Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1318/12.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO;
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

II. Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por F........., à execução fiscal n.º…………. e apensos, contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade « L........., LDA.», por dívidas relativas a IRC do ano de 2007 e a IVA do 3.º trimestre do ano de 2007, no valor de € 116.992,33.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

« I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição apresentada por F........., NIF ……… veio deduzir, ao abrigo do disposto no artigo 204.º do CPPT, oposição à execução fiscal n.º ......... e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade “L........., LDA.”, com o NIPC ........., para cobrança de dividas fiscais relativas a IRC do ano de 2007 e a IVA do 3.º trimestre do ano de 2007, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 116.992,33 (cento e dezasseis mil, novecentos e noventa e dois euros e trinta e três cêntimos) e acrescido.

II.A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT.

III. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados nos autos não é possível afirmar o exercício da gerência de facto por parte da Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos em cobrança coerciva, não obstante este até admitir que se encontrava para tal designado desde a constituição da sociedade. E tal impossibilidade decorre de a Administração Tributária não ter alegado como pressuposto da reversão, em momento prévio à alteração subjetiva da instância executiva, nem demonstrado em momento algum no processo de execução fiscal, antes da reversão, nem na fundamentação daquele ato, vertida na carta de citação, qualquer facto que indiciasse o exercício da gerência de facto pela ora Oponente.

IV. Ora, e salvo o devido respeito, perante a prova documental junta aos autos, parece-nos que a Mma Juiz a quo errou na apreciação da prova e, além disso, fez errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT;

V. Antes do mais diremos que a reversão é operada com apelo ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pelo que, nunca poderia a mesma prescindir da verificação, no caso concreto, da gerência de fato do administrador da sociedade devedora originária. A prova efetuada em momento anterior surge, assim, como sustentáculo de todo o procedimento que culmina com a efetiva reversão, baseada num normativo acima enunciado e de que o oponente, ora Recorrida teve pleno conhecimento.

VI. Ficou provado nos autos que, “A sociedade “L………., LDA.”, constituída em 1995, tem por sócios C........ e H........, obriga-se com a assinatura dos dois gerentes, tendo sido designados para o cargo, por deliberação de 17.07.2000, a ora oponente e o seu cônjuge, S........, facto registado pela Ap. 13 de 28.11.2005.”

VII.É certo, que provada que esteja a nomeação da Oponente, ora Recorrida, para a gerência de direito, pode o juiz, com base nesse facto e noutros revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, de que deverá dar devida conta, presumir que o oponente exerceu de facto a gerência.

VIII. Ora a nomeação do gerente de uma sociedade, baseada na experiência comum, resulta que o mesmo exercerá as suas funções, por ser conatural de que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade.

IX. Tanto mais que sendo a Recorrido gerente, a forma de obrigar e vincular a sociedade perante terceiros carecia da sua assinatura e estando à data a sociedade a laborar e a cumprir as suas obrigações declarativas, deveria a ora Recorrida provar como funcionou a sociedade a seu encargo, no seu giro comercial, sem a assinatura de um gerente, o que não se encontra provado nos autos.

X. Não se concorda, portanto, com a douta sentença quando se lê “ (…) a circunstância de resultar do registo que a sociedade se vincula pela assinatura de dois gerentes, sendo a ora oponente um dos dois gerentes, não acarreta forçosamente que assim se tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo…”.

XI. Ora, não podemos concordar com tais conclusões. Como poderá ser um registo “pro forma” se ficou provado de que a sociedade se obrigar com a assinatura de dois gerentes e, por isso, carecer da assinatura da aqui oponente para o desenvolvimento da sua atividade!

XII. Não ignoramos que o n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

XIII. Não desconhecemos, também, que a administração fiscal não beneficia de qualquer presunção. Todavia não olvidamos que é indubitavelmente a gerência de direito um ponto de partida legitimo para a aferição da prática de atos de gestão pela gerente nomeada, aqui Recorrida.

XIV. E nunca é demais salientar os termos em que se desenha o pacto social da devedora originária, pois que do mesmo se retira a imposição de vinculação da sociedade perante terceiros mediante a intervenção da sua gerente, aqui Recorrida.

XV. Da mesma forma, dado como provado o facto de “A coberto das ordens de serviço n.ºs OI200801638/9/40 a sociedade “ L………., LDA.” foi objeto de uma ação de inspeção por parte da Administração Tributária – “Análise Interna Parcial – IRC e IVA” –, que abrangeu os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no âmbito da qual foram solicitados, por ofício, elementos aos sócios C........ e H........, tendo estes respondido, em 20.02.2008, nos termos constantes de fls. 38/186 e 49/186 do PEF apenso, e cujos teores aqui se dão por reproduzido, referindo, além do mais, serem sócios mas nunca terem sido gerentes, e que “A gerência, nomeada por deliberação de 17 de Julho de 2000, é exercida por F........ e S........, cfr. certidão que junto” – Facto F

XVI. Importa ter presente que a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objeto social)

XVII. Ainda assim, optou o tribunal a quo por ignorar aqueles factos que deu como provados e, concludentemente, desvalorizar e não considerar como provado a prática de vários puros atos do exercício da gerência de facto.

XVIII. E se, como já se admitiu supra, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode-se presumir a gerência de facto é, no entanto, possível efetuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.

XIX. Se uma sociedade tem dois gerentes, e se é sabido que a sociedade se vincula pela intervenção obrigatória desses dois gerentes, não se alcança como decidiu a sentença ora recorrida, afastando a responsabilidade da Recorrido, considerando que a vontade daquela sociedade se exteriorizava precisamente pela vontade daquele concretizada, nomeadamente, na assinatura de documentos ou na celebração de contratos.

XX. Assim, considerando provados os factos enunciados e apreciando essa prova de acordo com as regras da experiência comum, tudo indica que a Recorrida era a gerente efetiva da executada originária.

XXI. Estando demonstrado nos autos que a Recorrido foi gerente de direito da executada originária (pelo menos desde 2000) é de presumir que exerceu a gerência de facto. Trata-se de uma presunção judicial, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, que pode ser ilidida por qualquer meio de prova.

XXII. Logo, contrariamente ao decidido, e de acordo com o disposto no artigo 351.º do CC, competia à Recorrida provar que, tendo sido gerente de direito, não exerceu a gerência de facto. Ora, neste particular, nenhuma prova foi produzida pela oponente, sendo certo que sem a sua intervenção a sociedade não se podia vincular perante terceiros, uma vez que sempre foi sua sócia e gerente.

XXIII. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT.

XXIV. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela procedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo as questões a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou na apreciação da prova e, uma errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) A sociedade “L………, LDA.”, constituída em 1995, tem por sócios C........ e H........, obriga-se com a assinatura dos dois gerentes, tendo sido designados para o cargo, por deliberação de 17.07.2000, a ora oponente e o seu cônjuge, S........, facto registado pela Ap. 13 de 28.11.2005, – cf. fls. 5 a 8 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.

B) Em 05.09.2008 foi autuado no Serviço de Finanças de Odivelas, contra a sociedade “L………, LDA.”, o processo de execução fiscal n.º ........., para cobrança coerciva da quantia de € 253,20 relativa a coimas, com data limite de pagamento voluntário em 05.08.2008, ao qual foi apensados outros processos de execução fiscal instaurados para cobrança de dívidas de IRC e IVA, dos períodos de 2004, 2005 e 2006, com datas limite de pagamento voluntário entre 22.10.2008 e 28.05.2009, no valor total de € 116.992,33, conforme descrição de fls. 23 e 24 do PEF apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida – cf. fls. 1, 2, 24/25 do PEF apenso e demais certidões de dívida constantes do PEF apenso (fls. não numeradas).

Por despacho de 12.10.2011 foi revogado o projeto de reversão contra a ora oponente e contra S........ e determinada a reversão da execução fiscal identificada em B) contra ambos, com os fundamentos constantes da informação dos serviços da mesma data, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se refere, além do mais, a inexistência de património da sociedade e que “os responsáveis subsidiários foram introduzidos na reversão pelo facto de terem sido nomeados gerentes por deliberação de 2000.07.17, conforme registo na Conservatória do Registo Comercial”, mais se concluindo que “não tendo provado que não lhes foi imputável tal falta de pagamento, são nos termos do artigo 24º nº 1 b) da Lei Geral Tributária responsáveis subsidiários pela execução” – cf. fls. 53 e sgt (não numerada) do PEF apenso.

D) Por despacho de 12.10.2011 a execução identificada em B) foi revertida contra a ora oponente com os seguintes fundamentos:

“Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24º/nº 1/b) da LGT]

Quanto às coimas é aplicável o disposto na al. b) do nº1 do artº 8º do RGIT […].”

– cf. fls. 54/55 do PEF apenso.

E) Em 28.10.2011 a Oponente foi citada para a execução identificada em B), para pagamento da quantia de € 116.992,33, relativa às dívidas de IRC e IVA referidas em B) – cf. fls. 58/59 e 61 do PEF apenso.

F)A coberto das ordens de serviço n.ºs OI200801638/9/40 a sociedade “L…………, LDA.” foi objeto de uma ação de inspeção por parte da Administração Tributária – “Análise Interna Parcial – IRC e IVA” –, que abrangeu os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no âmbito da qual foram solicitados, por ofício, elementos aos sócios C........ e H........, tendo estes respondido, em 20.02.2008, nos termos constantes de fls. 38/186 e 49/186 do PEF apenso, e cujos teores aqui se dão por reproduzido, referindo, além do mais, serem sócios mas nunca terem sido gerentes, e que “A gerência, nomeada por deliberação de 17 de Julho de 2000, é exercida por F........ e S........, cfr. certidão que junto” – cf. fls. 3/186, 10/186 e 38 e 39/186 e 49 e 50/186 do PEF apenso.

Factos não provados:

Não resultam dos articulados nem dos demais elementos que compõem os autos outros factos, com interesse para a decisão da causa, que importe identificar como provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como na posição assumida pelas partes nos autos no caso em que a factualidade foi julgada não controvertida.»


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B.DO DIREITO

A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívidas de IVA e IRC dos anos de 2004, 2005 e 2006, e coima aplicada por falta de entrega de declaração periódica de IVA do 3.º trimestre de 2008, no montante total de € 117.245,53, inicialmente exigida à sociedade denominada «L…………., LDA

Para julgar procedente a oposição à execução fiscal entendeu a Mmª Juíza do Tribunal «a quo», em síntese, que a Administração Tributária não cuidou de aferir, do ponto de vista dos factos da verificação dos pressupostos legais da reversão, maxime no que se refere à legitimidade passiva para efeitos da reversão da execução.

Conforme decorre das respectivas conclusões de recurso, a Fazenda Pública (doravante recorrente) sustenta que a sentença incorre em errada valoração dos factos, considerando que contrariamente ao decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT.

Vejamos, se lhe assiste razão.

Como se sabe, o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), assim porque a dívida exequenda se constituíram nos exercícios de 2004 a 2006, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.

Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…).».

Na aplicação deste regime, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que, em qualquer uma das suas alíneas a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No que respeita ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, louvando-se do entendimento da nossa jurisprudência, aliás pacífica e uniforme, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

Vale aqui, o sustentado, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a decisão da presente causa: « (…) Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Feito este enquadramento, vejamos, agora, o caso em apreciação.

Revertendo ao caso concreto dos presentes autos, tendo em conta a factualidade provada, não se pode concluir que assista razão à Fazenda Pública. Com efeito, não oferece dúvida que contrariamente ao que sustenta, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cfr. artigo 11.º, n.º3 do Código Do Registo Comercial - CRC-) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência. O que significa que o facto de a Oponente constar do contrato social como gerente de direito da sociedade devedora originária, por si só, nada permite concluir quanto à prática efectiva de qualquer acto em representação da sociedade.

É certo que da prova documental resulta demonstrado estarem nomeados como gerentes dois sócios (incluindo a oponente) da devedora originária, obrigando-se a sociedade executada pela intervenção dos dois gerentes. Mas essa circunstância não implica, só por si, qualquer facto susceptível de consubstanciar o pressuposto atinente ao efectivo exercício da gerência por parte da Oponente.

Efectivamente, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros ( neste sentido, vide - Acórdão proferido pelo TCA Norte, de 16 de Abril de 2015, proferido no processo01417/05.0BEVIS, disponível em texto integral em www.dgsi.pt Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág 139).

Ora, como já referimos, a Fazenda Pública (a quem competia o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente) nada alegou ou provou quanto ao efectivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente, pelo que sempre contra si teria de ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência e, por outro lado, também não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pelo efectivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente.

De todo o modo, ainda que assim não tenha sucedido, como de resto deu conta a Mmª Juíza do Tribunal «a quo» fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da Oponente, de modo que, competindo à Administração Tributária o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da Oponente, a tal título, como responsável subsidiária, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a Administração Tributária.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a sentença recorrida.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

IV.CONCLUSÕES
I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
II. Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 24 de Junho de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
(Ana Pinhol)