Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11400/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/11/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:RESTRIÇÃO DE ACESSO A DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS (LAIA E LADA)
Sumário:1.O artº 11º nº 2 da Lei 19/2006, 12.06 (LAIA) e 6º nº 3 da Lei 46/2007 de 24.08 (LADA) impõem uma restrição ao direito de acesso aos documentos administrativos, sob a forma de moratória, cabendo à entidade requerida decidir, caso a caso, sobre a respectiva aplicação.

2. A expressão normativa de “processos não concluídos” ou de “procedimentos em curso” dos artºs 6º nº 3 LADA e 11º nº 2 LAIA, deve ser interpretada no sentido jurídico próprio de “conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo” conforme disposto no artº 1º nº 2 CPA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:FENPROF – Federação Nacional de Professores, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, vem dela recorrer, concluindo como segue:

1. O Recorrente é uma associação de sindicatos de professores de âmbito nacional, composta pelo Sindicato de Professores da Região dos Açores, no Estrangeiro da Grande Lisboa da Madeira do Norte da Região Centro e da Zona Sul cujos Estatutos foram publicados no BTE nº 26 de 15.7.2013, 1ª Série, págs. 16. a 137.
2. Em 13.2.2014 o Recorrente requereu ao MEC o acesso á informação imposta pela lei 2/2011 de 9 de Fevereiro, concretamente a listagem dos edifícios e instalações sob tutela do MEC que contenham amianto na sua construção.
3. Esgotado o prazo legal de resposta é este requerimento sem qualquer resposta por parte da entidade requerida a Fenprof aqui Recorrente intentou a presente intimação judicial para a prestação de informação e passagem de certidões.
4. Esta intimação por decisão judicial datada de 6 de Maio de 2014 foi julgada improcedente com base na excepção constante do nº 2 do artº 11º da LAIA.
5. Entendeu o Tribunal Recorrido que a situação dos presentes autos preenche a excepção legal aí consagrada mau grado o facto de o prazo legal para a conclusão do procedimento em apreço ter expirado em 10 de Fevereiro de 2012.
6. No caso dos autos contudo este enquadramento jurídico não é correcto pois a fundamentação da decisão recorrida viola o disposto no artº 268º da CRP nos artºs. 61º e ss. do CPA e da LADA.
7. Sem prescindir a decisão recorrida é igualmente violadora dos princípios da transparência da publicidade da igualdade da justiça e da imparcialidade pilares do nosso ordenamento jurídico no âmbito do acesso a particulares (aqui se incluindo associações como a recorrente) aos ducumentos de informação administrativa.
8. Concluindo por isso não assiste razão à douta sentença recorrida.

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O Ministério da Educação e Ciência, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A Lei n.° 2/2011, de 9 de fevereiro, reporta-se a edifícios, instalações e equipamentos públicos, cuja listagem deve ser assegurada pelo Governo;
2. O estipulado pelo diploma supra mencionado não se reconduz, específica e unicamente, a estabelecimentos de ensino cuja responsabilidade recai sobre o Ministério da Educação e Ciência;
3. Admitindo a concretização processual do direito à informação (artigo 104.° CPTA e 268.° CRP) e conforme acima se evidenciou, este Ministério não detém a informação requerida, para além de que não recai sobre a sua esfera jurídica de actuação a obrigação legal de a produzir "ex novo" com vista à satisfação da pretensão da Recorrente;
4. Não existe qualquer recusa no direito à informação, tanto mais que o Ministério da Educação e Ciência tem dado conhecimento de todos os procedimentos levados a cabo em estabelecimentos de ensino em que já se removeu ou se vão remover as placas de fibrocimento, factos que são do conhecimento público pelas informações amplamente divulgadas;
5. É sobre o Governo, reitere-se, que impende, após o respectivo levantamento, a obrigação de elaborar e divulgar a listagem de edifícios, instalações e equipamentos públicos que contenham amianto, dando cumprimento à Lei n.° 2/2011, de 9 de fevereiro;
6. Cada departamento governamental deve informar os respectivos utilizadores da existência de amianto e da previsão do prazo de remoção desse material em relação a cada edifício, instalação ou equipamento público constante da listagem e por si gerido;
7. Ademais, estando na presença de um procedimento em curso, pode o acesso à informação administrativa em causa ser diferido para o momento da conclusão do respectivo procedimento (n.° 2 do artigo 11.° da LAIA);
8. O acabado de referir resulta, ao contrário do alegado pela Recorrente, da sentença a quo quando refere que: "Estabelece o n.° 2 do artigo 11.° LAIA que quando o pedido de acesso à informação se refira a procedimentos em curso, a documentos e dados incompletos ou a comunicações internas, o acesso é diferido até à tomada de decisão ou ao arquivamento do processo. Assim, após a conclusão das condutas a observar pela Administração previstas na Lei n.° 2/2011, deverá o Ministério da Educação e Ciência permitir o acesso a toda a informação disponível, de acordo com o livre acesso à informação administrativa." [sublinhado nosso].
9. Não merece acolhimento o argumento da Recorrente de que a excepção invocada transformaria a aplicação da norma num verdadeiro e intransponível obstáculo ao acesso à informação, bastando, para isso, que as entidades administrativas nunca concluíssem os procedimentos de matéria ambiental, pois tal argumento além de elevar a competência legislativa a uma actividade ineficaz considerando que o legislador emana leis para não surtirem quaisquer efeitos, propende para a banalização por parte do Estado no que respeita ao cumprimento das leis conforme o seu interesse, o que não corresponde, minimamente, à realidade do Estado de direito democrático vigente.
10. Por fim, no que se reporta à alegada violação de princípios estruturantes, dir-se-á, em bom rigor, que a Recorrente convoca aqui o instituto jurídico da Administração aberta, do qual decorre a necessidade de existir por parte do ente público, uma actuação transparente e aberta à participação e colaboração da sociedade civil, impondo, como princípio geral, um regime de livre acesso aos documentos da Administração.
11. Mas tendo em linha de conta que o aludido regime de acesso consta de diplomas próprios que contemplam excepções à regra, consoante a matéria em questão, entende-se que a aplicação do artigo 11º da LAIA não merece censura.
12. No caso sub judice e discorrendo pela sentença a quo, somos de parecer que, e salvo douta opinião, a mesma submeteu os factos carreados para os autos a um tratamento jurídico adequado, ou seja, identificou as regras de direito aplicáveis, interpretou essas mesmas regras e determinou os correspondentes efeitos jurídicos, pelo que e conforme ficou demonstrado nas presentes contra-alegações, não lhe podem ser assacados os vícios invocados pela Recorrente.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. No dia 13 de Fevereiro de 2014, o Requerente deu entrada de requerimento do seguinte teor:
“(..) Senhor Ministro,
A Lei n,° 2/2011, de 9 de fevereiro, determina, no seu artigo 3º que o governo dispõe de um prazo de um ano a contar da entrada em vigor da lei, para proceder ao levantamento de todos os edifícios, instalações e equipamentos públicos que contêm amianto na sua construção.
O número l do artigo 4º desta lei refere que, findo o levantamento, resulta uma listagem de edifícios públicos que contêm amianto, a qual é tornada pública, designadamente através do portal do governo na internet. Estabelece ainda esta lei que a: entidades que gerem cada um dos edifícios, instalações e equipamentos públicos constantes na listagem referida antes têm de prestar informação a todos os utilizadores desse edifício da existência de amianto e da previsão do prazo de remoção desse material.
Acontece que, apesar de o prazo previsto na Lei 2/2011, de 9 de fevereiro estar há muito esgotado, continua sem ser divulgada no portal do governo a listagem com informação sobro os edifícios públicos, nomeadamente escolas, em que existe amianto na sua construção. Os números que têm vindo a ser conhecidos são assustadores: mais de 700 escolas tuteladas pelo MEC e um número que parece ser igualmente elevado de estabelecimentos só tutela de autarquias ou governos regionais,
Assim, no sentido de garantir o pleno exercício do direito à informação, previsto no artigo 60º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, e com a finalidade de, por uni lado, satisfazer um imperativo legal e, por outro, tendo em consideração o teor do problema em questão e as suas consequências para a saúde das comunidades escolares, dar resposta às legítimas preocupações de quantos são representados pela FENPROF e, de uma forma geral, dos que diariamente frequentam as escolas, a Federação Nacional dos Professores vem requerer, junto de Vª. Exa., que lhe seja fornecida a listagem das escolas que contém amianto na sua construção.
Pretende a FENPROF conhecer ainda o tipo de informação que o MEC prestará a quantos trabalham ou estudam nas escolas referenciadas e qual a previsão do prazo de remoção desse material.
Com os melhores cumprimentos O Secretariado Nacional (..)”
2. Não obteve resposta.


DO DIREITO

A fundamentação em sede de sentença recorrida é a que, na parte que importa, de seguida se transcreve:
“(..)
O Requerente dirigiu à Entidade Requerida pedido de informação ao abrigo do preceituado na lei quanto ao exercício do direito à informação, previsto nos artigos 61° do CPA.
Como bem aponta a Entidade Requerida, a informação solicitada pela Fenprof -Federação Nacional de Professores enquadra-se no contexto de "informação sobre ambiente", nos termos dos pontos ii) e vi) da alínea b) do artigo 3.° da Lei n.° 19/2006, de 12 de junho, Lei do Acesso à Informação sobre Ambiente (doravante designada por LAIA), sendo, nessa medida e em princípio, de acesso livre, sem que a Requerente tenha que justificar o interesse (cfr. n.° l do artigo 6.° LAIA) - (O regime acesso à informação ambiental está previsto na Lei n.° 19/2006, de 12 de junho (LAIA), regime ao qual se aplica subsidiariamente a Lei n.° 46/2007, de 24 de agosto (LADA).
Os pedidos de acesso a informação sobre ambiente podem, contudo, ser indeferidos (artigo 11° LAIA), nomeadamente, quando os documentos não estejam na posse da entidade pública, se refiram a procedimentos em curso, às relações internacionais, à segurança pública, à defesa nacional, ao segredo de justiça, aos direitos de propriedade intelectual, aos interesses de quem tenha fornecido voluntariamente a informação, à protecção do ambiente ou quando a divulgação possa prejudicar a confidencialidade do processo, informações comerciais ou industriais.
A situação subjudice integra um procedimento em curso, o qual tem vindo a ser desenvolvido pelo Ministério da Educação e Ciência mas que ainda não se encontra findo, como é do conhecimento público.
Estabelece o n.°2 do artigo 11° LAIA que, quando o pedido de acesso à informação se refira a procedimentos em curso, a documentos e dados incompletos ou a comunicações internas, o acesso é diferido até à tomada de decisão ou ao arquivamento do processo.
Assim, após a conclusão das condutas a observar pela Administração previstas na Lei n° 2/2011, deverá o Ministério da Educação e Ciência permitir o acesso a toda a informação disponível, de acordo com o livre acesso à informação administrativa.
Convém ter presente que, pese embora vigore no nosso ordenamento jurídico o princípio do arquivo aberto, traduzido no reconhecimento do direito de acesso às informações constantes de documentos, pastas, arquivos e registos administrativos, o mesmo admite excepções, regendo, no caso em apreço, o n.° 2 do artigo 11° da LAIA. (..)”.


1. processo de intimação - artº 104º/CPTA;

O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artº 104° e ss., do CPTA, enquanto meio processual autónomo, visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental e não procedimental, com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, nºs. l e 2, ambos da CRP, os quais haviam merecido já concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos artºs 61° a 65°, do CPA.
Com efeito, no nº 1 do art. 268° da CRP, está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo art. 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Sobre o disposto no n.° 1 e no n.° 2 (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.
Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. (1)


2. direitos à informação procedimental e não procedimental – artº. 268º/l/2/CRP;

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA tratando do primeiro os artºs. 61° a 64° e do segundo o artº. 65°.
O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 61°), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 62°).
O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 65°).
Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.
Neste domínio, o alcance e extensão da obrigação da Administração Requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – vd. Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279 “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” - mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.
Neste sentido, mesmo que a informação ou documento, cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30/11/94, Proc. n.° 36256 – perante estas circunstâncias caberá emitir a correspondente certidão negativa.

*
Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento. Já os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)
Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.
Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, pp. 135).
O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.
Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”. (2)
Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental e em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”. (3)


3. acesso diferido à informação procedimental - artº 11º/2 LAIA; 6º/3 LADA;

O regime de acesso à informação ambiental, regulado na Lei 19/2006 de 12.06 (LAIA) configura um corpo normativo especial relativamente à Lei 65/93 de 26.8, actualmente revogada pela Lei 46/2007 de 24.8 (LADA) sendo esta de aplicação subsidiária como expressamente dispõe o artº 18º LAIA.
Como é sabido, o artº 3º nº 1 a) LADA remete para o conceito civilista de documento, vazado no artº 362º C. Civil, na medida em que define o documento administrativo como “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome.”.
O que significa que na acepção da LADA, Lei 46/2007 de 24.08, o conceito de documento administrativo passa por três planos de referência.
Primeiro, que finalidade jurídica têm, para que é que servem; assim, documentos são “(..) objectos elaborados pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (artº 362ºdo Código Civil). Essencial à noção de documento é, pois, a função representativa ou reconstitutiva do objecto (Pires de Lima e Antunes Varela, 1987:p. 321. Uma pedra, um ramo de árvora ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na acepção legal. (..)”.
Segundo, o plano do conteúdo, “(..) documentos administrativos são, apenas, os suportes (de qualquer tipo) que contenham informação. (..) a informação , por seu lado, “é uma abstracção informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém, através de textos, imagens ou sons ou animação”(Setzer, 1999:2) (..)”.
Terceiro, o plano do sujeito passivo, para efeitos de aplicação da Lei 46/07 “(..)Para que os suportes de informação sejam documentos administrativos é necessário, ainda, que estejam na posse das entidades referidas no artº 4º da LARDA. É o que resulta da alínea a) do nº 1 do artº 3º da LARDA.
São documentos administrativos: a. Os documentos detidos materialmente pelas entidades sujeitas à LADA; e b. Os documentos em relação aos quais existe um direito de posse. (..)”. (4)

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Em face do exposto, não suscita dúvidas que o ora Recorrente pretende o acesso a documentos administrativos na medida em que pretende obter junto do MEC a listagem dos edifícios públicos em cujo processo de construção foi utilizado material de fibra de amianto, ora proibido nos termos do artº 2º Lei 2/2011, 9.2, edifícios esses destinados ao funcionamento de escolas públicas.
Por outro lado trata-se de documentos reportados a “processos não concluídos” ou “procedimentos em curso”, cfr. artºs 6º nº 3 LADA e 11º nº 2 LAIA, referindo-se tais segmentos normativos a processos administrativos no sentido jurídico próprio de “conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo” conforme disposto no artº 1º nº 2 CPA.
A sentença fundamentou-se no disposto no artº 11º nº 2 LAIA, cujo conteúdo restritivo é similar do artº 6º nº 3 LADA, como segue
§ artº 11º nº 2 LAIA – Quando o pedido se refira a procedimentos em curso, a documentos e dados incompletos ou a comunicações internas, o acesso é diferido até à tomada de decisão ou ao arquivamento do processo.
§ artº 6º nº 3 LADA - O acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração.
Sobre esta matéria o Parecer da CADA nº 27/2006 emitiu o seguinte entendimento: “(..) O nº 3 do artº 6º contém uma terceira restrição ao direito de acesso: “O acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido (..)”.
O legislador refere-se a “documentos constantes de processos não concluídos” e a “documentos preparatórios de uma decisão”.
No primeiro caso, está a referir-se a processos administrativos; ou seja, ao “conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo” (nº 2 do artº 1º do Código de Procedimento Administrativo) – CPA).
No segundo caso, quer reportar-se a documentos preparatórios de uma decisão, mas que não integram processos administrativos; ou seja, a documentos que não digam respeito a actos e formalidades do procedimento administrativo” (..)”.
Por outro lado a CADA sempre entendeu que no tocante a este diferimento se trata de uma faculdade da Administração e não de um dever jurídico, posto que “Cabe à entidade requerida decidir, caso a caso, sobre a aplicação desta restrição, moratória justificada em função da protecção do processo decisório, vd. Pareceres da CADA nºs.103/2004, 13/2007, 21/2005, 13/2007. (5)
Do nosso ponto de vista a interpretação em sede de artº 6º nº 3 LADA é inteiramente transponível para efeitos de interpretação do segmento normativo paralelo do artº 11º nº 2 LAIA.
O que significa que em procedimento administrativo pendente tem aplicação o regime do artº 11º nº 2 LAIA, conforme decidido na sentença sob recurso.

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Termos em que improcedem, incluso no âmbito dos desvalores constitucionais assinalados e pelas razões de direito supra expostas, todas as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 8 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo do Recorrente – artº 4º nºs.5 e 6 do Reg. Custas Judiciais.

Lisboa, 11.SET.2014,


(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………

(Paulo Gouveia) …………………………………………………………………………

(Catarina Jarmela) ....................................……………………………………………

(1) Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
(2) Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
(3) Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
(4) Sérgio Pratas, Lei do acesso e da reutilização dos documentos administrativos - anotada, DisLivro/2008, págs.56/58. Renato Gonçalves, Acesso á informação das entidades públicas, Almedina/2002, págs. 33/43.
(5) Sérgio Pratas, Lei do acesso …, DisLivro/2008, págs.185/186.