Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:723/14.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:PRESTAÇÕES DE PAGAMENTO
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Sumário:1. Independentemente da posição que se assuma na controvérsia jurídica sobre os prazos de impugnação da liquidação do imposto do selo a que se refere a verba 28 da TGIS, existindo três prestações para pagamento do imposto liquidado, o facto de em cada uma das notas de cobrança se prever expressamente a impugnação da liquidação, nos termos e prazos estabelecidos no art.º102.º do CPPT, impõe que face ao princípio geral de direito da boa fé e sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas, se deva relevar como início do prazo de três meses da impugnação o que se conta do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação em causa.
2. A impugnação tem sempre por objecto a liquidação na sua totalidade e não a prestação a que se refere a nota de cobrança.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

P…– Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na verificação da excepção peremptória de caducidade do direito de acção, absolveu a Fazenda Pública do pedido na impugnação judicial apresentada na sequência “da notificação dos actos de liquidação (melhor identificados na P.I. a fls.6/7 dos autos) referentes a imposto de selo de 2012 efectuados com base na verba 28.1 da TGIS, referente ao prédio em regime de propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial sob o artigo U – …, freguesia de ... concelho de Loures”.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.596).

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes Conclusões:
«
(Texto no Original)


(Texto no Original)



A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro no julgamento de caducidade do direito de impugnação

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da matéria excepcionada deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:
«
(Texto no Original)


(Texto no Original)

(Texto no Original)



(Texto no Original)

».
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como muito bem sintetiza a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta, a sentença julgou a impugnação intempestiva no entendimento de que a impugnante foi notificada da liquidação do imposto de selo referente ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Loures, sob o artigo U –…, efectuada em 22/03/2013, e que o prazo para impugnar judicialmente as liquidações de imposto se conta a partir do termo de pagamento voluntário da primeira prestação, ocorrido em 30/04/2013.

Ou seja, no entendimento da sentença recorrida, tendo a impugnante deduzido a presente impugnação judicial em 28/02/2014, fê-lo manifestamente fora de tempo, em virtude de já ter então decorrido o prazo de 3 meses sobre a data do pagamento voluntário da primeira prestação.

Adversa a Recorrente que, contrariamente ao decidido, a impugnação judicial foi tempestivamente apresentada em 28/02/2014, que reagiu tempestivamente, porquanto, foi notificada três vezes para pagamento do imposto, a última das quais em 30/11/2013, sendo que, em seu entendimento, é a partir desta última data que se deve iniciar a contagem do prazo legal de 3 meses para impugnar. Vejamos.

Em causa está liquidação do imposto de selo a que se refere a verba 28 da TGIS.

De acordo com o disposto no n.º5 do art.º44.º do Código do Imposto do Selo (aditado pela Lei n.º55-A/2012, de 29 de Outubro), “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

Estabelece aquela norma do CIMI:
«Artigo 120.º
Prazo de pagamento
1 - O imposto deve ser pago:
a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a (euro) 250;
b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 250 e igual ou inferior a (euro) 500;
c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 500.
2 - Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação.
3 - Sempre que no mesmo ano, por motivos imputáveis aos serviços, seja liquidado imposto respeitante a dois ou mais anos e o montante total a cobrar seja superior a (euro) 250, o imposto relativo a cada um dos anos em atraso é pago com intervalos de seis meses contados a partir do mês seguinte inclusive ao da notificação referida no número anterior, sendo pago em primeiro lugar o imposto mais antigo.
4 - No caso previsto nos n.os 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes.
5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso».

Concorda-se com a sentença recorrida quando diz que apenas há lugar a um único acto de liquidação, embora a cobrança da colecta se possa fazer faseadamente, mas não há tantas liquidações quantas prestações de pagamento. Isto mesmo decorre necessariamente do disposto no n.º4 do art.º120.º do CIMI.

Mas daí não se segue, lógica e necessariamente que o prazo de impugnação se deva contar a partir do termo do prazo de pagamento da primeira prestação.

A apontada indivisibilidade do acto de liquidação, sendo verdade, apenas obriga a que o objecto da impugnação seja o próprio acto de liquidação “in totum” e não cada uma das prestações de pagamento, mas nada revela quanto aos prazos de impugnação.

A questão, note-se, não era pacífica na jurisprudência e, tanto assim, que o legislador se viu na necessidade de aditar um n.º2 ao art.º129.º do CIMI, estabelecendo que “Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto”, aplicável ao imposto do selo por força do n.º3 do art.º49.º do CIS (aditado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto) que dispõe: “Aplica-se às liquidações do imposto previsto na verba n.º28 da Tabela Geral, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 115.º e no n.º 2 do artigo 129.º do CIMI”.

Todavia, tal norma do n.º2 do art.º129.º do CIMI (também aditada pelo Decreto-Lei n.º41/2016, de 1 de Agosto, não tem natureza interpretativa, não se aplicando a situações tributárias constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, 02/08/2016, conforme art.º15.º, n.º1 da lei que a aditou.

É certo que as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, mas sem prejuízo das garantias anteriormente constituídas dos contribuintes (art.º12.º, n.º3 da LGT) e as normas que estabelecem prazos de reclamação e de impugnação são normas de garantia com protecção constitucional e sujeitas a reserva de lei (art.º103.º, n.º2, da CRP).

Subsiste, pois por resolver a questão central do recurso, qual a de determinar o momento a partir do qual se deve contar o prazo de impugnação da liquidação de imposto do selo, considerando que podem existir três prestações de pagamento da colecta.

Ora, documentam os autos que os avisos de cobrança relativos à 3.ª prestação (cf. ponto c) do probatório), indicam como data de liquidação, “2013-03-22”; como data limite de pagamento, “Novembro/2013”; e a menção seguinte: “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT” (cf. a título de exemplo, avisos de cobrança constantes de fls. 293 e 347).

O art.º102.º, do CPPT estabelece, no segmento relevante para os autos:

«1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) ….».

Ora, o sentido que um destinatário normal (art.º236.º, n.º1 do Código Civil) colhe do conteúdo da nota de cobrança, em vista do disposto no art.º102.º, n.º1 alínea a) do CPPT para que a própria nota remete, é o de que dispõe do prazo de três meses a contar do termo do prazo para pagamento voluntário indicado na nota de cobrança (Novembro/2013).

É certo que se refere expressamente que “Poderá reclamar ou impugnar a liquidação” e consta da nota como data da liquidação, “2013-03-22”; mas isso não comporta qualquer elemento esclarecedor quanto ao prazo de impugnação, bem pelo contrário, pois como vimos, objecto da impugnação é sempre o acto de liquidação cuja colecta é paga em prestações e não a prestação em causa.

Como o STA já tem vindo a decidir, a errónea indicação na notificação do prazo de impugnação deve ser o atendível para aferição da tempestividade do meio impugnatório.

Assim, no Acórdão daquele alto tribunal, de 12/04/2012, exarado no proc.º0122/12, escreveu-se: «…como é de elementar justiça, o contribuinte Autor não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas.
Essa informação foi determinante da actuação do ora Recorrido que, dentro da convicção em que actuou, apresentou a petição no prazo que oficialmente lhe foi fornecido, não lhe sendo exigível comportamento diferente do que teve. E desse quadro ressalta, com evidência, que agiu em estado ou situação de boa fé, juridicamente relevante, afrontando directamente essa boa fé o comportamento da Administração ao querer, in casu, prevalecer-se da situação para a qual, culposamente contribuiu através de informação errada, violando, simultaneamente, o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não sejam imputáveis.
Aliás, a lei em situação com fortes semelhanças à dos autos determina que se tenha como boa a informação errada dada pela Administração (lato sensu). É o caso previsto no n.º 3 do artigo 198.º do Código Processo Civil, onde se prevê expressamente que a concessão irregular de um prazo de defesa mais dilatado faz admitir a dedução de defesa no prazo indicado na citação, e é o caso previsto no n.º 6 do artigo 161.° desse mesmo Código, quando estipula que os erros e omissões das notificações efectuadas pela secretaria dos tribunais (órgãos administrativos) não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. É ainda o caso previsto no artigo 58.°, n.º 4, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que admite que a impugnação contenciosa de actos anuláveis (que, em princípio, deve ser feita no prazo de três meses), seja feita posteriormente caso se demonstre que a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente “por a conduta da Administração o ter induzido em erro”.
Disposições legais que mais não são que uma afloração do princípio geral de direito da boa fé – ninguém pode ser penalizado em consequência da falta ou irregularidade que lhe não é imputável – instituídas por exigências evidentes de justiça e que, por isso, devem ser consideradas de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artigo 2.º da Constituição, mas também por serem postuladas pelo próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 68.º, n.º 4, da Constituição), que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos.
Em suma, o princípio de boa-fé, que funciona como cláusula geral de valoração dos comportamentos dos intervenientes, impõe que o Autor, ora Recorrido, não possa ser prejudicado pelo erro contido na notificação, da responsabilidade de Administração» (fim de cit.).

De resto, compreende-se mal que a AT mantivesse as mesmas indicações constantes da nota de cobrança relativa à 1.ª prestação, nas notas de cobrança relativas às 2.ª e 3.ª prestações, se, como parece, a sua posição na controvérsia sobre os prazos de impugnação já alinhava pela solução que, posteriormente, veio a ser a consagrada pelo legislador no aditado n.º2 ao art.º129.º do CIMI.

Tudo visto, entendemos que, independentemente da posição que se assuma na controvérsia interpretativa sobre os prazos de impugnação da liquidação, existindo três prestações para pagamento do imposto liquidado, o facto de em cada uma das notas de cobrança se prever expressamente a impugnação da liquidação, nos termos e prazos estabelecidos no art.º102.º do CPPT, impõe que face ao princípio geral de direito da boa fé e sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas, se deva relevar como início do prazo de três meses da impugnação o que se conta do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação em causa.

E nessa linha de entendimento, mostra-se tempestiva a impugnação judicial apresentada no dia 28 de Fevereiro de 2014 (cf. ponto E) do probatório), contra actos de liquidação de imposto de selo cujo pagamento voluntário devia ter lugar no mês de Novembro/2013.

A sentença recorrida incorreu no apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso.


5 - DECISÃO


Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
a. Conceder provimento ao recurso;
b. Revogar a sentença recorrida;
c. Ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento das questões prejudicadas.

Sem custas.

Lisboa, 03 de Maio de 2018



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Vital Lopes






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Benjamim Barbosa




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Anabela Russo