Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04817/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO/ LUGAR DA REALIZAÇÃO/ PROCEDIMENTO INTERNO E EXTERNO
Sumário:I - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

II - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo.

III - “O procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo”.

IV – No caso em análise, houve toda uma actividade da iniciativa da Administração, junto de terceiros, destinada à obtenção de elementos que não estavam obviamente na disponibilidade da AT, realizada com um claro cariz investigatório. Toda esta actividade de investigação ocorreu em momento anterior ao do início do período que corresponde àquele durante o qual, segundo o relatório de inspecção, decorreu a acção inspectiva interna.

V - Para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços, instalações ou dependências da Administração, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos) estaremos perante um procedimento externo).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

João ……………. e outra, inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2004, e correspondentes juros compensatórios, emitidas com os nºs ………….. e ……………, dela vieram recorrer.

Formularam, para tanto, as seguintes conclusões:

«50. Porque determinante na formação do juízo do Mmo Juiz a quo, a indicação a folhas 17 da douta sentença de "... visaram obter rendimentos através da venda de moradias construídas nos dois lotes de terreno…" e, sabendo falsa esta afirmação, considerando que uma das moradias, ainda hoje, é propriedade e habitação própria e permanente dos impugnantes, decorre que a sentença incorre em erro.

51. A douta sentença não considera o facto de funcionários da DGCI em diligência externa procurarem reunir elementos para fundamentar correcções tal como alegado pelos impugnantes e reafirmado pelo Ministério Público a folhas 3 da decisão.

52. Por jurisprudência superior entende-se que a materialidade externa do procedimento de inspecção e mesmo o seu início, adquire-se mesmo com a prática de actos a terceiros ou no exterior.

53. Situação que ocorreu quer junto do adquirente da moradia, da Câmara Municipal e de acções externas dos funcionários da DGCI.

54. Face às ilegalidades verificadas, é forçoso concluir pela nulidade do procedimento inspectivo por inexistência de notificações e informações próprias à tramitação do procedimento externo.

55. Apesar do Mmo Juiz a quo entender na douta decisão, a final que a intenção na aquisição originária dos lotes de terreno era o de "...obter rendimentos através da venda de moradias construídas nos dois lotes de terreno …", não é verdade o que afirma, desde logo porque,

56. A impugnante mulher é professora, a tempo inteiro;

57. Nunca existiu nenhum anúncio para venda do prédio urbano vendido;

58. Os impugnantes não realizaram qualquer negócio semelhante em momento anterior ao negócio aqui em causa.

59. Os impugnantes não realizaram qualquer negócio semelhante em momento posterior ao negócio aqui em causa.

60. A segunda construção é propriedade e corresponde, ainda hoje, ao local da habitação dos impugnantes.

61. E em consequência, seria forçoso concluir pela impossibilidade de conclusão de qualquer intenção comercial aquando da aquisição.

Termos em que requer a V. Ex.a, sejam as presentes alegações aceites por estarem em tempo, concedendo à decisão do Tribunal ad quem, provimento ao recurso, revogando assim a decisão proferida em l ª Instância, determinando a anulação da liquidação de IRS emitida, na medida em que fica demonstrado que não houve por parte dos impugnantes qualquer intenção comercial aquando da aquisição dos lotes de terreno».


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:

1 – A sentença recorrida errou ao qualificar o procedimento inspectivo como interno e não como externo – conclusões 51 a 54.

2 – A sentença recorrida errou, face ao circunstancialismo de facto apurado, ao confirmar a qualificação jurídica dos rendimentos proposta pela AT, ou seja, integrando os rendimentos obtidos na categoria B e não, como devia, na categoria G – restantes conclusões.


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2. Fundamentação

2.1. De facto

É o seguinte o julgamento da matéria de facto efectuado em 1ª instância:

«A) A impugnante, Susy ………….., com o NIF …………, casada no regime da comunhão de bens adquiridos com o Impugnante, João ……………., com o NIF …………., em 20/04/2004 era titular de dois lotes de terreno para construção - os lotes 07 e 15- sitos no Vale ………, freguesia de …….., S……….., inscritos na matriz predial urbana sob os artigos 4156 e 4164, respectivamente, descritos na C.ª do Registo Predial de …….., sendo o lote …. sob o n° ……., da referida freguesia;

B) A impugnante adquiriu o imóvel urbano/lote 15 com o artigo matricial n° ……… da freguesia de ……., concelho de S….., acabado de referir em "A", em 10/11/2000, cfr. docs. fls. 97 a 104 e 106/ss, e escritura junta, e no PA anexo, cujo alvará de licença de construção a CMS emitiu em seu nome, em 22/04/2002, cfr. fls. 73/ss do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos;

C) A impugnante adquiriu o imóvel urbano/lote 07 com o artigo matricial n° …… da freguesia de S……., concelho de S………, acabado de referir em "A", em 06/09/2002, cfr. docs. fls. 97 a 105 e 106/ss, e escritura junta, e no PA anexo, cujo alvará de licença de construção a CMS emitiu em seu nome, em 24/02/2003, cfr. fls. 78 e 77 do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos;

D) O lote 7 (art° 4156) veio a ser inscrito na matriz predial urbana sob o n°…….; e o lote 15 (art°4164) veio a ser inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….., cfr. docs. citados;

E) No referido terreno/lote 7, inscrito sob o artigo …….. da referida freguesia e concelho, os impugnantes construíram uma moradia (o imóvel em causa nestes autos);

F) No referido terreno/lote 15, inscrito sob o artigo ……. da referida freguesia e concelho, os impugnantes construíram uma moradia, que foi concluída em 2007, e que foi inscrita na respectiva matriz sob o artigo ……….como casa de habitação própria dos impugnantes, tendo apresentado a declaração Modelo l do IMI, a 25-06-2007, cfr. anexo I do relatório inspectivo, a fls. 34/ss do PA anexo e fls. 106, e p.i., cujos teores dou por reproduzidos;

G) Antes da conclusão da construção da moradia no terreno/lote 7, inscrito sob o artigo …… da referida freguesia, referida supra em "E", em Dezembro de 2003, o Rui ……………………. sinalizou a compra da moradia, com a entrega dos cheques n.°s ……….. e ………, do BNCI, à impugnante Suzy, datados de 10/09/2003 e 23/10/2003, de 20.000€ e 10.000€, respectivamente, cfr. fls. 52 e 53 do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos, e o mesmo Rui ……… solicitou alterações da construção e dos tipos de acabamento, o que foi feito;

H) O Rui ………………. escolheu a moradia, vinda de referir em "E" e "G", por intermédio de Manuel …….., do ramo dos Seguros, que era vizinho do construtor e sogro do impugnante João …….., (pai da impugnante Susy); o qual Manuel ………. o apresentou ao referido sogro e pai, tratado por "Sr. Carvalho", que por sua vez lhe indicou o genro, ora impugnante João …….., que trabalhava para o sogro, dizendo-lhe que este estava a construir uma moradia; impugnante este que mostrou ao Rui …… a moradia em presença e também os apartamentos sitos em S. Domingos, S...........;

I) O Rui …………… inicialmente esteve interessado em ver o tipo de construção; e a ideia da compra da moradia ("vivenda") em presença surgiu na sequência de o impugnante lhe ter mostrado um "duplex", mas precisar de uma casa com quintal, porque tinha animais; altura em que o impugnante lhe disse que estava a construir uma "vivenda" (a moradia em presença), ainda em placas e acabamentos;

J) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 21/04/2004, no 2° Cartório Notarial de S…………., a fls. 57/ss do PA anexo, cujo teor dou por reproduzido, os impugnantes Susy ………………. e marido João ………………….. venderam a Rui ………………….. e mulher, Helena …………………., a moradia construída no referido terreno/lote 7, inscrito sob o artigo …….., referida supra em "E", destinada a habitação, e inscrita na matriz da mesma freguesia sob o art°……., mencionando o valor de 163.200,00 €, como preço, sob empréstimo da CGD;

K) Por escritura pública de empréstimo com hipoteca, celebrada nesse dia 21/04/2004, no mesmo 2° Cartório Notarial de S……….., a fls. 64/ss, do PA anexo, cujo teor dou por reproduzido, o Rui …………….. e mulher, Helena …………., obtiveram outro empréstimo da CGD, no valor de 45.000€, dando como garantia hipotecária a moradia construída no referido terreno/lote 7, inscrito sob o artigo ………, referida supra em "E" e "J";

L) A Helena ………… esposa do Rui ……………………………………., com data desse mesmo dia 21/04/2004, passou à ordem da impugnante, Susy …………, os cheques n° ……., da CGD, no valor dos 163.200,00€, do empréstimo referido supra em "J", cfr. fls. 54 e 55, e n°0674574970, da CGD, no valor de 42.098,57€, do empréstimo referido supra em "K", cfr. fls. 54 e 55, cujos teores dou por reproduzidos, para pagamento da moradia comprada aos impugnantes, supra referida, nomeadamente em "J";

M) Os cheques, supra referidos, como sinal, em "G", e, acabados de referir em "L", totalizam o valor de 235.298,57€ (20.000+ 10.000+ 163.200+ 42.098,57); tendo a moradia em presença, supra referida, designadamente em "J" sido comprada aos impugnantes, pelo preço real de € 229.929,01€, cfr. fls. 26 e 27, e 89/ss do PA anexo;

N) Os impugnantes, quanto à venda da moradia em presença, supra referida, nomeadamente em "J", declararam à AT, no Anexo G da Declaração de Rendimentos, Modelo 3, do IRS do ano de 2004, uma importância correspondente à diferença entre o valor de realização de 163.200,006 e o valor de aquisição de 163.486,286, cfr. fls. 26 e 80 a 83 do Pa anexo, cujos teores dou por reproduzidos;

O) A AT, no seguimento do cruzamento de dados e após preparação, levou a cabo o procedimento inspectivo, para apuramento do rendimento advindo da venda do supra referido imóvel (moradia), a coberto da ordem de serviço n.°OI200702413 de 17/12/2007, nela sendo credenciados os inspectores tributários José ………………. e António ……………, cfr. fls. 95 dos autos e 19, do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos, e de cujo relatório final da inspecção, homologado em 18/02/2008, cfr. de fls. 23 a 31/ss, do PA anexo, cujo teor igualmente dou por reproduzido, se destaca o seguinte: «Ordem de Serviço N°OI200702413 (...) II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENÇÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA 1. Ordem de Serviço. A presente Acção de Inspecção teve origem na Ordem de Serviço Interna n° OI200702413, tendo o procedimento interno de inspecção sido iniciado em 17/12/2007 e concluídos os actos de inspecção em 22/01/2008. (...) A acção inspectiva teve por base o PNAIT 31418 - Diverso (determinado por despacho do DF) e é de âmbito parcial, abrangendo o IRS do ano de 2004. 2. Outras Informações. Pela consulta à base de dados da DGCI (Cadastro e Visão do Contribuinte), verificou-se que no ano de 2004 ambos os Sujeitos Passivos (marido e mulher) declararam ter auferido rendimentos de trabalho dependente (Categoria A) e de Mais Valias (Categoria G). O respectivo agregado familiar é composto pelos dois cônjuges e por um dependente não deficiente. (...) III (...) l - Factos Apurados com Base em Informação Disponível na Direcção de Finanças de S…………. Tendo por base a informação disponível nesta Direcção de Finanças, designadamente, a informação sobre o Património (Anexo: l - fls. l a fls. 11), constante do Cadastro Patrimonial da DGCI, o resumo dos actos notariais participados pelos Notários à DGCI (Anexo: 2 - fls. l e 2), nos termos do artigo 123° do CIRS, a documentação e esclarecimentos prestados pelo adquirente do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 5335 da freguesia de Salvador, concelho de S........... (Anexo: 3 - fls. l a fls. 21) e a documentação fornecida pela Câmara Municipal de S………. (Anexo: 4 - fls. l a fls. 7), verificou-se o seguinte: (...) Resultante da venda do referido imóvel foi declarado no Anexo G da declaração de rendimentos, modelo 3 do IRS, do ano de 2004, uma menos-valia correspondente à diferença entre o valor de realização de €163.200,00 e o valor de aquisição de €163.486,28 (Anexo 5 - fls. l a fls. 3). Na sequência da prestação de esclarecimentos e informações pelos adquirentes atrás identificados, foi informado que o valor efectivo da transmissão foi de 229.929,01€ (Anexo: 3 - fls. 3 a 6 e fls. 19 a 21), o que implica uma diferença no valor de realização de €66.729,01 que não foi declarado, com a consequente não tributação do respectivo ganho, uma vez que, caso tivesse sido declarado o efectivo valor da transmissão, seria apurada uma mais-valia (€229.929,01- € 163.486,28 = € 66.442,73). Com a exposição a prestar os esclarecimentos, remeteram os adquirentes cópia dos seguintes documentos: (...).»;

P) Os impugnantes foram notificados do projecto de correcções constantes do relatório de inspecção, de fls. 24 a 32, cujo teor dou por reproduzido, em 24/01/2008, pelo ofício n° 615, de 23/01/2008, cfr. fls. 23 e 16° da p.i.,, cujos teores igualmente dou por reproduzidos, para exercerem o direito de audição;

Q) A AT emitiu e remeteu aos impugnantes a nota de cobrança e demonstração da liquidação de fls. 37 e 38, cujos teores dou por reproduzidos;

R) A AT remeteu aos impugnantes o relatório final da inspecção referida supra e «Correcções Resultantes de Análise Interna», através do ofício n° 15267 Di, de 21/02/2008, por carta registada, a qual foi devolvida ao remetente, por não atender e não ser reclamada, cfr. doc. dos CTT de fls. 22 do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos e destacando deste o seguinte: «Não atendeu Hora: 12:30. Dta 08-02-22: Giro (...) Avisado na estação dos correios de STR» «Remetente/Retour 2008-03-05 (...) Objecto não reclamado/ (...)»; e, relatório final esse, já supra referenciado, que continha, como contém, manuscrito, despacho de homologação, concordância e confirmação de 18/02/2008, e menção de delegação de competências, cfr. fls. 23 do PA anexo;

S) Dou por reproduzidos os teores dos seguintes documentos: carta do comprador da moradia em presença, supra referido Rui Pinheiro, com esclarecimentos, a fls. 50 e 51 do PA anexo; do ofício 562062 de 04/12/2007, a fls. 72 do PA, da Câmara Municipal de S........... e Alvarás de Licenciamento de Construção dos supra referidos lotes 07 e 15 e suas prorrogações de tempo, com ele juntos, de fls. 73 a 78 do PA anexo, bem como o despacho com informação de fls. 89 a 93, que manteve os actos tributários, e licenças de utilização das moradias de 15/12/2003 e de 21/06/2007, fls. 71 ao PA, informação Notarial de fls. 97 e 98 do PA, e todos os demais documentos do PA anexo, que constituem os Anexos do relatório de inspecção já referido;

T) À data da construção das moradias e da venda da moradia em presença, a sociedade «C…………… & MOTA …………., LDA», com o NIPC …………, com o objecto de construção de imóveis para venda, tinha como sócios-gerentes JOAQUIM ……………….. com O NIF …………… e MARILIA …………….., com o NIF …………., e, como sócia, a impugnante, SUSY ………………; de cuja sociedade o impugnante JOÃO …………….. era trabalhador dependente, cfr. docs. de fls. 96 a 104 e 107/ss, 117, 118/ss dos autos, cujos teores dou por reproduzidos;

U) A AT enviou aos impugnantes o oficio n° 1.839, de 28/02/2007, a fls. 19, através de carta registada «RM ………….. PT», cfr. fls. 21, cujos teores dou por reproduzidos, solicitando cópias de elementos e prestação de esclarecimentos, como «Colaboração com os Serviços de Fiscalização», tendo os impugnantes, em 16/03/2007, a resposta de fls. 22, cujo teor dou por reproduzida e da qual se destaca o seguinte «(...) Inicio de compra de Material Julho de 2002. Conclusão da Obra 15.12.2003. Obra feita por administração Directa. Solicito que qualquer contacto seja efectuado por escrito. (...)».

V) A presente impugnação deu entrada em juízo em 04/06/2008, cfr. carimbo de fls. 1.».


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Motivação da Decisão de Facto

«O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto do probatório supra, e no alegado, tudo conjugado com as regras da experiência da vida.

Fundou ainda a sua convicção no depoimento da seguinte testemunha: Rui …………….., técnico administrativo tributário adjunto, com o 12°AE; disse que conhece os impugnantes, uma vez que comprou a sua habitação à impugnante Susy ……………; não é amigo nem inimigo dos mesmos e não tem qualquer interesse na causa; e que nada o impede de dizer a verdade. Reportou a procura de casa, sendo a ideia inicial ver o tipo de construção, a forma como chegou aos impugnantes, através do Manuel……….. dos Seguros, e vizinhança deste e indicação do construtor Sr. Carvalho, sogro do impugnante; foi o genro (impugnante) quem lhe mostrou os apartamentos e a moradia, moradia que estava em construção; moradia só lhe mostrou aquela; ele trabalha para o sogro; a moradia comprou-a à Susy ……..; a ideia da vivenda (moradia) surgiu depois de lhe mostrar um duplex e ter falado em precisar de um quintal para animais «e foi aí disse-lhe que estava a construir a vivenda: placas, acabamentos; viu publicidade de venda nos apartamentos, na vivenda não viu; não se recorda se ele lhe disse que era para venda ou para ele; "a compra foi com as alterações que eu propus'': reportou ainda a licença em nome da Susy ………… e o registo. E de forma a confirmar o que já tinha indicado por escrito à AT. Depôs com espontaneidade, razões de ciência, lógica, sem evasivas, merecendo credibilidade».

Factos não Provados

«Com interesse para a presente decisão, não se provaram outros factos, além dos fixados».


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2.2. De direito

A primeira questão a apreciar, correspondente às conclusões 51 a 54, prende-se com a natureza – interna ou externa - do procedimento inspectivo efectuado, procedimento este que está na base da correcção e liquidação de imposto aqui contestada.

O impugnante, ora Recorrente, defende tratar-se de um procedimento externo; a sentença recorrida, inversamente, considerou que estávamos perante uma acção inspectiva interna (tal como qualificada pela AT).

Por qualificar o procedimento como externo, o Recorrente conclui, evidenciando o circunstancialismo em que a inspecção decorreu, concretamente através de recolha de elementos junto de terceiros e externamente, pela nulidade do procedimento inspectivo por inexistência de notificações e informações próprias à tramitação do procedimento externo.

Em concreto, refere o Recorrente, na linha daquilo que já havia invocado em sede de p.i de impugnação, que as correcções e respectivos fundamentos não resultaram unicamente da análise das declarações apresentadas, desde logo no que respeita à conclusão de que operação em causa – venda de uma moradia – constitui factualidade tributável na categoria B de IRS. A perspectiva da AT, prossegue o Recorrente, é motivada numa série de pressupostos necessariamente de cariz externo, designadamente licenças de construção, especulação sobre a quota societária da impugnante na sociedade do seu pai, pedidos de elementos vários ao adquirente do imóvel, tais como a indicação dos valores pagos e os meios de pagamento. Ora, foi com base nestes elementos que foram efectuadas as correcções. A materialidade externa do procedimento de inspecção e mesmo o seu início, sublinha o Recorrente, adquire-se com a prática de actos junto de terceiros, o que, no caso, se verificou, quer junto do adquirente da moradia, da Câmara Municipal e de acções externas dos funcionários da DGCI.

Assim sendo, tratando-se, afinal, de um procedimento externo (e não interno) impunha-se à AT a observância de exigências formais, que não foram observadas, no que toca à notificação do início do procedimento inspectivo, ao prazo de conclusão de seis meses do procedimento e à falta de credenciação dos funcionários que praticaram os actos.

A este propósito, o Mmo. Juiz do TAF de Leiria expendeu o discurso argumentativo que, em parte e seguidamente, se transcreve:

“(…)

Quanto ao lugar da realização, o procedimento de inspecção pode classificar-se em procedimento interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, ou, em procedimento externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso (artigos 13 e 34, do RCPIT). [por economia, de ora avante usaremos a designação de inspecção como sinónimo de procedimento inspectivo].

(…)
Verifica-se pelo relatório da inspecção, a que se refere o probatório supra, que, quer pelo que nele se encontra determinado e consignado, quanto à finalidades e motivos, ao âmbito e ao lugar da realização (que aqui se enfoca), quer do seu conteúdo material, a referida inspecção foi interna, porque os actos de inspecção se efectuaram exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; e não total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos, obrigados tributários ou terceiros com quem mantivessem relações económicas ou outro local.
A circunstância de serem pedidos elementos e esclarecimentos quer aos compradores da moradia em causa, quer aos vendedores, ora impugnantes, -no âmbito dos princípios da cooperação e da colaboração, cfr. artigos 55 e 59, da LGT e 5° do RCPIT- em conjugação com os demais elementos obtidos através da comunicação legal do Notário, bem como da Câmara municipal, não tem a virtualidade de mudar a natureza interna da referida inspecção.
Tratou-se, pois de uma inspecção de natureza interna, pelo que improcede a douta alegação dos impugnantes.
(…)”
Tendo chegado a esta conclusão quanto ao lugar do procedimento de inspecção, o Mmo. Juiz daí retirou as consequências legais, fazendo o contraponto entre as diversas exigências formais exigidas no procedimento externo, não aplicáveis ao procedimento interno.
No essencial, o discurso adoptado na sentença recorrida prossegue nos seguintes termos:
“(…)
… a inspecção interna não obedece às mesmas exigências da inspecção externa.
Senão vejamos. A regulamentação do procedimento encontra-se nos artigos 44/ss do RCPIT.
Ora, como resulta do artigo 46, do RGIT, só «o início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão (...)», considerando-se credenciados os funcionários da DGI munidos de ordem de serviço; sendo que não há lugar a emissão de ordem de serviço quando as acções de inspecção tenham por objectivo a consulta, recolha e cruzamento de elementos, entre o mais; e as acções de inspecção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeitos passivos com quem o sujeito inspeccionado mantenha relações económicas são efectuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indicara a tarefa executada.
Assim, embora a lei não a proíba, a verdade é que só exige credenciação na inspecção externa. Portanto, não era exigida qualquer credenciação dos funcionários, não obstante o que consta do relatório de inspecção e Ordem de Serviço que lhe esteve subjacente, improcedendo a douta alegação dos impugnantes.
Também, nos termos do artigo 49, do RCPIT, só «o procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início»; e não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspecção quando o procedimento vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos destinados a confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário e nos demais casos previstos no artigo 50, do RCPIT. Embora a lei não a proíba, a verdade é que só exige a notificação prévia nesses casos e da inspecção externa.
Pelo exposto, não tinha que haver notificação do início da inspecção interna aos impugnantes.
Quanto à duração da inspecção que vem alegada. Outra diferença de regime diz respeito ao prazo de duração da inspecção. Como resulta do regime do RCPIT e dos já citados preceitos legais, o prazo de 6 meses, que no entanto pode ser prorrogado, é um prazo legalmente exigível e exigido, apenas para as inspecções externas e não para o caso das inspecções internas, diferenças estas de exigências legais que, aliás, se compreendem.
No caso concreto, resulta do probatório e consta do relatório citado, que não foi ultrapassado qualquer prazo de 6 meses, pois a inspecção interna ocorreu entre 17/12/2007 e 23/02/2008.
Portanto, improcede esta alegação dos impugnantes.

(…)”

Vejamos, então, o que dizer sobre esta primeira questão que nos vem colocada.

Dispõe o artigo 13º do RCPIT, quanto ao Lugar do procedimento de inspecção, que:

Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

Como se sabe, “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar” - Joaquim Freitas da Rocha, in RCPIT, anotado e comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, pág. 83.

No caso concreto o que temos é uma acção designada de interna que, segundo o relatório inspectivo, decorreu entre 17/12/07 e 22/01/08.

De acordo com o teor do relatório, a inspecção em causa tem na sua base uma ordem se serviço, sendo aí evidenciado que os factos apurados foram-no com base em informação disponível na Direcção de Finanças de S..........., designadamente a informação sobre o Património, constante do Cadastro Patrimonial da DGCI, o resumo dos actos notariais participados pelos Notários à DGCI, nos termos do artigo 123° do CIRS, a documentação e esclarecimentos prestados pelo adquirente do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ……… da freguesia de Salvador, concelho de S........... e a documentação fornecida pela Câmara Municipal de S............

Foi com base nestes elementos que a AT pôde concluir, in casu, que (tal como consta do relatório de inspecção):

“(…)

Analisada a declaração de rendimentos entregue pelos Sujeitos Passivos, referente ao ano de 2004, verifica-se que a alienação do imóvel em causa (moradia construída no lote 7) foi declarada no âmbito da categoria G, evidenciando a perda obtida como uma menos-valia privada.

Contudo, considerando o valor efectivo da transmissão bem como a documentação fornecida pela Câmara Municipal e pelo adquirente, constata-se que existiu uma intenção de valorização do prédio (lote de terreno) através da construção de uma moradia com a finalidade de venda a terceiros, retirando àquele ganho a natureza de um ganho meramente fortuito ou ocasional (mais valia privada) e dando-lhe uma natureza comercial, porquanto:

- O sujeito passivo B solicitou à secção de obras e loteamentos da Câmara Municipal de S........... os alvarás de licença de construção de moradias unifamiliares, anexos e muros de vedação nºs 2203/2002, de 22/04/2002 (lote15) e 986/2003, de 24/02/03 (lote 7), num espaço temporal muito curto (cerca de 10 meses) (…)

- O adquirente da moradia sita no lote 7 sinalizou a aquisição do imóvel solicitou várias alterações, quer ao nível da construção, quer ao nível dos acabamentos interiores, antes da conclusão das obras (…), apesar do respectivo alvará de utilização, o alvará nº 6982/2003 de 15/12/03, ter sido emitido em nome do sujeito passivo B;

- A moradia sita no lote 15, a que corresponde o alvará de construção nº 2203/2002 (que sofreu duas prorrogações consecutivas no prazo de validade, tituladas pelos alvarás nºs (…) e o alvará de utilização nº 4552/2007 (…), ter sido destinado à habitação própria e permanente do Sujeito Passivo.

Resulta do exposto, que o destino de um dos lotes seria a venda após a construção, já que:

- Antes da conclusão da obra, que ocorreu em 15/12/2003, o adquirente sinalizou a futura aquisição da moradia, cuja escritura foi lavrada em 21/04/04, com a entrega de dois cheques ao sujeito passivo B, emitidos em (…) e solicitou várias alterações ao nível da construção e acabamentos interiores, que comprovam a sua participação directa no acabamento da obra, segundo o seu interesse;

- E porque, ao mesmo tempo, o Sujeito passivo B construía no lote 15 uma outra moradia (conforme os alvarás…), esta sim, a sua habitação própria e permanente actual, o que comprova que nunca habitou nem tinha intenção de habitar na moradia edificada no lote 7, que foi construída exclusivamente com destino à venda.

Desta forma, o ganho obtido com a venda da moradia não foi meramente fortuito e inesperado, pois resultou da acção do seu proprietário conducente à sua valorização tendo em vista a alienação, o que o retira da incidência da categoria G, como rendimento de mais-valia, uma vez que a valorização não foi ocasional (…).

No caso em apreço, está patente uma atitude mercantil, que pressupõe o exercício de uma actividade comercial ou industrial (construção para a venda), uma vez que os factos apurados evidenciam o desenvolvimento de uma actividade, ocasional embora, que teve como fito a construção para a venda, seguida da obtenção de ganhos (lucro), que se enquadra no conceito de rendimento comercial ou industrial.

Assim, o rendimento obtido com a venda do imóvel em causa, é um rendimento da categoria B (empresariais e profissionais), nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 3º conjugada com a alínea f) do nº1 do artigo 4º, todos do CIRS.”

Ora, tal como se retira do citado artigo 13º do RCPIT, o procedimento interno, cujos actos de inspecção são efectuados exclusivamente nos serviços da administração tributária, tem na sua base uma análise formal e de coerência dos documentos. Ou seja, trata-se de um procedimento de análise de conformidade entre documentos/ elementos que estão na disponibilidade da Administração. Daí que os respectivos actos, neste caso, possam ser exclusivamente praticados nos serviços da AT.

Como aponta o autor atrás citado, “o procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspecção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correcções em resultado do que for apurado” (sublinhado nosso).

Pense-se, a título de exemplo, na comparação entre o valor declarado a título de retenções na fonte sofridas por um sujeito passivo e o valor declarado pela entidade que procedeu às correspondentes retenções na fonte. Neste caso, a AT cruza a informação que tem na sua disponibilidade, através de uma análise formal e de coerência dos documentos.

Ora, no caso em análise, não é esta a situação que temos.

Se bem atentarmos no relatório de inspecção, há uma evidência que ressalta: a correcção efectuada (e a liquidação de imposto que lhe seguiu) não resultou, nem podia resultar, de uma mera análise formal e de coerência de documentos; pelo contrário. Com efeito, não foi com base na análise formal e de coerência de documentos na disponibilidade da AT (concretamente, informação disponível na Direcção de Finanças de S...........) que esta veio a pôr em causa o que havia sido declarado pelos sujeitos passivos, na sua declaração de rendimentos (alienação de um imóvel, declarada no âmbito da categoria G, evidenciando a perda obtida como uma menos-valia); não foi numa análise de verificação formal de conformidade entre documentos na disponibilidade da AT que esta desqualificou determinado valor como rendimentos de mais-valias (categoria G) para o requalificar como rendimentos empresariais e profissionais (categoria B).

O que sucedeu, no caso, foi que, por razões que não se mostram esclarecidas no relatório de inspecção, a AT dirigiu-se ao adquirente do imóvel, em Março de 2007, e solicitou-lhe diversos esclarecimentos e documentos relativos à transmissão do mencionado lote 7. E, porventura porque tais elementos eram ainda insuficientes para fundamentar a correcção que se propunha fazer, em Novembro de 2007, dirigiu-se à Câmara Municipal de S........... com vista a obter os alvarás de licença de construção e utilização relativos a dois lotes pertencentes à aqui Recorrente. Portanto, toda esta actividade da iniciativa da Administração, junto de terceiros, destinada à obtenção de elementos que não estavam obviamente na disponibilidade da AT, foi realizada com um claro cariz investigatório. Toda esta actividade de investigação ocorreu em momento anterior ao do início do período que corresponde àquele durante o qual, segundo o relatório de inspecção, decorreu a acção inspectiva interna (isto é, 17/12/07 e 22/01/08).

Ora, sem qualquer margem para dúvidas, foram os elementos assim obtidos, por iniciativa da AT, junto de terceiros – Câmara Municipal e adquirente da fracção – que permitiram a AT fundamentar, em exclusivo, a correcção efectuada e que deu origem à liquidação impugnada.

Senão vejamos.

Desde logo, pela informação e documentos disponibilizados pelo adquirente do imóvel, pôde a AT concluir que o preço de venda não correspondia, afinal, ao declarado; da análise e do confronto dos elementos disponibilizados, quer pelo adquirente, quer pela Câmara Municipal, pôde a AT concluir que existiu uma intenção de valorização do prédio ou uma atitude mercantil, retirando ao ganho obtido a natureza de um ganho fortuito ou ocasional e dando-lhe uma natureza comercial, o que determinou a sua desqualificação como rendimentos da categoria G e a consequente qualificação como rendimentos empresariais, categoria B.

Para tanto, ao longo do relatório a AT evidencia o espaço temporal curto em que foram solicitados alvarás de licença de construção, o facto de o adquirente ter sinalizado a compra, ter pedido alterações ao nível da construção e dos acabamentos, daí retirando a sua participação directa no acabamento da obra, segundo o seu interesse. Da mesma forma que surge evidenciada a circunstância de os impugnantes construírem ao mesmo tempo uma outra moradia, que veio a ser a sua habitação própria e permanente.

Ou seja, a constatação (extrapolação) da intenção de valorização do prédio ou uma atitude mercantil e a requalificação do ganho obtido como detendo uma natureza comercial (que não fortuita ou ocasional) e a consequente desqualificação dos rendimentos como pertencentes à categoria G, para os qualificar como rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), não é conclusão a que a AT chegasse através da análise formal e de coerência de documentos, concretamente de elementos declarados pelos sujeitos passivos, confrontados, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Note-se, de resto, que a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis é, em si, compatível com a declaração de rendimentos no âmbito da Categoria G.

É, pois, evidente que foi a actuação da AT junto de terceiros, e só esta, que possibilitou que a mesma procedesse à correcção efectuada, nos termos já expostos. Sem as apontadas diligências investigatórias, da iniciativa da AT, dirigidas a terceiros, a AT não chegaria às conclusões que chegou.

Na sentença recorrida, o Mmo. Juiz refere-se a uma acção de inspecção destinada à mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeitos passivos com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas, fazendo ressaltar que a mesma não carece de ordem de serviço, bastando a entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indica a tarefa executada e, bem assim, que não é exigível notificação prévia do procedimento.

E, na verdade, de acordo com o disposto nos artigos 46º, nº4, alínea a) e 50, n°1, alínea a) do RCPIT o procedimento de inspecção que tenha por objectivo a consulta, recolha e cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário não carece de ordem de serviço nem de notificação prévia, pois que a mesma visa apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos.

Porém, pela análise do relatório de inspecção, e tal como já deixámos evidenciado supra, é forçoso concluir que os procedimentos/as actuações da AT junto de terceiros, realizadas em Março e em Novembro de 2007, não visaram apenas a recolha de informação já que foi com base nessas informações (e documentos) que se desenvolveu – em exclusivo - toda a acção inspectiva. Mas mais: foram as apontadas actuações junto de terceiros, e os elementos assim obtidos, que permitiram que a AT procedesse, nos termos em que procedeu, à correcção que veio a originar a liquidação impugnada.

Em reforço do acabado de afirmar vai toda a descrição constante do relatório de inspecção que acima deixámos transcrita, no sentido de que foram os elementos obtidos juntos do adquirente e da Câmara Municipal de S........... que permitiram motivar a desqualificação/ requalificação dos rendimentos e a consequente correcção que veio a ser efectuada. Ou seja, as diligências investigatórias efectuadas entre Março e Novembro de 2007 não se limitaram a uma mera recolha de informação; foram muito para além disso; foram sim o início da própria inspecção tributária, da qual o impugnante não foi previamente notificado.

Já o dissemos: o procedimento de inspecção interno ocorre quando os actos de inspecção se efectuam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.

No entanto, e no caso, não se pode dizer que os actos de inspecção se efectuaram exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, posto que os elementos que decididamente motivaram a correcção foram obtidos junto de terceiros, por iniciativa da AT e, bem assim, porque como é evidente a correcção efectuada não resultou de uma análise de conformidade de documentos que a AT tivesse em seu poder (a informação/ documentos em causa só ficou disponível para a AT porque esta a recolheu junto de terceiros).

Em bom rigor, só porque esta actividade investigatória não foi integrada na inspecção (no seu período temporal) se pôde denominar como procedimento de consulta, recolha e cruzamento, permitindo, nessa medida, a qualificação da inspecção posterior como «inspecção interna».

Ora, já o dissemos: a qualificação do procedimento como inspecção interna ou externa, não depende da livre qualificação que a AT lhe atribua, antes obedecendo a critérios legais que confirmam, ou não, a designação escolhida. E, uma vez mais, lançando mão do autor e obra citada, a pag. 81, “(…) para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos seus serviços, instalações ou dependências, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos) estaremos perante um procedimento externo)”.

Ora, concluindo-se, como se concluiu, que a actividade levada a cabo pela AT, concretamente em Março e em Novembro de 2007, não constitui uma mera acção de recolha de informação, antes se traduzindo no início de uma acção de inspecção externa, de óbvio cariz investigatório, parece claro que a AT não observou as exigências legais que o RCPIT lhe impõe, concretamente no que toca à notificação prévia (cfr. artigos 49º, nº1 e 50/1,a) do RCPIT), à ordem de serviço e também no que respeita ao período do procedimento, de seis meses, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação, disso se notificando o sujeito passivo (cfr. artigo 36º, nºs 2, 3 e 4 do RCPIT).

Ora, estes factos – falta de notificação prévia da inspecção e inspecção prolongada para além do prazo geral sem prorrogação – não podem deixar de traduzir vícios determinantes da anulabilidade da liquidação que resultou de tal procedimento (cfr. artigo 135º do CPA).
Procedem, pois, as conclusões que vimos de analisar, sendo que a decisão da primeira questão que nos vinha colocada deixa prejudicado o conhecimento da segunda questão que autonomizámos inicialmente.

Por conseguinte, a sentença recorrida que, nos termos já expostos, julgou improcedente a impugnação e, em consequência, manteve a liquidação adicional sindicada, não pode manter-se, devendo ser revogada, o que se determinará no dispositivo.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso interposto, determinando-se, em consequência, a revogação da sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial, anulando-se o acto tributário de liquidação de IRS contestado.

Custas pela Recorrida, em 1ª instância.

Lisboa, 1 de Outubro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)