Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:680/06.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO PELO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
DIREITO À EMISSÃO DE UMA DECISÃO JUDICIAL EM PRAZO RAZOÁVEL
PRESUNÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:
I - Se na primeira instância nenhuma das partes obteve vencimento total e apenas uma delas apresenta recurso, este restringe-se à parte da decisão desfavorável ao recorrente, não podendo os efeitos do julgado ser prejudicados pela decisão do recurso, ou seja, quanto à parte da decisão desfavorável a quem não recorreu, pois que se conformou com a mesma, conforme decorre do disposto no artigo 635.º do CPC
II - Antes da entrada em vigor da Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro, que criou no nosso ordenamento jurídico um regime específico de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, o artigo 22.º da CRP, pela sua abrangência, já impunha a aplicação do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, àqueles casos.
III - A análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, se foram cumpridos os prazos processuais, passando, num segundo momento, a ter-se em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.
IV - Numa situação de paragem processual durante aproximadamente 17 meses devido ao extravio de processo instrutor, que se encontrava à guarda do Tribunal, num contexto de duração total superior a 15 anos, mostra-se violado o direito da autora à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, o que faz operar a seu favor a presunção natural da verificação de um dano de natureza não patrimonial, sem prejuízo de poder alegar e provar outro tipo de danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
W...., Lda., instaurou ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste último a pagar-lhe uma indemnização no valor total de € 1.521.720,05 [um milhão, quinhentos e vinte e um mil, setecentos e vinte euros e cinco cêntimos], por danos patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos, em consequência de não ter sido decidido em prazo razoável o recurso contencioso de anulação por si interposto.
Alega, em síntese, que tendo intentado em 26 de Março de 1990, no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação tomada em 24 de Janeiro de 1990, pela Câmara Municipal do Funchal, que revogou o seu direito de construir no quarteirão o imóvel que aí ia construir e, a 1 de Junho de 1990, recurso contencioso de anulação da deliberação camarária de 15 de Março de 1990, os mesmos só vieram a obter decisão final e definitiva e, consequentemente, só viu reconhecido o seu direito cerca de 15 anos após o ter reclamado judicialmente, assim entendendo ter sido violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável e violado o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 6.º, n.º 1, da CEDH, e 2.º, n.º 1, do CPC, aplicável subsidiariamente.
Citado, o réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, na qual pugna pela improcedência da pretensão condenatória por não se verificarem no caso concreto os pressupostos em que assenta a responsabilidade do Estado, inexistir facto ilícito, não assumirem os danos não patrimoniais invocados gravidade bastante para atribuição de indemnização e os demais não vir sequer alegado que foram provocados por qualquer atraso do processo.
A convite do Tribunal, a autora apresentou nova petição na qual concretizou os danos invocados, a que se seguiu nova contestação do réu.
Por decisão de 23/08/2011, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente, e condenou o Estado Português a pagar à autora a quantia de € 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o do demais peticionado.
Não se conformando com tal decisão, o Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1 - Na presente acção foi o R. - Estado Português condenado a pagar à A. a quantia de € 50 000 (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável,
2 - Não foi devidamente tida em conta toda a vastíssima matéria constante nos factos assentes do despacho saneador, para desde logo se perceber o emaranhado de questões jurídicas levantadas, e a volumosa carga processual aí patente, a qual demonstra a inexistência de demora na administração da justiça.
3 - Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes.
4 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poderes judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.
5 - O Réu Estado não é susceptível de responsabilização pelas delongas do processo em resultado do eventual ilegítimo aproveitamento pelas partes das faculdades processuais, legalmente estabelecidas, em cumprimento do dever de garantir amplas garantias de defesa dos interesses daquelas, que sobre o primeiro impende.
6 - Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido em dois momentos processuais distintos, e os prejuízos alegadamente sofridos pelo Autor, é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido.
7 - Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.
8 - Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.
9 - A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.
10 - E sendo assim, considerando que, como já se disse, os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, conforme entendimento unânime da jurisprudência, são de verificação cumulativa, a não verificação do facto ilícito e culposo, desde logo afasta o direito à indemnização, ainda que exista o dano.
11 - Tal como são configurados os alegados danos, geradores da alegada obrigação de indemnizar, o montante em que o R. - Estado Português foi condenado, mostra-se manifestamente exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes.”
A recorrida W...., Lda., apresentou contra alegações, concluindo dever ser negado provimento ao recurso.
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Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as seguintes questões:
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, quanto ao montante da indemnização.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora era dona e legítima possuidora do quarteirão sito entre a Avenida ….Pelourinho e as Ruas …. Anadia, doravante designado apenas por Quarteirão, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob os artigos n.º 5…, 5… e 5… [Alínea A dos Factos Assentes].
2. Em 26 de Janeiro de 1989, a Câmara Municipal do Funchal deliberou adquirir à Autora várias parcelas do quarteirão com o fim de proceder à construção, dos arruamentos de ligação da Rua 3…. e da Rua do A… à A… e das C.. [Alínea B dos Factos Assentes].
3. Nessa mesma deliberação de 26 de Janeiro de 1989, a Câmara Municipal do Funchal autorizou a Autora a construir na parcela de terreno sobrante que constitui o quarteirão, um prédio com uma área útil de 7.380 m2 e caves de estacionamento, de acordo com os condicionamentos aprovados por deliberação de 17 de Novembro de 1988, transcritos pelo Ofício n.º 78…., de 23 de Novembro de 1988 [Alínea C dos Factos Assentes
4. Em 30 de Março de 1989, a Autora e a Câmara Municipal do Funchal celebraram, por escritura pública e relativamente às parcelas A, B, C, O e E do Quarteirão, o acordo constante do documento n.º4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente, a autorização de construção dada pela Câmara Municipal do Funchal e a permissão dada á Câmara Municipal do Funchal, de proceder ao pagamento do preço acordado de aquisição em 10 prestações de igual montante, com início em Março desse ano [Alínea D dos Factos Assentes].
5. Em 24 de Janeiro de 1990, a Câmara Municipal do Funchal aprovou, por deliberação, um estudo para a construção de uma praça no quarteirão, propondo, para o efeito, ao Governo Regional da Madeira, a declaração de utilidade pública do quarteirão, rectius, a sua expropriação [Alínea E dos Factos Assentes].
6. Em 14 de Fevereiro de 1990, a Autora emitiu e enviou ao Presidente da Câmara Municipal do Funchal, que o recebeu, o requerimento que consta de fls. 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, no âmbito do qual, requer àquela entidade "se digne mandar apreciar o Estudo Prévio que junta, para o empreendimento que o requerente pretende levar a efeito no terreno sito na Avenida…., entre as Ruas …e ….Pelourinho." [Alínea F dos Factos Assentes].
7. Na sequência do pedido referido em 6., a Câmara Municipal do Funchal enviou à Autora o ofício materializado de fls. 46 e 47, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual, consta, a deliberação de 15/3/1990, que decidiu estar tal pedido prejudicado face à deliberação Camarária de 24/01/1990, que, no mesmo ofício foi integralmente dada a conhecer à Autora [Alínea G dos Factos Assentes].
8. Em 26 de Março de 1990, a Autora interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, um recurso contencioso de anulação de deliberação tomada pela Câmara Municipal do Funchal em 24 de Janeiro de 1990, que revogou o seu direito de construir no quarteirão o imóvel em causa [Alínea H dos Factos Assentes].
9. O referido recurso contencioso de anulação iniciou os seus termos na 2.ª secção do identificado Tribunal, sob o n.º 115/90, aí se pedindo a «anulação da deliberação impugnada com fundamento nos apontados vícios de violação de Lei, por violação da Lei ordinária e nos princípios gerais de Lei invocados.» [Alínea 1 dos Factos Assentes].
10. Em 1 de Junho de 1990, a Autora interpôs outro recurso contencioso de anulação, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, da deliberação camarária de 15 de Março de 1990, com fundamento na violação de princípios legais consagrados na lei [Alínea J dos Factos Assentes].
11. O recurso referido em 10. correu os seus termos neste Tribunal na 1ª secção, sob o n.º 231/90 [Alínea L dos Factos Assentes].
12. Em 26 de Abril de 1990, o Conselho do Governo Regional da Madeira aprovou a Resolução n.º 421/90, através da qual declarou a utilidade pública, com carácter urgente, do imóvel e todos os direitos a ele inerentes e/ou relativos e necessários à obra de construção de uma praça e um espaço de lazer no quarteirão situado entre a Avenida do …..Pelourinho e as ruas Cinco de …. Anadia e autorizou a Câmara Municipal do Funchal a tomar posse administrativa do imóvel, dando, desta forma, seguimento à proposta da Câmara Municipal do Funchal [Alínea M dos Factos Assentes].
13. Em 28 de Junho de 1990, no âmbito do processo n.º 115/90, a Autora foi notificada das seguintes decisões provenientes do Tribunal: do despacho judicial que ordenou a desapensação dos autos de suspensão n.º 115/N90, a fim de os remeter para o Supremo Tribunal Administrativo e do parecer do Ministério Público, datado de 19 de Junho de 1990, no qual sustentava a rejeição do recurso, com fundamento, em síntese, na não definitividade do acto impugnado [Alínea N dos Factos Assentes].
14. Em 5 de Julho de 1990, a Autora apresentou a sua resposta ao referido parecer do Ministério Público, reafirmando a sustentabilidade do recurso de anulação e requerendo a continuação dos autos até final [Alínea O dos Factos Assentes].
15. Em 6 de Junho de 1991, a Autora foi notificada, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, da apensação dos Processos n. 115/90 e 231/90 [Alínea P dos Factos Assentes].
16. Em 23 de Junho de 1992, a ora Autora foi notificada da sentença da 2 Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, datada de 16 de Junho de 1992, a qual se encontra a fls. 68 a 70 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [Alínea Q dos Factos Assentes].
17. Ambas as partes interpuseram recurso da referida sentença: a Autora em 2 de Julho de 1992 e, a então Recorrida, a 3 de Julho de 1992 [Alínea R dos Factos Assentes].
18. Em 15 de Julho de 1992, as partes foram notificadas de que os recursos subiriam imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal Administrativo, onde veio a correr os seus termos sob o número 31.521,
19. Em 13 de Outubro de 1992, a Autora apresentou as suas alegações de recurso [Alínea T dos Factos Assentes].
20. Em 25 de Novembro de 1993, no âmbito do Processo n.º 231/90, a Autora foi notificada do Acórdão da 2.ª Subsecção da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 23 de Novembro de 1993, que determinou a suspensão da instância de recurso até que fosse proferido Acórdão pelo Pleno da Secção daquele Supremo Tribunal Administrativo no Recurso n.º 28719 recurso da deliberação expropriativa do Governo Regional da Madeira - interposto do Acórdão proferido em 1.ª instância em 11 de Junho de 1992, [Alínea U dos Factos Assentes].
21. Em 3 de Dezembro de 1993, a Autora apresentou pedido de aclaração daquele Acórdão datado de 23 de Novembro de 1993 [Alínea V dos Factos Assentes].
22. Em 18 de Março de 1994, a Autora foi notificada do Acórdão da 2.ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo datado de 15 de Março de 1994 que se pronunciou, com carácter definitivo, sobre a questão da suspensão do processo, indeferindo o pedido de aclaração [Alínea X dos Factos Assentes].
23. Em 2 de Abril de 1998, a Autora foi notificada do Acórdão da 5ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Março de 1998, proferido no âmbito do recurso nº 31.521, que rejeitou o recurso interposto contra o Acórdão da 2ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 11 de Junho de 1992, relativo à expropriação do Quarteirão [Alínea Z dos Factos Assentes].
24. Em 4 de Junho de 1998, a Autora requereu à 2ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, a cessação da suspensão da instância do recurso, que entretanto havia sido ordenada, por considerar que haviam cessado os pressupostos que motivaram a referida decisão [Alínea AA dos Factos Assentes].
25. Em 10 de Julho de 1998, no âmbito do Processo n.º 31521, a Autora foi notificada do Acórdão da 2ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 7 de Julho de 1998, que negou provimento aos recursos interpostos da decisão da 2ª Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, datada de 16 de Junho de 1992 [Alínea BB dos Factos Assentes].
26. Em 9 de Outubro de 2000, a Câmara Municipal do Funchal, a Recorrida naqueles autos, invocando nunca ter sido devidamente notificada para contestar o recurso de anulação no Processo 115/90, veio apresentar a sua contestação ao recurso de anulação da deliberação de 24 de Janeiro de 1990, requerendo a improcedência do mesmo [Alínea cc dos Factos Assentes].
27. Em 30 de Outubro de 2000, a Autora, então Recorrente nos autos, apresentou a sua resposta à contestação da Câmara Municipal do Funchal, sustentando a continuidade do recurso de anulação [Alínea DD dos Factos Assentes].
28. Em 20 de Outubro de 1999 a Autora foi notificada do despacho de 15 de Outubro de 1999, do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no qual este Tribunal se declarava supervenientemente incompetente em razão do território, para julgar o recurso de anulação então pendente, e determinava como competente o Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal [Alínea EE dos Factos Assentes].
29. No seguimento do despacho referido em 28., o processo nº 115/90, até então pendente no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, foi transladado para o Tribunal Administrativo de Circulo do Funchal, onde passou a correr termos como 109/99 [Alínea FF dos Factos Assentes].
30. Em 24 de Maio de 2001, a Autora foi notificada pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal, de que, o processo instrutor desse recurso contencioso [115190 - TAC e 109199- Tribunal Administrativo de Circulo do Funchal] se encontrava extraviado e que não obstante as buscas realizadas no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa não lograram recuperar os seus autos até aquela data [Alínea GG dos Factos Assentes].
31. Em 8 de Junho de 2001, a Autora requereu ao Tribunal Administrativo do Circulo do Funchal a continuação das buscas do processo instrutor do recurso contencioso [Alínea HH dos Factos Assentes].
32. Em 18 de Fevereiro de 2002, a Autora foi notificada do oficio do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, datado de 30 de Janeiro de 2002, que informava o Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal que o referido processo instrutor do Processo n.º 115/90 continuava extraviado [Alínea li dos Factos Assentes].
33. Em 6 de Março de 2002, não conformada com a situação descrita, a Autora, requereu ao Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal a continuação do processo de recurso, com consideração dos elementos integrantes do processo principal, apesar deste não ter sido encontrado à data do referido requerimento [Alínea JJ dos Factos Assentes).
34. Em 21 de Março de 2002, a Autora foi notificada do despacho que recebeu os recursos e concedia às partes o respectivo prazo para apresentarem as suas alegações [Alínea LL dos Factos Assentes).
35. Em 5 de Abril de 2002, a Autora apresentou as suas alegações de recurso no Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal [Alínea MM dos Factos Assentes].
36. Em 6 de Junho de 2002, a Autora foi notificada do parecer do Ministério Público do Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal, que se pronunciou no sentido de recebimento do recurso [Alínea NN dos Factos Assentes).
37. Em 14 de Outubro de 2002, a Autora foi notificada da Sentença do Tribunal Administrativo do Circulo do Funchal, datada de 10 de Outubro de 2002, que deu provimento ao recurso de anulação interposto, anulando a referida deliberação da Câmara Municipal do Funchal, datada de 24 de Janeiro de 1990, com fundamento na sua ilegalidade, por vício de violação de lei, por violação das regras relativas à revogação dos actos constitutivos de direitos e por violação do princípio geral da boa-fé [Alínea 00 dos Factos Assentes).
38. Em 24 de Outubro de 2002, a Câmara Municipal do Funchal, interpôs recurso contra a sentença anulatória de 10 de Outubro de 2002 [Alínea PP dos Factos Assentes].
39. A Autora veio a ter conhecimento da interposição de tal recurso jurisdicional em 4 de Novembro de 2002, através da notificação do despacho do Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal, datado de 28 de Outubro de 2002, que o havia admitido [Alínea QQ dos Factos Assentes].
40. Em 22 de Novembro de 2002, na sequência do referido despacho, a Câmara Municipal do Funchal apresentou as suas alegações de recurso [Alínea RR dos Factos Assentes].
41. Em 20 de Janeiro de 2003, a Autora, apresentou as suas contra­ alegações de recurso [Alínea SS dos Factos Assentes].
42. Em 18 de Junho de 2004, a Autora foi notificada do Acórdão da 2ª Subsecção, da 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15 de Junho de 2004, que negou provimento ao recurso interposto pela Câmara Municipal do Funchal, e consequentemente, confirmou a sentença anulatória proferida a 10 de Outubro de 2002 pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Funchal (Alínea TT dos Factos Assentes].
42. Em 1 de Julho de 2004, a Câmara Municipal do Funchal requereu ao Supremo Tribunal Administrativo a aclaração do Acórdão de 15 de Junho de 2004 [Alínea UU dos Factos Assentes].
43. Em 12 de Julho de 2004, a Autora apresentou resposta ao pedido de aclaração da Câmara Municipal do Funchal [Alínea W dos Factos Assentes].
44. Em 15 de Dezembro de 2004, a Autora foi notificada do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [1ª Secção, 2ª Subsecção], datado de 12 de Outubro de 2004, que indeferiu o pedido de aclaração da Câmara Municipal do Funchal [Alínea XX dos Factos Assentes].
45. Em 28 de Outubro de 2004, a Câmara Municipal do Funchal interpôs recurso para o Pleno da 1ª Secção, do Acórdão de 15 de Abril de 2004 da 2ª Subsecção da 1ª Secção [Alínea ZZ dos Factos Assentes].
46. Em 30 de Novembro de 2004, a Autora foi notificada do despacho de 24 de Novembro que admitiu provisoriamente o recurso mencionado [Alínea AAA dos Factos Assentes].
47. Em 13 de Dezembro de 2004, a Câmara Municipal do Funchal apresentou as suas alegações do recurso interposto em 28 de Outubro de 2004 [Alínea BBB dos Factos Assentes).
48. Em 4 de Janeiro de 2005, a Autora apresentou as suas contra­ alegações de recurso [Alínea CCC dos Factos Assentes].
49. Em 10 de Maio de 2005, a Autora foi notificada do Acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 5 de Maio de 2005, que julgou não haver fundamento para tal recurso [Alínea DDD dos Factos Assentes].
50. Em 29 de Setembro de 2005, a Autora intentou, junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), uma acção de responsabilidade contra o Estado Português, para ser ressarcida dos danos causados pelos factos expostos na presente petição [Alínea EEE dos Factos Assentes].
51. Em 22 de Novembro de 2005, a Autora foi notificada da decisão do TEDH datada de 8 de Novembro de 2005, que rejeitou a sua petição, com fundamento no não esgotamento dos mecanismos internos e que a Autora devia previamente ter intentado internamente uma acção de responsabilidade civil contra o Estado português pelos danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável, como previsto no artigo 35.º, n.0 1 da Convenção [Alínea FFF dos Factos Assentes].
52. Um mês após a data de entrada da petição inicial do recurso contencioso de anulação n.º 115/90 da 2ª Secção do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, a Autora requereu a junção de novos documentos e solicitou a rectificação do lapso constante da mencionada petição inicial [Alínea GGG dos Factos Assentes].
53. A apensação dos processos nº 115/90 e 231/90 foi determinada por despacho proferido no processo nº 115/90, na data em que no processo foi aberto "Termo de Conclusão" e após ter sido colocada à consideração do titular do processo essa faculdade [Alínea HHH dos Factos Assentes).
54. O despacho referido no facto que antecede foi cumprido no dia imediato a ter sido proferido (Alínea III dos Factos Assentes).
55. A 22 de Março de 1999, já após a cessação da suspensão determinada pela pendência do processo de expropriação e notificação do Acórdão de 7 de Julho de 1998, a Autora reclamou da conta de custas dos autos [Alínea JJJ dos Factos Assentes).
56. Após decisão da reclamação da conta, a Autora requereu, a 6 de Dezembro de 1999, a aclaração de tal despacho [Alínea LLL dos Factos Assentes].
57. No âmbito do processo 115/90 (posteriormente 190/99 do Tribunal Administrativo de Circulo do Funchal) foram proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo cinco Acórdãos, datados de 23 de Novembro de 1993; 15 de Março de 1994; 17 de Julho de 1998; 15 de Junho de 2004 e 5 de Maio de 2005 [Alínea MMM dos Factos Assentes].
58. No âmbito do mesmo processo foram formulados três pedidos de aclaração dos Acórdãos [Alínea NNN dos Factos Assentes].
59. A suspensão da instância no âmbito do processo 115/90 foi determinada pela pendência do recurso n.º 28719 que tinha por objecto a deliberação expropriativa do Governo da Região Autónoma da Madeira cuja anulação havia sido pedida pela ora Autora [Alínea 000 dos Factos Assentes].
60. Da decisão proferida no âmbito do recurso n.º 28719 foi interposto recurso pela Autora (então Recorrente) para o Pleno da secção do Supremo Tribunal Administrativo [Alínea PPP dos Factos Assentes].
61. Na pendência dos processos nºs. 115/90 e 231/90, e devido à incerteza do seu desfecho, a Autora não pode elaborar e executar um plano de negócios e actividades [Resposta conjunta aos artigos 1° e 2° da Base lnstrutória].
62. Durante os mencionados anos em que os processos estiverem pendentes a Autora teve conhecimento que se encontravam à venda imóveis que, conjuntamente com os armazéns de que já era dona, constituiriam um quarteirão, que a Autora tinha projectado adquirir e onde pretendia vir a exercer e desenvolver um projecto imobiliário para actividade comercial e serviços [Resposta conjunta aos arts. 2° e 3° da Base instrutória).
[63. Para a decisão da Autora de não desenvolver diligências tendentes a adquirir os referidos imóveis contribuiu, de forma] significativa, o facto de ter sido revogado o projecto relativo à construção da Praça do… e a autorização de construção referidas em 3. e 4. supra [Resposta conjunta aos arts. 4°, 5° e 6° da Base instrutória].
64. A Autora despendeu, com a propositura e tramitação dos mencionados processos, a título de custas judiciais e honorários, respectivamente, as quantias de € 1.267,55 e € 20.452,50 [Resposta ao art. 12° da Base instrutória].
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, quanto ao montante da indemnização.


a) dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado

O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, prevê que “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
Plasmando na nossa Lei Fundamental o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela” (Convenção aberta à assinatura em 04/11/1950, aprovada para ratificação por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13/10/1978, com depósito do instrumento de ratificação em 09/11/1978).
A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
No caso vertente, estamos perante factos ocorridos entre 1990 e 2005, período em que esteve em vigor o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, que regulava então a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública, posteriormente revogado pela Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro.
Este diploma legal criou no nosso ordenamento jurídico um regime específico de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, até então inexistente.
Certo é que, anteriormente à sua entrada em vigor, o citado artigo 22.º da CRP, pela sua abrangência, já impunha a responsabilização do Estado pela sua atuação no exercício da função jurisdicional, conforme era então entendimento que se crê consensual da doutrina e jurisprudência.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto;
- a ilicitude;
- a culpa;
- o dano;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Verificados estes pressupostos, constitui-se na esfera do Estado a obrigação de indemnizar, conforme então previa o artigo 2.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei n.º 48051: “[o] Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”

Feito um primeiro enquadramento legal da temática que nos vai ocupar, cumpre em ponto prévio delimitar o objeto do presente recurso, em função do disposto no artigo 635.º do CPC, na parte que ora releva:
“(…)
2 - Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.
3 - Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.
4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.
5 - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”
Na sentença recorrida, a ação foi julgada parcialmente procedente, com as seguintes considerações, que balizam o respetivo segmento decisório:
- considerou-se como única factualidade ilícita e imputável culposamente aos serviços o tempo em que o processo n.º 115/90 se encontrou interrompido na sua marcha processual, por força do extravio do processo instrutor e à incapacidade do sistema judicial português;
- considerou-se verificado o dano, em função do atraso na decisão final do litígio;
- considerando a relevância do dano, cerca de dois anos, o facto extravio do processo, o grau de culpa evidenciado, a importância do objeto do processo para a autora, a inexistência de enquadramento jurídico capaz de resolver com eficácia e celeridade estas situações, os parâmetros utilizados pela jurisprudência, fixou-se em € 50.000,00 o montante da indemnização a suportar pelo réu Estado a título de danos não patrimoniais.
Improcedendo o pedido quanto aos danos de natureza patrimonial.
Da sentença apenas recorreu o réu Estado, invocando, em síntese, o seguinte:
- não foi tido em conta o emaranhado de questões jurídicas levantadas no processo em questão e a volumosa carga processual aí patente;
- não se verifica um facto ilícito e culposo;
- inexiste nexo de causalidade entre o excesso de tempo decorrido em dois momentos processuais distintos, e os prejuízos alegadamente sofridos pelo autor.
Vale isto por dizer que, de acordo com o já citado artigo 635.º do CPC, o recurso se restringe à parte da decisão desfavorável ao recorrente. No mais, os efeitos do julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, ou seja, quanto à parte da decisão desfavorável à autora, pois que se conformou com a mesma.

A factualidade tida em consideração para a decisão da sentença foi essencialmente a seguinte:
- no dia 26/03/1990, a autora interpôs no TAC de Lisboa um recurso contencioso de anulação de deliberação tomada pela Câmara Municipal do Funchal em 24/01/1990, que revogou o seu direito de construir um imóvel em determinado quarteirão, com o n.º 115/90;
- no dia 01/06/1990, a autora interpôs outro recurso contencioso de anulação no TAC de Lisboa, com o n.º 231/90, que viria a ser apenso àquele primeiro;
- no dia 20/10/1999, a autora recebeu o despacho de 15/10/1999, do TAC de Lisboa, que se declarou incompetente em razão do território, e remeteu o processo n.º 115/90 ao TAF do Funchal, onde passou a correr termos com o n.º 109/99;
- no dia 09/10/2000, a Câmara Municipal do Funchal, invocando nunca ter sido devidamente notificada para contestar o recurso de anulação no processo n.º 115/90, veio apresentar a sua contestação ao recurso de anulação da deliberação de 24/01/1990;
- no dia 30/10/2000, a autora respondeu;
- no dia 24/05/2001, a autora foi informada pelo TAF do Funchal do extravio do processo instrutor, não obstante as buscas realizadas no TAC de Lisboa;
- no dia 08/06/2001, a autora requereu ao TAF do Funchal a continuação das buscas do processo instrutor;
- no dia 18/02/2002, a autora foi informada que o processo instrutor continuava extraviado, segundo ofício de 30/01/2002 do TAC de Lisboa ao TAF do Funchal;
- no dia 06/03/2002, a autora requereu ao TAF do Funchal a continuação do processo, com consideração dos elementos integrantes do processo principal;
- no dia 21/03/2002, a autora foi notificada de despacho que recebeu os recursos e concedeu às partes prazo para alegarem;
- no dia 05/04/2002, a autora apresentou as suas alegações de recurso no TAF do Funchal;
- no dia 06/06/2002, a autora foi notificada do parecer do Ministério Público do TAF do Funchal;
- no dia 14/10/2002, a autora foi notificada da sentença do TAF do Funchal, datada de 10/10/2002, que deu provimento ao seu recurso de anulação e anulou a deliberação da Câmara Municipal do Funchal de 24/01/1990.
- no dia 10/05/2005, a autora foi notificada de acórdão do STA de 05/05/2005, que pôs termo ao processo;
- na pendência dos indicados processos, e devido à incerteza do seu desfecho, a autora não pôde elaborar e executar um plano de negócios e actividades;
- durante os mencionados anos em que os processos estiverem pendentes, teve conhecimento que se encontravam à venda imóveis que, conjuntamente com os armazéns de que já era dona, constituiriam um quarteirão, que tinha projectado adquirir e onde pretendia vir a exercer e desenvolver um projecto imobiliário para actividade comercial e serviços;
- para a decisão da autora de não desenvolver diligências tendentes a adquirir esses imóveis contribuiu, de forma significativa, a revogação do referido projecto de construção.

Disputa o réu/recorrente que esteja em causa factualidade ilícita e imputável culposamente ao Estado Português.
Vejamos se lhe assiste razão.
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, são de considerar ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Quanto a saber em que medida o atraso na decisão de um processo judicial põe em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, existe profusa jurisprudência do nosso STA, com uma evolução clara nos anos mais recentes, que em seguida se deixa sintetizada:
Acórdão de 08/07/2009, proc. n.º 0122/09:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
II - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização.
Acórdão de 10/09/2009, proc. n.º 083/09:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.
III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.
V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países.
Acórdão de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10:
I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar.
Acórdão de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13:
I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.
II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.
Acórdão de 10/09/2014, proc. n.º 090/12:
I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.
II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.
III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos.
Acórdão de 21/05/2015, proc. n.º 072/14:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.
II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].
III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.
Acórdão de 08/03/2018, proc. n.º 0350/17:
I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.
II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis.
Acórdão de 05/07/2018, proc. n.º 259/18:
I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
Acórdão de 13/03/2019, proc. n.º 0437/12:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).
II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.
III - Não tendo alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.
IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.
V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.
VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Seguindo as linhas orientadoras destes arestos, por sufragarmos o entendimento neles expresso, temos que a análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, se foram cumpridos os prazos legais para a prática de atos e para a ocorrência das várias fases processuais; passando, num segundo momento, a ter em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.
Já se assinalou em momento anterior que na sentença sob recurso apenas se identificou um facto ilícito e imputável culposamente aos serviços, consubstanciado no tempo em que o processo se encontrou interrompido na sua marcha processual, cerca de dois anos, por força do extravio do processo instrutor.
Considerando que da sentença apenas recorreu o réu Estado, igualmente já se notou que o recurso se restringe à parte da decisão desfavorável ao recorrente, tendo transitado em julgado a parte da decisão desfavorável à autora, que se conformou com a mesma.
Há, pois, que partir daquela factualidade, no referido primeiro momento da análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável.
Note-se, contudo, que a paragem identificada na sentença sob recurso não é de dois anos, ao contrário do que ali se diz.
Veja-se que o processo principal foi remetido pelo TAC de Lisboa ao TAF do Funchal ainda no ano de 1999 (passando a respectiva numeração de 115/90 para 109/99), ocorrendo posteriormente tramitação processual no mês de outubro de 2000, com a apresentação de contestação pela Câmara Municipal do Funchal e subsequente resposta da autora.
Já em maio de 2001 é dado conhecimento à autora do extravio do processo instrutor e só em março de 2002 o processo vai retomar a sua marcha.
Ou seja, a paragem do processo devida ao extravio do processo instrutor ocorre entre outubro de 2000 e março de 2002, um período de aproximadamente dezassete meses.
Há aqui que olhar para as circunstâncias concretas do caso, apreciando a sua complexidade, o comportamento das partes, a atuação das autoridades competentes no processo, o assunto do processo e o significado que ele pode ter para a autora.
A complexidade dos autos e o seu assunto não assumem relevância na questão do extravio do processo instrutor.
E as partes, ao que se sabe, em nada contribuíram para o mesmo.
No que concerne à atuação das autoridades competentes, apenas se pode constatar que ocorreu uma falha flagrante dos serviços, que tinham o processo à sua guarda.
E ainda que se tivesse por assente a insuficiência de meios e recursos do tribunal, ou o grande volume de trabalho, tal não justificaria a conduta do Estado Português, conforme vem entendendo a jurisprudência do STA, na senda do TEDH, na medida em que os Estados que ratificaram a CEDH comprometeram-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de forma a dar cumprimento ao já citado artigo 6.º
Quanto ao significado do processo para a autora, estava em causa um projeto imobiliário significativo, claramente relevante para a sociedade autora, conforme decorre da factualidade assente.
Isto posto, temos de reconhecer que inexiste justificação adequada para a paragem do processo.
No segundo momento, há que ter em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu, cerca de 15 anos, duração que não pode deixar de ter-se como excessiva.
O atraso configura, pois, um facto ilícito.

Quanto ao terceiro dos invocados pressupostos, previa o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Vale isto por dizer que se parte de uma conceção de culpa em abstrato, à semelhança do que sucede na lei civil, sem perder de vista as circunstâncias particulares do caso concreto, pela diligência que é exigível em abstrato a um titular de órgão, funcionário ou agente, e não segundo a diligência habitual do autor do dano (cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2008, págs. 162/163).
No caso vertente os factos falam por si, sendo inequivocamente censurável o extravio de um processo judicial, à guarda dos serviços do Tribunal.
Preenchido está também o pressuposto da culpa.

Quanto ao dano, não suscita dúvidas que o direito à indemnização a título de responsabilidade extracontratual depende da sua existência, pois “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1989, pág. 567).
Já se constatou que foi violado o direito da autora à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável.
Pelo que, conforme vem reconhecendo o STA, opera a seu favor a presunção natural da verificação de um relevante dano de natureza não patrimonial, atento o decurso daquele prazo.
Esta presunção judicial opera automaticamente perante a existência de uma violação objetiva do prazo razoável, presumindo-se a verificação de um dano psicológico e moral comum, sem prejuízo de se poderem verificar outros danos morais autónomos (cf. acórdão deste TCAS de 04/04/2019, proc. n.º 1045/16.4BEALM, disponível em http://www.dgsi.pt/).
Tal presunção é naturalmente ilidível pelo demandado Estado Português, a quem caberá provar que a demora excessiva do processo não causou aquele dano psicológico e moral comum.
No caso é patente que tal não se verifica, pois nada foi alegado e provado em concreto quanto à inexistência daquele dano, o que importaria o afastamento do automatismo entre a violação do direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável e o apontado dano.
Está, pois, verificado o quarto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

Quanto ao quinto pressuposto, conclui o réu/recorrente pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido em dois momentos processuais distintos e os prejuízos alegadamente sofridos pelo autor.
A necessidade de existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano encontrava-se prevista no já citado artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967: “[o] Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício” (sublinhado nosso).
Prevendo o artigo 563.º do Código Civil, com a epígrafe 'nexo de causalidade', que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Aqui se consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, “segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo” (acórdão do STJ de 05/07 /2017, proc. n.º 4861/11.0TAMTS.Pl.Sl, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ensina Antunes Varela que podem ocorrer “danos que o lesado muito provavelmente não teria sofrido se não fosse o facto ilícito imputável ao agente, e que, no entanto, não podem ser incluídos na obrigação de indemnização, porque isso repugnaria ao pensamento da causalidade adequada, que o art. 563º indubitavelmente quis perfilhar. (...) [P]ara que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” (Direito das Obrigações, Vol. I, 1991, p. 899).
Uma condição deixará de ser causa adequada se for irrelevante para a produção do dano, segundo as regras da experiência, ocorrendo essa irrelevância quando a ação não é de molde a agravar o risco de verificação do dano (Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1982, pág. 321).
E o facto tem de ser, em concreto, condição sine qua non do dano, e ao mesmo tempo constituir, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1984, pág. 518).
Valem aqui as considerações já feitas quanto ao automatismo operante entre a violação do direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável e a verificação de um relevante dano de natureza não patrimonial
Verificado está, assim, o nexo de causalidade entre facto e dano, assim como os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.


b) do montante da indemnização

De forma assaz singela, sustenta o réu/recorrido que se reputa elevado o montante indemnizatório em que foi condenado.
Na sentença sob recurso, foi ponderada a relevância temporal do atraso, o facto concreto que esteve na base desse atraso (o extravio do processo), o grau de culpa que o mesmo evidencia, a importância do objeto do processo em questão para a autora, designadamente o valor expectável do projeto imobiliário em questão e o condicionamento da sua atividade social, a inexistência de enquadramento jurídico capaz de forma eficaz e mais célere, resolver de forma abrangente situações de complexidade decorrente da interligação de vários atos, bem como a doutrina supra citada e os parâmetros ou valores que pela jurisprudência, em especial dos nossos Tribunais Superiores, mas também do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para se chegar à conclusão de ser equilibrado e justo fixar em € 50.000,00 o montante da indemnização a suportar pelo réu Estado a título de danos não patrimoniais.
Ora, tendo em consideração os parâmetros dos valores indemnizatórios que têm vindo a ser seguidos pelo TEDH e pelo STA, afigura-se que assiste razão ao réu Estado Português, quanto ao montante a que se chegou na sentença.
Seguindo de perto a jurisprudência convocada no acórdão do STA de 11/05/2017 (proc. n.º 01004/16, disponível em http://www.dgsi.pt), vejam-se as seguintes condenações decididas no TEDH e no STA:
- € 4.000,00 (acórdão do TEDH de 27/10/2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 4 anos e 9 meses para uma só instância);
- € 3.500,00 (acórdão do TEDH de 13/04/2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 7 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição);
- € 28.000,00 para um autor e € 11.000,00 para outros dois autores (acórdão do TEDH de 12/04/2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 6 meses e 19 dias, numa só instância);
- € 1.200,00 (acórdão do TEDH de 20/09/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 8 anos, 8 meses e 12 dias para três instâncias percorridas);
- € 7.600,00 (acórdão do TEDH de 04/10/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 6 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 5 meses e 1 dia para duas instâncias, e 9 anos e 14 dias para quatro instâncias);
- € 16.400,00 (acórdão do TEDH de 31/05/2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 5 meses e 3 dias, para três instâncias, e 4 anos, 3 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de € 14.400,00 (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de € 2.000,00 (relativa aos danos pelo atraso na outra ação);
- € 5.000,00 para uns requerentes e € 4.800,00 para outros requerentes (acórdão do TEDH de 16/04/2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 1 mês e 1 dia, para três instâncias, 18 anos, 4 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 3 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 5 meses e 12 dias numa só instância);
- € 15.600,00 (acórdão do TEDH de 30/10/2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 9 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - € 5.200,00);
- € 3.750,00 (acórdão do TEDH de 04/06/2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 9 anos e 7 meses, para três instâncias);
- € 11.830,00 (acórdão do TEDH de 29/10/2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 9 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição).
E do STA:
- € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 28/11/2007, proc. n.º 0308/07, relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18/01/1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias);
- € 5.000,00, sendo 2.500,00 € para cada um dos autores (acórdão do STA de 09/10/2008, proc. n.º 0319/08, relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias);
- € 10.000,00 (acórdão do STA de 09/07/2009, proc. n.º 0365/09, relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15/07/1983 e que perdurou até 30/10/2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância);
- € 10.000,00 para um autor e € 5.000,00 para cada um dos dois outros autores (acórdão do STA de 01/03/2011, proc. n.º 0336/10, relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13/12/1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias);
- € 3.550,00 para um autor e € 1.500,00 para o outro (acórdão do STA de 15/05/2013, proc. n.º 01229/12, relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19/02/2003 só foram julgados em 18/10/2006, isto é, cerca de 3 anos e 8 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância);
- € 4.000,00 (acórdão do STA de 14/04/2016, proc. n.º 01635/15, relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07/07/1999 e concluído em 18/01/2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 4 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a autora interveio, após ter atingido a maioridade);
- € 4.800,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 30/03/2017, proc. n.º 0488/16, relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30/04/2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»).
Em função destes quadros, afigura-se desproporcionado o montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora, no montante de € 50.000,00.
Sendo aqui de notar a irrelevância na determinação da indemnização do montante relativo aos danos não patrimoniais dos factos vertidos nos pontos 61 a 63 do probatório, quanto ao condicionamento da autora na elaboração e execução de um plano de negócios e atividades, abstendo-se de desenvolver um projeto imobiliário para atividade comercial e serviços.
É que para além de não resultar dos autos o nexo de causalidade entre esses factos e o atraso do processo, o que ali estaria em causa seria a figura dos lucros cessantes, que configuram danos patrimoniais, sendo certo que o respetivo pedido foi julgado improcedente na sentença sob recurso.
Isto posto, vejamos então o montante a indemnizar.
A valoração do dano não patrimonial assenta, como é consabido, decisivamente num juízo de equidade, cf. artigos 496.º, n.º 4, e 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Sem prejuízo deste juízo partir sempre do direito positivo, “como expressão histórica máxima da justiça, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida”, tendo os respetivos critérios uma origem intrajurídica, o que o aproxima mais do direito do que do plano factual (acórdão do STA de 30/03/2017, proc. n.º 0488/16, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ora, sem abstrair deste critério normativo, haverá que ponderar as particularidades e especificidades do caso concreto, mormente que apenas se identificou um atraso devido a extravio do processo instrutor, o grau de culpa evidenciado nesse atraso, e a importância do objeto do processo em questão para a autora.
Tendo como pano de fundo a duração global do processo de aproximadamente quinze anos e a verificação presumida de um dano psicológico e moral comum, à míngua de prova de quaisquer outros.
Ponderadas adequadamente estas circunstâncias e os critérios jurisprudenciais supra expostos, afigura-se de estabelecer indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00.

Em suma, é de julgar parcialmente procedente o recurso.

*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença e condenar o Estado português a pagar à autora a quantia total de 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Acrescem os juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efetivo pagamento (cf. artigos 805, n.os 1 e 3, e 806.º, n.os 1 e 2, do Código Civil).
Custas nas duas instâncias a cargo de ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 23 de maio de 2019


(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)