Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05848/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
FALSIDADE DO TÍTULO.
CONVOLAÇÃO.
Sumário:1.O fundamento de oposição à execução fiscal fundado na falsidade do título dado à execução abrange, tão só a falsidade material do próprio título ou a sua eventual desconformidade com a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, que não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na alegada desconformidade entre a realidade e o seu teor;

2. E só consubstancia tal fundamento de oposição à execução fiscal, quando tal falsidade possa influir nos termos da execução fiscal;

3. Não pode haver lugar à convolação da petição de oposição em requerimento dirigido à execução fiscal, quando inexiste erro na forma de processo, sendo a causa de pedir e o pedido adequados à forma processual utilizada, ainda que a mesma venha a não proceder.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. M ………… ………Imobiliária, SA, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 1.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a. A citação efectuada à Recorrente continha todos os elementos necessários a que alude o artigo 190.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário - que remete para as alíneas a), c), d) e e) do mesmo diploma legal (menção da entidade emissora, data da emissão, nome e domicílio do devedor, natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante), embora as referidas informações, designadamente o período a que respeita a dívida (2011), não fossem verdadeiras quanto à realidade que visavam certificar;
b. A citação de que a Recorrente foi alvo está em desconformidade entre o que nela se refere (ser a dívida exequenda de 2011) e a base jurídico-documental que lhe está subjacente e que se destina a provar (dívida de 2004), na medida que não logrou identificar correctamente a proveniência da dívida, divergência que é da percepção da entidade emitente (Serviço de Finanças de Lisboa - 10), na medida que é a esta entidade que cabe a emanação da liquidação de imposto e a instauração da execução fiscal, mediante a respectiva emissão do título executivo/citação;
c. O título executivo subjacente à execução é assim falso;
d. As normas referentes aos títulos executivos (requisitos e elementos) e à citação do Executado são normas que estipulam garantias dos Executados e que visam proteger os direitos e interesses destes, pelo que não garantir que o Executado tenha acesso à informação correcta influencia negativamente a tramitação da execução, nomeadamente quanto ao exercício dos direitos de defesa pelo Executado;
e. No caso concreto, a falsidade do título executivo influiu no andamento da execução, na medida em que afectou os direitos e a defesa da Recorrente, já que se tivesse sido correctamente citada (com a menção do ano correcto da dívida tributária) a Recorrente poderia, conscientemente e de forma esclarecida, ter invocado outros argumentos susceptíveis de extinguir a execução ou, eventualmente, não deduzir qualquer Oposição à Execução.
f. Em qualquer caso, e subsidiariamente, concluindo-se que a o título executivo não padecia do vício de falsidade e, tendo em conta que não cabe ao Tribunal aferir da irregularidade da citação - por não configurar no elenco dos fundamentos de Oposição à Execução previstos no artigo 204.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, deveria o Tribunal a quo ter ordenado a convolação do processo em requerimento de arguição de irregularidade da citação por errónea menção do período de tributação, ao abrigo dos princípios da economia processual e de aproveitamento dos actos;
g. Constata-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal, por violação do disposto nos artigos 372.º do Código Civil, 97.º, número 3 da Lei Geral Tributária, 98.º, número 4 e 204.º, número 1, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que se requer a sua anulação por Vossas Excelências.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento á pretensão da Recorrente, tudo com as legais consequências.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por este TCAS ser incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, o qual versa, exclusivamente sobre matéria de direito, sendo competente para do mesmo conhecer o STA, ou, caso assim se não entenda, deve ser negado provimento ao recurso, por a ora recorrente, em data muito anterior à dedução da presente oposição já ter tido intervenção no processo de execução fiscal, demonstrando conhecer, perfeitamente, que tal IMT se reportava a 2004 que não a 2011, desta forma em nada tendo a sua defesa sido prejudicada.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se este Tribunal não é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso; Se as menções constantes nas certidões de dívida relativas a errado ano do tributo influíram nos termos da execução fiscal; E se tal petição de oposição deveria ter sido convolada em requerimento para a execução fiscal.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- Em 17/03/2011, no Serviço de Finanças de Lisboa-10, foi instaurada contra a aqui oponente a execução fiscal n° ……………………….., por dívidas de IMT, no montante total de € 1.789.072,00 (cfr. fls 23 a 25 do processo administrativo apenso);
2 - As liquidações de IMT que deram origem ao processo de execução fiscal foram efectuadas no ano de 2011 pela Administração Tributária, assentes no incumprimento das condições previstas no Dec.-Lei n° 404/90, que determinaram a caducidade da isenção do IMT relativo às transmissões de fracções sitas no prédio inscrito na matriz sob o artigo ……….., da freguesia de S. …………., no ano de 2004 (cfr. fls. 26 a 34 e 35 a 49 o processo administrativo apenso);
3 - Em 17/02/2011, na sequência da notificação das liquidações de IMT, a oponente requereu a notificação do cálculo e indicação do prazo para prestar garantia bancária, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal a instaurar (cfr. f1s. 50 a 53 e 54 a 57 do processo administrativo apenso);
4 - Em 05/04/2011, a oponente foi citada para os termos da execução, nos termos constantes de fls. 62, que aqui se dá por integralmente reproduzido, indicando o ano de 2011, no campo relativo ao período de imposto (cfr. fls. 62 e 63 do processo administrativo apenso);
5 - Em 04/05/2011 é emitida a garantia bancária n°………………………., em nome da oponente, no valor de € 2.241.992,02 "(...) inerente à caução respeitante ao processo Executivo n° ………………….- IMT 2004 (...)" (cfr. fls. 75 do processo administrativo apenso);
6- A oposição deu entrada em 05/05/2011 (cfr. Carimbo aposto na petição de f1s. 2 dos autos);
7 - Em 16/05/2011 a oponente deduziu impugnação judicial relativa às liquidações de IMT do ano de 2004, cujo montante se encontra em cobrança coerciva na execução fiscal (cfr. fls. 76 e 77 do processo administrativo apenso).
*
Factos não provados
Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos para além dos referidos supra.
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Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.


4. Na matéria do seu parecer, veio a Exma RMP, junto deste Tribunal, suscitar a questão da incompetência absoluta deste Tribunal, por a competência para o efeito se radicar no STA, já que o mesmo versa, exclusivamente, sobre o direito aplicado, questão que logra prioridade de conhecimento sobre todas as demais, porque a proceder, nos termos do disposto no art.º 13.º do CPTA, nada mais haverá a conhecer no presente recurso, senão declará-lo, com as legais consequências.

Lendo e analisando a matéria de facto contida no probatório da sentença recorrida e bem assim a matéria das conclusões das alegações do recurso e que, como se sabe, delimitam o objecto de conhecimento por parte do Tribunal superior, na matéria das sua conclusão e., está contida a afirmação, de que a invocada falsidade do título dado à execução, influiu no andamento da execução e que lhe afectou os seus direitos enquanto executado, matéria esta que não logra referência no probatório da mesma sentença, quer como matéria provada quer como não provada (independentemente do relevo que a mesma possa ter para a decisão a proferir, questão que apenas ao tribunal considerado competente cabe apreciar), pelo que o presente recurso não pode versar, exclusivamente, sobre o direito a aplicar, pelo que a presente excepção de incompetência absoluta deste Tribunal não pode deixar de ser julgada improcedente, o qual se declara competente para conhecer do mesmo.


4.1. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a falsidade do título dado à execução só pode ocorrer quando possa influir nos termos da execução o que não aconteceu no caso, em que ocorreu um mero erro do ano a que se reportava o período contributivo, por o mesmo ter sido emitido em 2011, sendo que a ora recorrente sempre identificou correctamente o ano a que o mesmo se reportava, em nada tendo afectado os seus direitos de defesa.

Para o oponente e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta (e outra) matéria que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal reexaminar a fundamentação da sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação (que não de anulação, como refere na matéria da sua conclusão g. e pedido, a final, formulado, quando nenhum fundamento invocou a tal conducente), continuando a pugnar pela falsidade de tal título dado à execução, que o andamento da execução fiscal sofreu influências, por mor da mesma, que lhe afectaram os seus direitos de defesa e que, caso assim se não entenda, deveria ter havido lugar à convolação para requerimento na execução fiscal.

Vejamos então.
A "falsidade do título" subsumível à alínea c) do n.º1 do art.º 286.º do CPT e hoje do art.º 204.º n.º1 alínea c) do CPPT, fundamento de oposição à execução fiscal, não abrange a eventual desconformidade entre a realidade e os pressupostos de facto em que haja assente a liquidação. Ao conceito de falsidade daquele normativo é subsumível tão só a falsidade material do próprio título ou a sua eventual desconformidade com a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, que não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na alegada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo, não podendo em sede de oposição à execução fiscal e a pretexto da discussão da falsidade do título, discutir-se a bondade e acerto da respectiva liquidação exequenda (1), como antes se dispunha na norma do art.º 145.º § único do CPCI, depois na alínea h) do n.º1 do mesmo art.º 286.º do CPT e hoje na alínea i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT. A não ser, que a lei não assegure ...meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. sua alínea h) do mesmo art.º 204.º), o que no caso, se não coloca.

Para integrar tal falsidade do título executivo, continua o oponente e ora recorrente a reportar, que a liquidação de IMT subjacente a tal título dado à execução, repousa ou assenta no erro relativo ao seu ano, que é de 2004 quando nele foi identificado como sendo de 2011, como foi citado, pelo que é falso e que tal falsidade lhe causou efeitos negativos na defesa dos seus direitos e interesses, podendo ter agido na defesa dos mesmos, de forma diferente, se a falsidade não tivesse existido.

Confrontando o PA apenso, constituído pelas certidões do processo de execução fiscal em causa, dele se pode colher que foi instaurado com base nas certidões de dívida de fls 24 e 25, relativas a IMT, onde sob a indicação Período de tributação, aparecem 2011, quando, nas notificações das liquidações dos mesmos montantes, constantes de fls 26 a 46 do mesmo PA, já se refere que as mesmas, pelos motivos constantes da matéria fixada no ponto 2. da matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, se reportam a 2004, às diversas fracções ali mencionadas, em que o mesmo, em 17-2-2011, pelo requerimento cuja cópia consta de fls 50 e 51 do mesmo PA, veio requerer o cálculo da garantia a prestar para efeito de fazer suspender a execução fiscal, garantia que prestou conforme cópia do título de fls 75, bem como pelo requerimento de fls 76 (cópia) veio informar ter deduzido impugnação judicial contra tais liquidações, cuja cópia da 1.ª folha da mesma fez juntar, constante de fls 77, em suma, não obstante tal erro constante das referidas certidões de dívida quanto ao ano dos tributos, a mesma sempre agiu na defesa do que entendeu serem os seus direitos ou interesses legítimos, por referência ao verdadeiro ano a que tais impostos se reportam – 2004 -, de acordo com todo o procedimento de liquidação ocorrido, designadamente com a respectiva acção inspectiva que à mesma teve lugar, onde foi notificado para o direito de audição, e onde tais montantes foram de tributo (foram) apurados (aliás, mesmo na petição inicial da presente oposição, no seu art.º 6.º, veio o mesmo a afirmar que, no entanto, tais liquidações são relativas ao ano de 2004).

Como bem se fundamenta na sentença recorrida, a falsidade do título subsumível a tal alínea c) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT, só pode ser declarada quando a mesma possa influir nos termos da execução, aliás, de acordo com o conteúdo literal do seu próprio comando, e no caso, toda a tramitação da mesma, até o ora recorrente ter prestado garantia, para além de ter sido o legalmente previsto, sempre foi no entendimento de que tais dívidas se reportavam ao ano de 2004, de acordo com o referido procedimento de liquidação, no que tanto o OEF como o ora recorrente não dissentiram, pelo que tal erro do ano a que se reportavam os tributos, constante em tais certidões, assim, apresentando—se como ostensivo, foi irrelevante para o respectivo processamento e marcha dessa execução fiscal, não se vendo onde a defesa dos direitos ou interesses legalmente protegidos do ora recorrente possam quedar afectados, como em abstracto continua a invocar, mas que não concretiza e nem prova que o tenham sido, pelo que se mostra não preenchido o respectivo fundamento de oposição à execução fiscal, a qual assim não pode deixar de improceder.

Assim, a menção do ano de 2011, constante nessas duas certidões de dívida, como relativo ao período trib., a enfermar de erro, poderá ser corrigido ao abrigo do disposto nos art.ºs 249.º do Código Civil e 148.º do CPA, dentro do princípio geral de que os erros rectificam-se e não constituem fontes de direito, sem quaisquer outras consequências.

Na matéria das suas conclusões f. e g., invoca ainda o recorrente, a título subsidiário que, em todo o caso, sempre na sentença recorrida deveria ter sido ordenada a correcção da presente petição de oposição para requerimento de oposição a arguir na execução fiscal, questão que, embora não articulada na petição de oposição e nem conhecida na sentença recorrida, deve este Tribunal conhecer, por a mesma ser de conhecimento oficioso, enquanto excepção dilatória que é, nos termos do disposto nos artºs 289.º, 493.º, 494.º e 495.º do Código de Processo Civil (CPC).

Em processo judicial tributário em que nos encontramos, nos termos do disposto nos art.ºs 97.º, n.º3 da LGT e 98.º, n.º4 do CPPT, tem lugar a convolação para a forma de processo adequada quando, exista erro na forma de processo legalmente prevista, isto é, quando se utilize uma forma de processo que segundo a lei, não seja a legalmente determinada para fazer valer em juízo certo direito ou interesse legalmente protegido, sendo certo que o catálogo das formas processuais tributárias se encontra previsto no art.º 97.º deste CPPT, onde na sua alínea o) se encontra a oposição à execução e no seu art.º 204.º, os fundamentos admissíveis a esta correspondentes, que no caso o ora recorrente, nos seus nove artigos da sua petição inicial de oposição, apenas invocou o de falsidade do título dado à execução, assim pretendendo que fosse subsumível à alínea c) do n.º1 do art.º 204.º, do mesmo CPPT, cujo pedido, a final, consequente, formulou, de extinção da execução fiscal, donde, manifestamente, se extrai inexistir qualquer erro na forma de processo, de acordo com a causa de pedir pretendida fazer valer e o respectivo pedido formulado, pelo que se não coloca a questão de convolação, por lhe faltar o seu pressuposto básico – erro na forma de processo – pelo que não poderá, também, deixar de improceder esta matéria recursiva.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em declarar este Tribunal competente para conhecer do recurso, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida e em não proceder à convolação.


Custas pela recorrente.


Lisboa,6 de Outubro de 2012
Eugénio Sequeira
Joaquim Condesso
Lucas Martins

(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 9.12.1998, 13.1.1999, 3.2.1999, 10.2.1999, 24.3.1999 e 22.6.1999 com os n.ºs 18 133, 22 619, 22 329, 23 034, 22 762 e 23 581, respectivamente, no que traduzem jurisprudência pacífica, quer daquele Tribunal, quer deste TCA. Na doutrina, em igual sentido, cfr. A. José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário - Comentado e Anotado - 4.ª Edição, págs. 61.