Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03107/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/26/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:EXPEDIENTE POSTAL REGISTADO COM AVISO DE RECEPÇÃO
PRESUNÇÃO DO SEU RECEBIMENTO PELO DESTINATÁRIO
FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO FISCAL.
Sumário:1. O ofício redigido por funcionário da Administração Fiscal, dando conta que o mesmo se destina a levar ao conhecimento do destinatário um concreto acto de liquidação, bem como o aviso de recepção relativo ao registo postal do seu envio, no que concerne aos campos preenchidos pelo remetente, constituem documentos autênticos, nos termos doa rt.º 369.º, do CC;
2. A assinatura do recibo que constitui o aviso de recepção de expediente postal registado, apenas legitima a presunção do seu recebimento, pelo destinatário, se, daquele aviso, constar, expressamente, a morada do último;
3. A eventual nulidade do acto de citação não constitui fundamento de oposição fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «A..., Ld.ª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Sintra e que lhe julgou improcedente esta oposição deduzida à execução fiscal n.º 150320041070673, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

a) Decidiu-se na sentença de que ora se recorre, pela improcedência da oposição apresentada pela ora recorrente, entendendo que não se verifica falta de notificação do acto de liquidação uma vez que a DGCI havia remetido à recorrente segundas cartas registadas contendo as primeiras notificações que se frustraram, e que a nulidade do acto de citação não é fundamento de oposição à execução.

b) Entende a recorrente que não se decidiu de forma feliz.

c) A douta sentença erra grosseiramente ao considerar que a recorrente foi notificada da liquidação de IRC do ano de 1999, nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, uma vez que a presunção de notificação a que alude o artigo 39.º, n.º 5 do CPPT depende expressamente da repetição da notificação por carta registada com aviso de recepção, quando a primeira notificação (também) enviada com carta registada com aviso de recepção vier devolvida ou não vier assinada pelo destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

d) Ora, conforme resulta dos autos de forma inequívoca, os avisos de recepção juntos aos autos pela DGCI não dizem respeito às notificações colocadas em crise em sede de oposição à execução, e que datam de 2003/12/19 e 2004/10/26, respectivamente – cf. fls. 7 do documento n.º 1 e fls. 5 do documento n.º 2 da contestação da DGCI.

e) Ou seja, a informação junta aos autos pela DGCI, constante de fls. 7 do documento n.º 1 e fls. 5 do documento n.º 2 da contestação por si apresentada, não se encontra relacionada com o objecto do processo, não tendo por isso qualquer interesse para a decisão da causa.

f) Pelo que os factos afirmados pela DGCI, relativos à «segunda notificação (IRC nos termos do n.º 5 do artº 39.º do CPPT (dl 433/99 DE 26/10)» não se podem considerar provados por tais documentos.

g) Os documentos juntos aos autos, folhas 2 a 4 do documento n.º 1 da contestação, demonstram inequivocamente que a DGCI procedeu em relação à notificação da liquidação de IRC do ano de 1999 apenas e só a uma notificação por carta registada com aviso de recepção, expedida sob o registo n.º RY196970801PT, datado de 2003/11/28 e que veio devolvido a 2004/01/12, conforme carimbo aposto no verso da primeira notificação – cf. folhas 9 do documento n.º 1da contestação.

h) Ora, se a primeira notificação veio devolvida ao Serviço de Finanças em 2004/01/12, conforme carimbo aposto no verso da primeira notificação (cf. folha 9 do documento n.º 1 da contestação – reitere-se) como pode a DGCI alegar que procedeu à segunda notificação da ora recorrente por carta registada com aviso de recepção enviada em 2003/12/18, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT?

i) O dia 2003/12/18, antecede em cerca de um mês a devolução da primeira carta registada com aviso de recepção remetida à ora recorrente e que não foi por esta levantada nos CTT.

j) Não estão assim reunidos os pressupostos que fazem operar a presunção do artigo 39.º, n.º 5 e 6 do CPPT.

k) Em relação á notificação da liquidação de IRC do ano de 2000, sempre caberá à recorrente referir que o aviso de recepção junto aos autos para comprovar a segunda liquidação de IRC do ano de 2000, com o n.º de registo RO060691616PT, não corresponde ao número de registo de qualquer notificação à ora recorrente, como deveria corresponder, nem tem a data que a DGCI refere ter remetido segunda notificação á recorrente.

l) Desconsiderou o Tribunal a quo o que a recorrente fez notar em requerimento enviado em resposta ao despacho de fls. 67, junto aos presentes autos – a saber: que «o número de registo que consta no aviso de recepção do documento n.º 2, página 5, da contestação da Fazenda Pública, não corresponde ao número de registo de qualquer notificação à Oponente, como deveria corresponder».

m) Factos esses que nem a DGCI veio negar, dada a sua evidência.

n) Nem se venha dizer que cabia à recorrente provar e não apenas alegar que o número de registo em referência não correspondia ao número de registo de qualquer das notificações colocadas em crise.

o) Porquanto, a ora recorrente invocou em sede de oposição à execução fiscal, a título de questão prévia a falta de notificação das liquidações em causa.

p) Advertindo, desde logo, que por se tratar de um facto negativo e por serem sobejamente conhecidas as dificuldades com que se defrontam aqueles que se vêm forçados, seja em processo administrativo, seja em processo judicial, a produzir prova sobre factos negativos, ocorria a inversão do ónus da prova.

q) A DGCI não contestou o facto alegado pela ora recorrente do n.º de registo RO060691616PT, não corresponder ao número de registo de qualquer notificação à ora recorrente, como deveria corresponder, nem tem a data que a DGCI refere ter remetido segunda notificação à recorrente.

r) Ao não fazê-lo, o comportamento omissivo da DGCI – que, recorde-se, se encontra estritamente vinculada ao princípio da legalidade – não poderá vir a ser valorado em favor desta.

s) Entende ainda a recorrente que na presente situação o comportamento omissivo da DGCI, ao não juntar aos autos o documento postal comprovativo e acobertando-se num absoluto «silêncio probatório», faz incorrer esta num comportamento culposo a qualificar, pelo menos, na modalidade de negligência grosseira.

t) E assim sendo, como o é, também por aqui o ónus da prova se inverteria nos termos do artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil.

u) Apenas uma seria a decisão correcta: i) em relação à notificação da liquidação de IRC do ano de 1999, considerar que a mesma não foi efectuada nos termos previstos no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, pelo que não pode beneficiar do regime da presunção de notificação, antes se tendo como não provada a notificação da liquidação de IRC do ano de 1999; ii) em relação à notificação da liquidação de IRC do ano de 2000, considerar que número de registo que consta no aviso de recepção do documento n.º 2, página 5, da contestação, não corresponde ao número de registo de qualquer notificação à recorrente, como deveria corresponder, pelo que também aqui não pode proceder a presunção do disposto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, já que a mesma foi em devido tempo ilidida e não contestada a ilisão da presunção a mesma não poderá proceder.

v) Consequentemente, que nenhuma das notificações remetidas à ora recorrente foram recepcionadas, não tendo a DGCI procedido à notificação das liquidações à ora recorrente, conforme a LEI lho exige.

w) Em relação ao segundo fundamento apresentado a título de fundamentação da improcedência da oposição, cabe à recorrente referir que é pacífico que na execução – fiscal ou não – constituem sempre actos de natureza jurisdicional, a citação, a penhora ou a venda de bens.

x) É que a citação, ao tornar estável a instância – artigo 268.º do CPC – implica, adentro do processo, o reconhecimento da pretensão de cobrança, por via coerciva, de alegados créditos do exequente.

y) Daí que o legislador da LGT tenha reconhecido tão lucidamente as necessidades de atribuir à execução fiscal natureza judicial e de limitar a prática de actos, pela DGCI, a actos não jurisdicionais.

Z) A citação não ordenada por juiz da execução fiscal tem que ser considerada como absolutamente nula e de nenhum efeito, já que o chefe do serviço de finanças a realizou na ausência de despacho judicial para o efeito.

aa) Apenas e só o Tribunal, enquanto entidade competente para o efeito, tem competência para apreciar a nulidade da citação, não se podendo destituir desse dever por «não caber no elenco de fundamentos previstos» no artigo 204.º do CPPT.

bb) Sob pena de incorrer, como acontece no presente caso em omissão de pronúncia, o que determina a nulidade da sentença – nulidade essa que aqui expressamente se invoca.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se revogue a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que julgue procedente a oposição e ordene a extinção da execução fiscal a que respeita, com todas as consequências legais.

- Não houve contra-alegações.

- O Mm.º juiz recorrido sustentou a decisão em crise, no que concerne ao vício de forma que lhe é imputado.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 126 e v.º, pronunciando-se, a final, no sentido de se negado provimento ao recurso, na medida em que a decisão recorrida fez criteriosa apreciação da prova e adequada interpretação e aplicação da lei, no que concerne á citação enquanto fundamento de oposição fiscal.

*****


- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, ancorando-se na prova documental carreada para os autos e nas posições assumidas pelas partes, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


a) Corre termos no Serviço de Finanças de Cascais 1 o processo de execução fiscal com o n.º 150320041070673, contra a aqui Oponente, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos exercícios de 1999 e 2000, no valor de, respectivamente, € 26.237,51 e 6.795,52 – Cfr. documentos a fls. 15, 27 e 28;

b) Em 13/11/2003 foi emitida a liquidação de IRC respeitante ao exercício de 1999, com o n.º 8310019253, em nome da Oponente, da qual consta como valor a pagar a quantia de € 26.237,51 – Cfr. documento a fls. 57;

c) Em 30/12/2003 foi emitida a liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2000, com o n.º 8310020949, em nome da Oponente, da qual consta como valor a pagar a quantia de € 6.765,52 – Cfr. documento a fls. 62;

d) Em 28/11/2003 foi enviada à ora Oponente notificação da liquidação referida em b), por carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida ao remetente com a indicação: “Mandou passar aviso 2-12-2003 * Não reclamado” – Cfr. documentos a fls. 50 e 58;

e) Em 18/12/223 foi enviada à Oponente 2.ª notificação respeitante à liquidação referida em b), que antecede, por ofício enviado por carta registada com aviso de recepção, no qual consta:
“Fica V. Exa notificado nos termos do n.º 5 do artº 39.º do CPPT/DL 433/99 de 26/10, do conteúdo da liquidação que se junta com n.º 8310019253.” – Cfr. documentos a fls. 50 a 56;

F(1)) Em 06/01/2004 foi enviada à ora Oponente notificação da liquidação referida em c), por carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida ao remetente – Cfr. documentos a fls. 62, 15 e 22;

g) Em 25/10/2004 foi enviada à Oponente 2.ª notificação respeitante à liquidação referida em c), que antecede, por ofício enviado por carta registada com aviso de recepção, o qual foi recebido e assinado, no qual consta:
“Fica V. Exa notificado nos termos do nº 5 do art. 39.º do CPPT/DL 433/99 de 26/10, do conteúdo da liquidação que se junta com o n.º 8310020949.” – Cfr. documentos a fls. 60 e 64;

h) Consta dos autos cópia de documento onde consta: “Nesta data foi expedido aviso ao executado, nos termos do Artigo 191º do CPPT.
Cascais, 13 de 8 de 2004
O Escrivão” – Cfr. documento a fls. 28;

i) Em 15/10/2004 deu entrada a presente oposição à execução fiscal – Cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 2.

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- Nas conclusões do presente recurso identificadas pelas letras a) a v), inclusive, a recorrente esgrime, desde logo, com erros de julgamento, no âmbito da matéria de facto por considerar que as notificações das liquidações do IRC exequendo, através de cartas registadas com aviso de recepção, ao abrigo do preceituado nos n.ºs 5 e 6, do art.º 39.º, do CPPT, se não podem ter por concretizadas.

- Estão em causa as notificações das liquidações de IRC dos anos de 1999 e 2000, as quais, segundo a AT, terão sido concretizadas, qualquer delas, através de um duplo envio da cartas registadas com aviso de recepção, endereçadas para a morada da recorrente; a diferença entre uma e outra de tais situações (exercícios de 1999 e de 2000) residirá no facto de que, enquanto no que concerne à liquidação do ano de 1999, qualquer das duas missivas enviadas veio devolvida ao remetente, sem que a recorrente as tivesse reclamado nos CTT, no que toca à liquidação relativa ao exercício de 2000, a segunda carta enviada foi, efectivamente, recepcionada.

- Vejamos, então, cada das situações em separado.

1) Quanto à notificação da liquidação de 1999;

- Reportam-se a esta situação as conclusões a) a j), inclusive, do presente recurso; E, segundo elas e em síntese, a notificação não se pode dar por concretizada, ao abrigo do referido art.º 39.º do CPPT, no entendimento de que a AF apenas diligenciou a notificação da recorrente através de uma única carta registada com aviso de recepção, a que corresponderá o registo n.º RY1966970801PT, datado de 2003NOV28, devolvido a 2004JAN12, nos termos do teor de fls. 9, do doc. n.º 1 junto com a contestação da FP, donde extrapola que se a devolução de tal carta ocorreu na referida data de 2004JAN12 é materialmente impossível à AF, ter diligenciado o envio da segunda carta, enquanto decorrência da devolução da primeira, quase um mês antes, isto é, em 2003DEZ18.

- Ora, sobre esta questão diga-se, antes do mais, que se não vislumbra a que se parte de fls. 9, do doc. n.º 1, junto com a contestação da FP, e que corporiza fls. 58 dos autos, se arrima a recorrente para concluir que a primeira carta que foi enviada, nos supra citados termos e visando a sua notificação da liquidação de IRC/99, foi devolvida ao remetente a 2004JAN12.

- Na realidade, apesar de, de tal documento, constar um carimbo dos CTT datado de da referida data de 2004JAN12, nada permite inferir que se trata da certificação da data em que tal missiva foi devolvida ao remetente.

- Por outro lado e mais relevantemente do que isto, os autos demonstram, na linha do referido pela AT, que, em 2003DEZ19, foi remetido à recorrente, por correio, sob registo e com aviso de recepção, um ofício, datado de 2003DEZ18, destinado a levar ao seu conhecimento o teor da liquidação n.º 8310019253, que se reporta ao exercício em causa de 1999, na sequência de uma primeira carta registada pela mesma forma e sob o n.º RY196970801PT, de 2003NOV28, registo aquele (referente ao ofício datado de 2003DEZ18) a que coube o n.º RR772057131PT e efectivamente endereçado para a morada da recorrente, como, meridianamente, o atestam fls. 18, 19, 54 e 56 dos autos.

- Por outro lado, como o certificam, igualmente, o doc. de fls. 20, duplicado a fls. 55, dos autos, o destinatário mandou passar aviso, não tendo reclamado o expediente postal respectivo, como , aliás, sucedera com a primeira carta, expedida sob idêntico formalismo, visando aquele referido desiderato (cfr. fls. 58, dos autos).

- Não se vislumbra, pois, como acolher a tese sustentada pela recorrente de que se não demonstra a concretização presuntiva da sua notificação da liquidação de IRC exequendo, referente ao exercício de 1999, com suporte na argumentação de que a AT lhe não remeteu uma segunda e necessária carta, uma vez que, na linha do acima referido, os autos atestam o inverso.

- Diga-se, no entanto e de forma ainda mais compacta, face ao anteriormente referido, que, no caso, sempre seria à recorrente que incumbiria diligenciar a demonstração de que lhe não foi enviada a referida segunda carta.

- É que, quanto mais não seja, o doc. de 18, consubstanciando o ofício que a AF diz ter remetido como segunda carta, bem como o teor do doc. de fls. 56 (A/R respectivo, no que concerne ao preenchimento dos campos relativos a remetente e destinatário) consubstanciam documentos elaborados por funcionário público no exercício das respectivas funções, preenchendo, assim, os requisitos de documentos autênticos, à luz do estatuído no art.º 369.º do CC, com a inerente força probatória apenas ilídivel nos termos do estatuído nos art.ºs 546.º e segs., do CPC o que não sucedeu no caso sub judice.

- Falecem, por isso, as conclusões do presente recurso, acima referidas e relativas à notificação da liquidação do IRC exequendo referente ao exercício de 1999.

2) Quanto à notificação da liquidação de 2000;

- Respeitam a esta questão as conclusões k) a v), inclusive, do recurso e, nelas, o recorrente sustenta, no essencial, que a notificação do acto tributário em questão se não pode presumir como realizado na medida em que a segunda carta, remetida pela AT e visando tal objectivo, sob o n.º de registo RO060691616PT não corresponde a qualquer registo de notificação que lhe tenha sido dirigido pelo Fisco, sendo certo que não era a ela que cabia demonstrar tal facto, por se tratar da prova de um facto negativo, mas antes à AF que cabia demonstrar, positivamente, o oposto, isto é, de que aquele registo correspondeu à remessa da carta para notificação da liquidação de IRC exequendo de 2000; E como o A/R assinado e a que se acoberta a AF, respeita àquele registo, não se pode extrapolar a ilação da sua notificação do aludido acto tributário.

- Ora, sobre esta matéria, se nos quedássemos pela questão da concretização da notificação da liquidação em causa, nos precisos termos que, com ela, esgrime a recorrente, crê-se que, também aqui, a decisão final não podia deixar de lhe ser favorável.

- Isto porque, a nosso ver, a recorrente labora no manifesto erro de facto que inquina e deita por terra toda a construção por si sustentada e, antes, sintetizada.

- Assim, como resulta do teor das referidas conclusões, a “pedra de toque” da recorrente, na sustentação da sua linha argumentativa, reside no n.º de registo; De facto é por referência ao n.º de registo RO060691616PT, que sustenta que nenhum registo de notificação lhe foi endereçado, por parte da AT sendo, por outro lado, que é com base neste circunstancialismo de facto que extrapola a ilação de que a assinatura do A/R a que se reporta a AT não pode permitir a conclusão da sua notificação através do expediente a que o mesmo respeita.

- Ora, a segunda carta remetida pela AT, visando a sua notificação do IRC exequendo, do ano de 2000, sendo certo que o foi por carta registada com aviso de recepção, não o foi, contudo, através do expediente a que correspondeu o referido registo n.º RO060691616PT, mas antes através de expediente remetido sob o registo n.º RO060691515PT, como o atesta o doc. de fls. 25, e que constitui o duplicado de fls. 5, do doc. n.º 2, junto com a contestação e a que se ancora, na sua argumentação (cfr. v.g., conclusões l) e u)/ii)), a recorrente, ou seja, o doc. de fls. 64 referido na al. e) do probatório.

- E, consequentemente, se à diligenciação da notificação postal da recorrente, do acto de liquidação de IRC/2000, correspondeu um número de registo que nada tem a ver com aquele a que ela se reporta para concluir que nenhuma notificação lhe foi endereçada, por parte da AT, é evidente e incontornável a falência da sua linha argumentativa nesta matéria sem necessidade, sequer, entrarmos na apreciação da questão do ónus da prova.

- Simplesmente, o que está, verdadeiramente em discussão, isto é, aquilo que a recorrente verdadeiramente questiona, é a concretização da sua notificação, do acto tributário de liquidação do IRC exequendo de 2000.

- Ora, nesta matéria, e ainda que por razões distintas, crê-se que a razão assiste, de facto, à recorrente.

- Como é bem de ver, não estamos aqui perante uma notificação presumida, nos termos do n.º 6, do art.º 39.º, do CPPT, o que, aliás e a nosso ver, nunca poderia suceder, no caso vertente, ao abrigo da segunda carta remetida pela AF, na medida em que um dos requisitos para a verificação de tal presunção é a observância de todo o formalismo legal imposto pelo n.º 5, do mesmo preceito legal e onde se impõe que a segunda carta seja remetida ao destinatário no prazo de 15 dias a contar da devolução do AR referente à primeira carta.

- Ora, face aos elementos constantes dos autos, não se pode concluir que tal formalismo tenha sido observado, desde logo tendo em linha de conta que a primeira de tais cartas/notificação foi remetida e 2004JAN06 (cfr. fls. 22 dos autos) e a segunda mais de dez meses depois.

- No caso estamos, antes, perante uma alegada concretização efectiva de tal notificação, uma vez que o recibo de A/R que corresponde ao registo do envio da mesma, à recorrente, se mostra devidamente assinado no local, para o efeito reservado ao destinatário, como o atesta o doc. de fls. 25 dos autos, duplicada a fls. 64, tendo em conta a presunção estabelecida no n.º 3, do art.º 39.º, do CPPT, na linha do estatuído no Regulamento dos Serviços Postais, ainda que de forma mais ampla.

- Só que, como resulta, quer do aludido n.º 3, do art.º 39.º, do CPPT, quer o RSPostais, tal presunção tem como necessário pressuposto que o expediente postal seja enviado para o endereço do destinatário.

- Ora, no caso em análise, como o atesta, também, o referido documento de fls. 25/64, o expediente em questão foi endereçado à Recorrente, «A..., Ld.ª», sem mais, isto é, sem referência a qualquer endereço geográfico.

- Por consequência, está por demonstrar que tal expediente foi endereçado à Rua das Flores, 8, em Cascais, e, por consequência, de que quem assinou o referido AR fosse alguém que, no dizer da lei, estivesse “(…) presente no domicílio do contribuinte (…)”, o que, necessariamente, implica que se não possa concluir que a recorrente foi, efectivamente, notificada do acto de liquidação do IRC exequendo relativo ao exercício de 2000.

- E, por consequência, impõe-se alterar, em conformidade, a al. e) do probatório, passando a dela constar, imediatamente a seguir ao segmento “(…) foi enviada (…)”, a expressão “(…), sem referência a qualquer endereço postal, (…)”.

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- Não se demonstram quaisquer outros factos, distintos dos referidos nas precedentes alíneas, nos termos antes aditados, que se mostrem relevantes à decisão de mérito a proferir, á luz das possíveis soluções de direito.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Na al. bb), das suas conclusões, a recorrente imputa, desde logo, vício de forma, consistente em omissão de pronúncia, à decisão recorrida, no entendimento de que ela se não pronunciou sobre a questão da nulidade de citação com que, expressamente, esgrime nas conclusões w). e seguintes, questão esta que, por isso, logra prioridade de conhecimento.

- Ora e como é sabido, o tipo de vício de forma em causa traduz-se na violação do preceituado no art.º 660º/2 do CPC, na medida em que estatui sobre o poder-dever, estritamente vinculado, dos tribunais, conhecerem de todas as questões que lhes sejam submetidas pelas partes para tal fim, com excepção daquelas, apenas, que vejam a respectiva solução prejudicada pela que haja sido dada a outra ou outras entretanto apreciadas.

- Por outro lado e, parafraseando o Ac. deste Tribunal tirado no Rec. n.º 958/98(2), questões «[...] para este efeito são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (...) e não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do Tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (...). (...) as questões a que se reporta o aludido normativo» (art.º660º/2 do CPC) «são questões sobre o mérito da acção suscitadas quer pela causa de pedir invocada, quer pelo pedido formulado [...]».

- Ora, na linha do que se vem de referir, patente se torna a sem razão da recorrente ao invocar o vício em causa, por ser evidente que na decisão recorrida se apreciou tal questão, ainda que para concluir que ela não consubstancia fundamento legalmente admissível de oposição, o que, aliás e de forma a nosso ver clara, é revelado pela própria recorrente como acontece com o levado à conclusão aa)..

- Visando o processo de oposição fiscal a extinção do processo executivo, por inexigibilidade da dívida exequenda, é assertivo que, como é entendimento jurisprudencial firme, a falta de notificação do acto de liquidação de imposto exequendo, com o direito, do contribuinte, à sua entrega nos cofres do Estado no prazo de pagamento voluntário, consubstancia fundamento de tal espécie processual, ao abrigo da al. i), do art.º 204.º, do CPPT, na medida em que tal notificação é pressuposto inultrapassável à eficácia da liquidação.

- Por consequência e tendo em linha de conta o acima referido quanto à notificação da recorrente dos actos tributários de liquidação de IRC exequendos, axiomático se revela a conclusão de que, o imposto exequendo referente ao exercício de 1999, é exigível coercivamente, ao passo que o relativo ao exercício já não o é, como se impõe decidir a final.

- Aborda, no entanto e ainda, a recorrente, uma outra questão nas conclusões w) a bb), qual seja a de pretender a procedência dos presentes autos e a extinção do processo executivo a que se referem, com base na nulidade da citação em virtude de tal acto processual ser um acto de natureza jurisdicional que, nessa medida, apenas pode ser determinado por um juiz de direito e nunca pelo CSFinanças, enquanto juiz da execução fiscal.

- Ora, também aqui, é de todo impertinente indagar de saber se assiste, ou não, razão à recorrente quando sustenta que a citação, pelo tipo de acto que é, carece de ser ordenada por um juiz de direito, estando tal determinação vedada ao CSFinanças, no âmbito do processo de execução fiscal.

- E é impertinente pela simples razão que, como, muito certeiramente, se diz na decisão recorrida, a nulidade da citação não é fundamento subsumível a qualquer das alíneas do n.º 1, do art.º 204.º, do CPPT, pelo que não pode servir de sustento à pretensão da recorrente; De referir que, como acima aludido, visando o processo de execução fiscal, como, aliás, peticionado pela recorrente, a extinção do processo executivo a que diga respeito, é assertivo que uma eventual nulidade da citação do executado é, de todo, inadequada ao alcançar de tal objectivo.

- Reafirma-se, assim, que o eventual vício formal de que possa padecer o acto de citação, não é questão sindicável em sede de processo de oposição fiscal, excepção feita enquanto incidente necessário ao aferir da tempestividade de tal meio processual.

- Tal não significa, como é evidente, que o executado se encontre vinculado a aceitar a validade formal de tal acto, quando entenda que ela não ocorre, designadamente com suporte na motivação, aqui, invocada pela recorrente; Simplesmente terá de fazê-lo pela via adjectiva adequada, ou seja, pela via da reclamação a que alude o art.º 276.º, do CPPT.

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- D E C I S Ã O -
- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa medida;
a) revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a presente oposição, com referência ao imposto exequendo IRC de 2000, e em julgar, nessa mesma medida, procedente, por inexigibilidade, a presente oposição, extinguindo-se o processo executivo, relativamente à recorrente, quanto a tal dívida exequenda (IRC/2000);
b) julgar improcedente, no remanescente, o presente recurso, mantendo-se, nessa medida, a decisão recorrida na ordem jurídica.
- Custas pela recorrente, em ambas as instâncias, na proporção do seu decaimento.

Lisboa, 26/01/2010

Lucas Martins
Magda Geraldes
José Correia

1 - E não “e)” como consta, por evidente lapso do probatório, com a consequente inerência ao nível da identificação das subsequentes alíneas.

2 - Citando ilustres mestres , como A. Varela , A. dos Reis e JRBastos.