido a recurso técnico específico, como prescreve o n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 2 do artigo 7.º, ambos do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro;

H) Ou pelo menos deferido o requerimento da Apelante de recorrer-se à entidade de recurso técnico específico, dado não ter feito;

I) O incumprimento do disposto dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro trata-se da preterição de uma formalidade essencial e imperativa;

J) Conclui-se, desta forma, que, também, a deliberação de exclusão da Apelante do procedimento concursal é inválida, o que determina a sua anulabilidade;

K) Esta decisão de exclusão incorre no vício de violação de lei por erro na apreciação dos factos subjacentes e, por essa razão, é anulável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA;

L) Por forma a cumprir o disposto dos artigos 71.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, designadamente que haja efectiva igualdade entre todos os candidatos, o júri deveria ter tido competente apoio técnico, como determina o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro, durante a entrevista da candidata;

M) Ou requerido, logo por sua própria iniciativa, recurso para o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, assim que é confrontado com o relatório constante da “Ficha de Individual da Avaliação Psicológica” e com o exercício de audiência prévia exercida, tempestivamente, pela Apelante;

N) Face a tudo o que antecede, requer-se que o Recorrido Município do Funchal seja condenado a admitir a Apelante (e não excluída) no procedimento concursal comum para preenchimento de quatro postos de trabalho de técnico superior de economia e gestão, da carreira e categoria de técnico superior do Mapa de Pessoal da Câmara Municipal do Funchal, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, aberto pelo Aviso n.º 11840/2017, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 192, de 2 de Outubro de 2017, e publicitado na Bolsa de Emprego Público, com o código OE201710/0069, e graduada em conformidade com os procedimentos de selecção entretanto realizados, por verificação de todos os pressupostos para que seja dado provimento à presente acção.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e que a Autora seja admitida ao concurso.


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O Recorrido, veio contra-alegar o recurso interposto, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso no sentido da sua improcedência, mas sem formular conclusões.

Pede que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto;

2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 7.º do D.L. n.º 29/2002, de 03/02, por falta de apoio técnico adequado ou a não se permitir que a Autora se recorresse da entidade de recurso técnico específico ou por não ter sido requerido recurso ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência e existir falta de fundamentação da avaliação da candidata, por falta de apoio técnico adequado.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

1. Foi publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 192, de 4 de Outubro de 2017 o Aviso n.º 11840/2017 relativo ao procedimento concursal comum para a ocupação de quatro postos de trabalho de Técnico Superior de Economia e Gestão, aberto pelo Município do Funchal, nos termos do qual consta:

2. A Autora apresentou candidatura ao Procedimento Concursal referido em 1. supra e que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo declarado no Formulário de Candidatura, entre o mais, que:

Incapacidade de 62% embora não necessite de meios especiais.

3. A Autora é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 62%.

4. A Autora obteve a classificação de 8,8 valores na Entrevista Profissional de Selecção que aqui se dá por integralmente reproduzida.

5. A Autora obteve a classificação de 16 valores na Avaliação Psicológica que aqui se dá por integralmente reproduzida.

6. A Autora foi excluída do procedimento concursal comum referido em 1. supra com os seguintes fundamentos:






«imagens no original»

7. A Autora recorreu hierarquicamente para o Presidente da Câmara Municipal do Funchal do acto que determinou a sua exclusão do procedimento concursal referido em 1. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido.


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B – Factos não provados

Inexistem factos a dar como não provados com relevância para a decisão da causa.

C - Motivação de facto

A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.

A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos, ao processo cautelar apenso e os constantes do processo administrativo.


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Consigna-se que não foram tomados em consideração os factos inócuos e irrelevantes para a decisão da causa, assim como aqueles que se afiguram meramente conclusivos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de facto

Imputa a Recorrente o erro de julgamento de facto à sentença recorrida, por entender que se deve dar como provado o tipo de deficiência de que a Autora é portadora – epilepsia generalizada não controlável ou dificilmente controlável e de Síndrome pós-traumática, causada por um tumor epidermoide do lobo temporal esquerdo, que se caracteriza por cefaleias, sensação de peso na cabeça, instabilidade no equilíbrio, dificuldade de concentração e de associação de ideias, fatigabilidade intelectual, alterações mnésticas, modificações do humor e da maneira de ser habitual e perturbações do sono, alegando constarem do processo todos os elementos nesse sentido, tendo sido junto atestado médico de incapacidade multiuso.

A Recorrente vem, por isso, impugnar o julgamento da matéria de facto da sentença recorrida no sentido do seu aditamento, entendendo que devem ser aditados factos atinentes à especificação da doença da Autora, sustentando que foi produzida prova nesse sentido.

Sem razão.

Compulsando a matéria de facto constante do probatório da sentença, dela consta nos pontos 2 e 3 da matéria de facto que a Autora apresentou candidatura ao Procedimento Concursal referido no ponto 1 do probatório, nele declarando no formulário de candidatura que tem “Incapacidade de 62% embora não necessite de meios especiais.” e que “A Autora é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 62%.”.

Por conseguinte a factualidade pertinente para a causa, que se refere ao facto de a Autora ser portadora de deficiência e do seu respetivo grau, já se encontra provada.

Além de que, a Recorrente não concretiza qual a pertinência para o julgamento da causa de constar no probatório qual a doença de que padece a Autora.

Já no que se refere aos sintomas da doença ou como a doença se caracteriza na concreta pessoa da Autora, ao contrário do que se mostra invocado no presente recurso, não logrou essa caracterização que ora consta da alegação do recurso e da sua conclusão A), ser alegada na petição inicial.

A ora Recorrente invoca no recurso ter alegado na petição inicial os sintomas da doença, mas não indica qual o artigo do respetivo articulado em que o fez.

E compulsando a petição inicial o que se extrai é que a Autora se limitou a alegar no artigo 4.º a doença de que padece, sem proceder à sua caracterização ou sintomas em que se manifesta na sua pessoa, nada referindo sobre essa matéria.

Por conseguinte, não logrou a Autora proceder à caracterização da doença na petição inicial, nem descrever os seus principais sintomas, limitando-se a indicar a doença e o respetivo grau de incapacidade.

Acresce que através da impugnação da matéria de facto ora em análise, pretende a Recorrente que este Tribunal ad quem adite a factualidade referente aos sintomas da doença com base na descrição que consta das tabelas do D.L. n.º 352/2007, de 23/10, como consta da sua própria alegação recursiva e da conclusão A) do recurso.

Além de que, com relevo, não se mostra alegado em juízo – nem na petição inicial, nem no presente recurso –, nem provado nos autos, que a Autora tenha procedido à caracterização da doença de que padece no formulário de candidatura que apresentou perante a Entidade Demandada ou que tenha fornecido essa informação ao júri do concurso em momento antecedente ao da realização das provas de seleção.

Por conseguinte também essa alegação referente à caracterização da doença não foi feita no âmbito da apresentação da candidatura ao concurso.

No demais, não põe a Recorrente em crise o demais julgamento de facto da sentença recorrida, com ele se conformando.

Pelo que, em face do exposto, não procede o erro de julgamento de facto que é dirigido contra a sentença recorrida, sendo de manter o julgamento de facto constante da sentença recorrida.

2. Erro de julgamento, por violação do artigo 7.º do D.L. n.º 29/2002, de 03/02, por falta de apoio técnico adequado ou a não se permitir que a Autora se recorresse da entidade de recurso técnico específico ou por não ter sido requerido recurso ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência e existir falta de fundamentação da avaliação da candidata, por falta de apoio técnico adequado

Vem a Recorrente a juízo impugnar a sentença recorrida imputando-lhe o erro de julgamento, por vício de violação de lei, por ofensa do artigo 7.º do D.L. n.º 29/2002, de 03/02, por falta de apoio técnico adequado ou a não se permitir que a Autora se recorresse da entidade de recurso técnico específico ou por não ter sido requerido recurso ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.

Alega que atenta a deficiência da Autora, o processo de seleção devia ter sido adequado às suas capacidades de comunicação/expressão como determina o artigo 7.º, n.º 1 do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, ainda que tenha declarado que não necessitava de meios especiais.

Sustenta que o júri não adequou a entrevista profissional às capacidades de comunicação/expressão da Autora, como decorre da entrevista profissional de seleção.

Sabendo da deficiência de que a Autora é portadora, não podia o júri fazer uma entrevista profissional igual a qualquer dos outros candidatos, mesmo declarando que não necessitava de meios especiais.

Entende que a sentença confunde meios especiais de seleção com a obrigatoriedade de o júri adequar a entrevista profissional às suas capacidades de comunicação/expressão, pois os meios especiais referem-se a apoio técnico e mecânico e não estão relacionados com a adequação da entrevista profissional às capacidades de comunicação/expressão da candidata.

Invoca que a candidata forneceu todos os elementos necessários ao júri, em conformidade com o artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, para que ele cumprisse o artigo 7.º, n.º 2 do citado diploma.

Além de entender que existe falta de fundamentação da avaliação da candidata, por falta de apoio técnico adequado.

Vejamos.

De imediato se impõe precisar que não assaca a Recorrente o erro de julgamento à sentença recorrida no que respeita a uma pretensa falta de fundamentação da avaliação, enquanto vício de natureza formal ou procedimental do concurso, mas antes reconduzindo a questão da falta de fundamentação da avaliação ao vício de violação de lei, decorrente da falta de apoio técnico adequado, que pudesse fundamentar a prova de entrevista realizada à candidata.

Por isso, dirige a Recorrente a censura à sentença recorrida ao julgar improcedente a matéria de direito referente ao incumprimento pelo júri do concurso dos preceitos dos artigos 4.º, n.º 3, 6.º e 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, atinentes à falta de recuso a apoio técnico adequado, enquanto formalidade que alega ser essencial e imperativa do concurso em apreço.

Conforme decorre da factualidade constante do julgamento de facto, foi aberto procedimento de concurso, a que a Autora se candidatou, nele tendo vindo a ser excluída, com base na classificação negativa, de 8,8 valores, obtida na entrevista profissional de seleção.

Por sua vez, mostra-se provado que a Autora obteve 16 valores na avaliação psicológica.

Mais se encontra provado que a Autora apresenta um grau de incapacidade de 62%.

Considerando o grau de incapacidade de que padece a Autora, mostra-se invocado no presente recurso o erro de julgamento da sentença recorrida, com base na violação de lei, com base na seguinte ordem de razões:

(i) A discrepância nos resultados positivos obtidos na prova de conhecimentos e na avaliação psicológica e o resultado negativo, de 8,8 valores, obtido na entrevista profissional, deveria ter levado o júri do concurso a, por iniciativa própria, recorrer à entidade de recurso técnico especializado, nos termos dos artigos 4.º, n.º 3 e 7.º, n.º 2 do D.L. n.º 29/2001, de 03/02;

(ii) não ter o júri do concurso deferido o requerimento da candidata para se socorrer à entidade de recurso técnico especializado.

No que respeita aos normativos de direito pertinentes, releva a aplicação do disposto no D.L. n.º 29/2001, de 03/02, o qual estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, nos serviços e organismos da administração central e local, bem como nos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos.

No entanto, estabelece o disposto no artigo 1.º, n.º 2 do citado D.L. n.º 29/2001, de 03/02, que a aplicação do presente diploma aos serviços e organismos da Administração Regional Autónoma se faz por decreto legislativo regional.

O que significa que este diploma não tem aplicação direta à administração regional autónoma, uma vez que, nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do referido decreto-lei, a sua aplicação à Região Autónoma da Madeira depende da publicação de decreto legislativo regional.

Reconhecendo o elevado interesse da matéria em causa consagrada no D.L. n.º 29/2001, de 03/02, foi aprovado o Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001, que estabelece a aplicação de tal regime aos serviços e organismos da administração regional autónoma, promovendo as necessárias adaptações tendo em conta a realidade regional, designadamente orgânica, no que se refere às respetivas competências.

Neste sentido, tem aplicação ao litígio em presença o disposto no D.L. n.º 29/2001, de 03/02, com as adaptações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001.

Com relevo, importa atender ao disposto nos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02:

Artigo 4.º

Aviso de abertura do concurso

1 – O aviso de abertura dos concursos externos de ingresso na função pública deve mencionar o número de lugares a preencher por pessoas com deficiência.

2 – De acordo com a descrição do conteúdo funcional constante do aviso de abertura, o júri do concurso verifica a capacidade de o candidato exercer a função, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º

3 – Em caso de dúvida, por parte do júri do concurso ou em situação em que o candidato alegue discordância face à verificação a que se refere o número anterior, há possibilidade de recurso técnico específico para a entidade a que se refere o artigo 5.º.”.

No que respeita ao artigo 5.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, sob epígrafe “Entidade de recurso técnico específico”, importa considerar o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001, segundo o qual, para efeitos do disposto do n.º 3 do artigo 4.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, a entidade competente para recurso técnico específico é definida na Região Autónoma da Madeira, pelos Secretários Regionais dos Recursos Humanos e dos Assuntos Sociais e pelo Vice-Presidente do Governo Regional.

Determina o artigo 6.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, quanto à “Admissão a concurso”, o seguinte:

1 – Para efeitos de admissão a concurso, os candidatos com deficiência devem declarar, no requerimento de admissão, sob compromisso de honra, o respectivo grau de incapacidade e tipo de deficiência, sendo dispensada a apresentação imediata de documento comprovativo.

2 – Os candidatos devem, ainda, mencionar no requerimento de admissão todos os elementos necessários ao cumprimento do disposto no artigo seguinte.”.

O artigo 7.º, relativo ao “Processo de selecção”, determina:

1 – O processo de selecção dos candidatos com deficiência deve ser adequado, nas suas diferentes vertentes, às capacidades de comunicação/expressão.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência é a entidade competente para prestar o apoio técnico que se revele necessário.”.

Segundo o artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001, a competência prevista no citado artigo 7.º, n.º 2 pertence na Região Autónoma da Madeira à Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação.

Perante o quadro factual e normativo descritos, não assiste razão à Recorrente quanto à censura que dirige contra a sentença recorrida e, consequentemente, ao procedimento concursal a que se candidatou e veio a ser excluída.

Em primeiro lugar nada resulta nos autos quanto à verificação dos pressupostos factuais de que depende a aplicação do disposto no artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, pois em face da alegação da candidata no formulário de candidatura do concurso de que tem uma incapacidade de 62% embora não necessite de meios especiais (vide ponto 2 do julgamento de facto), não se suscitaram dúvidas ao júri do concurso sobre a capacidade de a candidata exercer a função, de acordo com a descrição do conteúdo funcional constante do aviso de abertura.

Por isso mesmo, a candidata veio a ser admitida ao concurso.

Do mesmo modo que não se suscitaram dúvidas ao júri do concurso, também não se verificou a situação de a candidata alegar qualquer discordância ou dificuldade.

Além de que teriam tais pressupostos fácticos de terem resultado provados no julgamento de facto, o que ora não ocorre.

O que determina que não se verificaram as condições previstas no artigo 4.º, para que se colocasse a questão da possibilidade de convocar recurso técnico específico.

Em segundo lugar, como determina o artigo 6.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, para efeitos de admissão a concurso, os candidatos com deficiência devem declarar, no requerimento de admissão, sob compromisso de honra, o respetivo grau de incapacidade e tipo de deficiência e devem mencionar todos os elementos necessários ao cumprimento do disposto no artigo 7.º.

Conforme se mostra alegado pela Autora no artigo 4.º da petição inicial, a candidata declarou no formulário de candidatura o tipo de deficiência de que é portadora – epilepsia sintomática causada por um tumor epidermoide do lobo temporal esquerdo – e o respetivo grau de incapacidade, de 61,5%.

Para além de mencionar que não necessita de meios especiais.

Em nenhum momento se mostra alegado pela Autora na presente ação ou sequer consta do julgamento da matéria de facto assente, que a Autora tenha mencionado outros elementos no formulário de candidatura com vista a habilitar o júri do concurso a adotar quaisquer diligências nos termos do disposto no artigo 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, designadamente, a adequar o processo de seleção dos candidatos com deficiência, nas suas diferentes vertentes, às suas respetivas capacidades de comunicação/expressão.

Esta a razão determinante para que não se possa ter por violado, no presente caso, o disposto no artigo 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02.

Acresce que de acordo com o julgamento da matéria de facto, não se mostra provado que a Autora tenha requerido no seu formulário de candidatura o recurso técnico específico e nem ainda que o tenha requerido em momento prévio à realização de qualquer das provas que integram o sistema de seleção do concurso, de forma a beneficiar desse instrumento.

O que resulta da alegação da Autora é que requereu recurso técnico específico no âmbito do recurso hierárquico interposto contra a deliberação de exclusão do concurso, ou seja, depois de realizadas todas as provas de seleção e de ser realizada toda a tramitação do procedimento concursal, assim como depois da prática do ato administrativo de exclusão.

A possibilidade que é conferida aos candidatos de requerer recurso técnico específico para a entidade a que se refere o artigo 5.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, nos termos do artigo 4.º, n.º 3 do citado diploma, ocorre logo na fase mais inicial do procedimento, após a publicação do aviso de abertura, pois só assim essa possibilidade poderá produzir algum efeito útil no procedimento.

Requerer o recurso técnico específico depois de decorrida toda a tramitação do concurso, designadamente, depois de realizadas todas as provas previstas no seu sistema de seleção, não é apto a evitar ou sequer alterar todo o resultado obtido no concurso.

O recurso técnico específico previsto nos artigos 4.º, n.º 3 e 5.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, tem, por isso, razão de ser durante o procedimento do concurso e antes de realizadas as provas previstas no sistema de seleção, pois depois desse momento já não é apto a produzir qualquer efeito útil.

Não tendo sido fornecidos elementos que permitam ao júri do concurso conhecer a caracterização da doença na concreta pessoa da candidata, para além da sua menção e do grau de incapacidade, nem sendo requerido o recurso técnico específico pela candidata durante o procedimento, não se mostram violados os artigos 4.º e 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, ao não ter o júri do concurso recorrido oficiosamente ao recurso técnico específico, nem adequado as fases de seleção do concurso.

Por conseguinte, em face da factualidade que consta do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, não só não foram alegados factos pertinentes sobre os sintomas ou a caracterização da doença da Autora no formulário de candidatura para que o júri do concurso pudesse ponderar recorrer ao recurso técnico específico, enquanto possibilidade prevista no artigo 4.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, como não foi oportunamente requerido pela candidata o recurso técnico específico em momento anterior à realização das provas previstas no sistema de seleção, apenas vindo a fazê-lo depois de praticado o ato final do procedimento concursal, que determina a sua exclusão por obtenção na prova de entrevista profissional de classificação negativa, inferior a 9,5 valores.

Pelo que, não se mostram violadas as normas legais invocadas pela Recorrente no presente recurso.

A candidata apenas reagiu no sentido de existir uma adequação do sistema de seleção ou beneficiar do recurso técnico específico, depois de realizar todas as provas que integram o sistema de seleção e após conhecer as classificações obtidas, que determinam a sua exclusão.

Acresce que o teor da fundamentação da avaliação da candidata no que concerne à classificação obtida permite revelar que as deficiências apontadas não se prendem com a sua menor capacidade de comunicação ou expressão, antes se prendendo com aspetos relativos ao “parâmetro Relacionamento Humano”, atendendo à sua “resistência considerável em responder às perguntas formuladas, quando se colocava em análise potenciais situações de conflito com chefias/colegas.” (vide ponto 6 do julgamento da matéria de facto).

O que permite evidenciar que a classificação negativa atribuída na entrevista profissional de seleção não se deveu a qualquer deficiência ou menor domínio nas capacidades de comunicação/expressão da candidata, antes com o próprio desempenho ou perfil, nos termos constantes na deliberação do júri do concurso.

Daí que também careça a Recorrente de razão ao imputar a falta de fundamentação da avaliação, não apenas porque no caso não se configuraram os indispensáveis pressupostos de facto que poderiam ter conduzido ao recurso técnico específico, como essa avaliação se apresenta suficientemente fundamentada, permitindo revelar as razões que determinam a classificação concedida.

Por isso, a própria Recorrente reconhece na sua alegação de recurso e da sua conclusão E), que durante a entrevista profissional revelou perante o júri do concurso uma “capacidade reduzida de gerir conflitos”.

Além de que não existe qualquer contradição na avaliação, decorrente da circunstância de a candidata ter obtido classificações positivas na prova escrita e na avaliação psicológica e ter obtido classificação negativa na entrevista profissional de seleção, pois cada uma das citadas provas têm objetivos diferentes.

De resto, isso sim, configura-se contraditória a alegação da ora Recorrente no presente recurso, ao pugnar que deveria ter beneficiado de apoio técnico “durante a entrevista” (vide conclusão L) do recurso) e, simultaneamente, vir defender a tempestividade de requerer o recurso técnico específico depois de praticado o ato final do procedimento concursal, no âmbito do recurso hierárquico que interpôs contra essa decisão.

Pelo que, considerando todos o exposto e com base nas razões antecedentes, embora com diferente fundamentação de direito, será de improceder o erro de julgamento imputado à sentença recorrida, por não provado.


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Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso interposto, por não provados os seus fundamentos e, em manter a sentença recorrida com a fundamentação antecedente.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não se prova o erro de julgamento de facto se não se mostra alegado em juízo – nem na petição inicial, nem no presente recurso –, nem provado nos autos, que a Autora tenha procedido à caracterização da doença de que padece no formulário de candidatura que apresentou ou que tenha fornecido essa informação ao júri do concurso.

II. Ao concurso aberto por entidade pública na Região Autónoma da Madeira, a que se candidate pessoa com deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, tem aplicação o D.L. n.º 29/2001, de 03/02 e o Decreto Legislativo Regional nº 25/2001/M de 24/08/2001.

III. O recurso técnico específico previsto nos artigos 4.º, n.º 3 e 5.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02 tem razão de ser durante o procedimento do concurso e antes de realizadas as provas previstas no sistema de seleção, pois depois desse momento já não é apto a produzir qualquer efeito útil.

IV. Não sendo fornecidos elementos que permitam ao júri do concurso conhecer a caracterização da doença na concreta pessoa da candidata, para além da sua menção e do grau de incapacidade, nem sendo requerido o recurso técnico específico pela candidata durante o procedimento, não se mostram violados os artigos 4.º e 7.º do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, ao não ter o júri do concurso recorrido oficiosamente ao recurso técnico específico, nem adequado as fases de seleção do concurso.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)