Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:410/17.4BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INADMISSIBILIDADE LEGAL DE CAUSAS DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL NÃO PREVISTAS NAS LEIS TRIBUTÁRIAS.
EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL DEVIDO A ANULAÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA.
ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ACTOS DIVISÍVEIS.
REGIME DA REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS.
CONCEITO DE ACTO DE ANULAÇÃO, DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL E DE REFORMA DE ACTO TRIBUTÁRIO.
ANULAÇÃO TOTAL DE ACTO DE LIQUIDAÇÃO IMPLICA A CONSEQUENTE EXTINÇÃO DE PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NOS TERMOS DOS ARTºS.176, Nº.1, AL.B), E 270, Nº.1, DO C.P.P.T.
Sumário:1. Do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enunciado no artº.30, nº.2, da L.G.T., decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução fiscal não previstas nas leis tributárias (cfr.v.g. desistência ou deserção da instância, ressalvado o caso da posição do exequente ter sido assumida pelo sub-rogado - artºs.91 e 92, do C.P.P.T.).
2. De acordo com o regime legal previsto para o processo de execução fiscal, este extingue-se, oficiosamente, além do mais, quando se verifique a anulação da dívida exequenda (cfr.artºs.176, nº.1, al.b), e 270, nº.1, do C.P.P.T.).
3. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece, nomeadamente, no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos.
4. Na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador.
5. Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto.
6. Havendo decisão judicial, transitada em julgado, a declarar a anulação total do acto de liquidação adicional, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica, pelo que, estando na origem de processo de execução fiscal a liquidação que foi anulada, o processo executivo terá de ser declarado extinto, oficiosamente, por força do disposto nos artºs.176, nº.1, al.b), e 270, nº.1, do C.P.P.T., uma vez que tal anulação tem como consequência a anulação da própria dívida exequenda, constituindo o prosseguimento do processo executivo a violação de uma situação de caso julgado. E recorde-se que, com a notificação da nova liquidação ao sujeito passivo, terá de ser concedido um novo prazo para, além do mais, efectuar o pagamento do imposto apurado, e só se o pagamento não for efectuado no prazo legal, é que dará origem à extracção de certidão de dívida, com base nesta se instaurando um novo processo de execução fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.119 a 129-verso do presente processo, através do qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrido, Joaquim… e …, visando despacho proferido em 10/07/2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., que lhe indeferiu o pedido de extinção do processo de execução fiscal nº.1007-2012/117597.1.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.136 a 141-verso dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido na sentença recorrida, por entender existir erro de julgamento, tendo decidido o Tribunal a quo em desconformidade com a realidade factual, errando na interpretação da sentença que decidiu a impugnação n.º 812/13.5BELLE;
2-O douto Tribunal a quo conclui que essa decisão anula totalmente a liquidação em cobrança coerciva, pelo que a execução fiscal deve ser extinta nos termos do artigo 176.º n.º 1 alínea b) do CPPT;
3-Discorda-se dessa interpretação;
4-Esta conclusão, no entender na Fazenda Pública, surge deveras abalada pela análise de todos os elementos da sentença referida em 1 e não apenas olhando à sua conclusão;
5-E assim sendo, esta deve ser entendida no sentido não de concluir pela inexistência de facto tributário e que nenhuma liquidação seria possível, mas apenas de que a liquidação devia ter em conta o facto de o sujeito passivo ser residente em território nacional, pois foi esse o único facto que ali se provou;
6-Assim se legitimando a revogação parcial do acto impugnado e a sua reforma, através da substituição do valor anteriormente liquidado que se efectivou através de uma liquidação correctiva;
7-Subsistindo parte da dívida em cobrança coerciva, deverá também subsistir a execução fiscal;
8-Deste modo, a reclamação deveria improceder e consequentemente a execução fiscal prosseguir os seus normais termos até final;
9-Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que julgue improcedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, mantendo-se a execução fiscal contra a oponente, como é de JUSTIÇA.
X
O reclamante/recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.146 a 153 dos autos), nas quais pugna pelo não provimento do presente recurso, mais terminando com as sequentes Conclusões:
1-Existe correta aplicação e interpretação da Lei e do Direito pelo Tribunal A QUO, pelo que a decisão proferida se deverá manter nos seus exactos termos;
2-O direito à liquidação sobre este imposto de IRS já há muito está caducado, o que novamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos!
3-Não é legítima a interpretação da recorrente sobre a revogação parcial do acto impugnado, pois que o acto impugnado foi anulado totalmente;
4-Efectivamente, a nota de liquidação de IRS foi declarada anulada pelo TAF de Loulé, pelo que inexiste na ordem jurídica e se inexiste, porque foi declarada anulada pelo Tribunal, sobre a mesma não podem ser emitidas outras notas de liquidação a corrigir tributo que não existe por via de documento que foi declarado anulado;
5-A recorrente deveria, outrossim, ter optado por realizar uma nova liquidação, autónoma relativamente ao PEF e aos próprios autos de processo de impugnação sobre a reclamação graciosa e efectuar a notificação do ora recorrido dessa nova liquidação concedendo-lhe prazo para efectuar pagamento de imposto ou exercer os seus legítimos direitos, e só se tal pagamento não fosse realizado dentro dos prazos legais é que poderia originar novo processo de execução fiscal através de extracção de certidão de divida realizada com base na nova liquidação;
6-Ao decidir não fazê-lo a recorrente ofendeu caso julgado formal, por via da insistência em prosseguir com procedimento executivo que já há muito devia ter sido por si declarado extinto;
7-É falsa a alegação da recorrente que afirma que o TAF de Loulé se debruçou apenas sobre um elemento controverso da liquidação, nomeadamente o da definição da situação pessoal do aqui recorrido, pois esta bem sabe que toda a matéria alegada pelo recorrido em sede de impugnação judicial se encontrava devidamente vertida no processo de reclamação graciosa que também foi objecto de anulação na douta decisão proferida nos autos de processo n.º 812/13.5BELLE, e tal não rezava apenas sobre a situação pessoal do aqui recorrido sim sobre todo o alegado em 2º e 3º das presentes contra-alegações;
8-A recorrente, ao ter emitido oficiosamente a nota de liquidação n.º 20125005002638 não teve em consideração variados elementos, nomeadamente o facto de o aqui recorrido ser residente fiscal, não ter representante fiscal desde o ano de 2005, ter existido reinvestimento na compra de outro imóvel destinado à sua habitação própria e permanente e não terem sido consideradas quaisquer despesas decorrentes da compra e da venda do primeiro imóvel e bem assim o valor investido na compra do imóvel seguinte, pelo que nada tinha a pagar;
9-Inconformado com a liquidação supra mencionada, por esta não reflectir a sua real situação fiscal, o recorrido apresentou Reclamação Graciosa em 25.03.2013, onde se pugnou pela apreciação de todos os factos e invocou ab initio, por devidamente fundamentada, a nulidade de todos os actos praticados a partir de 17.01.2005 pelo inexistente representante fiscal (mas que havia sido considerado como tal pela recorrente), e bem assim pugnou pela anulação integral das notas de liquidação 20125005002638 e 201200002057601;
10-A recorrente notificou o aqui recorrido em 03.07.2013 do projecto de decisão produzido no âmbito da reclamação graciosa apresentada que deu origem ao processo fiscal n.º 1007201304001508 e este, por discordar na íntegra do projecto de decisão produzido exerceu o seu direito de audição, nos termos do disposto no artigo 60º LGT pugnando pela anulação das notas de liquidação 20125005002638 e 201200002057601, e a recorrente AT procedeu, em consequência da audição exercida, à emissão de despacho nos termos do disposto no artigo 40º do CPPT o qual não atendeu a nenhuma das razões invocadas pelo aqui recorrido pelo que este não teve outra alternativa a não ser recorrer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé apresentando para o efeito impugnação judicial;
11-Em acto simultâneo à cobrança das mencionadas notas de liquidação impugnadas perante o TAF, a recorrente instaurou contra o aqui reclamante o processo de execução fiscal com o n.º ..., na tentativa de proceder à cobrança exactamente dos mesmos montantes e mediante os mesmos fundamentos, sendo que tal PEF culminou com a penhora imediata do imóvel que à data era propriedade do aqui recorrido, e que foi registada na Conservatória do Registo Predial de ... sob a AP. 2818 de 2013/03/27 16:19:54 UTC - Penhora, mas datada de 11.03.2013!
12-Quando o recorrido deduziu reclamação graciosa contra as liquidações mencionadas solicitou nessa mesma peça processual que fosse declarado o efeito suspensivo da cobrança coerciva que lhe estava a ser imposta no PEF, mediante prestação de caução de garantia idónea, solicitando que tal efeito fosse produzido quer no âmbito da reclamação apresentada, quer no âmbito do processo de execução fiscal;
13-O ora recorrido, ao verificar que a AT nada dizia sobre o seu pedido de efeito de atribuição de suspensivo do PEF mencionado, apresentou em 26.04.2013 pedido de associação da penhora registada sob a AP. 2818 de 2013/03/27 16:19:54 UTC - Penhora, como prestação de garantia idónea para eventual pagamento de divida e a tais pedidos a recorrente nunca lhe deu qualquer resposta;
14-Face ao teor do despacho proferido pela recorrente Fazenda Pública no âmbito do processo de reclamação graciosa o ora recorrido apresentou impugnação judicial que deu origem ao processo n.º 812/13.5BELLE e no âmbito do qual, em 26.02.2016, foi proferida douta sentença transitada em julgado nos termos da qual foi a impugnação judicial julgada totalmente procedente e, consequentemente, foi declarado anular o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638 e a decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação contra aquela deduzida;
15-O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença transitada em julgado em 14.03.2016 decidiu, por um lado, anular o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638 e por outro, e cumulativamente, anular a decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação contra o aqui recorrido;
16-Foram, na sequência da sentença mencionada anulados os actos de liquidação de IRS indevidamente cobrados ao ora recorrido, e os actos decorrentes da decisão do Director de Finanças de ... que teimava em cobrar indevidamente imposto ao ora recorrido;
17-Com a douta sentença proferida no âmbito do processo n.º 812/13.5BELLE deixou de existir qualquer valor passível de cobrança, não só por via da anulação das notas de liquidação (2012.5005002638 e 2012.00002057601) que originaram o processo de reclamação graciosa e como também pela consequente anulação das notas de liquidação resultantes das correcções realizadas pela AT por via da decisão proferida na reclamação graciosa;
18-Resulta com absoluta clarividência do probatório exposto na mui douta sentença proferida nos presentes autos de processo que: “F) Na sequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa referida em B), em 22.08.2013, foi processado um DC a que correspondeu a DR N.º 1007-2010-D0029-16, a qual deu origem à liquidação N.º 20135005523940, a qual corrigiu a liquidação anteriormente emitida no valor de €70.025,34, para o valor de €44.621,61, anulando a anterior liquidação no montante de €25.362,73 (cfr.informação de fls. 105 a 108 e documentos de fls. 92, 97 a 99, do documento n.º 004407037 ibidem); G)Em 29-02-2016, foi proferida sentença no processo de impugnação judicial nº812/13.5BELLE, que correu termos neste tribunal, na qual se decidiu: “Termos em que, julgando procedente a Impugnação Judicial, se anula o acto de liquidação adicional de IRS n.º2012.50050026638 e a decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação Graciosa contra aquela deduzida.” (cfr. fls. 45 a 52 do documento n.º 004407037, ibidem); H)A sentença referida em G) transitou em julgado em 14-03-2016 (cfr. fls. 61 do documento n.º 004407037, ibidem); H) Em 13-04-2016 a AT processou um novo DC, a que correspondeu a DR N.º 1007-2010- D0035-04, a qual deu origem à liquidação 20165000052280, de 15-09-2016, no valor de €23.224,58, tendo a liquidação referida em F) sido anulada no valor de €21.438,03 (cfr. informação de fls. 105 a 108 e documentos de fls. 93 e 100 a 104 do documento n.º 004407037, ibidem)”;
19-Face à sentença mencionada em G) do probatório, a nota de liquidação 20125005002638 deveria ter sido anulada integralmente pela AT;
20-Face à sentença mencionada em G) do probatório o acto do Senhor Director de Finanças de ... (vg. Reclamação Graciosa) deveria ter sido anulado integralmente pela AT;
21-Face à sentença mencionada em G) do probatório todas as DCs apresentadas em consequência da decisão proferida pelo Senhor Director de Finanças deveriam consequentemente ter sido integralmente anuladas pela AT!
22-Não obstante, e em incumprimento da sentença mencionada em G) do probatório a AT praticou acto ilegal e emitiu DC correctivo em função da anulação da liquidação referida em F) do probatório;
23-Tal facto, é aliás alegado pela recorrente nas alegações por si produzidas quando refere que “Ao proceder à anulação parcial da liquidação inicial do valor de € 70.025,34 para o valor de € 44.662,61 (anulando a anterior liquidação no montante de € 25.362,73), e depois para o valor de € 23.224,58 (anulando mais € 21.438,03) a AT não realizou novas liquidações autónomas e distintas da que foi inicialmente notificada, tendo apenas procedido a novo apuramento do montante do imposto a pagar (...)”. Tais actos são nulos e nenhum valor!
24-Somente após cumprir integralmente a douta sentença transitada em julgado, em consequência da anulação da nota de liquidação 2012.5005002638 e das demais provenientes da decisão proferida pelo Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação Graciosa contra aquela deduzida, é que a recorrente poderia ter procedido a um novo apuramento de imposto e consequentemente emitir uma nota de liquidação, notificando o ora recorrido para se pronunciar, o que nunca sucedeu!
25-Como erradamente a recorrente quer fazer crer ao Venerando Tribunal, o acto tributário originário não podia ser expurgado das ilegalidades que continha através de modificações supervenientes, pois que foi correctamente declarado anulado in totum pelo Tribunal de 1ª instância em todas as suas vertentes (nota de liquidação inicial e notas de liquidação subsequentes emitidas na sequência da decisão proferida pela recorrente na Reclamação Graciosa)!
26-O PEF ... deveria ter sido imediatamente declarado extinto pela recorrente, face à douta sentença proferida nos autos de processo n.º 812/13.5BELLE , o que não sucedeu pelo foi violado o principio do caso julgado formal!
27-Inexiste in casu a possibilidade de uma qualquer aplicação da figura de liquidação correctiva;
28-As liquidações in casu foram, todas elas, objecto de declaração de anulação total, pelo que estando na origem do PEF uma liquidação que foi anulada, nada mais restava à recorrente senão declarar extinto o próprio PEF por força da aplicação do disposto no artigo 176º, n.º1 al. b) do CPPT;
29-Aliás, a comprovar este entendimento inicial está o facto de a recorrente ter promovido o cancelamento da inscrição correspondente à penhora que havia sido registada no âmbito do PEF ... sobre o imóvel que era propriedade do ora recorrido e que assim deixou de estar onerado;
30-Na sequência do cancelamento da inscrição de penhora referido o aqui recorrido ficou descansado julgando que havia sido cumprida integralmente a douta sentença proferida pelo TAF de Loulé e consequentemente sido declarada a extinção do PEF;
31-O Serviço de Finanças de ... andou constantemente a anular DCs elaboradas oficiosamente e a proceder à emissão de novas DCs oficiosas às quais deu alcunha de “correcções à anterior”, tudo para tentar manter, como se válido fosse, o acto de liquidação declarado anulado (e bem!) pelo TAF de Loulé, actos estes graves e que a recorrente bem sabia estarem absolutamente feridos de nulidade!
32-O ora recorrido não se conforma com o incumprimento das doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, mais ainda pelo incumprimento de sentença já transitada em julgado;
33-Estamos perante caso julgado formal flagrante, o que se invocou e que uma vez mais foi confirmado pelo TAF de Loulé mediante prolação da douta sentença de que, uma vez mais, a recorrente decidiu discordar e desobedecer!
34-O Serviço de Finanças de ... teima, porque teima, em querer obrigar o ora recorrido a pagar tributo sobre liquidação que foi declarada anulada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, tendo plena consciência que não o pode fazer;
35-Todos os actos praticados pela recorrente posteriormente à prolação da douta sentença do TAF de Loulé são ilegais e consequentemente nulos, pelo que só por clara má fé está a obstaculizar o cumprimento da Lei e das decisões proferidas pelo Tribunal;
36-A reclamação foi correctamente declarada procedente, pelo que em consequência tem de ser declarada a extinção da execução fiscal, com todas as legais consequências daí advenientes!
37-O recurso apresentado pela Fazenda Nacional não merece provimento, pelo que a decisão proferida em sede de sentença pelo Tribunal A QUO deve ser mantida e em consequência ser declarado extinta a execução fiscal;
38-Nestes termos e nos demais de Direito não deve o recurso apresentado merecer acolhimento, devendo consequentemente ser julgado totalmente improcedente, e em consequência, ser mantida a decisão do Tribunal A QUO e declarada a extinção do presente processo de execução fiscal por formar caso julgado formal;
39-Consequentemente, deverá
a)Ser declarada a caducidade do direito à liquidação sobre o imposto de IRS do ano de 2010!
b)Ser declarada a nulidade de todos os actos praticados pelo Serviço de Finanças de ... de emissão de notas de liquidação correctivas à liquidação n.º 20125005002638 em datas anteriores e posteriores ao trânsito em julgado da douta sentença proferida nos autos de processo 812/13.5BELLE;
c)Ser fixado um prazo limite para o cumprimento do dever de executar a decisão de anulação da liquidação n.º 20125005002638, não superior a 30 (trinta) dias, com imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença computada no valor diário correspondente a 10% sobre a quantia em cobrança desde 21.11.2012, em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º4 do artigo 164º do CPTA;
d)Ser emitido douto acórdão que produza os efeitos do acto ilegalmente omitido nos termos do disposto na alínea c) do n.º4 do artigo 164º do CPTA;
e)Ser arbitrada ao recorrido a indemnização moratória no valor já vencido de 15.497,35 € e vincenda até efectivo e integral pagamento por parte da recorrente.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.161 e 162 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.124 a 128 dos autos - numeração nossa):
1-Em 15/12/2012, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º1007-2012/117597.1, que corre termos no Serviço de Finanças de ... visando a cobrançam de dívidas de IRS do ano de 2010, no montante de € 70.025,34 (cfr. documentos juntos a fls.1 a 3 do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido);
2-Em 19/04/2013, o reclamante, Joaquim ..., apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS de 2010 n.º 2012.5005002638 e dos respectivos juros compensatórios n.º 2012.00002057601, respectivamente no valor de € 66.250,00 e de € 3.775,34, cuja cobrança se pretende na execução fiscal identificada no nº.1 (cfr.documento junto a fls.4 a 16 do processo de execução fiscal apenso);
3-Através da Ap. 2818, de 27/03/2013, o Serviço de Finanças de ... constituiu penhora no valor de € 72.190,46, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1, sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 21354, da freguesia e concelho de ... e, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 7458, propriedade do ora reclamante (cfr.documento junto a fls.19 e 20 do processo de execução fiscal apenso);
4-Por requerimento de 26/04/2013, o reclamante solicitou ao Serviço de Finanças de ... a associação da penhora efectuada sob a Ap. 2828, de 27/03/2013, ao artigo matricial urbano 21354, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 7458, da freguesia e concelho de ..., como prestação de garantia idónea para eventual pagamento da dívida, a qual já havia sido solicitada no processo de reclamação graciosa referido no nº.2 supra, requerendo que seja declarado o efeito suspensivo do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1 e da reclamação graciosa apresentada (cfr.documento junto a fls.18 do processo de execução fiscal apenso);
5-Em 03/05/2013, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em regime de substituição, a determinar a suspensão do processo de execução fiscal identificado no nº.1 supra (cfr.documento junto a fls.27 do processo de execução fiscal apenso);
6-Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa referida no nº.2, em 22/08/2013, foi processado um DC a que correspondeu a DR N.º 1007-2010-D0029-16, a qual deu origem à liquidação N.º 2013 5005523940, a qual corrigiu a liquidação anteriormente emitida no valor de € 70.025,34, para o valor de € 44.662,61, anulando a anterior liquidação no montante de € 25.362,73 (cfr.documentos juntos a fls.59 e 60 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.69 a 70-verso do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 29/02/2016, foi proferida sentença no processo de impugnação judicial nº 812/13.5BELLE, que correu termos neste Tribunal, na qual se decidiu:
“Termos em que, julgando procedente a Impugnação Judicial, se anula o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638 e a decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação Graciosa contra aquela deduzida.”
(cfr.dispositivo da sentença cuja cópia se encontra junta a fls.31 a 37 dos presentes autos);
8-A sentença referida no nº.7 transitou em julgado em 14/03/2016 (cfr.documento junto a fls.39 do processo de execução fiscal apenso);
9-Em 13/04/2016 a AT processou um novo DC, a que correspondeu a DR N.º 1007-2010-D0035-04, a qual deu origem à liquidação N.º 2016 5000052280, de 15/09/2016, no valor de € 23.224,58, tendo a liquidação referida no nº.6 supra sido anulada no valor de € 21.438,03 (cfr.documentos juntos a fls.60 e 61 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.69 a 70-verso do processo de execução fiscal apenso);
10-A liquidação referida no nº.9 foi notificada ao reclamante, tendo ainda o mesmo sido informado de que poderia apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial (cfr.documentos juntos a fls.23 a 25 dos presentes autos; ofício contendo informação do Serviço de Finanças de ... junto a fls.94 dos presentes autos);
11-Em 13/05/2016, foi exarada a seguinte informação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1:
“(...)
Cumpre-me informar V. Ex.ª que contra o executado JOAQUIM…., NIF ..., foi efectuada a Penhora com a AP. Nº 2818 de 2013/03/27, no prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 12098, da freguesia de ... e ... (antigo artigo 21354 de ...), concelho de ..., registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 7458, para garantia do processo de execução fiscal supra identificado, extintos por ordem do TAF de Loulé, através de sentença proferida no processo n.º 812/13.5BELLE.
(...)”
(cfr.documento junto a fls.37 do processo de execução fiscal apenso);
12-Face ao teor da informação referida no nº.11, na mesma data foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de ...:
“(...)
Face ao teor da informação que antecede, declaro extinto o processo de execução fiscal que correu seus termos contra JOAQUIM ..., NIF ..., com o consequente cancelamento do registo da Penhora supra.
(cfr.documento junto a fls.37 do processo de execução fiscal apenso);
13-Por petição de 24/05/2016, o reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... o cumprimento da sentença proferida no processo n.º 812/13.5BELLE e, consequentemente, fosse declarada a extinção do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1, por anulação total do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638, bem como da decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação graciosa contra aquela deduzida, e que fosse notificada a Conservatória do Registo Predial de ... para promover o cancelamento da AP. 2818 de 2013/03/27, registada sob o prédio descrito sob o n.º 7458, da freguesia e concelho de ... (cfr.documento junto a fls.53 do processo de execução fiscal apenso);
14-Por ofício n.º 2574, de 24/05/2016, do Serviço de Finanças de ..., foi solicitado à Conservatória do Registo Predial de ..., que fosse efectuado o levantamento oficioso da Penhora, registada no prédio urbano artigo 12098, propriedade do reclamante, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1, por o mesmo estar extinto por anulação (cfr.documento junto a fls.36 do processo de execução fiscal apenso);
15-Em 25/05/2016, foi enviado pelo Serviço de Finanças de ... à DF de ... - Divisão de Justiça Tributária, o seguinte e-mail:
“(...)
Assunto: Cumprimento de sentença - NIF … - IRS 2010 - Processo de Impugnação N.º 1007201403000176 (812/13.5BELLE)
Na sequência do recebimento de cópia da sentença proferida no âmbito do Processo de Impugnação N.º 1007201403000176 (812/13.5BELLE), procederam estes serviços à elaboração de um DC no qual foi considerado o impugnante como residente e o reinvestimento no valor de €325.000,00, visando com este procedimento corrigir a liquidação N.º 2013 5005523940 de 21 -11-2013, a qual por sua vez já tinha corrigido a liquidação inicial (Liquidação N.º 1007201304001508. Não foi tido em conta o valor da dívida paga ao banco à data da venda, por um lado por não ter tal facto ficado provado em tribunal, e por outro por se desconhecer o respectivo montante.
A 1.ª liquidação tinha sido emitida pelo valor de €70.025,34, sendo €66.250,00 de IRS e os restantes de €3.775,34 de Juros Compensatórios.
Com a emissão da 2.ª Liquidação (Liquidação Nula no valor de €25.362,73) ficou a 1.ª válida pelo montante de €44.662,61, sendo €42.404,16 de IRS e os restantes €2.258,45 de Juros Compensatórios, valor que se mantém em dívida no processo de execução fiscal respectivo.
Vem agora o mandatário do impugnante invocar que o processo de execução fiscal terá que ser anulado na totalidade, já que a sentença reza o seguinte: “Termos em que, julgando procedente a impugnação judicial, se anula o acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012 5005002638 e a decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação Graciosa contra aquela deduzida.”
Tendo em conta que a aplicação literal da sentença vai implicar a recolha de um DC a Zeros, quando é sabido que houve uma alienação e um reinvestimento, e que são conhecidos os respectivos valores, tendo estes inclusive sido dado como provados em tribunal, o que implica a respectiva tributação, vem estes serviços solicitar a V. Ex.ª se digne informar-nos a cerca dos procedimentos a tomar em relação à situação em apreço. Sendo certo que a anular-se a anulação em causa na totalidade já não será possível proceder a nova liquidação com os valores correctos, já que estamos em presença de um ano abrangido pela caducidade.
(...)”
(cfr.documento junto a fls.45 dos presentes autos);
16-Por ofício de 09/03/2017, foi o reclamante notificado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1, de que se não pagasse a dívida exequenda, reportada à liquidação de 15/09/2016, no valor de € 23.224,58 e identificada no nº.9 supra, seria efectuada a penhora de bens (cfr.documentos juntos a fls.23 e 26 dos presentes autos; ofício contendo informação do Serviço de Finanças de ... junto a fls.94 dos presentes autos);
17-Por requerimento de 27/03/2017, o reclamante veio insistir no cumprimento da sentença referida no nº.7 supra e, consequentemente, fosse declarada a extinção do processo de execução fiscal n.º 1007-2012/117597.1, por anulação total do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2012.5005002638 e, bem assim, da decisão do Director de Finanças de ..., de 22 de Agosto de 2013, que decidiu a Reclamação Graciosa contra aquela deduzida, por ter constatado que a AT apenas promoveu junto da Conservatória do Registo Predial de ... o cancelamento do registo da penhora registada sob a Ap. 2818, de 27/03/2013, no prédio descrito sob o n.º 7458, da freguesia e concelho de ... (cfr.documentos juntos a fls.27 a 29 dos presentes autos);
18-Em 10/07/2017, foi prestada informação pelo Serviço de Finanças de ..., em resposta ao requerimento identificado no nº.17, no sentido de não ser de atender o pedido de extinção da execução fiscal formulado, devendo a mesma prosseguir normal tramitação com vista à arrecadação do imposto em falta no montante de € 23.224,58 (cfr. informação exarada a fls.69 a 70-verso do processo de execução fiscal apenso);
19-Na mesma data, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, a sancionar a informação referida no nº.18, com o seguinte teor:
“(...)
Concordo. Tendo o Serviço de Finanças cumprido com a decisão de 29/2/2016 do TAF de Loulé no Procº 812/13.5BELLE, (processo de impugnação nº 1007201403000176), indefiro o pedido de extinção do processo de execução fiscal instaurado por dívida de IRS do ano de 2010.

Notifique o requerente do presente despacho que é susceptível de reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no prazo de 10 dias após a notificação, nos termos dos artigos 276º e 277º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(…)”
(cfr.documento junto a fls.71 do processo de execução fiscal apenso);
20-Por ofício n.º 2347, de 11/07/2017, do Serviço de Finanças de ..., foi dado conhecimento ao reclamante do despacho referido no nº.19 (cfr.documento junto a fls.72 do processo de execução fiscal apenso);
21-Em 28/07/2017, foi apresentada a presente reclamação (cfr.data de entrada aposta a fls.4 dos presentes autos);
22-Por e-mail de 17/11/2017, e em cumprimento do solicitado pelo T.A.F. de Loulé, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de ... prestou a seguinte informação:
“(...)
1-O PEF nº ... está ativo pela quantia exequenda correspondente à liquidação de IRS nº 2016 5000052280 efetuada em cumprimento da sentença desse Tribunal em 13-4-2016.

2-Como referido no ponto anterior a liquidação de IRS em apreço corrigiu a liquidação nº 2013 5005523940 efetuada em resultado do deferimento parcial da Reclamação Graciosa que por sua vez já tinha corrigido a liquidação inicial nº 2012 5005002638 no valor de €70.025,34. O PEF foi instaurado em 15-12-2012 por falta de pagamento daquela quantia inicial (Doc 1 anexo).

3-Da liquidação nº 2013 5005523940 na quantia de €44.662,61 foi o reclamante notificado em 26-11-2013 (Doc 2 a 5).

Cabe informar que esta liquidação provocou a emissão de 2 notificações, uma de “Demonstração de liquidação sem documento de cobrança” porque a nova liquidação não produz mais imposto que a anterior (Doc 5), a outra emitida nos termos do artº 89º do CPPT “Demonstração de compensação”, notifica-se da compensação da dívida (70.025,34) com o valor do crédito de 25.362,73, ou seja, a diferença entre a 1ª e a 2ª liquidação.

Da liquidação nº 2016 5000052280 na quantia de €23.224,58 foi o reclamante notificado em 20-09-2016 (Doc 6 a 9).

Esta liquidação também provocou a emissão de 2 notificações, uma de “Demonstração de liquidação sem documento de cobrança” porque a nova liquidação não produz mais imposto que a anterior (Doc 8), a outra emitida nos termos do artº 89º do CPPT “Demonstração de compensação”, notifica-se da compensação da dívida (44.662,61) com o valor do crédito de 21.438,03, ou seja, a diferença entre a 2ª e a 3ª liquidação.
(...)”
(cfr.documento junto a fls.94 dos presentes autos).

X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Inexistem outros factos relevantes a considerar na apreciação do mérito da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada alínea do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente procedente a presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal, mais tendo anulado o acto reclamado (cfr.nº.19 do probatório) e declarando a extinção da execução fiscal nº.1007-2012/117597.1.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o apelante, em síntese, que o Tribunal “a quo” decidiu a presente reclamação em desconformidade com a realidade factual, errando na interpretação da sentença exarada na impugnação nº.812/13.5BELLE. Que do exame da citada decisão judicial se encontra legitimada a revogação parcial do acto impugnado e a sua reforma, através da substituição do valor anteriormente liquidado, o qual se efectivou através de uma liquidação correctiva. Que subsistindo parte da dívida em cobrança coerciva, deverá também subsistir a execução fiscal (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, cumpre dizer que o presente processo tem por objecto o acto praticado pelo órgão de execução fiscal que não atendeu o pedido formulado pelo reclamante/recorrido de extinção do processo de execução fiscal nº.1007-2012/117597.1, em virtude da anulação da liquidação adicional de I.R.S. nº.2012.5005002638 (cfr.nº.19 do probatório). Pelo que, ainda que este fosse o meio processual idóneo para apreciar os pedidos formulados pelo reclamante/recorrido no final das contra-alegações e supra identificados (cfr.conclusão 39, als.a) a e) das contra-alegações), tais pedidos estariam excluídos do objecto do processo, visto não terem sido submetidos à apreciação do órgão de execução fiscal. Ou seja, quanto aos mesmos pedidos, sem prejuízo da inidoneidade do meio processual para o seu conhecimento, constituem estes questão exógena ao acto reclamado e, como tal, insusceptível de apreciação judicial no âmbito dos presentes autos, tudo conforme já decidira o Tribunal “a quo”, ao julgar procedente a nulidade processual de erro parcial na forma de processo.
Avancemos.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enunciado no artº.30, nº.2, da L.G.T., decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução fiscal não previstas nas leis tributárias (cfr.v.g. desistência ou deserção da instância, ressalvado o caso da posição do exequente ter sido assumida pelo sub-rogado - artºs.91 e 92, do C.P.P.T.; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.304; Rui Duarte Morais, A execução fiscal, Almedina, 2ª. Edição, 2010, pág.195 e seg.).
De acordo com o regime legal previsto para o processo de execução fiscal, este extingue-se, oficiosamente, além do mais, quando se verifique a anulação da dívida exequenda (cfr.artºs.176, nº.1, al.b), e 270, nº.1, do C.P.P.T.).
No caso “sub judice”, resulta do probatório que após o trânsito em julgado da decisão judicial exarada no âmbito do processo de impugnação judicial nº.812/13.5BELLE que declarou a anulação da liquidação em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº.1007-2012/117597.1, as decisões tomadas na sequência da mesma, foram, o levantamento da penhora sobre o imóvel referida no nº.3 da matéria de facto e a emissão da liquidação nº.2016 5000052280, de 15/09/2016 na quantia de € 23.224,58 (cfr.nºs.9 e 14 da factualidade provada), tendo a anterior liquidação sido anulada parcialmente, e passando a nova liquidação a ser cobrada no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, o qual havia sido instaurado em 2012 (cfr.nº.1 do probatório), tudo apesar do Chefe do Serviço de Finanças de ... ter chegado a declarar a extinção do mesmo processo executivo em 13/05/2016 (cfr.nº.12 da matéria de facto).
Defende o recorrente que do exame da citada decisão judicial se encontra legitimada a revogação parcial do acto impugnado e a sua reforma, através da substituição do valor anteriormente liquidado, o qual se efectivou através de uma liquidação correctiva, pelo que, subsistindo parte da dívida em cobrança coerciva, deverá também subsistir a execução fiscal.
Haverá, portanto, que saber se estão reunidos os pressupostos para a aplicação do regime da revogação parcial do acto impugnado e a sua consequente reforma, ao caso concreto, tudo concatenado com a manutenção ou extinção do processo de execução fiscal nº.1007-2012/117597.1.
Deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr.artº.5, do C.P.C.Impostos; artºs.130, nº.3, e 145, do C.P.Tributário; artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P.Tributário).
Esta solução parece impor-se com base em dois vectores:
1-A divisibilidade do acto tributário;
2-A natureza jurídica da sentença de anulação parcial do acto tributário como de plena jurisdição (cfr.Joaquim Manuel Charneca Condesso, Anulação parcial dos actos e suas consequências legais, Revista Julgar, Edição da A.S.J.P., nº.15, pág.165 e seg.).
A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1396; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/7/1985, rec.15294, A.Dout., nº.300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece, por exemplo, no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/06/2017, proc.6112/12).
Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, nº.7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).
Por último, se dirá que, na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/10/2015, rec.1104/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/06/2017, proc.6112/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, pág.727 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.342 e seg.).
Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec. 1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc. 2981/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4076/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.5908/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.365 e seg.).
Voltando ao caso concreto, do exame do probatório e, concretamente, do teor da decisão judicial constante do processo de impugnação nº.812/13.5BELLE (cfr.nºs.7 e 15 da matéria de facto provada), o sujeito passivo fez prova de que era residente em Portugal em 2010, assim devendo incidir a liquidação de I.R.S. sobre a totalidade dos seus rendimentos e abalando um dos pressupostos da liquidação adicional anulada (nº. 2012.5005002638), a qual tinha sido estruturada com base no pressuposto de que o sujeito passivo não residia em Portugal no citado ano fiscal (cfr.artºs.15 e 16, nº.1, al.a), do C.I.R.S.).
Tendo transitado em julgado a decisão judicial produzida no âmbito do identificado processo de impugnação e sendo anulada a liquidação que, originariamente, era objecto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal nº.1007-2012/117597.1 (cfr.nºs.1, 2 e 8 do probatório), haverá que saber se podia a Fazenda Pública manter o mesmo processo executivo no activo, apenas procedendo à revogação parcial do acto impugnado e à sua reforma (dando origem à liquidação nº.2016 5000052280, na quantia de € 23.224,58), através da substituição do valor anteriormente liquidado, tudo conforme pretende o recorrente.
Entendemos que não.
Efectivamente, tendo a sentença proferida no processo de impugnação judicial nº. 812/13.5BELLE, procedido à anulação total do acto de liquidação adicional de IRS nº. 2012.5005002638, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica, pelo que, estando na origem do processo de execução fiscal uma liquidação que foi anulada, o processo executivo terá de ser declarado extinto, oficiosamente, por força do disposto nos artºs.176, nº.1, al.b), e 270, nº.1, do C.P.P.T., uma vez que tal anulação tem como consequência a anulação da própria dívida exequenda, constituindo o prosseguimento do processo executivo a violação de uma situação de caso julgado. E recorde-se que, com a notificação da nova liquidação ao sujeito passivo, terá de ser concedido um novo prazo para, além do mais, efectuar o pagamento do imposto apurado, e só se o pagamento não for efectuado no prazo legal, é que dará origem à extracção de certidão de dívida, com base nesta se instaurando um novo processo de execução fiscal (cfr.artºs.88, nº.1, 162, al.a), e 188, nº.1, todos do C.P.P.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/04/2010, rec.297/10).
Para que a execução fiscal nº.1007-2012/117597.1 pudesse prosseguir no remanescente, não anulado, com o mesmo título (executivo), execução que nesse caso se não extinguiria, mister era que a anulação judicial da liquidação tivesse sido meramente parcial, o que, como dissemos já, bem ou mal mas aqui irrelevante, não se verificou no caso dos autos, como decorre, de forma inequívoca, do teor do dispositivo da sentença anulatória (cfr.nº.7 do probatório).
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Abril de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)