Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:401/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
AMORTIZAÇÕES DE OBRAS
UTILIDADE ESPERADA
Sumário:I-A partir da revogação do artigo 49.º, nº2, da LGT, com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, o aludido diploma deixou de consignar, de forma expressa, o efeito jurídico associado ao ato interruptivo, o que não sucedia até essa data.
II-Após a aludida revogação, a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
III-O reconhecimento de um duplo efeito – instantâneo e duradouro – à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não traduz qualquer violação do princípio da legalidade tributária, nem coarta quaisquer garantias dos contribuintes.
IV- Tendo as obras visadas contemplado, desde logo, construção de paredes e substituição de pavimento, realidades que se incorporam no edifício em questão, e que aumentam o valor do edifício e contribuem para o aumento provável da sua duração, então, para que se pudesse extrapolar que as obras em questão detinham um período de utilidade esperada de apenas três anos, era curial que a Recorrente tivesse demonstrado que as mesmas não a habilitavam, e quais as razões, às condições de uso e instalações regulamentadas por diploma legal ulterior, e que face a essas circunstâncias obstativas, tiveram de o adequar aos novos pressupostos vinculativos, implementando, o alegado mas não demonstrado, projeto.
V- Donde, a taxa a aplicar na reintegração e amortização nas grandes reparações é calculada com base no correspondente período de utilidade esperada, sendo de aplicar a mesma que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações/remodelações tiveram lugar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

M..... veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao ano de 2005, no valor global de €45.694,84, com a consequente manutenção do ato impugnado.


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A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1-O presente recurso restringe-se à decisão da improcedência do fundamento da ilegalidade das correcções técnicas respeitantes a amortizações no valor de €45.428,50 e à decisão de não se ter por verificada a prescrição da dívida de IRS dos autos.

2- Estando em causa uma dívida de IRS do exercício de 2005, a lei reguladora da prescrição da dívida tributária é a que vigorar à data da sua constituição, ou seja o artigo 48.º nº 1 da LGT que estipula em 8 anos o prazo da prescrição dos impostos periódicos como é o caso do IRS, e o artigo 49 º nº 2 da LGT na redacção anterior à Lei 53-A/2006 de 29 de dezembro, que é a aplicável nestes autos.

3- Ao considerar que a interrupção da prescrição nos termos definidos no art.º 49.º da Lei Geral Tributária implica que o novo prazo de oito anos só começará a correr de novo quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo nos termos do disposto nos art.º 326.º e 327.º, n.º 1 do Código Civil, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário visto que este diploma não contém a definição dos efeitos nem a duração da interrupção, o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação das normas relativas à prescrição da obrigação tributária, uma vez que prevendo as leis tributárias normas próprias não há fundamento legal para a aplicação subsidiária das normas do Código Civil, designadamente do disposto no seu artigo 327º.

4- A interpretação do artigo 49º da LGT na interpretação segundo a qual a citação protela o início do prazo de prescrição para o momento de encerramento do processo de execução, por aplicação subsidiária do artigo 327º do CCivil, está assim ferida de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º, nº2, da CRP, e por violação do princípio da reserva de lei da AR em matéria tributária (arts. 103º, nº2, e 165º, nº 1, al. i), ambos da CRP).

5- A aplicação do disposto no artigo 327.º do CC configura também uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º, nº2, da CRP, por tais efeitos interruptivos não constarem das leis tributárias.

6- Nenhum dos fundamentos da prescrição em direito civil é aplicável ao direito tributário, nem a presunção legal do cumprimento (no caso das prescrições presuntivas) nem a presunção de abandono do direito, nem sequer o desmerecimento de tutela do credor negligente em promover o exercício atempado do seu direito, porque no direito tributário não existe presunção legal do cumprimento, também não existe a presunção de abandono do direito uma vez que o crédito tributário é indisponível, e com a desmaterialização do processo de execução fiscal e com a automatização dos procedimentos, não há a possibilidade de inércia por parte do OEF, pois a instauração da execução é efectuada de forma automática , mediante título executivo eletrónico ( art.º 163.º n.º 3 CPPT ) ,

7- Nesta conformidade, e tendo em conta os prazos e decurso do tempo alegados nas alegações nos números 1 a 11 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, conformidade deve considerar-se prescrita a dívida dos autos, e assim não decidindo o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 48º e 49º da LGT na redacção anterior à Lei 53-A/2006 de 29 de dezembro, que é a aplicável nestes autos

8- Sem conceder, é errónea, e à luz dos factos provados e do seu contexto, a conclusão da douta sentença recorrida que a obra irá para além dos três anos de vida útil, ao contrário do preconizado e contabilizado pela impugnante!

9- A intenção da recorrente de encomendar um novo projecto, não é um facto que carecesse de prova, pois decorre do Decreto-lei supra mencionado que entrou em vigor em 21 de Setembro de 2007 a imposição de novos requisitos materiais nas instalações das farmácias, como os do artigo 29.º já aqui transcrito .

10-Considerando que a recorrente alegou os normativos que à data constituíram o quadro legal de funcionamento das farmácias entrado em vigor em 21 de Setembro de 2007, e que a Mma. Juíz “ a quo” não pode desconhecer a lei, não competia à recorrente a prova da sua intenção, uma vez que a própria lei , impôs novos requisitos nas instalações das farmácias que não existiam no âmbito do anterior quadro legal.

11- Em face do que dúvidas não restam que o período útil de vida das obras realizadas em 2004 foi efectivamente de três anos , e assim não considerando violou o Tribunal a quo “por o não ter em consideração, o artigo 29º do DL n.º 307/2007 de 31 de Agosto , a Portaria n.º 1430/2007, de 2 de Novembro, e o regulamento aprovado pelo Conselho Directivo do INFARMED, I.P. (DELIB. n.º 439/CD/2007, de 14 de Dezembro)., e o artigo 74º das LGT por errada interpretação.

12-Donde , a taxa de amortização de 2% sobre o valor de € 145.000,00 que a AT aplicou considerando dever ser utilizada a mesma taxa decorrente da amortização do edifício é manifestamente desadequada e ilegal , enfermando tais correcções do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto da aplicação do regime previsto no n.° 3 do artigo 5.° do Decreto-Regulamentar n.° 2/90;

13-Nesta conformidade ao julgar correcta a aplicação de tal taxa desconsiderando a taxa de 33,33% utilizada pela impugnante, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 3.º nº 1 do Dec.Reg. nº 2/90 de 12/01.

14-O método que a impugnante prosseguiu, de quotas constantes, dividindo o custo pelo número de anos de utilidade esperada, que foi de três anos é o método correcto para a aplicação da taxa de amortização no caso em apreço.

Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exªs Senhores Juízes Desembargadores adequadamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso , com a consequente revogação da sentença recorrida e as restantes legais e necessárias consequências , assim se fazendo a necessária JUSTIÇA! “


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. A impugnante, desenvolve a atividade de farmacêutica na “Farmácia O.....” encontrando-se enquadrada para efeitos de IRS, categoria B, na atividade de “Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos”, com CAE 47730 – facto não controvertido;

2. Na sequência da Ordem de Serviço nº ....., a impugnante foi objeto de procedimento de inspeção de âmbito geral aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 - cfr. fls. 56 a 57 do processo administrativo em apenso aos autos;

3. No âmbito do procedimento de inspeção, relativamente ao exercício de 2005, foram efetuadas correções técnicas à matéria tributável no valor total de € 72.500,32, como se indica a seguir: (...)” – cfr. fls. 51 a 64 do processo administrativo em apenso aos autos;

4. Conforme decorre do Relatório Final de Inspeção (ponto III) “Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável-Exercício de 2005-Sede IRS-Categoria B”, e para o que aqui interessa, as correções efetuadas obtiveram a fundamentação seguinte: (...) - cfr. fls. 51 a 64 do processo administrativo em apenso aos autos;

5. Do “Anexo II” do Relatório de Inspeção (RIT) consta o Programa da Viagem organizada pela C....., de 26 de novembro a 7 de dezembro de 2005, referente à viagem efetuada pela impugnante a Pequim, Xian, Shanghai e Hong Kong – cfr. fls. 90 e 91 do processo administrativo em apenso aos autos;

6. Do anexo II do RIT, referido no ponto anterior, o Itinerário e Programa respetivo, descrito desde o dia 27 de novembro até ao dia 7 de dezembro, inclusive, consta a visita aos vários monumentos e locais emblemáticos das cidades visitadas e espetáculos vários à noite/jantar- cfr. fls. 90 e 91 do processo administrativo em apenso aos autos;

7. Do anexo IV do RIT, consta o “Aviso de Lançamento nº B02209” que no seu Descritivo, enuncia o seguinte “Encontro farmacêutico fim-de- semana no Douro, dias 23, 24 e 25 de setembro” - cfr. fls. 96 e 97 do processo administrativo em apenso aos autos;

8. Do Anexo VI do RIT, consta uma Nota de Lançamento (nº 712) “Operações Diversas” de Dezembro, com valores a debitar nas Contas 231002; 6811 e 6313 e valores a creditar na Conta 111, sendo a diferença de € 2.619,21. A documentar tais valores encontra-se um extrato bancário, do Millennium bcp, em nome da impugnante – cfr. fls. 100 a 103 do processo administrativo em apenso aos autos;

9. A impugnante celebrou contrato de locação financeira nº ....., com o BCPLeasing, sendo a primeira renda vencida em 1 de Junho de 2002 no valor de € 6.925,00 – cfr. fls. 106 do processo administrativo em apenso aos autos;

10. Do anexo VII do RIT, consta “Nota de Lançamento” (nº 107) “Operações Diversas”, com seguinte “Descrição” Rendas de Leasing Compra de Veículo BMW 320 – cfr. fls. 105 do processo administrativo em apenso aos autos;

11. Do anexo VII do RIT, com data de 21/06/2002, consta o Plano Financeiro da Operação de Leasing referente ao contrato nº ....., identificado no ponto 9, celebrado com o BCP Leasing, indicando o vencimento da 1ª prestação em 01/06/2002 até à ultima prestação de 01/05/2006 – cfr. fls. 108 a 109 do processo administrativo em apenso aos autos;

12. Em 2004, a impugnante efetuou obras de remodelação para adequação das instalações da farmácia, que consistiram na substituição de pavimento, construção de paredes, montagem de tetos falsos, instalação de computadores, entre outras – facto não controvertido;

13. A impugnante contabilizou em rúbrica do imobilizado incorpóreo o valor de € 145.000,00, referente às obras de remodelação, referidas no ponto anterior, tendo utilizado a taxa de amortização de 33,33%, em três exercícios- facto não controvertido;

14. Em consequência das correções efetuadas no procedimento de inspeção, relativas ao ano de 2005, foi emitida a liquidação adicional de IRS nº ....., sendo o imposto no valor de € 45.694,84 e de juros compensatórios nº ....., no valor de € 3.982,13, com data limite de pagamento de 11/11/2009 – cfr. fls. 171 do processo administrativo em apenso aos autos;

15. Em 03/10/2009, é efetuada a compensação nº .....resultando da mesma o valor em dívida de € 33.596,61 - cfr. fls. 171 do processo administrativo em apenso aos autos;

16. Em 02/12/2009, com base na certidão de dívida nº ....., foi instaurado o processo de execução fiscal nº .....pelo valor de € 33.596,61 - cfr. fls. 169 do processo administrativo em apenso aos autos;

17. Em 11/12/2009, a ora impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº .....– cfr. fls. 164 e 165 do processo administrativo em apenso aos autos;

18. Em 28/02/2010, conforme carimbo dos CTT, a impugnante remeteu para este Tribunal, a presente impugnação judicial- cfr. fls. 2 a 10 dos presentes autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provou que, em 2005, a impugnante tenha pago rendas decorrentes do contrato de locação financeira nº ....., que firmou com a BCPLeasing. Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.


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A sentença recorrida motivou a matéria de facto da seguinte forma:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.

Relativamente ao facto não provado, a convicção do Tribunal firmou-se nas seguintes circunstâncias: a existência de comprovativo de pagamento da primeira renda efetuada em 01/06/2002, sendo que o plano de pagamento que lhe sucede, é uma mera proposta, que à mingua de outros elementos nomeadamente dos recibos de 2005, não comprovam o pagamento efetivo das rendas no exercício de 2005.”


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS do ano de 2005.

Com efeito, em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que a Recorrente apenas interpôs recurso jurisdicional quanto ao julgamento atinente à prescrição da dívida exequenda e bem assim quanto à legalidade da correção técnica respeitante a amortizações no valor de €45.428,50 tendo, por isso, transitado em julgado as remanescentes correções objeto de análise e posterior manutenção na decisão recorrida.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:
Ø A dívida tributária encontra-se prescrita;
Ø Improcedendo a aludida questão, importa aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao ter decidido que o critério prosseguido pela AT, para determinar a amortização das despesas com obras efetuadas em 2004, classificado como ativo do imobilizado corpóreo, por as obras integrarem o próprio imóvel, devem acompanhar o critério definido para amortização do imóvel no qual se integram.

Apreciando.

Comecemos pelo erro de julgamento atinente à prescrição da obrigação tributária, porquanto a proceder determina a inutilidade superveniente da presente lide.

Com efeito, embora a prescrição da obrigação tributária não consubstancie qualquer vício invalidante do ato de liquidação, verdade é que a jurisprudência vem admitindo que o juiz tome conhecimento da prescrição na impugnação judicial da liquidação, para retirar dela, não a procedência da impugnação e a anulação da liquidação, mas a declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.

A Recorrente defende que padece de erro a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo no sentido de que a interrupção da prescrição nos termos definidos no artigo 49.º da LGT implica que o novo prazo de oito anos só começará a correr de novo quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo nos termos do disposto nos art.º 326.º e 327.º, n.º 1 do Código Civil (CC), porquanto não existe fundamento legal para a aplicação subsidiária das citadas normas do Código Civil.

Mais sublinha que tal entendimento se encontra eivado de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade, e por violação do princípio da reserva de lei da AR em matéria tributária (artigos 103.º, nº2, e 165.º, nº 1, al. i), ambos da CRP).

Ademais, enfatiza que nenhum dos fundamentos da prescrição em direito civil é aplicável ao direito tributário.

O Tribunal a quo, propugnou que a dívida não se encontrava prescrita porquanto “[a] citação da executada ocorreu em 11/12/2009, antes de completado o prazo de prescrição, interrompendo esse prazo, com o efeito de inutilizar todo o tempo até aí decorrido, nos termos definidos no art.º 49.º da Lei Geral Tributária e, iniciando-se novo prazo de oito anos que só começará a correr de novo quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo nos termos do disposto nos art.º 326.º e 327.º, n.º 1 do Código Civil, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário visto que este diploma não contém a definição dos efeitos nem a duração da interrupção.”

Vejamos, então.

In casu, não foi impugnada a matéria de facto, sendo que não é, de todo, questionada a data em que ocorreu o ato de citação, nem questionado o prazo legal de prescrição tido por aplicável, nem a data do seu termo inicial ou, sequer, que o ato de citação constitua facto interruptivo do prazo de prescrição da dívida em contenda.

Com efeito, conforme a mesma, expressamente, reconhece nas suas alegações de recurso o que, ora, é sindicado é o efeito jurídico atribuído a esse facto interruptivo, o qual na sua esteira de entendimento não pode ser duradouro, mas apenas instantâneo, porquanto o regime contido no artigo 327.º, nº 1, do CC não tem aplicação no processo tributário, por existirem normas na LGT cuja aplicação se impõe em razão da relação de especialidade.

E a verdade é que a partir da revogação do artigo 49.º, nº2, da LGT, com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, a LGT deixou de consignar, de forma expressa, o efeito jurídico associado ao ato interruptivo, o que não sucedia até essa data[1].

E por assim ser, nenhuma censura pode ser assacada ao juízo de entendimento do Tribunal a quo, porquanto, em 11 de dezembro de 2009, ou seja, à data da citação, já não era aplicável o regime contemplado no artigo 49.º, nº2 da LGT-os efeitos jurídicos dos factos são determinados pela lei vigente no momento em que ocorrem, conforme consagrado no n.º 2 do artigo 12.º do CC[2]-, donde, inequivocamente, a dívida não se encontrava prescrita.

E isto porque, nessa situação, a interrupção da prescrição tem sempre o efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte[3].

Com efeito, é jurisprudência consolidada do STA, e bem assim dos TCA´s[4] que, se reitera, no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº01437/18.4 de 10 de abril de 2019, o qual convocando a ampla jurisprudência nesse sentido esclarece, de forma clara e a que se adere que:

“[n]o caso de o prazo de prescrição ter sido interrompido pela citação para acção judicial (ainda que de natureza executiva), a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, embora, como se deixou já explicitado em acórdãos desta Secção, designadamente no proferido em 5/04/2017, no proc. nº 0304/17, deva equipar-se a essa decisão aquela que declare em falhas a execução fiscal.

Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência desta Secção do STA, vertida, designadamente, nos acórdãos de 20/05/2015, no proc. nº 01500/14, de 29/01/2014, no proc. nº 01941/13, de 12/10/2016, no proc. nº 0984/16, de 31/03/2016, no proc. nº 0184/16, de 6/12/2017, no proc. nº 01300/17, e de 17/02/2018, no proc. nº 01463/17, no sentido de que não se descortina razão para, na ausência de disposição expressa do legislador fiscal, não atribuir ao acto de citação na execução fiscal a mesma eficácia duradoura que o acto de citação produz no processo executivo comum.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que a Recorrente aduz que tal entendimento viola o princípio da reserva de lei e da legalidade e que tal interpretação coarta direitos, porém, na esteira da ampla e consolidada jurisprudência, assim o não entendemos.

Neste particular socorremo-nos do que vem expendido, designadamente, no Aresto do STA, proferido no processo nº 0537/18, de 20 de junho de 2018, a cuja fundamentação se adere, e do qual se extrai na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Sustenta a recorrente que a prescrição tributária deve ser entendida como uma garantia dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade em todos os seus elementos: prazo e suas vicissitudes, efeitos jurídicos, e modo de produção dos seus efeitos.

Acrescenta que estando toda esta matéria submetida ao princípio da reserva de lei formal, serão quanto a ela proibidas todas as formas de aplicação analógica do direito, que conduzam à formulação de normas, achadas pelo julgador na decisão do caso concreto, e que não tenham na letra da lei uma correspondência estrita e que não se pode recorrer ao art.º 327.º do CC, para determinar os efeitos de nenhum dos atos interruptivos da prescrição fiscal, inclusive da citação.
Esta questão foi já apreciada no ponto anterior tendo-se aí referido o seguinte:
“Importa lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum –, na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição.

Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico.
Não se vê, pois, … que o reconhecimento de um duplo efeito – instantâneo e duradouro – à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, viole o princípio da legalidade tributária ou as garantias dos contribuintes, não se descortinando razão atendível para defender, sem expressa disposição do legislador nesse sentido, que a citação no processo executivo comum interrompe o prazo de prescrição e obsta a que comece a correr novo prazo até ao termo do processo executivo e assim não seja no processo de execução fiscal.
Acompanharemos, pois, a jurisprudência consolidada deste STA … no sentido de que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não apenas inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil), como obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo executivo não findar (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil)
.” (destaques e sublinhados nossos).

Mais importa ter presente que o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão 122/2015, de 12 de fevereiro de 2015, já se pronunciou no sentido de que a interpretação que, ora, se propugna não traduz qualquer inconstitucionalidade, evidenciando para o efeito, designadamente, que:

“Em qualquer caso, não se vislumbra de que modo a interpretação normativa questionada – quanto aos efeitos duradouros da interrupção da prescrição das dívidas tributárias, considerando-se que o prazo prescricional apenas se reinicia após o termo do processo de execução fiscal – possa ofender os direitos em causa
Sendo o instituto da prescrição especificamente determinado por princípios e valores objetivos de segurança e certeza jurídicas, certo é que o âmbito de proteção dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva não compreende um direito à prescrição das dívidas fiscais, enquanto alegado direito dos contribuintes, pelo que não ocorre a violação daqueles direitos.(…)”

Pelo exposto, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, ao reconhecer esse efeito duradouro ao ato interruptivo de citação e, por consequência, ao julgar que, por esse motivo, não ocorrera ainda a prescrição da obrigação tributária, uma vez que, como já evidenciado e, ora, se reitera na data em que ocorreu a interrupção da prescrição, operada pela citação, não estava já em vigor a norma que transformava o efeito interruptivo em suspensivo por força da paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao executado[5].

E por assim ser, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o reconhecimento deste duplo efeito - instantâneo e duradouro - à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não viola os convocados princípios da reserva de lei e da legalidade tributária ou as garantias dos contribuintes, não denegando, por isso, qualquer justiça, nem traduzindo qualquer inconstitucionalidade.

Destarte, considerando que à data em que a Recorrente foi citada, a dívida exequenda não se encontrava já prescrita, tendo-se interrompido o prazo de prescrição e mantendo-se o efeito duradouro da interrupção, então, operada, a dívida visada não se encontra, efetivamente, prescrita.

Improcede, assim, o alegado pela Recorrente, subsistindo, assim, utilidade na presente lide.

Atentemos, então, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à manutenção da correção atinente às amortizações, mormente, a taxa de amortização de 2%, em vez da aplicada pela Recorrente de 33,33%.

A Recorrente defende que o juízo de entendimento do Tribunal a quo é erróneo porquanto contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida, a intenção de encomendar um novo projeto, não é um facto que careça de prova, decorrendo, per se, do teor do Decreto-lei DL n.º 307/2007 de 31 de agosto, o qual implementou novos requisitos materiais nas instalações das farmácias, mormente, os contemplados no artigo 29.º, e bem assim da Portaria n.º 1430/2007, de 2 de novembro, e do Regulamento aprovado pelo Conselho Diretivo do INFARMED, I.P.-DELIB. n.º 439/CD/2007, de 14 de dezembro.

E por assim ser, a taxa de amortização de 2% sobre o valor de € 145.000,00 que a AT aplicou considerando dever ser utilizada a mesma taxa decorrente da amortização do edifício é manifestamente desadequada e ilegal, enfermando tais correções do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto da aplicação do regime previsto no n.° 3 do artigo 5.° e bem assim do artigo 3.º, nº1, ambos do Decreto-Regulamentar n.° 2/90.

O Tribunal a quo fundamentou a improcedência da seguinte forma:

“Não se mostra controvertido que a impugnante tenha realizado obras com a substituição de pavimentos, construção de paredes novas, montagem de tetos falsos, instalação de computadores (pontos 12 e 13 do probatório).

Não há dúvidas que a substituição de pavimentos e construção de novas paredes e a montagem de tetos falsos, conferiram um aumento significativo de valor ao edifício em que foram realizadas e, para além disso, aumentaram a duração de vida do edifício, que irá para além dos três anos de vida útil, ao contrário do preconizado e contabilizado pela impugnante.

Ora, se havia a intenção da impugnante em encomendar um novo projeto de remodelação profunda com o desmantelamento daquelas benfeitorias, carecia esta de demonstrá-lo o que não fez na fase inspetiva, nem nos presentes autos carreando prova em conformidade, ónus de que se encontra investida atento o disposto no art. 74º da Lei Geral Tributária. (…)

O critério prosseguido pela A.T., para determinar a amortização das despesas com obras efetuadas em 2004, classificado como ativo do imobilizado corpóreo, obras que passaram a integrar o próprio imóvel, sendo que a respetiva amortização irá para além dos três anos de vida útil, devendo assim acompanhar o critério definido para amortização do imóvel no qual se integram, não enferma do alegado vício de violação de lei pois encontra apoio no D. Regulamentar nº 2/90, Tab. 2, Div.I, Grupo 1.”

Apreciando.

A AT, conforme fundamentação constante no Relatório Inspetivo constatou que “No exercício de 2004, foi considerado o valor de €145.000,00 relativo a obras realizadas no imóvel ocupado pela farmácia como imobilizado incorpóreo, tendo sido considerado como custo deste exercício e dos seguintes, na proporção de cerca de 1/3. Conforme esclarece o POC “Imobilizações Corpóreas integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, (…) inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daqueles imobilizados”. Deste modo o valor relativo às obras deveria ter sido amortizado à mesma taxa do edifício, 2% (Tabela 2 Divisão I Grupo 1 do Decreto Regulamentar nº 2/90) (…)”.

Concluindo, nessa medida, que não são aceites amortizações no montante de €45.428,50.

Por forma a aquilatarmos da bondade da censura gizada pela Recorrente, atentemos nas considerações de direito e no quadro legal que releva para o caso sub judice.

Ab initio, importa ter presente que a amortização consiste em repartir o custo do ativo imobilizado pelos exercícios que beneficiam do seu uso, imputando a cada um dos mesmos a parte que lhes cabe no gasto total efetuado aquando da aquisição do bem (quota de amortização). Como doutrina Freitas Pereira, “as amortizações e reintegrações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela vida útil[6].”

Mais importando ter presente que o ativo imobilizado compreende “[t]odos os  elementos que, em condições normais, não são susceptíveis de realização a curto prazo por razões de natureza administrativa”. Integra, portanto, os elementos patrimoniais ativos, corpóreos e incorpóreos, não destinados à venda, cuja utilidade se não esgota total e imediatamente na primeira operação em que intervém, antes perdura por prazos mais ou menos longos[7].”

Sendo certo que no domínio das imobilizações são de distinguir as corpóreas ou fixas, ou ainda as tangíveis, e as incorpóreas ou intangíveis.

No concernente às imobilizações corpóreas, ou, numa denominação mais atualizada, os ativos fixos tangíveis, como “[m]eios de produção ou bens de uso duradouro,  “(...) trata-se, pois, de coisas concretas ou materiais que, não sendo objeto direto das operações da empresa, lhe servem de condições ou de “ferramentas de trabalho.”, enquanto as  imobilizações incorpóreas, ou ativos intangíveis, são coisas imateriais, “[r]es quae tangi non possunt. Carecem de existência física e não são, por conseguinte, apreensíveis ou perceptíveis pelos sentidos[8].”

No concernente ao quadro normativo que releva para efeitos de dilucidação da questão em contenda, importa, desde logo, ter presente o artigo 23.º, do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, o qual dispunha que: “1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…) g) Reintegrações e amortizações”.

Dimanando, por seu turno, do artigo 27.º, nº1, do CIRC, que: “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando­-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com caráter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Mais preceituando o artigo 29.º, nº1 do CIRC que: “O cálculo das reintegrações e amortizações do exercício deve fazer-se, em regra, pelo método das quotas constantes.”

No concernente às quotas de amortização dispunha o artigo 30.º do mesmo diploma legal que:
 “1 - Para efeitos de aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização, definidas no decreto regulamentar que estabelecer o respetivo regime, aos seguintes valores:
a) Custo de aquisição ou custo de produção;
b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
c) Valor real, à data da abertura de escrita, para os bens objeto de avaliação para este efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou o custo de produção.
2 - Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de reintegração e de amortização, são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”

Neste particular, importa, outrossim, convocar o Diploma que veio regulamentar o desenvolvimento técnico do respetivo regime das amortizações, concretamente o Decreto-Regulamentar nº 2/90, o qual no seu artigo 1.º estatui que: “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Preceituando quanto ao período de vida útil, o artigo 3.º do aludido diploma que:
 “1 - A vida útil de um elemento do ativo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, excluído, quando for caso disso, o respetivo valor residual.
2 - Qualquer que seja o método de reintegração ou amortização utilizado, considera-se:
a) Período mínimo de vida útil de um elemento do ativo imobilizado o que se deduz das taxas que podem ser aceites fiscalmente segundo o método das quotas constantes;
b) Período máximo de vida útil de um elemento do ativo imobilizado o que se deduz de uma taxa igual a metade das referidas na alínea anterior.”

De chamar ainda à colação, neste âmbito, o artigo 5.º o qual a propósito do método das quotas constantes consagra que:
“1 - No caso de utilização do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando aos valores mencionados no n.º 1 do artigo 2.º as taxas fixadas nas tabelas anexas ao presente diploma, aplicando-se as taxas genéricas mencionadas na tabela II apenas quando, para os elementos do ativo imobilizado dos ramos de atividade de que se trate, não estejam fixadas taxas específicas na tabela I.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os seguintes casos, em que as taxas de reintegração e amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objetivamente deveria ter sido estimado:
a) Bens adquiridos em estado de uso;
b) Bens avaliados para efeitos de abertura de escrita;
c) Grandes reparações e beneficiações;
d) Obras em edifícios alheios.
3 - Relativamente aos elementos não mencionados no número anterior para os quais não se encontrem fixadas taxas de reintegração e amortização nas tabelas referidas no n.º 1, serão aceites as que pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.
4 - Quando em relação aos elementos mencionados nas alíneas a) e b) do n.º 2 for conhecido o ano em que pela primeira vez tiverem entrado em funcionamento, o período de utilidade esperada não pode ser inferior à diferença entre o período mínimo de vida útil do mesmo elemento em estado de novo e o número de anos de utilização já decorrido.
5 - Para efeitos de reintegração e amortização consideram-se:
a) Grandes reparações e beneficiações - as que aumentem o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem.”

Tecidos os considerandos de direito e visto o quadro legal, regressemos ao caso dos autos.

Como visto, a Recorrente entende que contrariamente ao aduzido pelo Tribunal a quo, o período de utilidade esperada é, efetivamente, de três anos, donde a taxa de amortização corresponde aos 33%, porquanto as obras de remodelação da farmácia -face ao novo quadro legal que se avizinhava- acarretariam a realização de um novo projeto, o qual se retira, per se, do teor do Decreto Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, particularmente com o consignado no artigo 29.º, e bem assim com a Portaria nº 1430/2007, de 2 de novembro, não carecendo da alvitrada prova evidenciada pelo Tribunal a quo.

Porém, atentando na letra e ratio legis subjacente ao citado diploma legal, não se afigura que a pretensão da Recorrente logre provimento, porquanto a evidência de um novo projeto e mais ainda num período temporal definido de três anos não se retira, sem mais, dos aludidos diplomas legais, carecendo, necessariamente, da competente prova.

Senão vejamos.

Preceitua o citado artigo 29.º do Decreto Lei nº 307/2007, de 31 de agosto sob a epígrafe de instalações que:
“1 - As farmácias devem dispor de instalações adequadas a garantir:
a) A segurança, conservação e preparação dos medicamentos;
b) A acessibilidade, comodidade e privacidade dos utentes e do respetivo pessoal.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as farmácias devem dispor, designadamente, das seguintes divisões:
a) Sala de atendimento ao público;
b) Armazém;
c) Laboratório;
d) Instalações sanitárias.”

Com efeito, tal normativo apenas vem consagrar os requisitos necessários para efeitos de operacionalidade das instalações, porém para que se pudesse extrapolar que as obras em questão detinham um período de utilidade esperada de apenas três anos, era curial que a Recorrente tivesse demonstrado que as obras que realizou em 2004 não a habilitavam, e quais as razões, às condições de uso e instalações regulamentadas por esse mesmo diploma legal, e que face a essas circunstâncias obstativas, tiveram de o adequar aos novos pressupostos vinculativos, implementando, o alegado mas não demonstrado, projeto.

O mesmo se diga quanto à Portaria nº 1430/2007, de 2 de novembro, a qual veio apenas fixar os procedimentos de licenciamento e de atribuição de alvará a novas farmácias e às que resultam de transformação de postos farmacêuticos permanentes, bem como da transferência da localização das farmácias, e bem assim do Regulamento aprovado pelo Conselho Diretivo do Infarmed nº 439/CD/2007, de 14 de dezembro de 2007, que regulamentou sobre a remodelação, ampliação e transferência provisória de instalações da farmácia para a realização de obras.

No sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a realização de um novo projeto que permitisse qualificar as obras realizadas no ano de 2004, como meramente temporárias, mormente num período temporal de apenas três anos, carecia da competente alegação e demonstração fática e respetivo suporte, o que não foi feito no caso vertente.

Note-se que, conforme resulta do probatório não impugnado, as obras visadas contemplaram, desde logo, construção de paredes e substituição de pavimento, realidades que se incorporam no edifício em questão, logo para efeitos de qualificação como detentora de uma utilidade esperada de três anos estava dependente de prova efetiva e devidamente substanciada espácio-temporalmente, não dimanando, naturalmente, da letra de um diploma legal ulterior.

Como doutrinado em Aresto do STA, proferido no processo nº 0917/04, de 02 de fevereiro de 2005, cujo sumário se extrata:
“I – As obras de construção civil de desmontagem, remodelações, demolições, alvenarias, revestimentos de pavimento, betões, escavações para fundações, tectos, carpintarias, vidros, estores, escavações e aterros, tubagens eléctricas, revestimentos de paredes e tectos, fachadas, etc., ou seja, obras necessárias para o exercício da actividade bancária, que se integram, assim, nos próprios imóveis e que contribuem de forma clara não só para aumentar o valor real de cada uma das agências bancárias, mas também contribuem para um aumento provável da duração desses imóveis, passando a ser sua parte integrante e a constituir um todo, são obras que cabem no conceito legal de grandes reparações e beneficiações, tal como vem definido no artº 5º, nº 2, al. c) do Decreto Regulamentar nº 2/90 de 12/1.
II – Assim, a sua amortização deve ser determinada de acordo com o respectivo período de desgaste ou utilidade esperada do bem que elas visaram beneficiar no seu todo[9].”

In casu, face ao teor do probatório, e tal como ajuizado pelo Tribunal a quo, são de qualificar como grandes reparações, as obras de reparação/remodelação, executadas no edifício onde funciona a farmácia, consistentes, designadamente, em obras de construção civil com a colocação de tetos falsos, substituição de pavimentos, e construção de paredes, por apresentarem características de aderência e de inamovibilidade, contribuindo para aumentar o seu valor real e para um aumento provável da sua duração.

Donde, a taxa a aplicar na reintegração e amortização nas grandes reparações é calculada com base no correspondente período de utilidade esperada, sendo de aplicar a mesma que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações/remodelações tiveram lugar.

Aliás este é o critério que encontra apoio legal no artigo 20.º do Decreto Regulamentar nº 2/90, do qual dimana que “os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento cujos valores unitários de aquisição ou de produção não ultrapassem 20.000$ podem ser totalmente reintegrados ou amortizados num só exercício, exceto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser reintegrado ou amortizado como um todo".

Face a todo o exposto, dimanando dos autos que não foi comprovado que as beneficiações têm um período de vida útil (utilidade esperada) distinto do edifício, no caso em concreto de três anos, deve-lhe ser aplicável a taxa de amortização aplicável ao respetivo edifício, pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, não merecendo qualquer censura, devendo, por isso, ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


_____________________
[1] Vide, Aresto deste Tribunal, proferido pelo mesmo Coletivo, no âmbito do processo nº 659/20, de 11.02.2021.
[2] Vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0826/07, de 08.01.2020.
[3] Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01207/19, de 04.03.2020.
[4] Vide o recente Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº469/19.4, de 14.01.2020, proferido pela presente Relatora.
[5] Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01111/19, de 11.09.2019.
[6] A Periodização do Lucro Tributável, CTF, 1988, p. 157.
[7] F.V. Gonçalves da Silva, Imobilizações e Amortizações, 2ª Edição revista, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1972, p.2.
[8] F.V. Gonçalves da Silva, Ob. cit, pp. 20 e 21.
[9] Vide, também, neste sentido, designadamente, os Acórdãos do STA, proferidos nos processos nº 0123/06, de 17.05.2006; 323/05, de 06.07.2005; 917704, de 22.05.2004, e deste TCAS proferido no processo nº 07134/02, de 04.11.2003.