Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1230/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
I.M.I.
ACTIVO IMOBILIZADO E CIRCULANTE DA EMPRESA. NOÇÃO.
REGIME DE NÃO SUJEIÇÃO A IMPOSTO DOS PRÉDIOS PARA VENDA CONSTANTE DO ARTº.9, DO C.I.M.I.
PRESSUPOSTOS DE NÃO SUJEIÇÃO A I.M.I. DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO.
ARTº.9, Nº.1, AL.D), DO C.I.M.I.
CONTA 32 DO POC (“MERCADORIAS”). FUNÇÃO CONTABILÍSTICA.
MEIOS DE PROVA.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.).
4. O activo das empresas divide-se sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional.
5. Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial.
6. O artº.9, do C.I.M.I., estabelece o momento temporal a partir do qual os prédios ficam sujeitos a I.M.I., sendo, por isso mesmo, uma norma de incidência. Por essa razão, o regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda por empresas que exercem essa actividade, durante os três períodos de imposto seguintes à sua aquisição, é um regime de não sujeição de imposto, e não um benefício fiscal. Esta distinção não tem importância meramente académica, uma vez que se se tratasse de um benefício fiscal não seria aplicável às empresas com dívidas fiscais, como resulta do artº.13, do E.B.F.
7. O regime de não sujeição a I.M.I. dos terrenos para construção de empresas que exerçam a actividade de construção para venda está consagrado no artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I. Através deste regime, o legislador permite que as empresas que exercem a actividade de construção de prédios para venda, não tenham que suportar o imposto que incide sobre os terrenos para construção, enquanto decorrer a construção dos edifícios. Para esse efeito o legislador parte do princípio segundo o qual o período de quatro anos é o adequado e necessário para a construção, pelo que limita a não sujeição a imposto apenas a esse período.
8. Repare-se que o artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., nunca exigiu como pressuposto da aplicação do regime, que estes terrenos para construção integrem o activo circulante das empresas, ao contrário do que acontece na alínea e), do mesmo preceito, em que esse pressuposto era essencial até a lei ser alterada em 2011 (Lei 64-B/2011, de 30/12 - OE 2012). Essa exigência não seria, aliás, adequada, dado que nestes casos os terrenos para construção constituem matérias-primas do processo produtivo das empresas, uma vez que a sua aquisição corresponde a um investimento tendo sempre em vista, naturalmente, a produção de bens novos.
9. Para que as empresas que exercem este tipo de actividades possam beneficiar do regime de não sujeição a I.M.I., a lei consagra os seguintes pressupostos (cfr.artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I.):
a-O exercício da actividade de construção de edifícios para venda pela empresa titular do imóvel;
b-A comunicação à A. Fiscal da aquisição do terreno para construção e a sua consequente afectação a esse fim, o que inclui a respectiva relevação contabilística enquanto activo da empresa, a qual é constitutiva do direito à não tributação em I.M.I.
10. O facto de o prédio em causa ter sido registado numa conta (conta 32) destinada ao registo das “mercadorias” e não das “matérias-primas” não pode, por si, só obstar ao diferimento da sua tributação nos termos do artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., já que a norma apenas consagra, como requisito, a obrigação do terreno figurar no activo da empresa, sendo certo que a conta de mercadorias integra a classe 3, a qual, por sua vez, é uma conta do activo contabilístico, sendo relativa a existências. Desta forma, a contabilização efectuada pela impugnante/recorrida reflecte, inequivocamente, que tal imóvel fazia parte do seu activo contabilístico.
11. A prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo relembrar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.89 a 99 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial intentada pelo recorrido, “A. ..., Construções, S.A.”, tendo por objecto liquidações de I.M.I., relativas aos anos de 2003 a 2006.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.116 a 118-verso dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Decidiu o Tribunal da douta sentença anular as liquidações impugnadas na parte respeitante ao prédio inscrito sob o art. 11878, manter as liquidações na parte respeitante aos prédios inscritos sob os arts.12101-L e 12101-Z e declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente às liquidações constantes das notas de cobrança n° …;
2-Ora, em sede de contestação (Pontos 32 e 33 da Informação da Divisão de Justiça Contenciosa), alegou a Fazenda Pública que as liquidações constantes das notas de cobrança … não dizem respeito aos prédios inscritos sob os arts.11878, 12101-L e 12101-Z;
3-Da análise da sentença recorrida, verifica-se que a Meritíssima juiz a quo não se pronuncia sobre esta questão suscitada pela Fazenda Pública;
4-Ao assim decidir, incorreu o Tribunal a quo em vício de omissão de pronúncia, a implicar a nulidade da sentença recorrida, em violação do disposto nos art.95°, n° 1 do CPTA, e 615°, n° 1, al. d), do CPC, aplicáveis ex vi do art. 2o do CPPT;
5-O art. 9o do CIMI estatui no seu n° 1, alínea d), que o imposto só é devido “Do quarto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda”;
6-Daí decorre que a isenção em causa depende, para além de outros requisitos, dos terrenos serem destinados a construção;
7-Conforme resulta dos autos, a impugnante contabilizou o imóvel na Classe 3 - Existências, mas na conta 31.2 - Mercadorias, em vez de efectuar a contabilização no Balanço/Balancete na conta 31.6 - Matérias-primas;
8-Ora, salvo o devido respeito pelo doutamente decidido, para beneficiar da suspensão temporária de tributação, prevista no referido art. 9o, n°1, al. d) do CIMI, a impugnante deveria ter contabilizado o imóvel como Matéria-prima;
9-Ao ter procedido à contabilização dos terrenos em questão na conta de “Mercadorias” a ora impugnante está a afirmar que os terrenos em questão não se destinam à construção de imóveis, mas sim à revenda dos mesmos, até porque tal é também um dos escopos sociais da impugnante;
10-Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto no art. 9o, n° 1, al. d) do CIMI;
11-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.127 a 129 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.91 a 94 dos presentes autos - numeração nossa):
1-A impugnante, “A. ..., Construções, S.A.”, com o n.i.p.c. …, é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na construção civil, na compra de imóveis para revenda, promoção imobiliária e gestão (cfr.documento junto a fls.89 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.186 a 195 do processo administrativo apenso);
2-Em 28/07/2005, a sociedade impugnante adquiriu por compra no valor de € 900.000,00, o lote de terreno destinado a construção, designado por lote 18 Zona 3, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 3630 e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob o art.° 11 878 (cfr.documento junto a fls.22 a 26 do processo administrativo apenso);
3-Em 19/09/2005, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de ... o pedido de não sujeição a Imposto Municipal sobre Imóveis cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, ali considerado como se tratando de:
- lotes de terreno pana construção;

No seu activo em 2005/07/31.

Descrição do imóvel
- lote de terreno

Inscrito na respectiva matriz sob o art.° n.° P 11878.”
(cfr.documento junto a fls.19 do processo administrativo apenso);
4-No balancete geral da impugnante respeitante a Julho de 2005 (não encerrado), na conta 31.2.1.3.5, foi registado a débito o valor de € 900.000,00, com o nome ... - lote 18 zona 3, na rúbrica “Compras - Mercadorias” (cfr.documento junto a fls.20 e 21 do processo administrativo apenso);
5-Em 06/07/2006 foi prestada pelo Serviço de Finanças de ... a informação que consta a fls.29 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais o seguinte:
“(…)
O requerente pede a não sujeição nos termos da alínea d) do n.° 1 do Art.° 9 do Código do IMI, alegando que destina o lote de terreno para construção. No entanto contabilizou o imóvel na conta 31.2 (Mercadorias), quando deveria estar contabilizado na conta 31.6 (Matérias Primas), pelo que me parece que o pedido de não sujeição deverá ser de indeferir.
(…)”
6-Em 10/07/2006, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... o despacho que consta a fls.29 do processo administrativo apenso, com o seguinte teor:
“Face aos elementos apresentados, o pedido de Não Sujeição nos termos da alínea e) do n.° 1 do Art.° 9 do CIMI, apresentado em 19/09/2005, por não reunir os condicionalismos legais é de indeferir com fundamento da alínea d) do n.° 1 do Art.° 9 do mesmo diploma. Notifique-se para efeitos da alínea b) do n.° 1 do Art.° 60.° da LGT.”
7-Em 25/07/2006, a ora impugnante foi notificada daquela informação e daquele despacho, através do ofício 6044 de 13.07.06 (cfr.documentos juntos a fls.30 e 31 do processo administrativo apenso);
8-Em 27/02/2007, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças o despacho que consta a fls.32 do processo administrativo apenso aos presentes autos com o seguinte teor:
“Em face das informações que antecedem, as quais ficam a fazer parte integrante do presente Despacho Decisório, mantenho o INDEFERIMENTO DO PEDIDO. (…)”
9-A A. Fiscal procedeu à anulação das liquidações constantes das notas de cobrança nºs.... (cfr.documentos juntos a fls.45, 49, 50, 53 e 56 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.67 a 69 do processo administrativo apenso);
10-A anulação das liquidações identificadas no nº.9 ficou a dever-se ao deferimento de pedido de não sujeição a IMI apresentado pela sociedade impugnante e incidente sobre os artigos matriciais 11939 e 11941, da Freguesia de ..., Concelho de ... (cfr. informação exarada a fls.67 a 69 do processo administrativo apenso);
11-Em 21/03/2007, a sociedade impugnante vendeu a N... e A..., a fração autónoma designada pela letra “Z” do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, sito em ..., Zona 4 lote 1, freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo P12101, à data pendente de avaliação (cfr.documento junto a fls.35 a 38 do processo administrativo apenso);
12-Em 15/02/2007, a sociedade impugnante vendeu a A..., a fração autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, sito em ..., Zona 4 lote 1, freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo P12101, à data pendente de avaliação (cfr.documento junto a fls.40 a 44 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…1-Qual a finalidade com que a impugnante adquiriu o prédio descrito no nº.2 do probatório;
2-A alienação das frações correspondentes aos artigos 12.101-L e 12.101-Z durante o ano de 2006…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados, bem como dos factos dados como não provados, resultou da análise crítica aos documentos e informações oficiais juntas aos autos, não impugnadas, conforme especificamente referido em cada uma das alíneas.
Relativamente aos factos dados como não provados, embora alegados pela impugnante, elas não resultam provados uma vez que, para além das comunicações apresentadas no Serviço de finanças de Loures não constam quaisquer outros elementos de quais se possa comprovar o destino que lhes foi dado aquando da sua aquisição…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese:
1-Declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente às liquidações constantes das notas de cobrança nºs…., dado se reportarem aos artigos matriciais 11939 e 11941, da Freguesia de ..., Concelho de ... (cfr.nºs.9 e 10 do probatório);
2-Anulou as liquidações impugnadas de IMI respeitantes ao prédio inscrito na matriz predial da Freguesia e Concelho de ... sob o artº.11878;
3-No mais, julgou improcedente a impugnação.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que em sede de contestação alegou a Fazenda Pública que as liquidações constantes das notas de cobrança … não dizem respeito aos prédios inscritos sob os arts.11878, 12101-L e 12101-Z. Que o Tribunal “a quo” não se pronuncia sobre esta questão suscitada pela na contestação. Que incorreu o Tribunal “a quo” em vício de omissão de pronúncia, o qual implica a nulidade da sentença recorrida (cfr.conclusões 2 a 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar uma nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida.
Examinemos se a sentença objecto do recurso enferma de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo, antigo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o Tribunal “a quo”, após ter declarado a extinção da instância, devido a inutilidade superveniente da lide quanto às notas de cobrança nºs...., dado se reportarem aos artigos matriciais 11939 e 11941 (tendo sido objecto de anulação pela A. Fiscal), concluiu que a lide somente prosseguia para exame das liquidações subjacentes às notas de cobrança nºs. ..., as quais seriam relativas aos artigos matriciais nºs.11878, 12101-L e 12101-Z. Destas, anulou as liquidações constantes das notas de cobrança concernentes ao artigo matricial nº.11878, devido a violação do regime previsto no artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., mais mantendo as referentes aos artigos matriciais nºs. 12101-L e 12101-Z, tudo conforme supra se exarou e que consta da factualidade provada.
Igualmente se deve vincar que o articulado inicial deste processo visa impugnar as liquidações constantes de notas de cobrança relativas aos identificados artigos matriciais 11939, 11941, 11878, 12101-L e 12101-Z. Pelo que, foi face aos identificados artigos matriciais que foi estruturada a sentença recorrida, com os diversos segmentos decisórios acima identificados.
Por último, a alegada falta de conexão entre as liquidações constantes das notas de cobrança ... e os artigos matriciais 11878, 12101-L e 12101-Z, não pode visualizar-se como uma questão nos termos acima definidos.
Antes, deveria o recorrente impugnar a factualidade provada, com vista à produção de prova incidente sobre a mesma desconexão. Mas não o fez, nomeadamente, cumprindo o ónus consagrado no artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil (cfr.actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6).
Concluindo, não se vislumbra qualquer omissão de pronúncia, de que padeça a decisão recorrida e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
O recorrente aduz, igualmente, que estatui o artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., que o imposto só é devido “Do quarto ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda”. Que a isenção em causa depende, para além de outros requisitos, dos terrenos serem destinados a construção. Que para beneficiar da suspensão temporária de tributação, prevista no referido artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., a impugnante/recorrida deveria ter contabilizado o imóvel como matéria-prima. Que ao ter procedido à contabilização dos terrenos em questão na conta de “Mercadorias” a impugnante/recorrida está a afirmar que os terrenos em questão não se destinam à construção de imóveis, mas sim à revenda dos mesmos, até porque tal é também um dos seus escopos sociais. Que violou a sentença recorrida o disposto no artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I. (cfr.conclusões 5 a 10 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial. A existência de um imóvel destinado a venda no património de uma empresa que exerça aquela actividade, não é uma manifestação de riqueza e, por isso, não deve ser tributada em I.M.I., desde que, naturalmente, esse imóvel seja mantido no seu activo permutável. O I.M.I. não é um imposto que incida sobre as mercadorias detidas pelas empresas, pelo que os imóveis que são mercadorias das empresas que os compram e vendem, não devem pagar tal imposto. Pelo contrário, a existência de um prédio no activo imobilizado de uma empresa já é uma manifestação de riqueza que deve ser tributada em sede do I.M.I.
Recorde-se que o activo das empresas se divide sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2015, proc.8630/15; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.521 e seg.).
O citado artº.9, do C.I.M.I., estabelece o momento temporal a partir do qual os prédios ficam sujeitos a I.M.I., sendo, por isso mesmo, uma norma de incidência. Por essa razão, o regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda por empresas que exercem essa actividade, durante os três períodos de imposto seguintes à sua aquisição, é um regime de não sujeição de imposto, e não um benefício fiscal. Esta distinção não tem importância meramente académica, uma vez que se se tratasse de um benefício fiscal não seria aplicável às empresas com dívidas fiscais, como resulta do artº.13, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.563 e seg.).
Passemos ao exame específico do regime de não sujeição a I.M.I. dos terrenos para construção de empresas que exerçam a actividade de construção para venda (cfr.artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I.).
O Código do I.M.I. permite, através deste regime, que as empresas que exercem a actividade de construção de prédios para venda, não tenham que suportar o imposto que incide sobre os terrenos para construção, enquanto decorrer a construção dos edifícios. Para esse efeito o legislador parte do princípio segundo o qual o período de quatro anos é o adequado e necessário para a construção, pelo que limita a não sujeição a imposto apenas a esse período.
Repare-se que o artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., nunca exigiu como pressuposto da aplicação do regime, que estes terrenos para construção integrem o activo circulante das empresas, ao contrário do que acontece na alínea e), do mesmo preceito, em que esse pressuposto era essencial até a lei ser alterada em 2011 (Lei 64-B/2011, de 30/12 - OE 2012). Essa exigência não seria, aliás, adequada, dado que nestes casos os terrenos para construção constituem matérias-primas do processo produtivo das empresas, uma vez que a sua aquisição corresponde a um investimento tendo sempre em vista, naturalmente, a produção de bens novos.
Para que as empresas que exercem este tipo de actividades possam beneficiar deste regime de não sujeição a I.M.I., a lei consagra os seguintes pressupostos (cfr.artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I.):
1-O exercício da actividade de construção de edifícios para venda pela empresa titular do imóvel;
2-A comunicação à A. Fiscal da aquisição do terreno para construção e a sua consequente afectação a esse fim, o que inclui a respectiva relevação contabilística enquanto activo da empresa, a qual é constitutiva do direito à não tributação em I.M.I. (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.567 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme decorre do probatório (cfr.nºs.1 a 4 do probatório), a impugnante/recorrida exercia, à data dos factos, a actividade de construção civil, compra de imóveis para revenda, promoção imobiliária e gestão. Em consequência de fazer parte do seu objecto social a actividade de construção de edifícios para revenda, nesse âmbito adquiriu, em 28/07/2005, um prédio urbano constituído por um lote de terreno destinado a construção inscrito na matriz predial urbana da Freguesia e Concelho de ... sob o artº.11 878, situação que participou (em 19/09/2015) ao Serviço de Finanças de ... e que registou na sua contabilidade, na conta 31.2, isto é, de acordo com o POC (então em vigor), a subconta de mercadorias da conta de existências, a qual integra o activo de qualquer balanço.
Ora estes factos eram suficientes para que se mostrasse preenchida a previsão do examinado artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., porquanto a impugnante/recorrida tinha por objecto social, além do mais, a construção de edifícios para venda, o prédio em causa era um terreno para construção, o qual foi integrado no seu activo, enquanto tal, mais tendo sido tal facto comunicado ao Serviço de Finanças da área do imóvel, dentro dos sessenta dias seguintes à aquisição.
Na verdade, o facto de o prédio ter sido registado numa conta destinada ao registo das “mercadorias” (conta 32) e não das “matérias-primas” não pode, por si, só obstar ao diferimento da sua tributação nos termos do artº.9, nº.1, al.d), do C.I.M.I., já que a norma apenas consagra, como requisito, a obrigação do terreno figurar no activo da empresa, sendo certo que a conta de mercadorias integra a classe 3, a qual, por sua vez, é uma conta do activo contabilístico, sendo relativa a existências (cfr.António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.173 e seg.).
Desta forma, a contabilização efectuada pela impugnante/recorrida reflecte, inequivocamente, que tal imóvel fazia parte do seu activo contabilístico.
Consequentemente, salvo se ao prédio tivesse sido dado destino diferente, a impugnante/recorrida teria direito a concretizar a construção e a venda de edifício edificado no lote de terreno até 2008, sem que este fosse, enquanto lote de terreno, objecto de qualquer tributação em sede de I.M.I.
Por último, recorde-se que a prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo relembrar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.873/08).
Atento tudo o relatado, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Junho de 2017


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)